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  • Resenha | Asterix: O Escudo Arverno

    Resenha | Asterix: O Escudo Arverno

    Uma certeza? Nunca tire nada de Júlio César, muito menos uma prova de rendição a ele. A busca pelo Escudo Arverno que era de César já começou, e ele vai virar a Europa de pernas para o ar se for preciso, até encontrar esse item perdido da sua valiosa coleção de conquistas. O que a publicação das editoras brasileiras Cedibra, originalmente, e posteriormente, Record, comenta é a ganância de uma figura imperial que de tão desmedida, torna-se motivo de piada nas mãos dos autores franceses Albert Uderzo e René Goscinny. Fora que o escudo nem é tão lindo assim, mas como ele era de um herói gaulês, eis a prova material de que César conquistou até mesmo a enorme região da Gália.

    Só tem um pequeno detalhe: a Gália possui uma pequena tribo resistente, lar dos mais loucos (e eficientes) guardiões que, quando não estão bebendo e festejando como se fossem hobbits, protegem sua terra-natal mais do que qualquer exército sonharia em fazer. É claro que estamos falando de Asterix e Obelix que, ao ficarem sabendo da empreitada atrás do Escudo Arverno, vão fazer de tudo para chegarem nele antes dos romanos – afinal, foi forjado por um conterrâneo deles e derrotado em batalha por César. Assim, a história investiga o paradeiro desse pedaço de metal, desejado por uns como questão de honra, e por outros, por pura soberba de imperador.

    Será possível que uma guerra vai começar, só pelas confusões que envolvem essa busca? Asterix e Obelix não querem saber, e juntos do cãozinho Ideiafix, vão varrer a Gália (e testar sua amizade) para alcançarem a tal da relíquia antes. Uma aventura que não enriquece a mitologia das histórias da famosa dupla, amada mundo afora desde 1960, mas que prova também a magia e a graça de suas peripécias, caricaturas deste período histórico e suas personalidades. Com alguns momentos hilários beirando a histeria de sempre, vale tudo tanto pela superioridade em tempos de conquistas de território, quanto pela preservação dos símbolos nacionais, aqui na forma deste bendito escudo.

  • Resenha | Asterix: Asterix nos Jogos Olímpicos

    Resenha | Asterix: Asterix nos Jogos Olímpicos

    Ah, a Gália… a  enorme região da Europa conquistada pelos romanos. Isso foi antes de Cristo mas, graças a Asterix e Obelix, ela nunca será esquecida. Palco (ou apenas o início) de suas inúmeras aventuras malucas, a Gália nessas histórias resistiu ao Império pela astúcia e força física das criações dos cartunistas franceses Albert Uderzo e René Goscinny que, desde os anos 1960, vêm ganhando as gerações com o racional Asterix e o impulsivo Obelix, representando o que há de melhor no período do exército romano de Júlio César e os seus absurdos. Loucuras essas que, de tão megalomaníacas, já seriam ridículas por natureza. Asterix e Obelix sempre foi a mais deliciosa das caricaturas desse período histórico, e Asterix nos Jogos Olímpicos, não poderia ser diferente.

    Agora toda a Europa está em polvorosa: em poucos dias, na Grécia, o maior torneio de todos vai acontecer, e a Gália quer mostrar a força e a superioridade do seu povo – como se já não bastasse provar isso sendo o último território contra Roma (!). E enquanto os romanos tem um bonitão enorme para os grandes jogos, para a Gália sobrou… Obelix, com sua enorme pança, mas que com um soco faz o lutador romano subir na mais alta árvore, deixando até suas sandálias no chão. Sentindo esse poder, Roma não vai deixar barato, mas quem pode contra o poderoso (e falastrão) Obelix e um Asterix que, após tomar uma poção mágica do bruxo Panoramix, consegue correr mais rápido que o vento? Está armada mil confusões olímpicas, sendo claro que a rivalidade do Império contra a resistência nunca foi tão divertida assim.

    O estilo narrativo frenético de Uderzo e o visual super expressivo Goscinny consagram-se a cada página como um primor das artes gráficas. Juntos a dupla teceu inúmeros álbuns coloridos de quadrinhos por anos e talvez Nos Jogos Olímpicos seja o mais irreverente de todos. Tal comédia dos costumes ainda arranja tempo para criticar a competitividade, a corrupção política e o etnocentrismo, já que os de Roma sempre se achavam superiores. E os de Gália também! Para todas as idades (e etnias), a publicação no Brasil da editora Record é perfeita aos colecionadores dessa dupla de gauleses e estimulante para o público infanto-juvenil que sempre precisa de um bom motivo para se encantar pela arte da leitura. Nem para isso, Asterix e Obelix falham.

  • Resenha | As Aventuras do Califa Harrum Ahal Mofadah: Primeiro de Abril em Bagdá

    Resenha | As Aventuras do Califa Harrum Ahal Mofadah: Primeiro de Abril em Bagdá

    Na mitologia da lendária série Asterix e Obelix, há espaço de sobra para a genialidade do francês René Goscinny, com a parceria do artista sueco Jean Tabary, alcançar novos gloriosos patamares, agora nas histórias do califa Harrum Ahal Mofadah e o seu conselheiro, o grão-vizir Iznogud. Obcecado em roubar o posto de Harrum, e tomar o trono como um bom e velho Judas, Iznogud trama mil peripécias para conseguir seu único objetivo na vida: o poder, custe o que custar. Isso porque o maior inimigo do ganancioso é sempre ele mesmo, e nos quadrinhos do cartunista francês Goscinny, publicado pela editora franco-belga Dargaud, o sarcasmo oferece ótimos exemplos disso, com um senso de humor delicioso e a ironia de sempre, ilustrando de forma surreal o ridículo daqueles que vivem se sabotando.

    E nada melhor para conseguir sua vitória que no As Aventuras do Califa Harrum Ahal Mofadah: Primeiro de Abril em Bagdá, quando tudo na cidade fica ao contrário, incluindo os postos das autoridades. A loucura, é claro, come solta por 24 horas, e quem era general vira soldado, e o escravo vira patrão: o momento perfeito para sabotar a todos, e conseguir virar califa antes da meia-noite! Mas nada é tão fácil assim, e ninguém em Bagdá parece ajudar Iznogud, já que todo mundo está interessado no seu próprio umbigo. Resta ao grão-vizir tentar corromper forças políticas no exterior para conseguir dar seu golpe de estado, mas suas aventuras só vão de mal a pior – ninguém o respeita, e muito menos ele. Este conto ilustrado sobre o lado perverso da ambição transmite, em sua autora infantil, um tratado simbólico sobre a natureza do poder, e suas consequências na mente tóxica de um homem.

    Tudo embalado pela graça exuberante das histórias de Goscinny, realmente impagáveis para todas as idades. De quebra, a publicação da Editora Record no Brasil ainda traz outros contos seguindo o conselheiro Iznogud nessa sua saga infinita pelo trono de Bagdá. Talvez a melhor delas, a ótima “O Labirinto”, nos apresenta uma construção impossível de sair e que chega a cidade fazendo barulho, como se fosse um evento circense para o povo. Eis então a isca perfeita para o califa Harrum entrar e se perder lá dentro – mas é lógico que a cobiça desmedida de Iznogud atrapalha tudo, de novo! O autor de Asterix e Obelix tinha o dom de nos encantar e divertir com suas cores e aventuras e, ao mesmo tempo, um convite às reflexões das mais variadas exclama de suas criações, tão vivas e atemporais, nesse mundo das artes. Um mestre.

  • Resenha | Era Uma Vez na França – Volume 2: O Voo Negro dos Corvos

    Resenha | Era Uma Vez na França – Volume 2: O Voo Negro dos Corvos

    No primeiro Era Uma Vez em França, publicação da Galera, selo da Editora Record, que inaugura praticamente todas as qualidades mantidas neste segundo volume, conhecemos a origem de um esquema de comércio ilegal na França dos anos 40. Agora presenciamos no máximo de realismo possível o início da sua queda. É notório o quão imortal toda raposa se considera, em suas tramoias e pulos para enganar a todos, sendo esta noção a grande mentira que sempre as derrota. A soberba de Joseph Joanovici o fez de sucateiro a bilionário, e ao se juntar com os nazistas de Hitler, traiu-se a abusar da própria sorte, da própria lábia que, por fim, custou-lhe tanta coisa.

    De simples operário judeu, Joseph transformou uma oficina imunda de metais em Paris, num monopólio de tráfico de materiais para as forças alemãs, no auge da Ocupação na França. Mesmo sendo judeu, oficiais de Hitler aceitam a matéria-prima de Joseph devido a ótima reputação do comerciante, cheio de contatos e amigos na Gestapo que usavam a suástica em seus braços uniformizados. Seguro de suas “amizades”, Joseph é motivado não apenas pelo dinheiro (e ouro) que recebe das forças inimigas da França como um grande traidor da pátria, mas em especial do senso de responsabilidade para proteger sua esposa e duas filhas da perseguição aos judeus. Tudo que uma cobra precisa para dormir em paz é de apenas um motivo para seguir sua natureza.

    Se antes de 1940, tudo ia de vento em popa para o imigrante russo acolhido em solo francês, com Hitler mandando no jogo, o tempo virou e a tempestade parecia iminente para Joseph. Escondendo cada vez mais sua família, tudo ficou incerto e suas alianças comerciais mostravam-se mais perigosas que a sua própria moral. Eis aqui um típico livro ilustrado para desmentir os muitos que dizem que HQ é coisa para criança: neste segundo volume de Era Uma Vez na França, os autores ilustram com total verossimilhança a queda do mercador judeu, baseando-se sobretudo nos eventos históricos que moldaram sua vida, e a Europa, para transmitir elegantemente o suspense e o drama daqueles que sobreviviam (ou não) a uma Paris sitiada pela opressão negra e vermelha. Grande publicação.

     

  • Resenha | Era Uma Vez na França – Volume 1: O Império do Senhor Joseph

    Resenha | Era Uma Vez na França – Volume 1: O Império do Senhor Joseph

    O subtítulo do volume um de Era Uma Vez na França faz justiça a todo o estudo fenomenal de personagem revelado em 56 páginas, mais velozes do que deveriam ser – o que nos convida a releitura. Atuando como um grande flashback dividido em várias épocas, conhecemos a fundo a ascensão d’O Império do Senhor Joseph, que junto de sua esposa Eva e sua fiel assistente Luci, alcançaram grande influência na máfia francesa e na área de mineração do país, ainda na primeira metade do século 20. A biografia de Joseph Joanovici desvenda a figura de um genuíno homem de negócios, uma raposa refugiada da Romênia (após ter seu pai judeu decapitado), cuja paternidade e fidelidade com a esposa Eva não eram seu forte, e que o culpariam para sempre.

    Remetendo em vários momentos, e de uma forma inevitável, a sequência de O Poderoso Chefão, na qual o jovem imigrante Vito Corleone galga seu caminho na América entre muitos crimes e ameaças de morte até o topo da máfia italiana, aqui Joseph e Eva chegam a França sob um total desamparo. Contando apenas com o tio de Eva, logo Joseph se apodera da sua pobre oficina cheia de sucatas, e expande os negócios a níveis inimagináveis, até então. Aos poucos, e fazendo alianças e inimigos por onde passava, Joseph virou de dono de ferro velho a mercador bilateral de armas, aliado tanto a resistência da França que ele falsamente amava, por gratidão, quanto a Alemanha nazista. Assim, não tardou a atrair a atenção das autoridades do governo local, e em especial, a do juiz Fayon.

    Numa narrativa típica de caça ao rato, os agentes de segurança nacional tentavam sempre andar nos calcanhares de Joseph, mas nunca alcançavam o mercador, cada vez mais poderoso. Mesmo apanhando seus contatos e obrigando-os a cooperar, as pistas não ajudavam os homens da lei, e muito menos o pobre Jacques Fayon. Homem de família e até então intocável, assistiu o submundo do crime começar a se enraizar nos níveis mais altos da administração pública da França nos anos 40, com o sobrenome Joanovici impondo-se como um pesadelo a todos aqueles que prezavam e garantiam o bem-estar da nação, principalmente durante a Segunda Guerra. Eis o conto biográfico do mais famoso “leve e trás” europeu que, através do seu império de ferro, não via diferença entre o dinheiro de amigos e inimigos nacionais, em uma vida de privilégios e segredos que, bem no fim, sofreu as cobranças do destino.

    Como documento histórico no melhor estilo investigativo de O Dossiê Pelicano e outras obras inesquecíveis, os talentosos autores Fabien Nury e Sylvain Vallée fazem deste primeiro Era Uma Vez na França um forte e verídico registro ilustrado, orgulhosamente realista, de um tempo conturbado pelos homens que o moldaram. Ao fragmentar os diversos períodos da história de Joseph e sua doce Eva, temos o retrato nada idílico mas cru, ainda que hipnótico, de uma figura imoral e vilanesca, afinal, tanto a si mesmo quanto a todos os seus contatos mais próximos. A editora Record caprichou na edição em português de 2013, com uma estética grandiloquente e uma capa dura que na verdade são a cereja do bolo, graças a maravilhosa tradução de Gilson Dimenstein Koatz a universalizar os diálogos e o ritmo literário da graphic novel.

    Compre: Era Uma Vez Na França – Volume 1.

  • Resenha | Silicone XXI – Alfredo Sirkis

    Resenha | Silicone XXI – Alfredo Sirkis

    “Sou viciada pelo Rio de Janeiro […] Preciso da orla marítima, da linha do horizonte.”

    Como se já não fosse… curioso explorar um Rio de Janeiro futurista, junto a uma ambientação essencialmente distópica e naves espaciais individuais ao invés de carros de passeio, não é comum uma trama policial estilo Blade Runner na cidade maravilhosa, tal qual uma Las Vegas onde tudo acontece por debaixo dos panos e, quando um absurdo vem à tona, o poder público corre para manter a normalidade das coisas. Impiedosamente criticado nos anos 1980 por seus clichês de propósito (sendo a paródia assumida que é ao gênero de literatura criminal), o excêntrico Silicone XXI mostra-se um dos mais divertidos e inspiradores romances do escritor Alfredo Sirkis, autor de Corredor Polonês, Roleta Chilena e outros livros dos anos 80 que precisam ser redescobertos, graças a sua linguagem tida, ainda hoje, como a frente do seu tempo.

    Numa trama super dinâmica, contando com uma fluidez narrativa encantadora e típica do Sirkis, um assassinato muda a rotina chata do aerotel Olympus, um paraíso sexual da elite carioca e brasileira onde tudo é permitido em nome do erótico e seus prazeres. Após matar uma travesti e um robô presente no quarto, o “assassino da arma L” escapa e atrai à cena do crime o famoso inspetor José Balduíno, considerado um dos melhores investigadores da polícia do RJ. E se a primeira matança já não é escandalosa o bastante, o matador parece ter outros alvos sem aparente conexão e muito mais difíceis de pegar do que uma prostituta. E assim, Balduíno se depara desde o começo com um matador feroz e que parece estar sempre à frente da polícia, com uma psicopatia realmente genial – ou amparada por uma sorte imbatível. Mesmo num cenário cheio de micro câmeras e uma tecnologia onipresente para seguir os cidadãos, o “Coringa” do Rio segue fazendo a polícia metropolitana de idiota.

    Tarado por loirinhas e experiente em inúmeros casos, o bom e velho Balduíno percebe que não consegue mais pegar ninguém – nem a mulherada que cobiça, nem o psicopata bem dotado que adora transar com suas vítimas antes de liquidar esses corpos que usa, abusa e descarta. Nisso, a credibilidade do inspetor começa a ruir quando o caso vira assunto nacional, se complica sem parar, e tanto a mídia quanto o governo oficializam que o homicida virou o “inimigo público nº 1” do Rio de Janeiro, já que suas vítimas são cada vez mais diversificadas, mas sempre com o sexo agindo como o elemento irresistível que permeia todas essas mortes. Em Silicone XXI, o erotismo e a luxúria pingam das páginas sem pudor algum, personificado com um humor sádico e nos detalhes mais sórdidos desde os robôs sexuais, já aceitos pelas pessoas e presentes em orgias entre homens e máquinas, até toda a sacanagem (física e moral) que pode rolar, e de fato rola, nos lugares paradisíacos da capital carioca.

    Com uma serenidade quase cínica e constante, Sirkis une um erotismo latejante com o desejo que carregamos, insistentes, em vislumbrar um futuro tecnológico cheio de avanços, e perturbado pela desumanidade que quebra essa aura e esse sonho talvez impossível de progresso absoluto, humano ou científico. Em 2019, nesse cenário ultramoderno imaginado por um oceano de escritores de ficção científica do passado, a humanidade ainda não melhorou em nada, e a essência das pessoas continua a mesma – sempre guiados e alienados por nossos instintos naturais e pouca racionalidade, mas o romance está longe de ser uma crítica ao indivíduo e o coletivo. Por isso mesmo, o incorruptível detetive Balduíno, um dos clichês parodiados por Sirkis até mesmo por ser criolo para quebrar esse arquétipo de detetives brancos, é o protagonista perfeito para o romance, unindo tudo aquilo que faz do ser-humano um animal muito complexo, nesse cenário tropical e falsamente utópico.

    Evitando a gratuidade das polêmicas ou escatologias, Silicone XXI satiriza esse tesão idílico pelo progresso a ser conquistado, e também encarna essa sátira nos próprios desejos sexuais e profissionais de Balduíno e seus aliados de investigação, frustrados porque não há perfeição possível numa vida ou numa cidade regida por homens cheios de ambições e contradições. A ameaça do “assassino da arma L” (tarado em usar sua pistola de raio laser nas vítimas) é a desculpa perfeita para Sirkis desdobrar o seu primeiro roman noir que se leva a sério na medida certa, e se ironiza sem vergonha no decorrer de curtos e enxutos capítulos – ainda que se perca em uma série de esclarecimentos descartáveis em ‘Ramon’, a última parte de um livro cujo atmosfera é estruturada em suspense. Vale lembrar que a maioria da crítica literária, ainda em 1985, revelou-se puritana na época, bem aquém às questões levantadas por Sirkis. Eis o crítico supremo, o tempo, saudável as boas e grandes obras, e aos vinhos, também. Não vamos esquecer dos queijos.

  • Resenha | Corredor Polonês – Alfredo Sirkis

    Resenha | Corredor Polonês – Alfredo Sirkis

    “Nesse frio, circo nenhum pega fogo. Circo gela.”

    Naturalmente, há poucas semelhanças entre Brasil e Polônia. O primeiro, conhecido por suas praias, festas e outros elementos tropicais; o segundo, por seu passado impiedoso e um gelo que parece impregnar a tudo, e todos. Dois universos díspares dentro de um mesmo planeta marcado por grandes conflitos cujas marolas, praticamente, não chegaram com força nem mudaram os rumos no maior país da América Latina. Entretanto, durante a segunda guerra mundial, no longínquo ano de 1939, os poloneses serviram de berço oficial ao conflito, e assim, conheceram na pele a crueldade humana que pode se esconder naquelas suas gélidas veredas que os calorosos brasileiros não conseguem nem imaginar, palco, certa vez, de uma frieza muito mais aguda que quaisquer temperaturas abaixo de zero que o homem já teve de enfrentar.

    Sabendo da neutralidade brasileira diante de quaisquer eventos da história polonesa, e da nossa total falta de identificação sobre o passado ainda latente de um país tão distante, em tudo, do nosso, o escritor, jornalista e político carioca Alfredo Sirkis arquiteta seu Corredor Polonês em torno do humanismo, e do humanitarismo pós-guerra. Ou seja, temos em voga uma obra na qual seu mais sincero fervor, e a sua brilhante capacidade biográfica, e em formato de crônica, dentro do contexto cultural de qualquer sociedade, se dá através de uma compreensão universalmente acessível quanto ao drama de ter a sua vida, sua família e sua pátria devastadas por invasões, combates intermináveis, e um infinito de crimes contra a humanidade. Mesmo assim, no seio de uma família destroçada pela partida de seu patriarca, o Dr. Binek, o que sobram a suas filhas (e à memória de todos os envolvidos no processo árduo de sobrevivência dos poloneses) são os valores de uma gente que encontrou na decência aprendida em família, e no nacionalismo, a chave para uma utópica e desesperada resistência.

    O livro da editora Record é fruto de uma longa pesquisa de Sirkis, dono de uma prosa irresistível, e que revira os ecos dos imigrantes poloneses no Brasil cujo DNA para sempre será fortalecido pelos traumas deste povo, quase exterminado, com suas mulheres enviadas ao sofrimento no frio e miséria absolutos no norte da Ásia (o “fim do mundo”, como apelidam as filhas de Binek), enquanto o resto da masculinidade polonesa morria contra a Alemanha de Adolf Hitler, ou tentava o milagre da fuga pelas florestas do país. Em meio a desolação branca manchada de vermelho, Sirkis injeta poesia e lirismo em uma trama intimista que se debruça no real para poder existir – o tema do fascismo é por vezes presente, aqui, tal um espectro sombrio e atemporal, em várias passagens que se destacam por expor a espetacular sagacidade e sensibilidade do autor. Afinal, eis uma sociedade perdida no meio de um furacão nazista, e se engana quem acha que Corredor Polonês, numa clara alusão a faixa de terra que Hitler tanto sonhava em recuperar para a Alemanha, seja apenas sobre o percurso de uma guerra arrasando este belíssimo país europeu.

    Tudo mudou naquela invasão a Polônia, e os fantasmas desta sociedade também. Exércitos não marcham sem deixar pegadas eternas para trás, muitas vezes internas, carregadas em um mundo globalizado nos corações dos mártires, e algozes – ninguém escapa. Se há uma questão mais pertinente aqui do que a injustiça histórica que se abate ao soldado polonês que nunca chegou a testemunhar o retorno da paz a sua sagrada Polônia, pois morreu para conquistá-la, ainda que indiretamente, para que suas filhas e netas pudessem um dia entrar e sair com liberdade do país, fica sendo então: “e o Brasil, com tudo isso?”. Um país sempre visto como o novo mundo, no imaginário popular: uma árvore frondosa, virgem de grandes tempestades, com espaço o suficiente para todos se alojarem, e lá fazerem os seus tão sonhados ninhos de segurança, e de prosperidade. Mas e quanto ao passado, coloca-se na gaveta e o esquece? Ele mesmo não permita que façamos isso com ele, e o livro é justamente sobre isso. Uma grande leitura que merece uma republicação após tantos anos esgotado.

  • Resenha | O Poderoso Chefão – Mario Puzo (2)

    Resenha | O Poderoso Chefão – Mario Puzo (2)

    “-Você resolveu o problema dele?”, perguntou Sonny.

    “-Você não o verá mais.”, respondeu Clemenza.

    Tanto o livro quanto o filme O Poderoso Chefão, dois marcos do século XX guiados, respectivamente, pela caneta de Mario Puzzo e pela câmera de Francis Ford Coppola, são pura propaganda enganosa. Fato. Isso porque, em ambas as mídias, ou seja literatura e cinema, a história das famiglias do crime atuando em solo norte-americano, na distante década de 1940, é uma encenação irresistível dos tentáculos mafiosos de meia-dúzia de homens poderosíssimos para algo muito maior, e mais significativo que uma mera briga de gangsteres italianos. Por detrás de todo um mundo oculto e tenso de favores, cobranças e dívidas, há de forma intacta e vibrante pessoas com escrúpulos, cuja moral sempre fazia guiar o destino certo de uma bala, e que afinal de contas, acima da garantia dos seus poderes, queriam ver os seus parentes, e os seus protegidos, seguros para dormirem o sono dos justos, garantidos aqui pelos injustos.

    Puzzo vai fundo de um jeito que o clássico filme de 1972, apenas três anos após o lançamento do livro, chega perto de conseguir alcançar, tamanha a maestria com que Coppola dirige um dos melhores filmes do Cinema. Mesmo assim, a máxima do “livro ser melhor que o filme” não é uma exceção válida, e mesmo para quem revisitou O Poderoso Chefão uma centena de vezes nas telas, é possível encontrar inúmeras possibilidades na leitura do material original que explicam, de maneiras absolutamente claras e engrandecedoras ao drama narrado, as motivações dos personagens, o que está por trás de suas ações e as consequências destas (o final da obra é ainda mais completo que o da sua adaptação cinematográfica). Se Coppola usou da mais bela e encantadora liberdade poética que o Cinema oferece para preencher as lacunas da história, na tela, Puzzo pavimenta a vida dos Corleone a modo de não deixar dúvidas sobre cada um dos passos dessa gente que não admite traições, e muito menos ser chamados de “assassinos”.

    Don Corlone, o Padrinho, é o patriarca que todo homem sente vontade de ser, bem no fundo das nossas feiras de vaidades. A imortal atuação de Marlon Brando ganha ainda mais camadas psicológicas e emocionais quando o leitor é confrontado com um Don Vito Corleone nu, dissecado no livro até sentirmos o cheiro de sua alma resistente mas velha, marcada e traumatizada seja pelos triunfos que cometeu, seja pelos erros cujas lições aprendeu. Ele quer se aposentar, e no auge de uma guerra entre as famílias que mandam nos EUA, nas quais o poder das leis está sempre abaixo de cada uma delas, tenta encontrar qual dos seus filhos está à altura do cargo de Chefão dos Corleone. A trama gira em torno de sua busca um tanto trôpega pela sucessão, e como o destino fez questão de atrapalhar os rumos dessa procura quando a violência e inúmeros outros infortúnios do mundo da máfia se impõem, impiedosos feito o diabo, ao teto de vidro não só dessa gente, mas de todos os não-envolvidos ao lado honesto da vida.

    Agora, em 2019, no aniversário de meio-século da data de sua publicação, o livro já pode e deve ser encarado como um aprofundamento do popular filme, vencedor de três Oscares, guardando em si todo o charme de uma época em que a América era sinônimo do paraíso das oportunidades aos bem-aventurados, refugiados e afins que vinham de todo o globo para o comércio, a malandragem, o crime – ou tudo junto. Os Corleone são narrados como intocáveis, é verdade, mas sempre na berlinda. Os poderosos ameaçados que nunca dormem em paz longe de janelas blindadas, e da certeza de que seus inimigos estão mais próximos que seus amigos mais leais. Jamais Puzzo tentou glamourizar ou redimir a máfia e seus valores, com certeza, mas simbolizou tudo de forma tão sedutora que é impossível não nos envolver com os mais célebres desdobramentos às gerações dos Corleone, num livro igualmente célebre, por natureza.

    Compre: O Poderoso Chefão – Mario Puzzo.

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  • Resenha | Filhos do Éden: Universo Expandido – Eduardo Spohr

    Resenha | Filhos do Éden: Universo Expandido – Eduardo Spohr

    Em meados de 2007, quando A Batalha do Apocalipse, de Eduardo Spohr, foi lançado, eu era um atento consumidor do conteúdo do site que lançou o primeiro volume do que viria a se tornar a Tetralogia Angélica. Peguei o livro emprestado com um amigo e achei razoável: um bom cenário, mas o desenvolvimento narrativo não tinha nada de revolucionário – ainda que o autor nunca tenha sugerido que fosse. Mais de dez anos e outros três livros depois eu me deparo com Filhos do Éden: Universo Expandido.

    Apesar de parecer um cenário rico e que pudesse trazer muitas informações que fossem relevantes para os fãs, é difícil mostrar ainda mais conteúdo depois de escrever quatro livros naquele mesmo universo. E é exatamente isso que acaba acontecendo: tudo parece raso e repetitivo, funcionando apenas como uma grande enciclopédia ou livro de apoio à série. Se para um leitor de apenas um dos livros já se torna complicado, que dirá para os leitores casuais que tenham acompanhado todas os volumes. A forma como as coisas são apresentadas produz uma sensação mais próxima aos livros de RPG que propriamente de algo que queira expandir o universo.

    Na verdade, absolutamente tudo o que surge nesse livro remete a um livro de RPG: capa dura, ilustrações, boxes, formato, entre outras coisas. E a parte mais engraçada é que ele arranha a superfície: as estatísticas para jogo estão lá, mesmo que tímidas e mal balanceadas em um capítulo no fim do livro. O produto final acaba sendo uma publicação que parece ter sido pensado com esse intuito, mas sem coragem para faze-lo.

    Outra ponto curioso foi da publicação foi um capítulo elaborado e desenvolvido apenas para com o objetivo de auxiliar os leitores da obra a escreverem suas próprias histórias no universo. Não há um preciosismo no cenário, onde as coisas são e devem ser, apenas da forma com que foram mostradas. Além disso, são dadas diversas dicas de narrativa que podem ajudar muito no processo de quem nunca tentou algo do gênero, ainda que um capítulo como esse se mostra um pouco deslocado do conceito da própria publicação.

    E como uma das principais características dos já citados RPGs, está a qualidade gráfica. A Verus, selo de fantasia da Editora Record, não poupou esforços em colocar uma capa dura belíssima, num papel com pegada melhor que muito manual de Dungeon & Dragons que eu já tive acesso. As ilustrações são um ponto a parte. Elaboradas por Andrés Ramos, as imagens do mundo e dos personagens são de tirar o fôlego, tudo isso num papel de alta qualidade, o que só aumenta a beleza do conteúdo.

    Filhos do Éden: Universo Expandido não entrega exatamente aquilo que promete, mas o acerto, mesmo que acidental, pode trazer um material divertido e interessante para quem já é fã da série e procura por si só, ou na companhia de outras pessoas, criar suas histórias por lá, seja escrevendo ou jogando.

    Compre: Filhos do Éden – Universo Expandido.

    Texto de Caio Amorim.

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  • Resenha | Em Nome de Quem? – Andrea Dip

    Resenha | Em Nome de Quem? – Andrea Dip

    Em tempos de espetacularização da política e das religiões, quando tudo é um evento, e suas figuras mais célebres, verdadeiros artistas com prazo para desaparecerem, e quando eleitores e fiéis viraram fãs que aplaudem tudo que o ídolo de estimação faz, um livro como Em Nome de Quem? é uma lanterna em forma de informação, adentrando em uma caverna cuja escuridão é cada vez mais sedutora. Alimentada por homens astutos e com um implícito projeto de poder (explícito para eles, e para o leitor do livro de Andrea Dip), a publicação de 2018 da editora Civilização Brasileira vai muito além de investigar os planos e as estratégias da Bancada Evangélica para a doutrinação do povo brasileiro, indo ao encontro da verdadeira natureza do poder.

    Para quem acompanha Game of Thrones, por trás dos elementos fantásticos que envolvem a saga épica dos livros, e da multimilionária série da HBO, é fácil identificar as verdadeiras inspirações de George Martin para a criação de um verdadeiro jogo de poder onde nada é inegociável. Tudo e todos tem um preço, seja na ficção, seja na realidade, e a humanidade sempre habitou este tabuleiro de valores jamais negado pelos nossos governantes. Parece ser inevitável para nós a busca pela supremacia, e em idos menos autoritários que antes, ou que se tem a ilusão disso, como hoje, a sua conquista através da manipulação e da persuasão ideológica parece ser o caminho mais limpo e garantido de sucesso aos falsos profetas, soltos por ai.

    Em Nome de Quem? não possui apenas seu título como indagação, mas expande suas perguntas e respostas mantendo uma postura analítica e prazerosa de leitura, mergulhando com um afinco jornalístico impecável, e com um olhar realmente denunciativo, no potencial que a religião sempre teve de doutrinar uma sociedade – ou pelo menos uma boa parte dela. Dip faz questionar o inquestionável para muitos, e, corajosa, vasculha as estruturas sociais e políticas mais profundas desse país, e que tornam possível a gigantesca e gananciosa escalada de poder evangélico no Brasil do século XXI. O que movimenta uma mentira, e a sua desfaçatez, é a fé cega nela (“Gasta-se muito com a educação nesse país!”, afirmou o Presidente da República afiliado a esse projeto de poder), e o que a ampara é o totalitarismo vendido como salvação.

    Tática tão antiga, quanto valiosa. Nesse jogo dos tronos “cristão” brasileiro, faz parte usar da ignorância educacional e cultural do povo para sustentar a criação de uma Frente Parlamentar Evangélica cuja a principal marca é o retrocesso, a intolerância com todos que não são iguais a eles. O ingresso a política seria então a legitimação principal desse desejo por relevância que muitos desses pastores-políticos carregam, cientes das inúmeras técnicas disponíveis para chegarem “lá”. Vale tudo nessa guerra passivo-agressiva pelo controle e relevância nacionais, seja a partir da auto vitimização (“uma cultura perseguida e aflita e que, por isso, alimenta uma postura cada vez mais expansiva e agressiva dos pastores”), ou de mentiras que lobotomizam seus fãs (a demonização da ideologia de gênero, por ex.).

    Um livro fácil e injustamente acusado de esquerdista por seus detratores mais fanáticos, cuja intolerância política reflete a desses líderes religiosos que se infiltram na moral civil da maioria, contendo por exemplo uma entrevista esclarecedora de Guilherme Boulos, líder do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), logo nos seus momentos finais. Com outros inúmeros depoimentos de ícones do jogo político brasileiro, como um todo, Em Nome de Quem? busca criar nossa opinião a respeito de seus temas polêmicos, fornecendo dados alarmantes para o bem-estar das liberdades da sociedade brasileira (ainda não ciente da elaboração de técnicas de manipulação nas quais é submetida), e o indesejado avanço desse país rumo as características de uma nação de primeiro mundo. Eis uma publicação que deve ser reconhecida por seu caráter elucidativo e que resgata, em tempos de jornalismo parcial, o que faz de uma investigação algo digno de atenção.

    Compre: Em Nome de Quem? – Andrea Dip.

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  • Resenha | O Dia do Chacal – Frederick Forsyth

    Resenha | O Dia do Chacal – Frederick Forsyth

    O Dia do Chacal, de Frederick Forsyth, publicado pela Editora Record, é uma aventura policial onde um grupo ultranacionalista francês contrata um assassino de aluguel chamado “Chacal” para matar o então presidente Francês, Charles De Gaulle. O ambiente é a França após a reunificação da Segunda Guerra Mundial e o autor se baseou em um atentado verídico para compor a história. A diferença é que na vida real a identidade do assassino não foi revelada, assim Forsyth criou um mercenário especial para o trabalho. A narrativa, portanto, é híbrida, com informações do acontecimento real e composição ficcional, como alguns os grandes mestres do gênero policial o fazem.

    A história se passa no início da década de 1960, quando a França ainda estava se reerguendo após as fortes perdas da Segunda Guerra Mundial. O principal gatilho do atentado contra o presidente e responsável pela reunificação francesa durante a Guerra, Charles de Gaulle, foi o fato de ele devolver o território da Argélia aos argelinos. Antes, a Argélia fora uma colônia francesa e os franceses radicais queriam manter esse grilhão após a Segunda Guerra. Contudo, De Gaulle resolve não mais colonizar os argelinos e isso desperta a fúria de um grupo ultraconservador que quer o presidente e suas novas políticas, extirpadas.

    Mas como De Gaulle já tinha sido alvo de atentados anteriores, não seria fácil assassinar o presidente. A solução do grupo ultraconservador foi contratar um caçador de recompensas muito caro e fora do radar da Interpol. O pseudônimo do matador era “Chacal”. O assassino é uma mistura de outros vilões policiais e têm ótimas habilidades de disfarce, falsificação, treinado em vários estilos de combate, especialista em tiro, fluência em vários idiomas, estratégia minuciosa e gosta de agir sozinho. Chacal aceita o trabalho e pede uma quantia exorbitante de dólares, ao qual é pago.

    Do outro lado, o serviço secreto francês começa a suspeitar de um novo atentado contra o presidente, contudo, não encontra quem está por trás disso nem imagina o método de ação. Aí entra em cena o nêmesis, o oposto de Chacal, o comissário Claude Lebel. Os dois se complementam como Batman e Coringa ou qualquer dupla inseparável de vilão e mocinho; enquanto Chacal é super minucioso em suas falsificações, Lebel tem um faro para descobrir os disfarces do assassino e é guiado por certo feeling de investigador experiente para ficar no pé do bandido.

    A história começa devagar. Forsyth opta por primeiro descrever o ambiente de divisão política daquela época até o descontentamento do grupo ultraconservador com as novas políticas de De Gaulle. Esta primeira parte (o livro é divido em três), é mais longa, mas demonstra todas as ações até a contratação de Chacal e a entrada do comissário Lebel no caso. Nos capítulos seguintes, ficamos sabendo que Chacal decide agir no dia em que se comemora a vitória dos franceses sobre os alemães, momento em que o estadista sairá em carro aberto e poderá ser morto por uma bala de rifle bem posta entre os prédios ao redor do desfile patriótico.

    A perseguição bandido-mocinho se intensifica e somos levados de maneira ágil até a resolução do conflito. A escrita tem um ritmo mais acelerado a partir da segunda parte, contudo não perde em fluência, mantendo uma linguagem fácil, bem escrita e empolgante. A oposição entre os personagens principais é muito bem trabalhada e conseguimos torcer ora por um, ora por outro. Uma história bem contatada com aventura, suspeitas, intrigas, conflitos e certa dose de violência.

    Texto de autoria de José Fontenele.

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  • Resenha | O Tempo é um Rio Que Corre – Lya Luft

    Resenha | O Tempo é um Rio Que Corre – Lya Luft

    Lançado em 2014 pela Editora Record, O Tempo é Um Rio que Corre é uma síntese fundamental da prosa e dos temas centrais abordados na obra de Lya Luft, autora gaúcha que, desde o lançamento do primeiro livro de poesias, em 1964, transforma a literatura em um tear sobre o tempo, a memória, a sabedoria e a dor adquirida pela vivência.

    Transitando em sua carreira entre a poesia, narrativas infanto-juvenis, prosas ficcionais, ensaios memorialísticos, além de traduções de autores consagrados, o livro retoma elementos de obras anteriores ao estabelecer uma profunda reflexão sobre a passagem do tempo a partir de um atento observador da vida, capaz de compreender as nuances e os percalços da trajetória humana. Como definido desde o título, o rio representa a fluidez do tempo, ecoando a famosa frase do filósofo Heráclito de que não nos banhamos duas vezes na mesma água de um rio. Demonstrando como o mundo permanece em constante transformação. Uma eterna modificação em que sempre há renovação, um simbolismo evidente com a mutação da vida.

    Dividido em três partes formais que abordam a infância, a juventude e a vida adulta, a narrativa é composta a partir da construção memorialística, recordando fatos e reflexões, dando vazão ao conceito do fluxo da consciência, marcado por pausas e fôlegos, simbolizando os diversos pensamentos que se amontoam no emaranhado da memória. A voz da narradora é altamente lírica e a costura da memória feita em textos curtos e poéticos, alguns deles próximos a poemas em prosa. De fato, a própria poesia como estrutura formal também está presente na obra, demonstrando tanto a versatilidade da autora como a eclosão das referências e formas diversas pelas qual a memória pode ser construída e simbolizada.

    Luft parte da própria experiência para analisar a vivência humana, produzindo um balanço sensível de sua trajetória e compreendendo, na medida do possível, questões existências que tangem nossas indagações. Mantendo sempre uma delicadeza lírica como se a própria vida fosse tão preciosa que necessitasse de uma observação cuidadosa e sensível. Diversas memórias são abordadas em mais de um momento temporal, retomando as sensações da época vivida bem como estabelecendo uma nova reflexão a partir da maturidade, contemplando, assim, as mudanças e a evolução de uma memória vivida e reconfigurada pela própria trajetória.

    A leitura fluida e a brevidade do livro também conferem densidade a obra. Afinal, uma vez mergulhados na água do rio, é impossível permanecer imóvel. Promovendo a reflexão no leitor em uma prosa lírica, O Tempo é um Rio que Corre marca a essência da obra de Luft e exalta sua competência como autora madura ainda em atividade.

    Compre: O Tempo é um Rio que Corre – Lya Luft.

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  • Resenha | Amor Sem Escalas – Walter Kirn

    Resenha | Amor Sem Escalas – Walter Kirn

    A premissa imediata e de fácil digestão de Amor Sem Escalas, tanto o livro quanto o filme de 2009, resume basicamente a de qualquer artista que decide narrar uma estória: Nos embarcar em uma aventura em um mundo de tempo próprio, mas que se parece com o nosso. Seja o tempo que leva para James Bond atravessar o globo, sejam os anos que passaram desde o retorno de Nárnia, o tempo assimilado por nós no decorrer de um conto é um fator essencial para nos situar sobre todos os elementos internos de uma narrativa – aos interessados, favor estudar sobre isso algumas páginas do clássico Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis; ótimo exemplo do grande artesão do tempo literário que este nos foi.

    E é justamente este fator que muitos escritores, ensaístas, cronistas, ou seja lá como preferem ser chamados, não parecem se importar tanto no desenrolar de suas tramas, deixando leitores aliás confusos, com a sensação de desprendimento que nunca poderiam ter ao longo da conexão com um mundo decifrado por palavras. Atenção esta que Walter Kirn, apesar de não ser um grande artesão de nada, mas sim sobre o nada, parece ter do começo ao fim da obra, sendo tanto tempo quanto espaço as duas constantes prioritárias que esse seu best-seller, regularmente adaptado aos Cinemas por Jason Reitman e estrelado por George Clooney, nunca deixam de lado.

    Contudo, nem só de prioridades vive algo – ou alguém. Se o único norte de Ryan Bingham é controlar seu tempo indo ajudar empresas a cortar gastos por meio de demissões, algo completamente rotineiro para esse homem cuja mala está sempre nas mãos, sapatos nos pés e pés nos check-ins dos aeroportos americanos, tão desprendido quanto uma águia do chão e de outras aves, é também difícil não reconhecer Up in the Air (o título original mais honesto sobre a natureza da história) como um romance fraco, e que nunca mergulha, de fato, em suas vias dramáticas em potencial que Kirn, seja por medo ou insensibilidade, parece estancar ao invés de explorá-las, como se espera.

    Ironicamente, não demora (nem um pouco) para se perceber que o peso da leitura demonstra-se tão frívolo e com um drama existencial tão descartável quanto as nuvens que Ryan, cansado, observa da sua poltrona, com o lema “alguém precisa fazer o trabalho sujo” tatuado na testa, enquanto segue demitindo mais pessoas para garantir a sobrevivência de grandes corporações. Mas é óbvio que, para um agente da frivolidade do momento, tal um pássaro em voo livre, qualquer conflito que apareça no seu caminho é uma barreira, um obstáculo que só atrapalha sua trajetória, e Kirn sabe disso, fazendo de Amor Sem Escalas um romance que cria, alimenta e se apoia em suas conveniências desde as primeiras páginas para existir e transmitir suas mensagens, e isso não é nada bom.

    Quais mensagens seriam essas? Elas ficam, na verdade, bastante claras lá pelo meio das suas páginas demoradas: Somos todos escravos da modernidade líquida de Zygmunt Bauman, diz o livro quando para de exclamar, mais alto ainda, que o caminho importa mais que o destino e por isso ele deve ser vivido da melhor forma possível. O caráter de autoajuda e otimismo exagerado típico das crises de meia-idade quase descamba pro explícito com a entrada de novas personagens, mas Kirn mantém a dignidade e impede isso por pouco, graças também às suas boas tiradas – principalmente no começo do romance, e sempre dentro das aeronaves onde seu protagonista, indeciso e espertinho, fica refletindo sobre a vida e os objetivos de cada tripulante. Nesse paralelo (um tanto forçado no livro) de um avião com os rumos da vida das pessoas, falta gasolina no motor de Kirn para explorar os recantos dessa realidade invariavelmente oca.

    Compre: Amor Sem Escalas – Walter Kirn.

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  • Resenha | O Tango da Velha Guarda – Arturo Pérez-Reverte

    Resenha | O Tango da Velha Guarda – Arturo Pérez-Reverte

    Os romances atuais, em média, apequenaram-se de extensão. Seja por questões de mercado, preço do livro, pouca atenção dos leitores em acompanhar uma narrativa grande ou por a história, em si, não seduzir por muito tempo, o certo é que as prateleiras das livrarias contam com pouquíssimos lançamentos que ultrapassam as duzentas páginas. Escrever longos romances é sempre um desafio complexo. Entretanto, quando o escritor consegue vencer todas essas barreiras e, ao final, entrega uma história encantadora, é como se o leitor encontrasse um tesouro a ser lembrado.

    O Tango da Velha Guarda (Editora Record), do espanhol Arturo Pérez-Reverte, do primor de suas quase 400 páginas, é um tesouro literário. Dos conflitos ao ambiente e os personagens, o livro seduz pelo seu complexo vigor. Primeiro, a história. Um trio amoroso: o famoso compositor europeu Armando de Troeye, sua esposa Mecha Inzunza e o dançarino argentino de tango Max Costa. A relação entre o casal é de posse, Troeye alimenta seu ego artístico com a beleza estonteante de Inzunza; mas ela parece ser compelida conscientemente para Max, seja pelos dotes sedutores do dançarino, seja para tentar abalar o pedestal onde o marido se encontra. A indefinição dessas relações é uma das armas do autor para manter a atenção do leitor.

    O drama entre o trio de personagens funciona muito bem porque Pérez-Reverte trabalha de forma minuciosa as descrições físicas e psicológicas dos personagens. De fato, o escritor faz com que conheçamos o trio pelas suas manias, obsessões, trejeitos, a tal ponto que, durante os diálogos, podemos entender o tom de voz utilizado ou as intenções por trás das ações dos personagens. É um uso muito bem feito da regra de escrita “Narre, não conte”. Ou seja, ao invés de o escritor despachar uma dúzia de adjetivos sobre seus personagens, os encontramos em seu ambiente comum e as descrições sobre suas atitudes nos entregam informações das mais importantes no desenlace da trama.

    Outro fator de grande riqueza no livro é o tempo cronológico da narrativa. Trata-se de uma história contada em três épocas diferentes: a primeira é na Buenos Aires de 1928; depois Nice, França, em 1937, no ambiente conturbado e beligerante que antecede a Segunda Guerra Mundial; e a terceira parte se passa em Sorento, Itália, em 1960. A narração ultrapassa essas três épocas com ritmo, concisão e imersão. Não há um desgaste ou espaços que rasguem a lógica interna da história, ao contrário, Pérez-Reverte consegue passar ao leitor uma pluralidade de sentimentos ligados aos lugares visitados pela narrativa. A própria relação com o tango, que por vezes se mescla ao modo de agir de Max, sensual, trágico e ambicioso, por vezes é uma espécie de música interna que impulsiona os acontecimentos. E afinal, como contar uma história de amor sem mencionar o tango?

    E o mais importante: a trama mostra-se ambiciosa e atinge seus objetivos. Autores megalomaníacos por vezes têm dificuldades com o desfecho de seus livros (vide Stephen King e George R. R. Martin, por exemplo), mas em O Tango da Velha Guarda, temos uma conclusão concisa que contrasta e agiganta-se por conta das pretensões anteriores. Uma solução sóbria e eficaz que finaliza bem a leitura.

    Livro dos mais deliciosos que li, me lembrou outra obra-prima Shalimar, o Equilibrista, do também ambicioso literariamente Salman Rushdie. Histórias distintas, mas livros irmãos. Carregam uma bonança vocabular, preciosidades descritivas, personagens bem delimitados, palpitantes, e uma sedução cadenciada que perdura, perdura, perdura por todas as páginas (“Shalimar” tem outras 400 páginas).

    O romance de Pérez-Reverte é vivificante. Desperta (ou redesperta) o prazer pela leitura lenta, o estilo conciso, os personagens verticais, e nos lembra a riqueza e magia que a boa literatura produz.

    Texto de autoria de José Fontenele.

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  • Resenha | O Último Lobisomem – Glen Duncan

    Resenha | O Último Lobisomem – Glen Duncan

    Era uma noite de lua cheia. Não. Não era. Isso é clichê demais e certamente nada tem a ver com o livro. Aliás, a primeira coisa que salta aos olhos é o quanto o autor foge do lugar-comum ao contar a história de um lobisomem, Jake Marlowe, que logo de início fica sabendo ser o último de sua espécie.

    Jake vagou pelo mundo durante duzentos anos, à mercê de seus apetites lunáticos e atormentado pela memória de seu primeiro assassinato. Ao saber ser o último, perde a vontade de viver e decide ficar – diferente da música de Raul Seixas – “esperando a morte chegar”. Morte que virá na pessoa de Grainer, um matador de lobsomens profissional.

    Indo na contramão dos livros de criaturas fantásticas da moda, em que vampiros são os protagonistas e lobisomens, meros coadjuvantes, presentes apenas para preencher a história com um pouco mais de ação, Duncan coloca Jake como ponto focal da narrativa. E, para evidenciar ainda mais sua importância, “deixa” que ele mesmo conte sua história, através dos diários que escreveu durante toda sua vida. Jake é sarcástico e tem crises existenciais. Sua linguagem reflete a dicotomia entre o lado humano e o animal que aflora a cada lua cheia. Enquanto humano, é um homem inteligente e culto, que discorre sobre moralidade, filosofia, religião e afins. Enquanto animal, apesar da selvageria latente, seu pensamento se torna mais objetivo e claro. Satisfaz sua necessidade por comida e sexo com um planejamento metódico na medida que seus instintos lhe permitem. Diferente do homem, o lobisomem quer viver.

    E o autor brinca com essas duas personas e seus linguajares. Nos trechos em que descreve seus momentos como lobisomem, a linguagem é vulgar, muitas vezes chula, repleta de palavrões e descrições cruas, sem rodeios, de sexo e violência. E, principalmente nesses trechos, há algo que muitas vezes faz com que o leitor saia da imersão no universo narrativo: a tradução. Há diversas gírias e expressões cuja tradução soa estranha, como se tivessem sido traduzidas ao pé da letra ou pelo Google Translator.

    A trama se arrasta nos dois primeiros terços do livro. O leitor acompanha Jake indo de um lado a outro, bancando James Bond, lutando contra vampiros, fazendo fugas espetaculares. E, entremeado a isso, o leitor vai conhecendo seu passado e de que forma se tornou um lobisomem. Em vários momentos, pensei “Agora vai!”, tendo a impressão – que se provava errônea – de que a história iria deslanchar e que algo relevante iria acontecer. A narrativa apenas ganha corpo, e o protagonista ganha um propósito, quando Tallula surge e passa a fazer parte da vida de Jake.

    É uma leitura agradável e divertida, que foge do convencional ao colocar o lobisomem como protagonista e não como coadjuvante. Mas justamente esse fator poderia ter sido melhor aproveitado. Tornando assim, os dois terços iniciais mais interessantes e envolventes.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Resenha | O Que Os Mortos Sabem – Laura Lippman

    Resenha | O Que Os Mortos Sabem – Laura Lippman

    A realidade espelha a ficção em O Que Os Mortos Sabem, primeiro livro de Laura Lippman lançado no país pela Editora Record na excelente Coleção Negra, bem como o primeiro da autora a entrar na lista dos mais vendidos do New York Times.

    Inspirado em um famoso caso que ganhou as manchetes em 1975, quando duas adolescentes desapareceram após irem ao centro comercial de sua cidade. A partir desse fato, a autora desenvolve uma narrativa ficcional sobre o desaparecimento das irmãs Bethany, nunca solucionado pela polícia. Porém, trinta anos após o incidente, uma mulher bate o carro em uma autoestrada e diz ser uma das irmãs desaparecidas.

    Grande parte da obra transita entre o mistério do desaparecimento das irmãs e o retorno possível de uma delas após trinta anos. Desenvolvido em dois tempos narrativos que se alternam, a trama apresenta tanto os momentos imediatos posteriores ao desaparecimento, como o tempo presente em que o detetive Kevin Infante e a assistente social Kay Sullivan assumem o caso da mulher do acidente com revelações importantes sobre o caso.

    Embora seja evidente que as histórias se conectem em algum momento, o narrador acompanha personagens distintos em cada espaço temporal. Quando observa o passado, focaliza a família Bethany e a destruição causada pelo desaparecimento das filhas, com a esperança de reencontrá-las sempre em alta. Quando se situa no presente, o detetive e a assistente social são o destaque. Porém, o drama do desaparecimento das garotas e a dor da família é explorado com melhor qualidade e força dramática do que o possível retorno de uma delas. Como cada momento aborda tais personagens distintas, é notável um desequilíbrio narrativo pautado por partes coesas vindas do passado em contraposição ao excessivo prolongamento do tema no presente.

    Tanto o detetive quanto o assistente social são personagens superficiais, criados somente para que existisse mais tensão nos acontecimentos presentes. Afinal, são eles que, aos poucos, vão convencendo a mulher desconhecida a narrar os fatos sobre o desaparecimento. Porém, é perceptível que a história se prolonga mais do que deveria, produzindo excessivos conflitos para evitar a revelação rápida do caso. Dessa forma, mal se tem a impressão que há uma investigação em curso, como se faltasse ao detetive maior vontade de se envolver no próprio trabalho. O mistério que pode ser revelado não tem nenhuma potência se compararmos a quem, como e porquê alguém sequestrou duas adolescentes.

    Lippman é considerada uma das grandes autoras policiais atuais. Embora seu estilo se aproxime mais do thriller, concentrado em um mistério que será resolvido no decorrer da trama do que em uma narrativa policial mais clássica, envolvendo um personagem que age como detetive e tenta solucionar algum mistério. A autora tem uma série de livros envolvendo uma detetive, mas seu primeiro grande sucesso foi essa obra a parte da famosa personagem.

    Ainda em atividade com alta recepção de público e vendas, a prosa da escrita deve ter amadurecido com o tempo. Porém, em um primeiro contato com sua obra realizado a partir de O Que Os Mortos Sabem, pouco se destaca na leitura. Há momentos em que a trama flui, bem como há outros que as cenas se arrastam. Entretém, apenas.

    Compre: O Que Os Mortos Sabem – Laura Lippman.

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  • Resenha | Quem Tem Medo do Escuro? – Sidney Sheldon

    Resenha | Quem Tem Medo do Escuro? – Sidney Sheldon

    Em Berlim, uma mulher desaparece em plena luz do dia. Em Paris, um homem pula da Torre Eiffel. Em Denver, um avião se espatifa nas montanhas. Em Nova York, um corpo é encontrado às margens do East River. A princípio, todos os episódios parecem isolados, mas em pouco tempo a polícia irá encontrar uma misteriosa conexão entre as quatro vítimas e o Kingsley International Group (KIG), uma importante empresa de pesquisa de alta tecnologia, envolvida em estratégia militar, telecomunicações e questões ambientais. Kelly Harris e Diane Stevens, jovens viúvas de duas das vítimas, começam a desconfiar de que seus maridos foram assassinados. E, após serem alvo de sucessivas tentativas de assassinato, têm certeza de que “há algo de podre no reino da Dinamarca”.

    A história é interessante, a temática abordada também. Afinal, controlar o clima é algo que a espécie humana deseja desde a “revolução” neolítica, quando caçadores/coletores deixaram a vida nômade de lado e adotaram uma vida agrícola e mais sedentária.

    Mas nem tudo são flores. A trama não é bem desenvolvida. Em vários momentos, o leitor se vê expulso do universo da história em meio a cenas um tanto inverossímeis, além de improváveis. O uso do deus ex machina é uma constante em todo o livro. Ok, é interessante que as protagonistas não sejam policiais ou investigadoras cheias de recursos. Pessoalmente, gosto bastante de thrillers assim. Meu livros prediletos de Agatha Christie, por exemplo, são aqueles não protagonizados pelos famosos detetives – Poirot e Ms. Marple, ou mesmo Tuppence e Tommy – mas aqueles cujos personagens são pessoas comuns. E, sendo assim, pessoas comuns, é mandatório que elas tenham atitudes de pessoas comuns, algo que, em várias ocasiões, não acontece neste livro. E isso é um problema, pois dificulta a identificação com as personagens.

    Aliás, a construção das personagens também deixa a desejar. Apesar de o autor incluir pseudo flashbacks contando a histórias das personagens antes dos eventos do livro, não é o suficiente para gerar a empatia necessária a fim de fazer o leitor se importar muito com o futuro delas. Além disso, Kelly e Diane escapam tantas vezes durante a história, que quando surge outro conflito ou perigo, o leitor apenas vai lendo, aguardando a solução chegar na próxima página.

    Mas se há algo que desanima a leitura é a baixa qualidade dos diálogos. Nâo sei dizer se é problema do original ou da tradução, mas são diálogos tão pobres que até quem lê descompromissadamente com certeza se sentirá incomodado:

    “As semanas seguintes continuaram com uma série deliciosa de encontros. No fim de três semanas Henry disse:
    — Eu amo você, Lois. Quero que seja minha mulher.
    Palavras que ela pensava que nunca ouviria. Abraçou-o e disse:
    — Também amo você, Henry. Quero ser sua mulher.”

    Enfim, se a intenção é começar a ler Sidney Sheldon, este não é uma boa opção. Melhor dar preferência para O Outro Lado da Meia-Noite.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Resenha | O Poderoso Chefão – Mario Puzo (1)

    Resenha | O Poderoso Chefão – Mario Puzo (1)

    Primeiro livro encomendado à Mario Puzo no final da década de 1960, em que o autor recebeu um valor adiantado para realizar uma obra sobre a máfia. Filho de imigrantes italianos, com o primeiro livro lançado em 1950, já com 30 anos, essa temática desde cedo ambientou seus romances. O Poderoso Chefão gerou dois filmes dirigidos por Francis Ford Coppola, em que o primeiro trata da história de Don Corleone já como capo di tutti capi, e da ascensão de Michael Corleone como novo Don. E a segunda produção apresenta a evolução de Vito com um extra sobre Michael. Puzo ajudou a escrever os dois roteiros, e também lançou sequências para a obra inicial: O Último Padrinho, O Siciliano e Omertá (sobre sequencias vale dar uma lida em nosso artigo).

    Sobre o livro, Puzo não peca, na verdade. A questão é a cultura estadunidense que age nos escritores. Poucos escritores, talvez os que tiveram maior influência de outras culturas, como Ernest Hemingway e F. Scott Fitzgerald (existe uma enormidade de outros, apenas dois exemplos para entendimento), conseguem se desprender da literatura hambúrguer, ou seja, aquele livro que é bem escrito, tem uma história legal, mas carece de certa profundidade. São boas literaturas, com enredos interessantíssimos criados por eles, talvez o ponto diferencial pra literatura do restante do mundo. Contudo, falta um pouco mais daquela funcionalidade da arte que é a crítica social e, também importante, a densidade. Ressalto tudo isso em função dessa história não fugir à regra. Temos críticas sociais nas obras? Existem, contudo são, de certa forma, defasadas (não confundir com questões de posição ideológica), se debate a validade do poder instituído (Estado) , do funcionamento da Cosa Nostra, de questões éticas de honra. E a fala da densidade, de originalidade para a arte da escrita em si, transparece no livro.

    Algumas questões sobre o enredo, o personagem Michael se vê obrigado à assumir as questões da família, mesmo tentando de todas as formas se adaptar ao mundo americano em que vive, até mesmo se alistando para lutar na segunda guerra. Contudo a família fala mais alto que o estado ou as leis, é uma questão, novamente, de honra e compromisso familiar.

    Entrando na questão da honra vale destacar o conjunto de leis da Omertá. Podemos comparar essa lei antiga aos costumes do inicio do século XX no nordeste brasileiro (lei da vingança) assim como o Kanun albanês, praticado ainda hoje. Esse conjunto e regras oralizadas, que todos conhecem e transferem de geração em geração não se conciliam com a prática e o entendimento do estado moderno, baseado nos filósofos franceses como Jean-Jacques Rousseau e Voltaire. A tentativa de universalizar os direitos humanos e a democracia tenta penetrar nessas sociedades regidas por regras bem diferentes, e nem todas aceitam passivamente essa adaptação. A Cosa Nostra é um exemplo prático, hierárquica, patronal, machista e violento, regido pela Omertá. Mesmo inserida em um ambiente institucionalizado, com leis e valores diferentes, a máfia consegue se esgueirar e criar mecanismos para manter a sua própria lei paralelamente.

    Talvez uma das poucas originalidades na apresentação da história seja a quebra do tempo linear. O livro inicia com o casamento da filha de Vito e transcorre até seu atentado, divide o livro uma pequena história do crescimento de Vito na América, a história de Michael na Sicília, de forma um pouco deslocada do tempo, em seguida, o retorno e ascensão do novo Don. Não que seja uma grande novidade, mas é um artificio que produz uma quebra na narrativa, tornando-a mais instigante.

    Não se pode dizer que não seja um bom livro, a leitura desliza, por assim dizer, pelas páginas, e a história instiga bastante a continuidade, mas se está na vibe de uma literatura mais complexa, desafiadora, não é o livro para o momento.

    Compre: O Poderoso Chefão – Mario Puzo.

    Texto de autoria de Róbison Santos.

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  • Resenha | Vidas Secas – Graciliano Ramos

    Resenha | Vidas Secas – Graciliano Ramos

    Graciliano Ramos nasceu em Alagoas (1892) e viajou durante a juventude por várias cidades nordestinas, o que influenciou e se tornou a base para seus romances, assim como sua visão política, voltada para a esquerda da época, tanto que ingressou, em 1945, no PCB – Partido Comunista Brasileiro. Essas características (que dão forma para o período literário brasileiro logo após a primeira grande guerra e o final da segunda) onde se observa romances voltados à vida social brasileira, a realidade do povo, ao mesmo tempo em que se tece uma crítica à essa realidade, à essa estrutura. E Vidas Secas é um exemplo clássico desse período.

    O romance assume então características, somadas aquelas citadas, filhas de seu tempo,  de crítica social, sendo o livro um exemplo do Realismo,  também característico da época. A influência marxista transparece na obra, sendo o governo injusto (prefeitura, militares, burocracia, dono da fazenda) com um dos protagonistas, Fabiano, em diversas oportunidades, ao mesmo tempo em que se pune pela sua ignorância.

    A família vive como animais, fala pouco e com discurso limitado, muitas vezes sem saber ao certo como manter um diálogo, soltando frases, umas por cima das outras, sem se preocupar se o interlocutor entende o que está sendo dito ou não, podendo observar uma animização das personagens. Assim como a personagem Baleia, que é uma cadela, é humanizada em função disso, pois ela é tratada como um membro da família, nesse ponto há uma inversão, uma interpretação da própria vida das famílias retirantes.

    Vidas Secas é de uma escrita fluida e com uma estrutura que permite (com exceção do primeiro e último capítulos) a leitura dos capítulos em qualquer ordem e transmite certo ciclo da historia familiar, sempre em busca de um éden ao sul, com gado e uma cama de couro.

    Compre: Vidas Secas – Graciliano Ramos.

    Texto de autoria de Róbison Santos.

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  • Resenha | Moriarty – Anthony Horowitz

    Resenha | Moriarty – Anthony Horowitz

    Todo grande herói precisa de um antagonista à sua altura. O que seria de Sherlock Holmes sem Moriarty? Lógico que continuaria sendo um grande investigador, mas sua genialidade fica ainda mais em evidência ao enfrentar seu arqui-inimigo. O ápice desse embate, narrado em O Problema Final, ocorre nas Cataratas de Reichenbach, onde supostamente Holmes morre – mas ressurge em Londres 3 anos mais tarde, em A Volta de Sherlock Holmes. E é a partir da morte de Moriarty e Holmes que Anthony Horowitz constrói sua história.

    Depois do fatídico encontro entre Holmes e Moriarty nas cataratas de Reichenbach, um detetive da agência Pinkerton de Nova York, Frederick Chase, chega à Europa. Na aldeia de Meiringer, onde Holmes se hospedou, encontra-se por acaso com Athelney Jones – inspetor da Scotland Yard, que estuda devotamente os métodos de Holmes. Resolvem juntar forças ao investigar um novo gênio do crime, que ascendeu rapidamente após a morte do professor Moriarty. Sua busca os leva a Londres, onde esse no vilão rapidamente preencheu a lacuna deixada pelo arqui-inimigo de Holmes.

    Livros desse gênero, em geral, são escritos em terceira pessoa, principalmente pela possibilidade de oferecer ao leitor vários pontos de vista durante a história. Diferente da maioria, este é narrado em primeira pessoa por Chase. O leitor fica restrito a seu ponto de vista, mas o autor consegue contornar bem essa restrição, sem deixar a leitura cansativa. E, certamente o plot twist final não seria possível caso a narrativa fosse em terceira pessoa. Felizmente, essa reviravolta não fica parecendo um deus ex machina, já que as pistas estão espalhadas pela narrativa, bastando apenas ser um leitor mais atento e inquisitivo para desconfiar do que está por vir.

    Os personagens centrais são uma versão simplificada de Holmes e Watson. Athelney Jones, investigador da Scotland Yard, é obcecado por Holmes e suas técnicas investigativas, tentando copiá-las a todo custo. Não é um personagem de todo desconhecido do público leitor de Conan Doyle. Horowitz pegou o personagem “emprestado” do livro O Signo dos Quatro (1890), a segunda aventura de Holmes. E Chase é seu sidekick, seu Watson, é a “orelha” da história, fazendo a Jones as perguntas que o leitor faria.

    A ideia é ler sem expectativas, ou melhor, sem esperar que a aventura seja mais um Doyle. Caso o leitor compre a ideia de que a intenção do autor foi criar uma história de detetive ambientada no universo de Sherlock, com personagens que emulassem a famosa dupla da Baker Street, sem maiores pretensões, consegue ser um bom entretenimento para os que curtem literatura de mistério. A obra tem os mesmos “defeitos” das histórias de Holmes – pistas que aparentemente brotam do nada, deduções mágicas de Jones/Holmes – o que talvez irrite alguns leitores. Contudo, se o intuito era homenagear, o objetivo se cumpriu.

    Horowitz é uma espécie de especialista em ícones da cultura pop. Escreveu alguns episódios da série de TV Agatha Christie’s Poirot, do canal britânico ITV. Também é autor de duas franquias young adultAlex Rider e O Poder dos Cinco.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • VortCast 48 | O Que Estamos Lendo?

    VortCast 48 | O Que Estamos Lendo?

    Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira), Jackson Good (@jacksgood), Thiago Augusto Corrêa (@tdmundomente) e Rafael Moreira (@_rmc) se reúnem para mais uma série de indicações literárias que vão desde literatura fantástica a romances policiais, ficção científica a reportagens jornalísticas.

    Duração: 126 min.
    Edição: Thiago Augusto Corrêa e Flávio Vieira
    Trilha Sonora: Flávio Vieira
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    Bruno Gaspar

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