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  • Resenha | Ágeis e Inovadoras – Adam Bryant

    Resenha | Ágeis e Inovadoras – Adam Bryant

    A literatura dedicada a área de administração, além dos livros técnicos específicos, transformou-se também em um material com alto índice de vendas em livros formatos para um público amplo que deseja conhecer melhor as estruturas da carreira, tanto pelo interesse no assunto ou quando estão inseridos em algum trabalho administrativo. Não faltam manuais contendo discas, formulas, ordens e afins garantindo quase um sucesso absoluto em vendas, rentabilidade e qualquer outro chamariz para o público. Muitas edições voltadas mais para a venda, do que um processo informativo sobre o tema.

    Lançado pela Editora WMF Martins Fontes em 2015, Ágeis e Inovadoras – CEOs Ensinam Como Criar Empresas de Sucesso segue a vertente de apresentar um livro sobre o tema para o público em geral. Escrito pelo jornalista Adam Bryant, colunista do New York Times sobre a área, a edição reúne trechos de uma vasta lista de entrevistados pelo autor que foram ou eram CEOs ou alto dirigentes de conhecidas empresas mundiais. Dividido em duas partes, contendo pequenos capítulos referencias, o livro foca em temas que abrangem o universo da administração e desafios que os empreendedores encontraram em qualquer negócio.

    Procurando fugir do aspecto messiânico de manuais com dicas, o autor recorreu a uma lista de profissionais que executam tais ações em seu cotidiano, citando-os diretamente como figuras de autoridade que realizam observações e apontam resoluções vividas in loco nos locais de trabalho. Para facilitar a leitura de um público-leigo, Bryant recorre a pequenas formulações básicas em cada capítulo. Nada que se compare a outros livros do gênero que abusam de quadros coloridos e palavras de impacto como um mantra vazio. Mas sim transmitindo conhecimentos básicos que, sem dúvida, aquele que lida com administração também reconhece em seu dia a dia.

    Trata-se de um livro direcionado a um público específico com uma leitura simples que pode sanar as dúvidas básicas daquele que se inicia na área. Como um crítico que não possuí nenhum conhecimento sobre o tema, Ágeis e Inovadores foi bastante informativo sem decair para as formulações pobres de outros livros da área que prometem riqueza, ganhos ou qualquer coisa que o valha.

    Compre: Ágeis e Inovadoras –Adam Bryant.

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  • Resenha | Uma Vida Chinesa – III. O Tempo do Dinheiro

    Resenha | Uma Vida Chinesa – III. O Tempo do Dinheiro

    Philippe Ôtié, parceiro criativo de Li Kunwu na autobiografia Uma Vida Chinesa, menciona no prefácio da derradeira edição, O Tempo do Dinheiro, a mudança da concepção da obra no decorrer de sua finalização. Enquanto estudavam uma maneira de apresentar uma história de um homem comum que, ao mesmo tempo, representasse a evolução da China no último século, os traços de Kunwu ganharam novas formas, bem como a abordagem procurou um meio-termo sem agredir a própria História.

    Lançado pela WMF Martins Fontes em 2017, o terceiro volume é o desfecho da trama iniciada em I. O Tempo do Pai. Mesmo sendo uma obra única em três volumes, cada edição foi trabalhada em um ritmo próprio. A primeira configurava com mais detalhes o panorama chinês que marcou a libertação, forma pela qual os chineses se referem ao levante comunista. Em II. O Tempo do Partido, a obra transita entre a evolução do personagem central, que se aproximou do Partido Comunista, desenvolvendo sua carreira como desenhista, como nas próprias modificações da China após a morte de Mao-Tsé Tung, o Grande Timoneiro. No terceiro volume, a trama reflete o ritmo acelerado do crescimento do país, inserindo diversos acontecimentos de maneira rápida, dando maior dinamismo a história.

    Os autores optaram por utilizar pouco a narrativa em off no último volume. Inicialmente, selecionaram dois momentos temporais, o final dá década de 80 e o ano de 2010, para apresentar duas etapas no amadurecimento de Xiao Li, uma delas registrando o encontro dos autores que resultou na graphic novel. Um processo semelhante ao segundo volume do clássico Maus de Art Spiegelman, quando o volume um da obra recebia grande recepção crítica e tal fato foi registrado na trama.

    Cientes de que quanto mais se aproximam do presente mais difícil fica uma análise dos fatos, a terceira parte desenvolve um mergulho maior na personagem, evitando a abordagem da vida chinesa em alguns capítulos. Um dos momentos mais significativos e controversos da China, o protesto da Praça da Paz Celestial (Tian’anmen) em 1989 é evitado. O protesto contra o PC Chinês foi suprimido pelo governo pela força, causando grande número de baixas civis. Como o narrador estava distante dos fatos, preferiu se abster de qualquer comentário como se, nessa parte, deixasse o julgamento para o leitor. Se muitas obras falham pela parcialidade, Ôtié e Kunwu encontraram uma boa saída ao explicitar a dificuldade objetiva de analisar o momento. Como o Partido Comunista Chinês ganhava poucas críticas explícitas da população, é coerente a timidez em abordar um momento difícil no país.

    Ao mesmo tempo, ao evitar mostrar tal fato, a obra demonstra como há diversas Chinas dentro de uma, com parte de seus cidadãos descontentes com a abertura econômica e outros grupos, distantes dos centros, vivendo em harmonia, focado nas próprias vidas sem grande envolvimento político. Evidente que a ausência do tema pode causar discussão mas, tratando-se de uma biografia, a saída encontrada foi honesta.

    Enquanto a personagem central amadurece, termina seu casamento e obtém maior sucesso como desenhista a frente do periódico chinês, observamos uma China dividida entre a ideologia comunista e a inserção do capitalismo como um meio para preservar o socialismo. Embora não explicite nenhuma contradição nesse discurso, a trama apresenta cenas de contraste, demonstrando como a inserção do capital privado modificou parte do pensamento chinês, com grupos tentando concentrar se em grandes cidades – mesmo com os censos que evitavam o êxodo rural – e realizando ações desproporcionais que, mesmo tutelados pelo estado, traziam benefícios próprios aos envolvidos. Uma reflexão que nos faz imaginar que independente do sistema político, a corrupção é possível (a corrupção já havia sido denunciada no volume anterior, em cenas com soldados do Partido Comunista).

    Outro exemplo da abordagem econômica da China, é vista pela personagem de Lili. Apresentada em um dos capítulos e dividida entre os benefícios do estado e a possibilidade de subir na vida ao investir no capital privado. Uma boa inserção na trama para explicar as tensões da época. Como a história registrada aborda um longo período de tempo, é perceptível que a população jovem desconhece parte da própria trajetória do país, sendo que somente os mais velhos mencionam sobre o período em que Tse-Tung governou, sem nenhuma abertura econômica. Demonstrando como, mesmo que se procure uma sequência natural da trajetória chinesa, o país é dividido por momentos conflitantes entre si.

    A narrativa de Uma Vida Chinesa termina em 2010, no ano novo chinês. Na época, Xiao já havia ido para o exterior, exibido seus desenhos na França e a graphic novel estava em desenvolvimento. Em uma das reflexões finais, o autor-personagem analisa a trajetória da China e a análise da própria vida diante da autobiografia em quadrinhos. A obra consegue realizar um eficiente registro histórico a partir de um homem comum, um chinês simples que reconhece erros e acertos de seu povo, mantendo sempre o patriotismo em alta diante de um pais que, independente de tais fatos, é seu lar.

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  • Resenha | O Barril Mágico de Lena Finkle

    Resenha | O Barril Mágico de Lena Finkle

    Um dos segredos de um bom novelista é saber dosar a graduação do conflito ao longo da trama. Com poucos problemas a serem resolvidos, a história tende a ficar insossa, sem graça, se torna um desses livros que largamos antes da página sessenta. De forma contrária, com muitas lutas e pouca explicação, o leitor absorve uma caoticidade que pode fatigá-lo pelo excesso de interrogações. Agora imagine quando além do texto, você tem que se preocupar com o grafismo que complementam a informação textual. Tudo isso sem deixar a atenção do leitor cair. Haja habilidade. Essa destreza é a chave da russa Anya Ulinich em O Barril Mágico de Lena Finkle (WMF Martins Fontes), uma ambiciosa novela gráfica.

    A história começa de forma acanhada e muito particular: Lena Finkle é uma imigrante russa que chegou aos Estados Unidos nos anos de 1990, torna-se escritora e é chamada para voltar à Rússia 20 anos depois para dar palestras sobre seus livros (grande parte da trama é baseada na história de vida da autora). Voltando ao país de origem, a novela segue para as diferenças culturais (principalmente sobre sexo), entre os dois países. A personagem narra o despertar sexual nos EUA em comparação ao que ela sabia de sexo na Rússia. As discrepâncias intensificam a narrativa porque a autora utiliza flashbacks para aprofundar o nosso conhecimento sobre a personagem principal.

    Daí em diante a obra vai tomando corpo e os conflitos intensificam-se: Lena tem dois casamentos falidos, duas filhas, um caso com um russo ex-namorado de infância, problemas com os pais (a mãe se tornou bem sucedida nos EUA enquanto o pai está quase desaparecido), conflitos com o modo de vida americano, com a situação das amigas, e com os novos affairs que ela conhece ao frequentar aplicativos para namoro online.

    O Barril Mágico de Lena Finkle é uma novela gráfica ambiciosa que entrega tudo o que promete. Ao construir o ambiente ao redor de Lena Finkle, a autora discute relacionamentos abusivos, sexo, internet, imigração, família, modo de vida americano, capitalismo, feminismo, violência, machismo, auto-estima, filosofia, psicologia, tudo dramaticamente dosado, sem excessos ou falta de qualquer componente. Por conta disso, os grafismos que compõem a trama são esticados ou comprimidos para se adequar ao propósito de cada cena. Isso explica o aparente caos na arrumação das imagens.

    Mas, ao contrário do que possa parecer sobre os traços grossos e obtusos que por vezes aparecem na trama, há uma harmonia estética que visa demonstrar por meios visuais o redemoinho de responsabilidades ou insinuações que turvam a sobrevivência da personagem. Cada componente, seja o amor, os relacionamentos abusivos, a imigração, a família etc, deixam a marca na protagonista e ela escolhe exibir como tatuagem ao leitor. Quem lê, nesse caso, também é puxado ao redemoinho da personagem, contudo, tem a opção de estar a salvo.

    Lena Finkle não, principalmente quando o assunto são relacionamentos. Por sinal, este é o ponto de virada da trama. A ida à Rússia catalisa os ditames amorosos que prendem a personagem do meio ao fim da história. São essas situações de amor, ou quase-amor, que detonam os outros assuntos. A autora, portanto, cria os pretendentes de sua protagonista e, a partir deles, constrói e desconstrói os paradigmas que formam o estilo de vida americano pelo espelho da personagem, uma imigrante quarentona, irônica e com duas filhas. O que fica mais notável (uma necessidade à trama, talvez), é que apesar de Lena ser muito inteligente emocionalmente, isso não a impede de sofrer na mão de homens falhos em muitos sentidos. A personagem guarda uma forma de esperança enferrujada que a faz mergulhar na procura de um homem que caiba exatamente no conceito dela de companheiro. Mas mesmo quando o encontra, não é salva.

    Um quadrinho fantástico. A forma como a autora constrói e interrompe diálogos é criativo e inovador. A caoticidade, novamente, perambula por todos os aspectos do livro, mas não se engane, a ordem também é resultado do caos. Não há ponta soltas, não há desconexões arbitrárias, não é o caos por si só, é o caos pela arte, fotografado e exibido como interpretação irregular do cotidiano.

    Texto de autoria de José Fontenele.

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  • Resenha | Uma Vida Chinesa – II. O Tempo do Partido

    Resenha | Uma Vida Chinesa – II. O Tempo do Partido

    A segunda parte de Uma Vida Chinesa, lançado pela WMF Martins Fontes, dá sequência imediata a história vista na parte I – O Tempo do Pai. Porém, nessa parte intitulada O Tempo do Partido, a obra ganha um contraste emotivo maior, bem como o enfoque aprofunda o personagem central, Li, testemunha ocular da evolução da China.

    A primeira parte da história focava em seu pai, apresentando as modificações da China a partir da instauração do socialismo, liderados por Mao-Tse Tung. Produzindo um relato ao mesmo tempo pessoal sobre as turbulências passadas pela família e contextual sobre as modificações sofridas pelo país no período. Na segunda parte, encontramos um Li mais maduro. Observando com maior atenção os contrastes de seu país sem estabelecer uma postura crítica negativa como apresentada no início. Com a morte de Mao, a China passa por novas mudanças, estabelecendo pequenas aberturas externas bem como reconhecendo que algumas ações do passado, como a revolução cultural, tiveram seus excessos. Revendo seus próprios erros em um processo chamado autocrítica, o partido procurou avançar sempre com o apoio da população.

    O período abarcado pela trama, entre 1976 a 1980 é fundamental para que Li amadureça. O roteiro opta por aprofundar sua transformação sem destacar em demasia as modificações da China na época. O registro se torna pessoal apresentando o crescimento da personagem tanto profissionalmente como desenhista, melhorando seus traços, como intelectualmente, através de duas experiências ligadas ao socialismo chinês: defender a pátria e compreender o valor do campo. Dessa forma, o personagem se alista no Exército e, posteriormente, responsabiliza-se pelos cuidados de um campo de plantação. Ainda que o período seja curto, viver tais momentos geram uma outra visão na personagem, compreendendo na prática parte dos valores propostos pelo Partido Comunista Chinês, bem como reconhecendo que nem tudo funciona devido a corrupção de pequenos grupos.

    Tornando-se um homem correto, de regras e trabalho duro, Li segue os preceitos de ordem verificando na prática a importância do trabalho no campo. Fatores que o fazem desejar entrar para o Partido. Mesmo a prisão do pai, enviado por dez anos a reeducação, não se torna um fator negativo, afinal, tratava-se de um novo momento na China em que tais erros não seriam mais cometidos. Sua indicação é realizada através de sua arte, publicada em alguns jornais até chamar atenção da publicidade e propaganda do partido que o convida a integrá-lo para ajudar na divulgação dos novos líderes políticos do país.

    Uma Vida Chinesa – II. O Tempo do Partido enfatiza mais a jornada pessoal de Li do que o contexto da China. Uma estratégia bem composta em, inicialmente, apresentar a história Chinesa para que o leitor compreendesse melhor as motivações de seu personagem central, demonstrando como ele viveu durante esses anos de transição e, por consequência, compreendendo como o povo chines viveu na época.

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  • Resenha | Maria Chorou Aos Pés de Jesus

    Resenha | Maria Chorou Aos Pés de Jesus

    A Bíblia 2.0, por Chester Brown.

    Resultado de novas interpretações de passagens bíblicas, Maria Chorou Aos Pés de Jesus: Prostituição e Obediência Religiosa na Bíblia, de Chester Brown (Pagando Por Sexo), publicação da editora WMF Martins Fontes e tradução de Érico Assis, adapta ao quadrinho oito histórias, a saber: “Caim e Abel”, “Tamar”, “Raabe”, “Rute”, “Betsebá”, “Os talentos”, ”Mateus”, e “O filho pródigo”. Em comum, as histórias femininas lidam como a prostituição e as outras sugerem uma nova visão sobre as designações que o Senhor dá aos seus filhos. Ao final dos quadrinhos, um Posfácio de quase cem páginas onde o autor explica o embasamento teológico por trás do desenvolvimento das histórias recontadas.

    Em “Caim e Abel”, “Os talentos” e “O filho pródigo”, Brown sugere, teologicamente, que “Deus admira e valoriza aqueles que desafiam o édito da história, e que ousam fazer o melhor para si de maneira que conflitem com a ordem que lhes foi criada”. A justificativa acima, Brown retira de A Filosofia das Escrituras Hebraicas, de Yoram Hazony. Segundo o autor, isso justifica Deus, em “Caim e Abel”, ter preferido a oferenda de carne oferecida por Abel, que o trigo oferecido por Caim. Caim fica insatisfeito com a predileção do irmão visto que Adão ensinou aos dois que, após expulsos do Paraíso, Deus mandou eles apenas se alimentarem de frutos da terra. Abel ultrapassa esse mandamento e é preferido por Deus, o que, segundo o autor, fez nascer a ira e posteriormente o assassinato cometido por Caim.

    Em “Os talentos” e “O filho pródigo”, as histórias coincidem com personagens que herdam fortunas e escolhem gastar com mulheres e entretenimento. Contudo, não são repreendidos pelos seus senhores/familiares, mas premiados. Segundo Brown, esse contrassenso é justificado teologicamente porque “Deus não vê suas leis como absolutas”. Ousar, portanto, mesmo ultrapassando as leis, pode fazer parte dos desígnios divinos.

    Em “Tamar”, “Raabe”, “Rute” e “Betsebá”, Brown trata de prostituição como uma atividade que garantia sobrevivência às mulheres. Como o patriarcado por vezes relegava à mulher posições menos privilegiadas na sociedade daquela época (e atual também), a prostituição era (ou é) utilizada como uma alternativa que por vezes garantia a sobrevivência delas, seja por ganharem dinheiro com isso, seja por utilizarem como forma de driblar o sistema das casamentos ruins/fracassadas.

    Em “Mateus” o tema também é prostituição. A história contada por Brown sugere que Maria era prostituta e que Mateus buscava colocar essa informação no evangelho que estava escrevendo, mas, sabendo que seria censurado nas traduções posteriores, buscava uma alternativa para passar a informação adiante. A solução foi elencar a genealogia feminina de Jesus, ou seja, ao invés de informar sobre o pai e os pais de Jesus, o que seria o correto para a época, Mateus escolheu começar o evangelho pela ascendência das mães dele, assim, segundo Brown, ele poderia dar a informação que Maria era prostituta ao elencar outras meretrizes historicamente famosas.

    Em termos gráficos, os desenhos são tecnicamente simples. Quatro quadrinhos por páginas com variações de preto e valorização dos espaços em branco. Poucos closes e em nenhum momento a boca dos personagens está aberta nos diálogos. O posfácio de Brown responde todas as dúvidas sobre as escolhas narrativas feitas e as referências utilizadas pelo autor. Vale a leitura.

    Texto de autoria de José Fontenele.

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  • VortCast 48 | O Que Estamos Lendo?

    VortCast 48 | O Que Estamos Lendo?

    Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira), Jackson Good (@jacksgood), Thiago Augusto Corrêa (@tdmundomente) e Rafael Moreira (@_rmc) se reúnem para mais uma série de indicações literárias que vão desde literatura fantástica a romances policiais, ficção científica a reportagens jornalísticas.

    Duração: 126 min.
    Edição: Thiago Augusto Corrêa e Flávio Vieira
    Trilha Sonora: Flávio Vieira
    Arte do Banner: 
    Bruno Gaspar

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  • Resenha | Uma Vida Chinesa – I. O Tempo do Pai

    Resenha | Uma Vida Chinesa – I. O Tempo do Pai

    Parte da composição artística é feita com base na experiência pessoal. Ações modificadoras que utilizam uma narrativa como registro eterno. Em maior ou menor grau, há sempre um relato que atravessa as páginas ficcionais. Nenhum autor está alheio ao seu tempo ou livre de inserir partículas de si em sua obra. Bem como há uma vertente que explicitamente transforma o objeto artístico em uma forma de reconstruir o passado, procurando ressignificá-lo através da arte.

    Lançado pela WMF Martins Fontes, Minha Vida Chinesa é uma história em três partes escritas por Li Kunwu e Philippe Ôtié, retratando o período em que Kunwu viveu na China. Cada uma das partes da HQ abarca um período do país, tendo como ponto de partida inicial a liderança de Mao-Tse Tung, uma das primeiras grandes transformações da China nos últimos séculos.

    O primeiro volume, lançado originalmente em 2009 e no Brasil em 2015, intitula-se O tempo do Pai. Partindo desde a fundação da família para narrar os primeiros anos de vida do autor como um observador da revolução comunista na china. Uma análise influênciada pelo pai da personagem, um dos secretários a serviço do Partido Comunista Chinês. Diante desse cenário, é com certo amargor que Kunwu narra os feitos da época.

    A partir da revolução, a China sempre foi vista de maneira dúbia. As análises sobre Mao no poder apresentam, muitas vezes, fatos tendenciosos. E, ainda hoje, parte do material de grandes estudiosos sobre o tema ainda não chegaram em nossa língua. Para se compreender a fundo as modificações da China no período, são necessários explorar textos em outras línguas, a procura de autores diversos e vozes distintas capazes de pontuar o que foi bom e ruim nesse período. De qualquer maneira, o narrador demonstra incômodo sobre o que viveu, como se houvesse uma diferença clara da China de Mao vista de fora, daquela vivida cotidianamente.

    A contextualização da história é pautada sob o ponto de vista do autor. A evolução do comunismo chinês é vista como uma ação paradoxal em que havia muita utopia em contraposição a uma miséria crescente. Desde o início da narrativa, permeando a evolução a partir de 1955, há paradoxos explícitos entre uma ênfase publicitária, da potência do comunismo como regime para melhorar a nação, enquanto a vida do personagem e sua família demonstra um cenário mais delicado em que o campo e a cidade se imaginavam mais equilibrados do que estariam de fato, todos vivendo em um ambiente desigual.

    A ideologia maoísta é inferida como uma doutrinação inserida em diversos aspectos da sociedade. Havia preceitos puros, evidenciando a transformação da população como ativa na força de trabalho, sempre recordando-os que todos possuem igualdade, preservando uma auto-consciência sempre retomada pelos simpatizantes ao movimento. Porém, conforme o sistema agrega nova parte da população para defender seus ideais, a utopia do socialismo é aquebrantada por pequenos interesses próprios.

    Evidente que o leitor mais atento irá pressupor que tal fato não aconteceu na China como um todo. Porém, pela visão de Kunwu, o benefício próprio da população era claro e tal fator foi utilizado para subjugar aqueles que não eram considerados bem inseridos na sociedade. O que o Partido Comunista Chinês fez, de fato, foi manter uma ideologia ativa dentro do país para que o projeto comunista nunca fosse destruído. Figuras que lutaram na guerra contra o Japão se tornavam símbolos heroicos e havia ações para que cada adolescente e criança nunca esquecesse de tais fatos. O poder estava também destinado ao povo, convidado a participar ativamente, tanto em pequenas modificações de cada local quanto a se tornar parte do grupo militar, tornando-se um soldado do partido.

    A crítica diante do comunismo se torna mais forte quando a China desenvolve o projeto da grande revolução cultural proletária. Foi neste período que o famoso livro vermelho de Mao foi lançado. Contendo canções, temas e bases que definiam quais procedimentos a população devia adotar. Em geral, qualquer cultura considerada burguesa deveria ser substituída pela cultura proletária, para que a população tivesse identificação imediata. Os totens da velha China são substituídos por Mao e a revolução vermelha.

    A revolução cultural ainda é considerada um ponto difícil na trajetória de Mao na China. A imposição destruidora da velha China, destruindo qualquer conceito burguês, causou rupturas profundas entre a população. Na HQ fica evidente que havia um processo extremo de culpabilidade a qualquer chines que parecesse não seguir os preceitos comunista. Os autores expressam incômodo com tais fatos, principalmente porque a própria família de Kunwu foi vítima de denúncias e difamações. Mesmo um funcionário exemplar como seu pai, tornou-se alvo de investigações, produzidas a partir de denuncias da própria população.

    Uma Vida Chinesa não intenta ser uma aula de história. Mas apresentar, sempre que possível, o testemunho de um personagem que viveu dentro da China durante tais transformações. As cenas contextualizadas são explicadas na própria narrativa, sendo possível compreender os fatos sem a necessidade de outros textos, ainda que para o enriquecimento da compreensão da época, seja favorável procurar outras fontes. Afinal, trata-se de um relato pessoal, uma visão única sobre um grande grupo heterogêneo e um grande momento do país.

    Os traços de Kunwun realizados em nanquim são peculiares. A estética da obra segue o estilo tradicional das graphic novels, composta nas cores preto e branco. Porém, os traços possuem pequenas modificações de uma retratação tradicional, como se tudo fosse reinterpretado pelo autor para produzir ainda mais enfase. As expressões são bem delineadas e, muitas vezes, distorcidas, gerando personagens com forte expressão física.

    Ao decidir produzir um relato confessional e pessoal de uma vivência, a obra evita a normatização histórica, sem medo de inserir um ponto de vista diante dos fatos observados. Um material rico que funciona como um bom exemplo de uma história diante da História e um ponto de partida para aqueles que desejam estudar o tema, em um formato sempre convidativo como os das HQs.

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  • Resenha | A Propriedade

    Resenha | A Propriedade

    a propriedade - rutu modanUm dos conceitos mais utilizados e trabalhados pela História de maneira geral é o da memória. De forma comum, memória pode ser interpretada apenas como a lembrança de um determinado fato, evento ou situação qualquer, porém é muito mais complexa. A memória contém a sua própria história. Perceba que a forma como você se lembra de alguma coisa muda com o passar do tempo (o fim de um namoro, triste no início, mas até comemorado com o passar do tempo, pode ser um exemplo simples e efetivo). E há também a construção de uma memória, quando um grupo conta como as coisas foram, ou como esse grupo determina como um dado evento será contado ou lembrado pela posteridade, traduzindo na ideia de memória social. Ótimo, mas qual a relação disso tudo com a belíssima obra de Rutu Modan?

    A história como um todo gira em torno de como as memórias foram construídas e são reconstruídas pelas personagens dentro da narrativa. A sinopse, bastante simples, narra uma senhora judia, Regina, que vai com a sua neta Mica para Varsóvia, onde haveria uma propriedade em seu nome para ser reivindicada. Na verdade, esse é apenas o pretexto para que toda a trama aconteça. Mais do que procurar uma propriedade, Regina foi ao encontro de seu passado, mostrando como, apesar de décadas longe da capital polonesa, muito dela ainda mora naquele lugar. E também mostra como a neta passa a construir as suas próprias memórias e lida com o passado (des)conhecido de sua própria família.

    A partir daí trata-se de uma verdadeira aula de sensibilidade sobre como trabalhar o conceito de memória, uma vez que o autor busca retratar memórias locais e coletivas, como a retomada de Varsóvia dos nazistas, ou a lembrança de quando eles invadiram a cidade (uma passagem muito interessante, pois há uma representação dos nazistas aprisionando judeus, uma forma de não deixar a memória sobre o terror daqueles dias morrer). E também memórias pessoais da senhora, que se reencontra com pessoas e lugares importantes para o seu passado e de como esses encontros e rememorações fazem com ela pense o passado e o presente. Destaque às personagens, bastante críveis e próximas da realidade de qualquer um. Quem tiver um cunhado ganancioso ou uma avó teimosa se identificará de pronto.

    Além disso, é muito interessante como parte da cultura judia é tratada pelo autor, ou como os eventos e festividades da própria cidade são representados, fazendo com que o leitor se inteire de lugares e culturas que são muito distantes da dele, e também perceba que a Segunda Guerra Mundial não se resume apenas a grandes batalhas ou ao Dia D, mas que os eventos relacionados a ela geraram consequências e percepções que são variadas e bastante ricas. Passagens sobre preconceitos e como um povo ou cultura vê outros engrandecem ainda mais o quadrinho. Mas não se confunda, não se trata de uma História de guerra, mas de memórias e vidas de pessoas.

    Assim, A Propriedade se trata de uma leitura obrigatória para aqueles que gostam de gibis que não ficam apenas no mundo dos heróis ou mangás, com mulheres em posições estranhas. Uma ótima indicação para que as pessoas possam sair desse mundo mais restrito da indústria de HQ. A obra fará com que o leitor perceba que a propriedade não se trata de algo meramente físico, mas que memórias e lembranças, e a forma como as pessoas as utilizam, também são propriedades das pessoas. Leitura mais do que indicada.

    Compre aqui: A Propriedade – Rutu Modan

    Texto de autoria de Douglas Biagio Puglia.

  • Resenha | Snowden: Um Herói do Nosso Tempo

    Resenha | Snowden: Um Herói do Nosso Tempo

    Snowden - Um Heroi de Nosso Tempo - Ted Rall

    Saindo do anonimato em 2013, a trajetória do analista de sistemas Edward Snowden foi destacada em diversos veículos ao redor do globo apresentando-o através de sua denúncia contra o governo americano em documentos sigilosos que demonstravam um intrincado – e ainda vigente – sistema de espionagem global. Desde então, tornou-se uma figura controversa divida entre opiniões positivas e negativas da mídia.

    Lançado pela Editora Martins Fontes, Snowden: Um Herói do Nosso Tempo, do desenhista americano Ted Rall, é uma biografia em HQ que traça a breve trajetória do analista de sistema, apresentando o destaque midiático e a polêmica denúncia dos documentos sigilosos. Atento ao contexto geral e a linearidade narrativa, o autor evita qualquer arroubo criativo na composição do livro para produzir um objeto informativo que resume a história do biografado, apontando momentos importantes e decisivos, responsáveis por sua conduta diante dos dados sigilosos que possuía em mãos.

    Diante de um cenário delicado, em que se descobriu uma extensa espionagem americana realizada tanto no exterior quanto por parte de seus cidadãos, Snowden sai do anonimato para ser responsável por uma persistente discussão a respeito dos direitos e liberdades das nações. Dividido em três partes abordando antes, durante e depois das denúncias expostas nos jornais The Guardian e The Washigton Post, o livro, em formato próximo ao de bolso, contém uma história simples cuja composição a cada página se assemelha ao conceito tradicional da graphic novel formatado por Will Eisner com texto e um painel ilustrativo, interagindo simultaneamente na leitura.

    Hall inicia a obra em um comparativo com a famosa narrativa de George Orwell, 1984, sobre um mundo totalitarista com domínio e vigília do governo e, em seguida, apoia-se em momentos chave para apresentar sua história, resumindo os fatos e a recepção midiática ao redor deles, traçando um panorama efetivo sobre um tema atual da política americana. Engajado na política desde o início de sua carreira, o autor insere no texto seu discurso a favor da liberdade de expressão, mantendo sua vertente crítica coerente com uma trajetória que sempre fez da nona arte um objeto de crítica social.

    A figura de Snowden foi epicentro para trazer à tona uma discussão contemporânea, tema preponderante da política de segurança dos Estados Unidos. Sua contribuição marcante o fez uma das figuras em destaque no ano e, ainda hoje, se mantém exilado de seu país, que o acusa de traição. Preparando um futuro livro, o analista afirma que mais informações sigilosas serão reveladas. Além de uma futura publicação, Edward é tema da nova produção de Oliver Stone com Joseph Gordon-Levitt no elenco.

    Snowden: Um Herói do Nosso Tempo mantém a discussão ativa e é suficientemente informativo para leitores leigos conhecerem esta figura e sua denúncia, fundamentando uma base para maiores pesquisas dos leitores conforme o interesse de cada um. O marco causado pelo analista ainda é novo para uma análise a longo prazo, mas sem dúvida é fundamental para uma discussão futura dos limites governamentais, uma história distante de um final necessário.

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  • Resenha | Kaputt

    Resenha | Kaputt

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    O livro do correspondente de guerra Curzio Malaparte entrou para história como um visceral conto feito de modo secreto enquanto ele registrava suas vivências em solo nazista. A arte de Eloar Guazzelli reabre as feridas da Malaparte em Kaputt, a versão em quadrinhos que invoca todo o sectarismo e crueldade nos atos dos alemães inspirados pelo antigo chanceler austríaco.

    A missão de transpor os relatos do jornalista a outra mídia deve-se ao fato de que foi o pai do artista da nona arte que lhe presenteou com o denso trabalho de Malaparte, repleto de camadas e cuja compreensão varia de acordo com o repertório do receptor. O começo do relato é feito sob a égide de que é o medo que fomenta o ódio dos que causam o mal, uma alusão ao desconhecimento como fonte da antipatia do ser humano. Sem aplacar os horrores e preconceitos, a obra desmistifica o conceito de que havia na Alemanha, dos anos 30 e 40, uma desinformação geral, ao menos da parte dos poderosos.

    O traço característico de Guazzelli dá uma nova dimensão de significados ao letrado original, algumas vezes dispensando os dizeres canônicos. Dentre todos os pecados dos opressores, o mais latente é certamente o da xenofobia, já que Malaparte encontrava-se na Ucrânia, assim como muitos soviéticos. Ainda assim, a denúncia também recai sobre o tratamento dado aos poloneses, vistos como seres inferiores, flagrando os guetos onde os judeus viviam e de onde era tirado o sacrifício que servia ao (pouco) simbólico banquete genocida.

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    As figuras criminosas são mostradas, de início, nas sombras, com pouca luz sobre suas faces, distintas suficientemente para não descaracterizar a humanidade dos prisioneiros. Uma tentativa de não banalizar os pecados cometidos sob o pretexto da guerra.

    A predominância de cores escuras remete à ausência de bondade nos atos dos homens da Gestapo, que não têm qualquer piedade de suas vítimas, mesmo quando estas são munidas da ingenuidade típica da infância. Os poucos mostrados em cores vivas são os que não praticam atos bélicos, ao menos naquele momento. No entanto, quando as falas remetem ao conflito, a colorização negra retorna para deixar explícito onde reside o mal.

    O espírito sentimental atrelado ao texto de Kaputt faz emocionar e introduz-se como documento histórico. Gerada pelo brasileiro, que assumiu a árdua tarefa de dar vida aos contos de chacina redigidos pelo italiano, a obra produz uma pessoalidade poucas vezes vista em histórias do Holocausto, traduzindo em fortes imagens a dor de um povo e o remorso de quem fez parte daquilo, ou dos que ainda guardam em si qualquer rastro de civilização. Mesmo após o anúncio do fim da narrativa, os aspectos de Kaputt são ligados à desfaçatez e à inumanidade dos que produziram morte, violência e desprezo por outrem. Um alerta, em última análise, para que a própria História não volte a se repetir.

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  • Resenha | Parafusos: Mania, Depressão, Michelangelo e Eu

    Resenha | Parafusos: Mania, Depressão, Michelangelo e Eu

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    A ausência de regras, espaço-limítrofes ou sistemas fornece a liberdade para que artistas utilizem sua biografia a favor da arte. Não faltam exemplos em pinturas, esculturas, cinema, música, quadrinhos que não corroborem com esta afirmação. Autores que transformam a realidade em matéria artística, uma reflexão permitida pela arte, ao produzir um distanciamento necessário a uma nova observação da própria experiência. Uma reinvenção da vida, uma reconstrução da história a partir da memória ou do processo criativo.

    Professora de cursos de criação de quadrinhos no Cornish College of Arts em Seattle e desenhista indicada a mais de um prêmio Eisner, Ellen Farley foi diagnosticada aos 30 anos de idade com transtorno bipolar. Como qualquer doença envolvendo transtornos mentais, a recepção inicial por parte da autora é formada pela descrença, seguida da sensação de que um fardo definitivo mudará sua vida e, no seu caso, destruirá sua criatividade, principal fonte de sua composição artística. É esta trajetória que o leitor acompanha em Parafusos – Mania, Depressão, Michelangelo e Eu – Memórias em Quadrinhos de Ellen Forney, lançado pela WMF Martins Fontes em outubro deste ano.

    Normalmente, a composição da arte é vista como um conjunto de particularidades de um indivíduo, e um consenso sem razão transformou a profissão artística quase em um processo divino. Por este princípio, a loucura também ganhou contornos poéticos, como um aspecto que produz uma diferenciação ou maior acesso criativo ao artista. A compreensão e aceitação de uma doença sem sintomas aparentes ou visíveis aos olhos ainda são vistas com dúvida pela sociedade. Para qualquer um que sofra qualquer tipo de distúrbio semelhante, é fácil saber que o diagnóstico e as doenças mentais não são tão exagerados como a mídia costuma explorar, mas cuidados são necessários e importantes.

    A procura em compreender sua própria condição transforma Ellen em uma pesquisadora dentro do universo das artes, identificando quais personalidades foram diagnosticadas ou – diante de cartas e diários antigos – possivelmente eram possuidoras de um transtorno bipolar: um grupo de diversos artistas, como Van Gogh, Sylvia Plath, Edgar Alan Poe, entre outros, ao qual a autora se refere carinhosamente de Clube Van Gogh. Personagens reais que, à sua maneira, lidaram com problemas iguais em outras épocas. Sem dúvida, há a possibilidade de que alguns destes artistas conseguissem trabalhar ativamente com seus distúrbios, enquanto outros sentiam-se incomodados com as variações de humor. Cada um deles lidando da melhor maneira possível com a enfermidade em questão, transformando-a em matéria artística.

    Produzindo um objeto de arte com a própria doença, a autora modifica-a em uma terapia universal, compartilhando o drama interno com leitores ao mesmo tempo que realiza uma obra de referência para o tema, desmitificando o fardo de um transtorno psíquico e o conceito midiático de loucura como forma artística. Seu ofício de ilustradora foi a maneira natural pela qual a autora pode explorar o tema, e uma das maneiras de reencontrar a si mesma.

    Os desenhos permitem imersão nos sentimentos mutáveis da personagem e nas diversas oscilações que sofre um paciente com transtorno bipolar. A ausência de linearidade como um conceito estético permite a inclusão de diversos estilos, desde a história em quadrinhos feita em quadros e balões a imagens que ocupam a página toda, recriações de fotos e apropriações de páginas do diário da autora, indo além de um livro referência para a bipolaridade, demonstrando, pelas interpretações dos desenhos, como vive um paciente em seus estados maníacos até adequar-se com a medicação correta e com um equilibro interno próprio. Assim, apresenta-se uma visão além do depoimento escrito, como costumeiramente se lê em livros que tratam o assunto.

    Sem medo de falar de sua própria condição, Forney produz uma interessante obra sobre as imperfeições e transtornos que uma parcela da população possui, conduzindo a trama de maneira natural, sem exagero ou uma análise erudita. Além disso, a autora tem o mérito de transformar a própria doença em um objeto de arte que também destaca seu ofício de desenhista. Atualmente, Forney encontrou equilíbrio adequado e apresenta palestras tanto sobre desenhos quanto sobre o transtorno bipolar, com depoimentos. E afirma, ao fim desta edição, estar vivendo bem consigo mesma.

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  • Resenha | Os Ignorantes: Relato de Duas Iniciações

    Resenha | Os Ignorantes: Relato de Duas Iniciações

    Os Ignorantes - capaO público abrangente e a base sólida do mercado brasileiro de quadrinhos possibilitam, hoje, a publicação de pequenas obras autorais que, em outros tempos, não chegariam em nossas mãos. Ainda que a maioria dos leitores de quadrinhos no país se formou com leituras de super heróis, há poucos que evitam ou se incomodam com uma narrativa que não utiliza ganchos e ação em excesso, mantendo o interesse por outras vertentes de estilo dentro das diversas possibilidades que esta arte proporciona.

    Os Ignorantes – Relato de Duas Iniciações, lançado neste ano pela WMF Martins Fontes, é uma obra inserida dentro de uma experiência real. Uma metanarrativa que apresenta o autor Étienne Davodeau como personagem, em companhia do amigo vinicultor Richard Leroy, para uma interessante proposta: uma troca de experiências de vida entre ambos. Durante um ano, o quadrinista acompanha a colheita e o processo de composição dos vinhos de Leroy, enquanto o vinicultor conhece o universo das HQs, desde rabiscos feitos para produzir esta história até leituras de obras renomadas e encontros com outros artistas franceses.

    Movidos por uma paixão intensa, cada um em seu respectivo ofício, os personagens se veem debruçados sobre um novo universo não explorado. Como guias em uma jornada dupla, diferente de seus cotidianos, contemplam os caminhos que levam a um bom vinho e a uma boa HQ. Uma experiência que funciona pelo mergulho curioso em outro cotidiano.

    Recontando a experiência documentada pelos quadrinhos, o leitor se torna testemunha passiva da jornada, mas infelizmente incapaz de participar das leituras e bebidas sorvidas pelos amigos (há no final da edição uma lista apresentando vinhos e leituras degustadas). O vinho e os quadrinhos são artes escolhidas como objeto, mas não centro da obra; é a experiência e a discussão que importam à experiência.

    A arte é vista sob um plano geral que aproxima a produção de vinhos e os quadrinhos diante da percepção de que são necessários conhecimento, dedicação, paixão e amor para que o trabalho seja bem realizado. Mesmo que no final do processo o público observe uma garrafa de vinho, ou uma HQ exposta em livraria como um mero objeto, o processo da arte esconde diversas etapas, tanto burocráticas quanto sensíveis, em sua feitura. Dentro da vinícola de Leroy, observamos a importância do solo, as podas diárias e a utilização de produtos naturais para o solo e preservação das uvas, acreditando que o contato direto com a vinha e produtos não industrializados ou químicos produzem uma safra melhor. Não há como desassociar a composição de um vinho de um verdadeiro trabalho artístico, que denota conhecimento externo sobre elementos diversos e um toque de intuição e estilo próprio.

    Entre leituras e bebidas, personagens dialogam sobre estas paixões, evidenciando a importância da experiência e opinião sobre a própria arte. Ela é um elemento de aproximação capaz de conectar desconhecidos devido a sua força e à pluralidade de opiniões, uma das motivações que produziria este coletivo. Os artistas não buscam uma supremacia com suas obras, mas um espaço em que se discuta a arte dos quadrinhos e dos vinhos.

    Além da paixão pela profissão, há também o prazer em realizá-la. Essa jornada é transformada em uma apetitosa degustação sensorial, um caminho de conhecimento que, em suas linhas gerais, demonstra o quanto uma obra deve ser composta  não importando se arte ou não  com prazer e paixão para um resultado efetivo, como se o trabalho do artista estivesse representando adequadamente a experiência íntima de cada leitor ou degustador. O vinho e os quadrinhos são a referência para reverenciar a arte, e torna-se quase impossível para o leitor, após esta obra, não se sentir tentado a realizar uma experiência pessoal de observação cotidiana e, entre amigos, saborear vinhos, livros e quadrinhos.

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  • Resenha | Como Desenhar Quadrinhos no Estilo Marvel

    Resenha | Como Desenhar Quadrinhos no Estilo Marvel

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    Quadrinhos sempre foram para mim uma fascinação. Quando era pequeno, me lembro de quando deixei de lado os cartoons de Mauricio de Sousa e comecei a ler Wolverine, Super-Homem entre outras histórias que meu pai sempre comprava (para ele). Foi lendo estas histórias que meu gosto por desenho começou a se abranger e, assim, passei a desenhar cenas de ação mais complexas em vez de casinhas e cachorrinhos, como toda criança costuma fazer. Nos anos 90, o interesse pelos super-heróis era tanto que tínhamos desenhos como os dos X-Men, Homem-Aranha e o Batman para nos entreter, e seu design era o mesmo dos quadrinhos da época. Qual criança não iria querer aprender a desenhar daquela forma?

    Como Desenhar Quadrinhos no Estilo Marvel foi elaborado por Stan Lee com o amigo John Buscema. A princípio, achei que este volume fosse mostrar inúmeras imagens de diversos dos personagens Marvel e um passo-a-passo de como desenhá-los. Infelizmente, não foi isso que aconteceu. O que me oferecido foi um livro que ensina técnicas de desenho básicas com ilustrações dos heróis mais conhecidos como exemplo (e algumas outras que mais parecem recorte-e-colagem de revistas antigas).

    Não que isto faça do livro uma obra ruim; mas esta apresenta outros pontos que eu ainda não havia encontrado em revistas de desenhos disponíveis nas bancas de jornais. O destaque que dá importância ao livro são as partes sobre anatomia e, principalmente, os exemplos de poses que demonstram como são – ou eram – elaboradas as artes da editora, pois poucos manuais se dedicam ao tema. Demonstrando opções agradáveis ou chamativas que dão dinamismo e emoção às histórias que conhecemos, ensinando como transformar uma cena simples em um momento relevante.

    As ilustrações que exemplificam proporções de anatomia, expressões e formas, tanto masculinas quanto femininas, estão no estilo clássico do desenho de John Buscema, grande ícone dos anos 60 e 70 da indústria de quadrinhos. O quadrinista foi referência para vários outros desenhistas na editora, como Neal Adams, Jack Kirby e John Romita, cujas artes também ilustram o volume.

    Lançado pela Editora WMF Martins Fontes, a edição apresenta capa cartonada e 160 páginas de artes e dicas que vão do lápis ao sombreado das imagens. Cada parte apresentada se desenvolve bem e com uma precisão de detalhes que exemplifica e expõe a arte em múltiplas formas, como o espaço dedicado às técnicas de pena e nanquim, estilos dificilmente utilizados hoje em dia, substituídos pelas canetas de cartucho de tinta ou arte digitalizada.

    Mas não se pode dizer que este é um guia de ilustração de quadrinhos em si. Mesmo que mostre, por exemplo, como elaborar uma capa de revista, faltam itens-chave para a criação completa do desenho. Este volume é uma obra de referência aos clássicos da Marvel de décadas passadas ilustrados por John Buscema. A sensação nostálgica agradará a muitos fãs de quadrinhos das antigas e ainda ensinará a desenhar como um dos grandes artistas do estúdio.

    Texto de Autoria de Bruno Gaspar.