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  • Resenha | Conversas Políticas: Desafios Públicos – Carlos Muanis e Aldo Fornazieri

    Resenha | Conversas Políticas: Desafios Públicos – Carlos Muanis e Aldo Fornazieri

    Qual liberdade nós vivemos hoje? […] Qual é a qualidade da nossa liberdade?

    Temos aqui uma obra que se faz discreta em qualquer estante, da mais vazia a mais cheia. Curta, se perde fácil entre livros mais atraentes, como os best-sellers de capa vermelha, e azul celeste – alguns até com relevo, e selos de mais vendidas. Mas o essencial é assim mesmo: modesto, por vezes até despercebido. Nesse jogo de atenção que os livros tanto participam, apenas para serem adotados, Conversas Políticas – Desafios Públicos é a típica publicação necessária ou no mínimo estimulante, em algum sentido, a quem se propõe a pensar e repensar a realidade política brasileira contemporânea, e com uma boa dose de contexto situacional e especulação assídua sobre o que está por vir.

    O problema é que falar das próximas ondas de um mar absolutamente instável, mostra-se tão desafiador quanto debater sobre um passado recente, ou mesmo as raízes de um cenário repleto de interesses e reviravoltas intercruzantes onde mora a política, no Brasil. Um verdadeiro campo minado, cujo poder das intuições muitas vezes não reflete as necessidades e muito menos os desejos da sociedade a ser representada. Assim, para o pensador que se propõe mergulhar em certas questões com o mínimo de profundidade, seja ela histórica ou crítica, é inevitável encarar os obstáculos na análise e na reflexão a respeito dos temas, e condições que fazem parte ativa da política nacional. E nesta obra da editora Civilização Brasileira, a tarefa é aceita com um vigor inspirador por três figuras qualificadas, para tanto, a fim de nos fazer olhar e entender três ângulos diferentes de um mesmo prisma; o prisma que vivemos.

    Fernando Henrique Cardoso abre o livro com sua visão cada vez mais globalista, com um enorme conhecimento histórico sobre o que embasa a política do Brasil, seus atores e engrenagens principais. O ex-presidente incorpora como ninguém o papel de intelectual em tempos nacionais em que a área sofre de um grande desgaste sob o ponto de vista social, defendendo a ótica das ciências sociais para fortalecer seu discurso da importância das utopias, e a lógica das crises num mundo globalizado. FHC, para entender esse mundo, ainda a ser estudado, olha para as estrelas e o horizonte, enquanto que Fernando Haddad olha para as pessoas, e o caminho dos seus passos. O ex-prefeito de São Paulo, numa entrevista aqui realizada no auge das manifestações de junho de 2013, já não cita velhos autores, presidentes americanos ou a ONU: vai direto para os conflitos e os problemas do dia-a-dia do cidadão médio brasileiro, guiado por um senso comunitário afiado ao falar de Prouni, atividade econômica, o papel do Estado, e o peso da nossa democracia.

    Entre fatos e opiniões acerca da realidade de um país continental, Haddad e FHC ocupam posições discursivas que, popularmente, são conhecidas como esquerdistas, e direitistas. Ambos agregam valor as questões que despertam nos leitores, fomentando assim um debate além-livro e complementando suas próprias visões de uma forma harmônica, num compêndio esclarecedor de entrevistas a culminar, finalmente, nos pensamentos do professor Aldo Fornazieri. Este chega para conversar sobre o que é essa quimera chamada Política, e porque as sociedades precisam dela, tendo nesta ciência o objeto de análise derradeiro da obra – análise esta multitemática, e não-partidária, como se faz preciso. Fornazieri é indispensável justamente por trilhar uma via mais acadêmica e prática ao comentar o partidarismo, a internet e as possíveis mudanças e soluções para nossos problemas públicos sob um viés filosófico, por fim, e muito além de qualquer lado político, num exercício nobre (e atual) em ser deliciosamente imparcial, e elucidativo. Logo em tempos nos quais, se você não tiver um lado, você é um ‘isentão’ que precisa ser doutrinado com urgência – uma falácia restringente que Conversas Políticas – Desafios Públicos, organizado por Fornazieri e Carlos Muanis, pretende exterminar por meio do poder de um bom debate. Qualidade boa o suficiente para pertencer a qualquer estante que se preze.

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  • Crítica | Reforma Política – Murillo de Aragão

    Crítica | Reforma Política – Murillo de Aragão

    Não há nada de errado com quem não gosta de política. Simplesmente será governado por aquele que gosta.” – Platão

    A reforma do sistema político brasileiro é tão imprescindível ao Brasil, quanto um copo d’água ao pobre coitado que passa dois dias sem uma gota de h2o, em um calor de 40 graus. Murillo de Aragão, por meio de uma extensa pesquisa visando contextualizar, e oferecer propostas e perspectivas claras e objetivas para esta reforma, realiza um trabalho ousado ao revirar a lógica do sistema político do país mais desigual da América Latina, país este que se orgulha em bater no peito, sendo extremamente hipócrita, ao afirmar ser a oitava economia do mundo. Traça-se, aqui, um debate de fácil entendimento, e com gosto de emergência, sobre as raízes de um mecanismo injusto, e sempre à frente dos estudos da ciência política, deste país.

    Afinal, como entender absolutamente uma realidade esquizofrênica e imprevisível que faz a trama das primeiras boas temporadas de House of Cards, parecem história para criança? O negócio é tão sério, que muitos inclusive já desistiram de suas análises sobre esse cenário turbulento e inexplicável, resultado de inúmeros interesses obscuros de vários setores do poder no Brasil, e decidiram apenas especular em seus canais de YouTube sobre os futuros utópicos dessa nação – seja sob um viés direitista, ou de esquerda, ou meramente acadêmico. Vale ressaltar que o advogado e cientista político Murillo de Aragão, neste livro da Civilização Brasileira, do grupo editoral Record, não somente prevê os prejuízos aos brasileiros, a médio prazo, dessa desorganização política e partidária que já virou um fator histórico e cada vez mais banal, para todos nós.

    Aragão vai muito além, e também expõe os problemas que não são tratados por quem tem o poder para resolvê-los, mas prefere mantê-los para continuar certos privilégios, tais os lucros exorbitantes de certos partidos, fora ou dentro dos períodos eleitorais, e o descontrole das despesas do setor público sem a devida transparência, e rigor, daqueles que deveriam zelar e proteger esses processos e os sistemas regentes da população, em prol dos pilares rachados de bem-estar da sociedade brasileira. Reforma Política vai contra o caráter irreversível dessas rachaduras, e ilustra com propriedade as razões que justificam esta reforma, brevemente elencadas, a seguir: distorção na representatividade parlamentar, mau uso e controle precário de recursos públicos, abuso de poder econômico, utilização ridícula das propagandas partidárias… velhos debates que as enormes injustiças do país não permitem nem que o povo tenha, como tampouco veja a necessidade de se discutir.

    O curioso é como o modelo nacional de funcionamento político é, na visão de Aragão, um modelo de transição entre o conservadorismo, e o futuro a ser construído. Entre crises antes resolvidas nos quartéis ou nas ruas, mas que, nas conjunturas do modelo presente, ainda está longe de proporcionar uma democracia verdadeira a nação – em que, na prática, os cidadãos se sintam majoritariamente representados no Congresso Nacional, mas que não sejam obrigados a votar a cada eleição. Os obstáculos atuais são e sempre foram muitos, mas se tudo é política, a população brasileira deve ser politizada a favor de um país melhor, e mais valorizado internamente, e não se permitir rupturas que apenas enfraquecem a luta por uma realidade mais justa, e já enfraquecida por fatores internos, e externos ao Brasil. Ao desvendar o complexo quadro que uma Reforma Política deve enfrentar, a obra deixa claro as motivações para uma batalha por um sistema menos corruptivo e mais são, neste país, sem deixar de lado o valor do caráter democrático, às instituições. Uma ótima leitura, bem fundamentada, elucidativa e sob medida aos que preferem ser tristes, a fugir da realidade das coisas.

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  • Resenha | Em Nome de Quem? – Andrea Dip

    Resenha | Em Nome de Quem? – Andrea Dip

    Em tempos de espetacularização da política e das religiões, quando tudo é um evento, e suas figuras mais célebres, verdadeiros artistas com prazo para desaparecerem, e quando eleitores e fiéis viraram fãs que aplaudem tudo que o ídolo de estimação faz, um livro como Em Nome de Quem? é uma lanterna em forma de informação, adentrando em uma caverna cuja escuridão é cada vez mais sedutora. Alimentada por homens astutos e com um implícito projeto de poder (explícito para eles, e para o leitor do livro de Andrea Dip), a publicação de 2018 da editora Civilização Brasileira vai muito além de investigar os planos e as estratégias da Bancada Evangélica para a doutrinação do povo brasileiro, indo ao encontro da verdadeira natureza do poder.

    Para quem acompanha Game of Thrones, por trás dos elementos fantásticos que envolvem a saga épica dos livros, e da multimilionária série da HBO, é fácil identificar as verdadeiras inspirações de George Martin para a criação de um verdadeiro jogo de poder onde nada é inegociável. Tudo e todos tem um preço, seja na ficção, seja na realidade, e a humanidade sempre habitou este tabuleiro de valores jamais negado pelos nossos governantes. Parece ser inevitável para nós a busca pela supremacia, e em idos menos autoritários que antes, ou que se tem a ilusão disso, como hoje, a sua conquista através da manipulação e da persuasão ideológica parece ser o caminho mais limpo e garantido de sucesso aos falsos profetas, soltos por ai.

    Em Nome de Quem? não possui apenas seu título como indagação, mas expande suas perguntas e respostas mantendo uma postura analítica e prazerosa de leitura, mergulhando com um afinco jornalístico impecável, e com um olhar realmente denunciativo, no potencial que a religião sempre teve de doutrinar uma sociedade – ou pelo menos uma boa parte dela. Dip faz questionar o inquestionável para muitos, e, corajosa, vasculha as estruturas sociais e políticas mais profundas desse país, e que tornam possível a gigantesca e gananciosa escalada de poder evangélico no Brasil do século XXI. O que movimenta uma mentira, e a sua desfaçatez, é a fé cega nela (“Gasta-se muito com a educação nesse país!”, afirmou o Presidente da República afiliado a esse projeto de poder), e o que a ampara é o totalitarismo vendido como salvação.

    Tática tão antiga, quanto valiosa. Nesse jogo dos tronos “cristão” brasileiro, faz parte usar da ignorância educacional e cultural do povo para sustentar a criação de uma Frente Parlamentar Evangélica cuja a principal marca é o retrocesso, a intolerância com todos que não são iguais a eles. O ingresso a política seria então a legitimação principal desse desejo por relevância que muitos desses pastores-políticos carregam, cientes das inúmeras técnicas disponíveis para chegarem “lá”. Vale tudo nessa guerra passivo-agressiva pelo controle e relevância nacionais, seja a partir da auto vitimização (“uma cultura perseguida e aflita e que, por isso, alimenta uma postura cada vez mais expansiva e agressiva dos pastores”), ou de mentiras que lobotomizam seus fãs (a demonização da ideologia de gênero, por ex.).

    Um livro fácil e injustamente acusado de esquerdista por seus detratores mais fanáticos, cuja intolerância política reflete a desses líderes religiosos que se infiltram na moral civil da maioria, contendo por exemplo uma entrevista esclarecedora de Guilherme Boulos, líder do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), logo nos seus momentos finais. Com outros inúmeros depoimentos de ícones do jogo político brasileiro, como um todo, Em Nome de Quem? busca criar nossa opinião a respeito de seus temas polêmicos, fornecendo dados alarmantes para o bem-estar das liberdades da sociedade brasileira (ainda não ciente da elaboração de técnicas de manipulação nas quais é submetida), e o indesejado avanço desse país rumo as características de uma nação de primeiro mundo. Eis uma publicação que deve ser reconhecida por seu caráter elucidativo e que resgata, em tempos de jornalismo parcial, o que faz de uma investigação algo digno de atenção.

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  • Resenha | O Jogo da Amarelinha – Julio Cortázar

    Resenha | O Jogo da Amarelinha – Julio Cortázar

    “Há livros que marcam a sua geração. Há livros que se tornam marca dessa geração aos olhos das seguintes. E há livros que nascem para ser eternos. Este, como poucos, pertence às três categorias. Publicado nos já míticos anos 60, O jogo da amarelinha teve imediatamente uma recepção extraordinária nas mais variadas línguas e latitudes”,  Ari Roitman, que assina o prefácio da obra

    Com um prólogo assim, não é de se estranhar que leitores atuais – entre os quais me incluo – peguem a obra para ler com uma expectativa estratosférica. E isso é um de seus problemas. Todo o “folclore” criado ao redor do livro, incitam no leitor inúmeras ideias preconcebidas, indo da dificuldade da leitura ao deslumbramento com a obra. E iniciar a leitura com essa carga emocional acarreta basicamente dois sentimentos:

    • Frustração: o leitor, mesmo apreciando o texto, sente-se um pouco desiludido pois queria ter gostado mais do livro (parafraseando aqui Calebe, do blog Os Espanadores).

    • Logro: e esse mesmo leitor, sente-se enganado por tanta propaganda enganosa, com a certeza de que a obra foi valorizada em excesso, aclamada em excesso, analisada à exaustão; enfim, concluindo que não era “aquilo tudo que falam por aí”. Acrescente-se aí a ideia erroneamente disseminada de que a leitura não-linear sugerida pelo autor daria origem a uma história complemente diferente daquela resultante da leitura linear – indo do capítulo 1 ao 56, sem ler os capítulos prescindíveis. Na verdade, é indiferente, dá na mesma ler de um jeito ou de outro, pois a história permanece a mesma, apenas com mais divagações filosóficas.

    Há motivos para ser assim. E acredito que mesmo aqueles que deram a ela 5 estrelas no Goodreads concordem com o fato de que o livro ficou datado sob alguns aspectos. Não há como negar a criatividade estilística do autor. Contudo, há 50 anos certamente o impacto no leitor era exponencialmente maior que nos dias atuais. Nem mesmo o conceito “inovador” de seguir uma outra ordem de leitura dos capítulos deixou de ser novidade há muito tempo, desde o advento dos livros-jogo, uma febre nos anos 80, cujo melhor exemplo (IMHO) são os da coleção Give Yourself Goosebumps, de R.L.Stine, um spin-off dos Goosebumps regulars. Vale lembrar que, nestes, a sequência de leitura dos capítulos altera, sim, o rumo e o desfecho da história.

    No romance, o leitor segue as andanças de Horácio Oliveira. A obra é dividida em três partes: “Do lado de lá”, “Do lado de cá” e “De outros lados (Capítulos prescindíveis)”. Na primeira parte, ambientada em Paris (onde o livro foi escrito), acompanhamos o casal Horácio e Maga, e as reuniões com seus amigos, regadas com muita bebida, cigarros e jazz. Na segunda parte, Horácio está de volta a Argentina, onde reencontra um amigo, Traveler, e passa a conviver com ele e a esposa, Talita. A terceira parte é constituída pelos capítulos prescindíveis, aqueles que não fazem parte da leitura linear.

    Mesmo lendo de forma direta, os capítulos oscilam entre eventos, digressões do protagonista e papos filosóficos entre os amigos, principalmente na primeira parte. Apesar de a segunda parte ter a cena que mais me chamou atenção depois do plot twist na primeira parte – a cena da tábua, que sei que desagrada a muitos -, ela é bem mais insossa. Tem-se a impressão de que foi escrita às pressas e sem muito empenho por parte do autor. Não é o nonsense, nem o absurdo de algumas situações, tampouco a (quase) certeza de que o narrador não é confiável que incomodam, mas sim a nítida sensação de que há história de menos para tanto texto – ou, em bom português, muita encheção de linguiça. O excesso de capítulos que não acrescentam nada à narrativa quase obriga o leitor a fazer uma leitura superficial, o que causa um certo desconforto e até um pouco de remorso: “Eu deveria estar me dedicando mais”.

    Uma enorme quantidade de citações – a autores, filósofos, músicos, e outros – não chega a atrapalhar a fluidez da leitura caso o leitor não faça ideia do que se trata, mas deixa a impressão de que talvez a história pareceria mais interessante se quem lê-la souber do que se trata. Em outras leituras, eu eventualmente até paro a fim de procurar as referências. Mas, neste caso, são tantas que passaram batidas todas as que não fizeram sentido para mim. Possivelmente, muitas dessas referências eram assuntos “da moda” na época em que o livro foi escrito, sendo facilmente identificadas e contextualizadas pelos leitores de então.

    Exceto pelos personagens principais, todos os outros parecem ser variações do mesmo. É quase impossível diferenciá-los, já que todos parecem ter a mesma voz narrativa. Se a intenção de Cortázar foi de construir personagens que deixassem o leitor incomodado por sua insipidez, sua falta de complexidade e sua chatice, seu objetivo foi atingido. É bastante tentador, quando conversam entre si, fazer uma leitura dinâmica até encontrar um parágrafo que volte a ser interessante. Em vários trechos, senti-me o próprio Charlie Brown em sala de aula, ouvindo sua professora: “Uon uón, uon uón uon, uon.” Nenhum deles consegue gerar muita identificação no leitor, pouco importando a este qual o destino dos personagens, o que certamente também dificulta a imersão na história.

    Enfim, é inegável o valor da obra como experimento formal. Mas ter envelhecido mal atrapalha a apreciação dos leitores de hoje, além de sua fama de ser uma leitura difícil. Não é difícil, apenas perdeu seu poder de arrebatamento no passar dos anos.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

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