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  • Resenha | Uma Dobra no Tempo

    Resenha | Uma Dobra no Tempo

    Uma Dobra no Tempo, é uma graphic novel publicada pela Darkside Books, baseada em um livro homônimo de fantasia e ficção cientifica escrito por Madeleine L’Engle (lançado em 1962). A adaptação ficou a cargo da quadrinista Hope Larson, e a tradução foi feita por Érico Assis.

    Em Uma Dobra no Tempo acompanhamos a odisseia interplanetária da garota Meg e seu irmão Charles Wallace para reencontrar seu pai, Dr. Murry,um brilhante cientista desaparecido há 2 anos. Calvin O’Keefe, um amigo muito leal, ainda se junta à aventura dos irmãos. A jornada começa com as senhoras Sra. Quequeé, a Sra. Quem e a Sra. Qual, uma trindade mística e desconhecida. As três velhinhas emulam outras trindades mitológicas como as Parcas, Graças e Fúrias (só para ficar na Mitologia Grega), e funcionam como as mentoras da história, explicando que sabem do paradeiro do cientista e que um grande mal ameaça o pai deles e a Realidade.

    Aos poucos, os personagens principais são apresentados à Sombra, um princípio oposto à vida. Mitologicamente falando, trata-se do Caos, um grande abismo indefinido que pretende abocanhar todos os universos. A diferença é que no quadrinho temos uma espécie de planeta onde a Sombra tomou conta das pessoas e é justamente lá que Dr. Murry está preso de forma inescapável.

    A história toda é uma metáfora de crescimento e enfrentamento das nossas fraquezas. Ao seguir a aventura de personagens adolescentes lutando contra uma Sombra primordial, talvez a própria que também criou o universo, observamos as escolhas deles na disputa contra seus lados negativos ou desconhecidos. Há uma (re)descoberta de afetos, segredos familiares, empatia, amizade e bravura.

    Na questão gráfica, Larson optou por quadrantes bem definidos sem invasão gráfica, notas de um estilo sóbrio e vintage. Os quadrinhos têm boa forma e facilmente conseguimos entender a sequência de diálogos e cenas. A quadrinista optou por uma tonalidade fria onde o preto, cinza e azul ganham as páginas com facilidade e não temos desenhos com riqueza de minúcias. Destaque para a edição em capa dura e o acabamento luxuoso, o que mostra, mais uma vez, o apreço da editora pelo produto que comercializa. Excelente edição, grande história e ótima dica de leitura!

    Texto de autoria de José Fontenele.

    Compre: Uma Dobra no Tempo.

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  • Resenha | O Barril Mágico de Lena Finkle

    Resenha | O Barril Mágico de Lena Finkle

    Um dos segredos de um bom novelista é saber dosar a graduação do conflito ao longo da trama. Com poucos problemas a serem resolvidos, a história tende a ficar insossa, sem graça, se torna um desses livros que largamos antes da página sessenta. De forma contrária, com muitas lutas e pouca explicação, o leitor absorve uma caoticidade que pode fatigá-lo pelo excesso de interrogações. Agora imagine quando além do texto, você tem que se preocupar com o grafismo que complementam a informação textual. Tudo isso sem deixar a atenção do leitor cair. Haja habilidade. Essa destreza é a chave da russa Anya Ulinich em O Barril Mágico de Lena Finkle (WMF Martins Fontes), uma ambiciosa novela gráfica.

    A história começa de forma acanhada e muito particular: Lena Finkle é uma imigrante russa que chegou aos Estados Unidos nos anos de 1990, torna-se escritora e é chamada para voltar à Rússia 20 anos depois para dar palestras sobre seus livros (grande parte da trama é baseada na história de vida da autora). Voltando ao país de origem, a novela segue para as diferenças culturais (principalmente sobre sexo), entre os dois países. A personagem narra o despertar sexual nos EUA em comparação ao que ela sabia de sexo na Rússia. As discrepâncias intensificam a narrativa porque a autora utiliza flashbacks para aprofundar o nosso conhecimento sobre a personagem principal.

    Daí em diante a obra vai tomando corpo e os conflitos intensificam-se: Lena tem dois casamentos falidos, duas filhas, um caso com um russo ex-namorado de infância, problemas com os pais (a mãe se tornou bem sucedida nos EUA enquanto o pai está quase desaparecido), conflitos com o modo de vida americano, com a situação das amigas, e com os novos affairs que ela conhece ao frequentar aplicativos para namoro online.

    O Barril Mágico de Lena Finkle é uma novela gráfica ambiciosa que entrega tudo o que promete. Ao construir o ambiente ao redor de Lena Finkle, a autora discute relacionamentos abusivos, sexo, internet, imigração, família, modo de vida americano, capitalismo, feminismo, violência, machismo, auto-estima, filosofia, psicologia, tudo dramaticamente dosado, sem excessos ou falta de qualquer componente. Por conta disso, os grafismos que compõem a trama são esticados ou comprimidos para se adequar ao propósito de cada cena. Isso explica o aparente caos na arrumação das imagens.

    Mas, ao contrário do que possa parecer sobre os traços grossos e obtusos que por vezes aparecem na trama, há uma harmonia estética que visa demonstrar por meios visuais o redemoinho de responsabilidades ou insinuações que turvam a sobrevivência da personagem. Cada componente, seja o amor, os relacionamentos abusivos, a imigração, a família etc, deixam a marca na protagonista e ela escolhe exibir como tatuagem ao leitor. Quem lê, nesse caso, também é puxado ao redemoinho da personagem, contudo, tem a opção de estar a salvo.

    Lena Finkle não, principalmente quando o assunto são relacionamentos. Por sinal, este é o ponto de virada da trama. A ida à Rússia catalisa os ditames amorosos que prendem a personagem do meio ao fim da história. São essas situações de amor, ou quase-amor, que detonam os outros assuntos. A autora, portanto, cria os pretendentes de sua protagonista e, a partir deles, constrói e desconstrói os paradigmas que formam o estilo de vida americano pelo espelho da personagem, uma imigrante quarentona, irônica e com duas filhas. O que fica mais notável (uma necessidade à trama, talvez), é que apesar de Lena ser muito inteligente emocionalmente, isso não a impede de sofrer na mão de homens falhos em muitos sentidos. A personagem guarda uma forma de esperança enferrujada que a faz mergulhar na procura de um homem que caiba exatamente no conceito dela de companheiro. Mas mesmo quando o encontra, não é salva.

    Um quadrinho fantástico. A forma como a autora constrói e interrompe diálogos é criativo e inovador. A caoticidade, novamente, perambula por todos os aspectos do livro, mas não se engane, a ordem também é resultado do caos. Não há ponta soltas, não há desconexões arbitrárias, não é o caos por si só, é o caos pela arte, fotografado e exibido como interpretação irregular do cotidiano.

    Texto de autoria de José Fontenele.

    Compre: O Barril Mágico de Lena Finkle.

  • Resenha | Umbigo Sem Fundo

    Resenha | Umbigo Sem Fundo

    Umbigo Sem Fundo - Dash Shaw - capa - Companhia das Letras

    Após se dedicar a compor histórias curtas interligadas pelo mesmo tema, o quadrinista americano Dash Shaw realizou uma audaciosa ruptura em sua carreira: dedicou dois anos e meio para desenvolver um projeto de maior fôlego que fosse responsável por lhe transformar em uma das promessas dos quadrinhos alternativos e promover sua obra à lista de obrigatórios nos lançamentos de 2008, recebendo elogios por sua narrativa madura em contraposição a sua pouca idade.

    Dividido em três partes, Umbigo Sem Fundo é um épico familiar narrando as desventuras da família Loony e seu deslocamento interno. A trama se inicia em um reencontro obrigatório de seus membros quando os patriarcas, Maggie e David, anunciam o divórcio após 40 anos casados. Ao elaborar uma obra longa, Shaw se dedica a desenvolver a personalidade de cada integrante de sua família para criar um perfil de suas deficiências internas e analisar a falta de unidade familiar, e como cada um dos três filhos do casal lida com o término da relação dos pais.

    Registrando o cotidiano de cada um nesta semana atípica, quando todos passam a conviver novamente sob o mesmo teto, o autor aponta que não só o afastamento familiar acontece naturalmente pelo tempo como a personalidade de cada um voltada somente para si é um catalisador desta destruição. De maneira isolada, cada personagem carrega uma falta de conhecimento próprio e a incapacidade de se relacionar com os outros, demonstrando uma ausência de contato que destrói qualquer comunicação.

    Dentro do seio familiar, composto por pai, mãe e três filhos, observamos personalidades distintas que interpretam de maneira diferenciada o conceito de uma família. Dennis, o mais velho, é o mais empático com o conflito dos pais: tenta encontrar uma justificativa para o divórcio, o primogênito que vê a família como um porto seguro que aos poucos se desintegra; Claire, a filha do meio, espelha sua trajetória com a dos pais, compreendendo a separação por ser uma mãe solteira divorciada, fato que não a inibe dos medos de criar a filha adolescente Jill. Por fim, o caçula Peter representa a figura mais desgarrada da família, reconhecendo seu distanciamento e a disfunção de sua família como um crítico que não possui voz ativa em sua casa. Inseguro e tímido, seu deslocamento é tanto que seus traços são antropomorfizados em um sapo.

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    Composto em preto e branco, o quadrinista se vale de conceitos narrativos variados para promover agilidade a sua longa trama. Além de desenvolver sequências somente com imagens, dando às onomatopeias a função de expressar ações específicas, não padroniza a quantidade de quadros em cada cena. Seus traços são simples e representativos, destacando os silêncios presentes na família e transformando o ambiente, outrora acolhedor, em um local claustrofóbico. Neste aspecto, é significativo destacar como a casa, estabelecida em local praiano, sempre parece suja devido ao acúmulo de areia nos móveis, uma poeira que encobre o ambiente e os personagens como se fisicamente representasse a antiguidade do local. Igualmente, o significado do nome da família, Loony, é traduzido como “malucos” ou “doidos”, carregando até mesmo em seu registro um sinal de sua incoerência.

    Ao tentar desvendar as falhas familiares, o cerne da união do casal demonstra o significado do título da obra em uma bonita metáfora que representa a unidade do casal em tempos anteriores. Grande parte do sucesso e brilhantismo da história se deve ao fato de que Shaw evita uma conclusão, deixando o significado de seu épico a cargo do leitor e de sua bagagem, a mesma que lhe trará uma inevitável identificação com um dos membros da família

    Escrevendo em suas entrelinhas o significado implícito de sua narrativa, Umbigo Sem Fundo reflete em sua gama de personagens uma típica família entre uma bem executada e sensível densidade que revela o talento de Shaw e aponta que, no fundo, um conjunto de seres convivendo sob o mesmo teto não necessariamente representa unicidade.

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  • GIBICON | Cor e Paixão pelas Histórias em Quadrinhos

    GIBICON | Cor e Paixão pelas Histórias em Quadrinhos

    E eis que finalmente se iniciou a tão aguardada Convenção Internacional de Quadrinhos de Curitiba, a Gibicon. Em sua primeira edição neste ano – considerando que a edição de 2011 foi chamada de edição 0 -, o evento conta com diversos debates, palestras, oficinas, exposições e sessões de autógrafo simultaneamente até o domingo (dia 28 de outubro).  Muito conteúdo para os fãs das histórias em quadrinhos, sem a menor sombra de dúvidas.

    Chegamos no Paço da Liberdade para conferir um dos debates e pudemos conversar um pouco com Juliano Lamb, um dos membros da organização do evento, que não escondeu seu entusiasmo com a edição deste ano. Evidenciou as grandes melhorias e o aumento exponencial da equipe, organização e dimensão do evento desde o ano passado para cá e ainda é otimista quanto ao futuro do evento. “A Gibicon é um evento de extrema importância para fazer com que quadrinhos sejam acessíveis a um público diversificado e não somente àqueles que estão acostumados com essa cultura. O evento tende a crescer cada vez mais, permitindo uma expansão cultural na cidade e atraindo cada vez mais pessoas”, diz Lamb.

    O entusiasmo de Juliano não era para menos, após seguir adiante para dar uma volta e conhecer a exposição “O Quadrinho Russo”, é facilmente perceptível o interesse de vários tipos de pessoas que se envolvem com essa forma tão peculiar de fazer arte.  Esta exposição é um ponto alto do evento, pois a Rússia passou por um período de estagnação da pesquisa estética das HQs, devido as proibições do governo comunista. Mesmo assim, ao observar obras de Askold Akishin, Egoroff, Lumbricus, Komardin e Surzenzo, visualizamos que por mais que tenha existido um hiato na história das HQs no país, os artistas fizeram e ainda fazem um excelente trabalho.

    Posteriormente a isso, nos dirigimos para o debate “Cor nas HQs”, contando com a presença de Rod Reis, colorista da DC Comics (tendo trabalhado nas revistas do Superman, Supergirl, Teen Titans e atual colorista do Aquaman e do Asa Noturna), Renato Faccini, colorista da BOOM! Studios (G.I. Joe, Farscape e Planeta dos Macacos), Marcio Menyz, coordenador e professor de colorização digital na Impacto Quadrinhos, além da presença do mediador Érico Assis, jornalista e tradutor de histórias em quadrinhos. Uma conversa completamente descontraída e animada se desenrolou por toda a extensão do debate. Cada um dos participantes contou um pouco de sua carreira pessoal, como fizeram para virar coloristas e não se conteram em contar histórias engraçadas da profissão. As histórias em quadrinhos são narrativas e os coloristas, enquanto parte da equipe criativa, ajudam a desenvolver a mesma. O colorista é aquele responsável em provocar uma imersão psicológica do leitor através da cor. Assim como o desenhista, aqueles também dão um toque interpretativo para as artes que conferimos nas HQs. Compararam inclusive com a fotografia e a sensibilidade que deve ter um colorista em observar uma paleta de cores e conseguir criar as melhores composições para os desenhos. Perguntados se gostariam de colorir os desenhos de Rob Liefeld, não exitaram em dizer que não o fariam em tom de gargalhada, com a exceção de Renato que disse que acharia uma experiência interessante. Todos do salão estavam completamente a vontade com os convidados e todos se divertiram bastante.

    Ao fim do debate, percebia-se o contentamento por parte das pessoas que ali estavam quanto ao conteúdo precioso de informações que ali foi divido. Logo após, corremos para o Memorial de Curitiba, com o intuito de verificar como andava o evento por lá. Vários estandes estavam montados, de várias editoras e revistarias. Tínhamos a presença da Itiban Comic Shop (loja especializada em HQ de Curitiba) e da Comix Book Shop (de São Paulo), representando os grandes comerciantes de quadrinhos, mas o destaque maior fica a cargo dos vários artistas independentes que estavam por lá divulgando e vendendo seus trabalhos. Pausa para algumas compras e trocar algumas ideias com os artistas antes da solenidade de abertura oficial da Gibicon no Solar do Barão.

    Isso é o que podemos dizer por ora do primeiro dia do evento. A atmosfera extremamente empolgante do local evidencia que o evento tem tudo para ser um grande sucesso novamente. Os fãs de quadrinhos com certeza vão estar muito agradecidos até o final dessa semana pela presença de um evento de tamanho porte na cidade de Curitiba.

    E o Vortex Cultural continua a jornada pela Gibicon!

    Texto de autoria de Pedro Lobato.