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  • Crítica | 8 Presidentes e 1 Juramento: A História de um Tempo Presente

    Crítica | 8 Presidentes e 1 Juramento: A História de um Tempo Presente

    Crítica 8 Presidentes e 1 Juramento

    8 Presidentes e 1 Juramento: A História de um Tempo Presente é um documentário em longa-metragem, conduzido pela veterana atriz Carla Camurati, conhecida por dirigir Carlota Joaquina: A Princesa do Brasil, filme marco zero da retomada do cinema nacional pós-queda da Ditadura Militar. O filme narra os eventos da recém-adquirida possibilidade de voto do povo brasileiro até Jair Bolsonaro.

    O ponto inicial do longa é a campanha das Diretas Já, seguido da posse de José Sarney após a morte de Tancredo. É curioso como não há narração, a produção optou pelas imagens contando a história, associando-as à recortes de jornais impressos de época e anúncios de rádio e televisão.

    O filme possui algumas cenas bastante raras e algumas curiosas. Nos tempos de Fernando Henrique Cardoso são mostrados índios protestando. Esse tom pode fazer o espectador acreditar que o tom do governo seria agressivo, mas não é, na verdade, é bastante respeitoso, ao contrário do que se vê ao falar de seu antecessor, Fernando Collor de Mello, flagrado aqui como um político que não conseguia tomar as rédeas da economia do Brasil.

    O filme não se furta em mostrar que o embrião do Bolsa Família foi originado por outros programas de distribuição de renda da época de FHC, assim como explana a mudança de postura que Luiz Inácio Lula da Silva fez para se tornar um candidato viável politicamente. O longa passa pelos escândalos do Mensalão e a participação do ex-deputado Roberto Jefferson, inclusive destacando momentos pitorescos, como a chegada dele com um olho roxo no Congresso. Não há concessões.

    Curiosamente, as partes que mostram a história do Partido dos Trabalhadores na presidência parecem mais breves, o que é até compreensível, visto que há tantos trabalhos em documentário sobre esses processos, como Entreatos, O Processo, Alvorada e tantos outros produtos que abordaram essa época. Há um belo acerto ao mostrar como as manifestações de 2013 influenciaram a queda de popularidade das figuras de Dilma Rousseff e Lula, assim como também é correta a fala de que tais atos não eram compostos exclusivamente pela direita. Ainda assim se fala bastante do crescimento econômico do país e dos escândalos de corrupção.

    A parte mais correta do filme é quando se destaca como a evolução da internet influenciou a democracia no continente americano e no Brasil. Redes sociais e memes são sabiamente apontados como o fiel da balança para os últimos resultados da política nacional, seja no golpe aplicado em Dilma, como também na popularização de Bolsonaro.

    8 Presidentes e 1 Juramento: A História de um Tempo Presente é uma boa forma de introduzir uma pessoa que nada saiba sobre como o caótico cenário sócio político do país chegou a esse 2021, mas ainda assim carece de um ritmo aceitável, suas mais de duas horas são extensas, e isso faz o documentário parecer um especial de TV de final de ano, trocando os últimos 365 dias para todos os anos pós-Constituição.

  • Resenha | Conversas Políticas: Desafios Públicos – Carlos Muanis e Aldo Fornazieri

    Resenha | Conversas Políticas: Desafios Públicos – Carlos Muanis e Aldo Fornazieri

    Qual liberdade nós vivemos hoje? […] Qual é a qualidade da nossa liberdade?

    Temos aqui uma obra que se faz discreta em qualquer estante, da mais vazia a mais cheia. Curta, se perde fácil entre livros mais atraentes, como os best-sellers de capa vermelha, e azul celeste – alguns até com relevo, e selos de mais vendidas. Mas o essencial é assim mesmo: modesto, por vezes até despercebido. Nesse jogo de atenção que os livros tanto participam, apenas para serem adotados, Conversas Políticas – Desafios Públicos é a típica publicação necessária ou no mínimo estimulante, em algum sentido, a quem se propõe a pensar e repensar a realidade política brasileira contemporânea, e com uma boa dose de contexto situacional e especulação assídua sobre o que está por vir.

    O problema é que falar das próximas ondas de um mar absolutamente instável, mostra-se tão desafiador quanto debater sobre um passado recente, ou mesmo as raízes de um cenário repleto de interesses e reviravoltas intercruzantes onde mora a política, no Brasil. Um verdadeiro campo minado, cujo poder das intuições muitas vezes não reflete as necessidades e muito menos os desejos da sociedade a ser representada. Assim, para o pensador que se propõe mergulhar em certas questões com o mínimo de profundidade, seja ela histórica ou crítica, é inevitável encarar os obstáculos na análise e na reflexão a respeito dos temas, e condições que fazem parte ativa da política nacional. E nesta obra da editora Civilização Brasileira, a tarefa é aceita com um vigor inspirador por três figuras qualificadas, para tanto, a fim de nos fazer olhar e entender três ângulos diferentes de um mesmo prisma; o prisma que vivemos.

    Fernando Henrique Cardoso abre o livro com sua visão cada vez mais globalista, com um enorme conhecimento histórico sobre o que embasa a política do Brasil, seus atores e engrenagens principais. O ex-presidente incorpora como ninguém o papel de intelectual em tempos nacionais em que a área sofre de um grande desgaste sob o ponto de vista social, defendendo a ótica das ciências sociais para fortalecer seu discurso da importância das utopias, e a lógica das crises num mundo globalizado. FHC, para entender esse mundo, ainda a ser estudado, olha para as estrelas e o horizonte, enquanto que Fernando Haddad olha para as pessoas, e o caminho dos seus passos. O ex-prefeito de São Paulo, numa entrevista aqui realizada no auge das manifestações de junho de 2013, já não cita velhos autores, presidentes americanos ou a ONU: vai direto para os conflitos e os problemas do dia-a-dia do cidadão médio brasileiro, guiado por um senso comunitário afiado ao falar de Prouni, atividade econômica, o papel do Estado, e o peso da nossa democracia.

    Entre fatos e opiniões acerca da realidade de um país continental, Haddad e FHC ocupam posições discursivas que, popularmente, são conhecidas como esquerdistas, e direitistas. Ambos agregam valor as questões que despertam nos leitores, fomentando assim um debate além-livro e complementando suas próprias visões de uma forma harmônica, num compêndio esclarecedor de entrevistas a culminar, finalmente, nos pensamentos do professor Aldo Fornazieri. Este chega para conversar sobre o que é essa quimera chamada Política, e porque as sociedades precisam dela, tendo nesta ciência o objeto de análise derradeiro da obra – análise esta multitemática, e não-partidária, como se faz preciso. Fornazieri é indispensável justamente por trilhar uma via mais acadêmica e prática ao comentar o partidarismo, a internet e as possíveis mudanças e soluções para nossos problemas públicos sob um viés filosófico, por fim, e muito além de qualquer lado político, num exercício nobre (e atual) em ser deliciosamente imparcial, e elucidativo. Logo em tempos nos quais, se você não tiver um lado, você é um ‘isentão’ que precisa ser doutrinado com urgência – uma falácia restringente que Conversas Políticas – Desafios Públicos, organizado por Fornazieri e Carlos Muanis, pretende exterminar por meio do poder de um bom debate. Qualidade boa o suficiente para pertencer a qualquer estante que se preze.

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  • Crítica | Excelentíssimos

    Crítica | Excelentíssimos

    Narrado pelo próprio diretor Douglas Duarte, Excelentíssimos é mais um dos filmes que tenta documentar o processo de golpe/impeachment de Dilma Rousseff. Apesar de esse ser um assunto de interesse nacional é também um projeto muito pessoal do cineasta. Para traçar seu panorama, ele busca voltar a 2014, eleição que fez Dilma se reeleger pelo Partido dos Trabalhadores, no quarto mandato do partido e esse resgata se dá por conta do cineasta achar que ter autorização para filmar o congresso em 2016 é pouco para ter uma visão realmente crítica sobre todo o processo.

    Depois dos preâmbulos, o filme foca nos olhos de Dilma, Aecio Neves e até de Michel Temer, em material de campanha, quando o quadro ainda não parecia tão calamitoso. Aecio cumpriria todo o script de bom perdedor, embora tenha mudado de ideia muito rapidamente, abrindo mão dessa postura de aceitar a derrota ou só despistando para sua real intenção de tomar o poder, mesmo que a força. Duarte gasta um tempo mostrando um congresso do PSDB, encabeçado por Fernando Henrique Cardoso, que deliberadamente dá voz ao senador de São Paulo Aloysio Nunes, afirmando que o que ele falar, virará manchete de jornais e revistas (e ele está certo). Nunes, que foi candidato a vice em 2014 afirma duas coisas importantes, que não há como governar sem o PMDB (atual MDB) e que o impeachment é como uma bomba atômica, é feita para dissuadir, e não para ser jogada, e eles (FHC e cia) jogaram assim mesmo.

    O registro de Excelentíssimos é bem inteligente, e compreende uma investigação minuciosa da oposição, fato totalmente necessário para entender o quadro político pintado ali. Aécio declarava em “campanha” em 2015 – apelidada por muitos de terceiro turno – que o PSDB era o futuro. Isso, em 2018  após o fracasso tucano no legislativo e executivo soa engraçado, e nas frases do ex-senador há o termo “lambança” ao se referir ao PT, que curiosamente casa, no filme e no noticiário político, com a verba de 45 mil reais pagos a Janaína Paschoal, a mesma que abriu o processo de impeachment e que foi eleita a deputada estadual mais votada da historia.

    O filme é dividido em capítulos, e o segundo é chamado de Aliança Desfeita, se refere ao rompimento de PT e PMDB e é aqui que é mostrada a aliança improvável de forças como Eduardo Cunha, Movimento Brasil Livre o MBL, os tucanos e a Fiesp. Também se explicita um caráter rachado no PMDB, com Cunha aparentemente de um lado (embora isso seja muito discutível) e Temer e PSDB de outro. A exposição do comercial do PMDB, de aproximadamente 10 minutos e conduzido por Fernanda Hamalek deflagra o desejo deles de assumir o comando do país a qualquer custo. Não era período de eleições, no entanto Cunha, Renan Calheiros, Helder Barbalho, Romero Jucá protagonizavam a peça como se fossem celebridades. A escolha da montagem por colocar Paulo Skaf, da Fiesp logo após esses momento não é à toa, uma vez que ele foi candidato do MDB ao governo de São Paulo e por pouco não foi ao segundo turno.

    Na parte 3, fala-se bastante do impedimento de Luiz Inácio Lula da Silva de subir ao posto de  ministro da Casa Civil. Apesar do documentário ter um volume de informações considerável, a maior parte desses dados são mostrados de uma forma correta, a mostra do planejamento do PT em trazer Lula para tentar negociar a permanência de Dilma no poder é feita em contraponto ao esforço midiático do juiz Sergio Moro em desmoralizar a figura do politico também agindo como um político. É bastante detalhada a operação feita pelos mandatários da Lava Jato, a descrição da Medida Coercitiva e o espetáculo pirotécnico envolvido.. Mas o filme não é complacente com o Partido dos Trabalhadores, e põe a interrogação do porque o partido ainda acredita em ações jurídicas e porque ainda insiste em usar essa estratégia, mesmo sabendo que o jogo é viciado.

    Excelentíssimos julga o próximo ministro da Justiça Moro, mostrando que ele tinha uma pressa política e que os grande meios da imprensa o ajudaram nisso, tentando transformar a subida ao ministério como uma movimentação de fuga da alçada da Lava Jato, e a maioria dos argumentos desses opositores se baseavam em áudios vazados ilegalmente, com pedidos de esfihas, piadas em graça, falas com amigos, e que para esses, vale até que possíveis provas cabais.

    Há um personagem deplorável que Duarte acompanha, , o deputado Julio Lopes do PP do Rio de Janeiro, que  fala barbaridades e destila preconceito, mas em uma coisa Lopes está correto, o PT só queria atrasar o processo de decisão ou não pela saída de Dilma, mas isso não ocorria pela inércia do partido e sim pelo jogo de cartas marcadas, como já foi muito bem discutido em O Processo.

    A voz que o cineasta dá a oposição e não só ao PT e aliados é um diferencial que faz desse documentário um bom retrato do que foi toda a movimentação política. Do lado petista, o deputado Silvio Costa se destaca como articulador governista, incrédulo de que aquilo prosperará, denunciando que aquele movimento cheirava a elite paulistana ingrata e dizia que a  guerra de verdade era no plenário. Apesar dos seus prospectos estarem errados, seu julgamento foi correto. Enquanto isso, quando Miguel Reale e Janaina prestam depoimentos, falam brevemente sobre as pedaladas e muito sobre corrupção, crimes dos quais Dilma não participou e sim os que capitaneiam a comissão de investigação. Para o leitor menos atento pode parecer que o filme é tendencioso, mas essa parte em especifico não é, realmente os juristas falaram muito mais de corrupção do que o motivos das pedaladas mesmo.

    Lembro que ao assistir Eduardo Cunha falando na câmara, havia um cinismo absurdo, típico de quem jamais temeu qualquer ação da justiça e Douglas Duarte também traz esse aspecto ao centro das discussões.  Mesmo achincalhado no plenário, o até então presidente da câmara permanece frio diante das falas e insultos contra si,  na maior parte desses momentos critico e criticado estão no mesmo enquadramento. Ri e conversa como se não houvesse nada ali. Ao mesmo tempo o filme destaca a tentativa de reaproximação de Dilma dos movimentos populares, ainda que tardiamente, e também a julga, mostrando que demorou-se muito para o PT retomar as bases, erro esse que também se mostrou existente nas eleições de 2018.

    Na escolha por julgar alguns personagens, o longa beatifica a figura de José Eduardo Cardozo, em uma tomada de uma nitidez absurda,  com um close que quase invade a alma do advogado de defesa, assim como trata o deputado Carlos Naum como um mentiroso debochado com o povo, uma vez que quando ele se refere a Cunha ele alega que não é responsabilidade da câmara julga-lo já que o povo pode fazer isso, e com Dilma a mesma regra não vale.

    Ainda há espaço para analisar Jair Bolsonaro que se declarava pré candidato em 2016. A câmera foca um bom tempo na estranha figura quando ele  ainda era do PSC (o futuro presidente ainda trocaria de partido duas vezes antes do pleito) e o que se vê é um discurso demagógico, bufão, debochado, raso e sectário, prega uma união onde uns são mais iguais que os outros, apelando para chavões como ser contra o coitadismo. Aqui já havia o slogan Brasil Acima de Tudo, Deus Acima de Todos. Também é mostrado Onyx Lorenzoni, em uma reunião do PSDB e o registro dos bastidores mostra o baixo clero agindo, normalmente evocando mentiras, como um suposto projeto de lei que permite operação de troca de sexo para crianças.

    No final de Excelentissimos, Duarte narra os rumos de cada um dos envolvidos no impeachment, destaca falas de Dilma, de que a democracia será sempre o lado certo da historia, alem da de Temer, que repete irritantemente a frase que o marcou como presidente, não fale em crise, trabalhe. A governabilidade do PT tão criticada pela oposição é também usada por Michel e o documentário flagra o silêncio ensurdecedor de todos, inclusive relacionando o caso de Geddel Vieira (onde foram encontrado mais de 50 milhões em casa) e a falta de protestos relacionados a isso é impressionante, mas Duarte não é ingênuo, denuncia também os erros estratégicos do partido que governou o país nos últimos anos, mesmo que ponha em contraponto as injustiças cometidas contra o governo do partido, e é nesse ponto que seu filme se torna ainda mais poderoso, por não julgar que há inocentes puros e simples em todo esse processo.

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  • Crítica | Real: O Plano Por Trás da História

    Crítica | Real: O Plano Por Trás da História

    Filme de humor involuntário que mira a qualidade de thriller político, Real: O Plano Por Trás da História é o longa-metragem de Rodrigo Bittencourt (Totalmente Inocentes) que pretende discorrer sobre a implantação de um novo plano econômico e uma nova moeda em território brasileiro, dado a crise inflacionária vivida à epoca, traçando um paralelo com a ascensão de Fernando Henrique Cardoso e seus partidários, desde a época em que foi ministro da Fazenda de Itamar Franco, até a presidência da república. O filme é contado através de uma entrevista do economista Gustavo Franco (Emilio Orciollo Neto) para a jornalista Valéria Villela (Cássia Kiss Magro), antes de uma CPI que ocorreria em 2003, no primeiro ano de mandato de Luiz Inácio Lula da Silva.

    O tom jocoso se dá principalmente graças as caricaturas dos personagens políticos do filme, em especial com Norival Rizzo fazendo FHC, em uma postura pouco parecida com a apresentada pelo sociólogo; de Bemvindo Siqueira, fazendo um Itamar histriônico e cheio de indagações sem respostas; e claro, o José Serra de Arthur Kohl – que claramente imita o político do PSDB – além é claro do senador (fictício) petista Gonçalves, interpretado por Juliano Cazarré que emprega três sotaques diferentes (mineiro, paulista do ABC e um nordestino genérico horrível) no decorrer do filme, mostrando uma imaturidade tremenda na composição de sua personagem.

    Parte dos elogios de algumas críticas – a maioria bastante pontual e parcial – é referente ao filme não utilizar em demasiado o linguajar dos economistas. Se por um lado há uma universalização de linguagem, por outro há também um esvaziamento de discurso. Há como se falar de um assunto tão complicado para o público leigo como os meandros da economia de um país sem tornar tudo enfadonho, A Grande Aposta fez isso e com um clima leve, Margin Call: O Dia Antes do Fim era mais pesado e mesmo com seus defeitos sabia passar a mensagem, e O Lobo de Wall Street apesar de ser um conto debochado, consegue traduzir muito melhor as questões financeiras importantes levantadas em seu roteiro, Real não passa perto disso.

    Muito se falou a respeito desse ser um filme anti-petista ou reacionário, e a realidade é que ele não é um e nem outro. Claro que há uma glorificação de figuras típicas do cenário tucano, em especial Fernando Henrique, que é visto como um homem acima dos outros, sendo esse o único a não sofrer a ira ou ingratidão de Franco, além de ser mostrado como uma pessoa distante de seus asseclas, como se os erros e trapalhadas em torno da implantação da moeda não fossem de sua responsabilidade. O curioso é que esse aspecto, de certa forma, revitaliza o argumento por muitas vezes associado à falácia, quando se tratava de uma defesa a não-ciência que eventualmente ocorria com os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff.

    O texto sofre com um maniqueísmo que torna todo o drama em algo imaturo, proposta que obviamente não parecia ser a inicial deste longa. Apesar de não tão ter nos personagens mais novos um tom tão parodial quanto com Itamar, FHC e Serra, há ainda uma construção muito rasa e arquetípica dos heróis da jornada, em especial de Gustavo Franco, que é um sujeito indócil, incorrigível e incapaz de apresentar qualquer nuance fora disso. Chega a ser estranho inclusive irônico que um acadêmico tão avesso ao socialismo possa ter uma admiração tão grande por um político que em seu passado, tinha tantas afinidades com a social-democracia, e é ainda mais risível uma quantidade de atitudes, como o uso do óculos de Franco para dar-lhe um tom despojado ao deixar o mesmo cair sobre seu rosto, assim como é escandalosamente boba a atitude dele invadindo um protesto em frente ao Banco Central, sendo esta uma bela versão em live-action de uma fanfic de direita. Outro momento constrangedor se dá quando ele ao ser recusado em um cargo que queria, joga para o alto um tabuleiro de xadrez de madeira, em uma cena que deveria parecer grave, mas que demonstra apenas a figura infantil do personagem.

    A personagem de Mariana Lima, Denise, também soa engraçada em alguns pontos, em especial graças a maquiagem carregada que ostenta, fazendo se assemelhar demais ao Coringa de Heath Ledger (Batman: O Cavaleiro das Trevas). Incrivelmente esta é uma das poucas personagens que tem uma mínima profundidade e apreço com a realidade, apesar de toda caracterização que lhe deram.

    Em última análise, a personalidade de Franco reflete demais a de muitos reacionários que vociferam opiniões intransigentes nas redes sociais, sem dar direito a qualquer outro argumentar contrariamente. Por isso, há por parte do público uma possível idolatria por esta versão do economista, e chama-se versão por que nem mesmo o Gustavo Franco original é tão teimoso e mimado quanto o representado por Orciollo Neto.

    Real: O Plano Por Trás da História tem uma dificuldade de identidade enorme, variando entre a comédia rasgada, graças ao deboche das figuras do cenário político brasileiro, variando entre o humor voluntário e involuntário, tornando difícil inclusive entender quais são as piadas propositais, visto que o roteiro de Mikael de Albuquerque não é claro quanto a isso. A meta de ser um thriller político também não é alcançada e o conjunto de músicas é até engraçado, com composições em sua maioria feitas por Maycon Ananinas e pelo próprio diretor, (com pérolas como Baila FHC, Exu Reunion, etc) ainda que não sejam mal executadas em tela. Bittencourt abusa de cortes rápidos, que em alguns momentos cansam seu espectador mas em outros aumentam a aura de tensão em torno dele. Claramente o diretor amadureceu desde Totalmente Inocentes, sendo este menos equivocado no geral que o anterior, mas claramente seu cinema não parece maduro o suficiente para algo tão grandioso e ambicioso quanto a transposição da literatura de Guilherme Fiuza (3000 dias no Bunker) quanto para contar uma história política tão densa e com discussões tão fortes como as propostas por um filme que pretende remontar a origem deste Plano Real.

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  • Crítica | O Mundo Segundo Lula

    Crítica | O Mundo Segundo Lula

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    Ao iniciar seu filme com um passeio por Brasília, German Gutierrez demonstra um pouco do que seria a incerteza da subida ao poder por Luiz Inácio Lula da Silva rumo ao palanque máximo do país brasileiro. A cerimônia de passagem de faixa de Fernando Henrique Cardoso, claramente contrariado, simboliza um pouco do que a narradora diz, os resquícios do que a burguesia pensava ao assistir a ascensão de um membro do proletário ao poder.

    Para Lula, sua vitória após tanto tempo é a mostra de uma evolução do pensamento do povo brasileiro, finalmente rompendo com a mentalidade de país colonial e colonizável, sempre subordinando-se às economias de países mais ricos e claramente exploradores. O começo da carreira do político foi feito em plena ditadura militar, em meio a um regime opressor que esmagava o homem.

    De família pobre, demorou a se alfabetizar, o que claramente se reflete nas suas falas tacanhas e repletas de vícios linguísticos, como a supressão do plural. Este defeito serviu bem para ele, ao menos num segundo momento eleitoral, uma vez que o aproximava do povo com quem ele tencionava falar. Aos trinta anos, tornara-se líder sindicalista, apoiando as eleições diretas, ao invés do regime ditatorial, como “único modo do povo se manifestar”. A partir daí, se explora o começo da trajetória do metalúrgico enquanto um governante.

    O horizonte mostrava o povo como um parceiro do político, feliz com o seu modo de tratar as relações exteriores, alguns até surpresos pelas origens humildes de sindicalista, mas as críticas também são devidamente documentadas, ainda que o cunho destas seja deveras tímida e comedida.

    A feitoria do filme foi logo após a reeleição de Lula, e não menciona em nenhum momento os escândalos políticos de seu partido, como o Mensalão, ainda que haja uma pequena menção nos letreiros ao final, claro, destacando-se o crescimento do país em um cenário mundial. A sensação de O Mundo Segundo Lula é um filme institucional é enorme, ao analisar-se seu caráter chapa-branca, mas é importante de ser analisado na contemporaneidade, especialmente pela avalanche de desinformação que corre a rede mundial em relação aos avanços do país nos anos em que Luiz Inácio foi presidente da República Federativa do Brasil, e a respeito de quem tem ou não lutado ao lado do proletariado brasileiro. Nisto, o filme de Gutierrez traça um bom prospecto, obviamente atentando para o bom mocismo do político.