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  • Resenha | Atômica: A Cidade Mais Fria

    Resenha | Atômica: A Cidade Mais Fria

    Na iminência história da queda do muro de Berlim, numa Alemanha mais que tumultuada nos idos de 1989, tão longínquos as gerações dos anos 2000 quanto a era paleolítica e outros tempos remotos, um homem é assassinado no lado ocidental de Berlim. Longe de ser apenas um civil, o homem era um espião e fazia parte da agência britânica de inteligência, a MI6 (dos filmes Missão: Impossível), que trabalha para fornecer informações confidenciais ao governo inglês, há mais de um século. Algo de podre cheira de seu óbito, uma vez que alguém o descobriu portando uma poderosa lista que contém o nome, e sobrenome, de todos os agentes secretos que atuam em Berlim. Alguém sabia disso, e no auge do caos sociopolítico no epicentro da Guerra Fria, esse alguém desapareceu na cidade mais fria.

    Aliás, The Coldest City foi o título original desta publicação da editora Darkside, no Brasil, sendo que Atômica é muito mais pop e interessante, inclusive servindo de título ao bom filme estrelado por Charlize Theron. Nota-se como o filme foca muito mais na ação, e na correria, do que nos segredos e nas reviravoltas ao longo do caminho dessa super espiã, enviada a Berlim ocidental para capturar essa misteriosa lista cheia de nomes importantes a segurança nacional da Inglaterra. O filme de 2017 realmente a vê como uma espécie de John Wick de salto alto, quando na verdade Lorraine é uma personagem dramaticamente bem construída, e está mais para uma mistura de James Bond com o protagonista de O Samurai, uma joia do cinema francês de 1967 – carregando a alma amarga de um Humprey Bogart (O Falcão Maltês).

    Ao encarnar o clima noir, e detetivesco das melhores obras dos anos 1930, 40 e 50, logo no visual preto-e-branco do início ao fim, Atômica, de Antony Johnston (roteiro) e Sam Hart (arte), mostra-se uma dessas HQ’s cuja trama e encanto gráfico vão muito além de sua centena de páginas. A trama gira em torno da busca de Lorraine e seu correspondente em Berlim, o velho e irritante Percival, ambos na caça ao assassino do espião da MI6, em uma cidade (“um barril de pólvora.”) onde não se pode confiar em uma única alma viva – mesmo quando a tentação de ir para a cama com alguém, ou fazer amigos, possa ser forte demais. Nem mesmo pode-se ter fé, como em certo momento notamos junto de Lorraine, sobre a real motivação de sua missão. Algo que beira, de fato, o impossível, quando as coisas mostram-se muito mais complexas e imorais do que somos todos levados a acreditar.

    Sob a sombra da queda do muro, um dos grandes marcos do séc. XX a redesenhar toda a história política da Europa, e do mundo, a graphic novel de 2012 é uma nobre e inteligente celebração aos clássicos contos de espionagem, com apenas um equívoco logo no final, ao explicar e desnudar, nos detalhes mais ínfimos, todas as sedutoras incógnitas da história. Tais revelações, logo em seu desfecho, enfraquecem parte considerável do brilhantismo desse conto de espiões, justamente por desmistificar grande parte de seus mistérios, e também por explicar novamente muito daquilo que o leitor já tinha descoberto. Subestimar o outro nunca é uma boa jogada, mas no caso de Atômica, tal pecado não fere todo o potencial muito bem explorado ao longo de uma cativante leitura.

    Compre: Atômica.

  • Resenha | Prince of Thorns – Mark Lawrence

    Resenha | Prince of Thorns – Mark Lawrence

    Quando lemos um livro, logo de cara queremos nos identificar com o protagonista da história, por pior que ele seja. Buscamos em suas atitudes, sejam elas certas ou erradas, algo em que acabamos por nos espelhar ou ao menos refletir o que faríamos se estivéssemos na mesma situação. Essa empatia, esse sentimento de ter algo em comum com o personagem que nos é apresentado em uma história, é um dos fatores essenciais para que o leitor se sinta preso à narrativa e compartilhe das emoções que o autor quer passar através de sua obra. Mas como isso pode acontecer quando o protagonista é simplesmente asqueroso, ao ponto de não causar sequer um momento dessa identificação com o leitor?

    Prince of Thorns é o primeiro livro da Trilogia dos Espinhos, lançada pela Darkside Books, editora especializada em livros com temática mais sombria e violenta. Escrito por Mark Lawrence, esse primeiro volume nos apresenta o jovem príncipe Honório Jorg Ancrath e sua escalada obsessiva ao poder. Jorg foge de casa muito novo após uma tragédia familiar que o traumatizou. Sua mãe e irmão mais novo foram brutalmente assassinados e ele foi deixado à beira da morte em meio aos espinhos de uma roseira. A ira em sua mente cresce ainda mais ao perceber que seu pai nada fez para evitar o massacre (encabeçado por um rei rival) devido a questões políticas. Isso é parte do que faz dele um ser tão amargurado e sedento por sangue. Ainda criança, Jorg liberta os piores prisoneiros do castelo e junta-se a esse grupo de homens que guerreiam através de vários vilarejos em busca de poder. O que vemos a partir de então é uma pessoa sem qualquer moralidade cometendo os mais cruéis atos de barbárie e liderando um bando de homens bem mais velhos que ele.

    Jorg tem 14 anos no desenrolar da história, mas é inescrupuloso e sua ambição é se tornar rei aos 15 anos, mesmo que se utilize dos mais cruéis meios para atingir seu objetivo. Quando a idade limite auto imposta começa a chegar, o Prince dos Espinhos decide que é hora de enfrentar seu pai e tomar o trono para si. É interessante notar como no gênero dark fantasy, o foco é na violência crua e intrigas políticas, embora também exista magia no mundo, mas não tão colorida como em outros universos literários young adult. Aqui, tudo é sombrio e violento ao extremo, fazendo com que Game of Thrones pareça uma peça infantil em comparação. Jorg é psicopata, violento, estuprador, e não há remissão alguma para o protagonista na história. Essa é o principal motivo de não nos identificarmos com ele. Diferente de outros vilões da cultura pop, não existe nenhum momento em que podemos dar razão a ele, mesmo a história sendo contada em primeira pessoa e todas as motivações de Jorg nos sendo apresentadas tão explicitamente.

    O livro tem uma excelente qualidade técnica, com uma excelente encadernação em capa dura e papel de miolo com ótima gramatura. A leitura acaba sendo facilitada pelo formato do capítulos, geralmente bastante curtos e separados por páginas pretas com citações que nos dão uma pista do que irá acontecer em seguida. Obviamente, não é uma leitura que agrade a qualquer pessoa, e para aproveitar ao máximo a história o leitor deve deixar de lado a estranheza que um protagonista amoral e nada ambíguo pode causar. E esse é apenas o primeiro volume…

    Compre: Prince of Thorns – Mark Lawrence.

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  • Agenda Cultural 69 | Nova Era, esquenta Pré-Oscar e mais Aquaman

    Agenda Cultural 69 | Nova Era, esquenta Pré-Oscar e mais Aquaman

    Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira), Filipe Pereira, Jackson Good (@jacksgood) e Rafael Moreira (@_rmc) se reúnem para a primeira Agenda Cultural da Nova Era, talkei? Nesta edição, comentamos um pouco sobre as novas polêmicas envolvendo Lars von Trier, o novo filme do Harry Potter sem Harry Potter (é golpe?), como se balançar com fluidez no novo jogo do Homem-Aranha e muito mais.

    Duração: 123 min.
    Edição: Julio Assano Junior
    Trilha Sonora: Flávio Vieira e Julio Assano Junior
    Arte do Banner: 
    Bruno Gaspar

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    Crítica Aquaman
    Crítica Bohemian Rhapsody

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  • Resenha | Uma Dobra no Tempo

    Resenha | Uma Dobra no Tempo

    Uma Dobra no Tempo, é uma graphic novel publicada pela Darkside Books, baseada em um livro homônimo de fantasia e ficção cientifica escrito por Madeleine L’Engle (lançado em 1962). A adaptação ficou a cargo da quadrinista Hope Larson, e a tradução foi feita por Érico Assis.

    Em Uma Dobra no Tempo acompanhamos a odisseia interplanetária da garota Meg e seu irmão Charles Wallace para reencontrar seu pai, Dr. Murry,um brilhante cientista desaparecido há 2 anos. Calvin O’Keefe, um amigo muito leal, ainda se junta à aventura dos irmãos. A jornada começa com as senhoras Sra. Quequeé, a Sra. Quem e a Sra. Qual, uma trindade mística e desconhecida. As três velhinhas emulam outras trindades mitológicas como as Parcas, Graças e Fúrias (só para ficar na Mitologia Grega), e funcionam como as mentoras da história, explicando que sabem do paradeiro do cientista e que um grande mal ameaça o pai deles e a Realidade.

    Aos poucos, os personagens principais são apresentados à Sombra, um princípio oposto à vida. Mitologicamente falando, trata-se do Caos, um grande abismo indefinido que pretende abocanhar todos os universos. A diferença é que no quadrinho temos uma espécie de planeta onde a Sombra tomou conta das pessoas e é justamente lá que Dr. Murry está preso de forma inescapável.

    A história toda é uma metáfora de crescimento e enfrentamento das nossas fraquezas. Ao seguir a aventura de personagens adolescentes lutando contra uma Sombra primordial, talvez a própria que também criou o universo, observamos as escolhas deles na disputa contra seus lados negativos ou desconhecidos. Há uma (re)descoberta de afetos, segredos familiares, empatia, amizade e bravura.

    Na questão gráfica, Larson optou por quadrantes bem definidos sem invasão gráfica, notas de um estilo sóbrio e vintage. Os quadrinhos têm boa forma e facilmente conseguimos entender a sequência de diálogos e cenas. A quadrinista optou por uma tonalidade fria onde o preto, cinza e azul ganham as páginas com facilidade e não temos desenhos com riqueza de minúcias. Destaque para a edição em capa dura e o acabamento luxuoso, o que mostra, mais uma vez, o apreço da editora pelo produto que comercializa. Excelente edição, grande história e ótima dica de leitura!

    Texto de autoria de José Fontenele.

    Compre: Uma Dobra no Tempo.

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  • Resenha Batman: Arkham Knight – Marv Wolfman

    Resenha Batman: Arkham Knight – Marv Wolfman

    batman-arkham-knight-darkside-capa-webBatman: Arkham Knight é uma dramatização do jogo homônimo mais aguardado de 2015. Escrito por Marv Wolfman, a história segue Batman em sua tentativa de frustrar os planos do Espantalho, um dos mais famosos criminosos de sua galeria de vilões. Ao mesmo tempo em que se vê assombrado pelo o fantasma do falecido Coringa, além de ser perseguido por um novo vilão intitulado Cavaleiro de Arkham.

    A pungente história começa com Espantalho fazendo uma oferta pelo o controle de Gotham City, logo após a cremação do Coringa. Batman, o eterno protetor de Gotham, está no caso, com ajuda de Barbara Gordon, conhecida como Oráculo e Lucius Fox, CEO da Wayne Enterprises.

    Infelizmente, o livro sofre por ser uma adaptação. Com frequência enquanto estamos lendo-o, reconhecemos quais momentos eram originalmente uma cena de luta ou uma cut-scene do jogo. As vezes, senti como se a narrativa fosse mais uma transcrição do que um produto novo contendo um enredo. Se compararmos com outras obras adaptadas, observamos que a elaboração de uma história a partir de um material existente não é tarefa fácil. A maioria dos autores falha por apenas descrever o que foi apresentado nas telas. Os melhores autores, no entanto, são capazes de expandir e aprofundar a experiência do original, levando os leitores a outros lugares além daqueles vistos no jogo.

    batmanarkham

    Outra falha do livro é a falta de aprofundamento em outros vilões da vasta galeria do morcego. Tanto a trama desta história quanto a do jogo é genérica e não explora-os adequadamente. Porém, muitos vilões ao menos são citados no livro, enquanto no jogo se apresentando somente em missões secundárias. Resultando em uma história confusa em que, por exemplo, Duas-Caras e Pinguim aparecem abruptamente e desaparecem de maneira rápida. Hera Venenosa é parte integrante da ação mas também é deixada de lado mesmo sendo um personagem importante.

    Outros vilões são mencionados no início do livro, como Falcone e Moroni, mas depois nunca mais são citados no decorrer da história. Até mesmo o vilão que dá nome ao livro, nome mantido no original, Arkham Knight, é pouco explorado. A identidade do vilão é fraca, sendo possível descobri-la sem muito esforço.

    Mesmo que consideremos que o livro é baseado em jogo de videogame, era possível realizar uma narrativa melhor, ainda mais em um mundo rico como o universo do Homem-Morcego e a franquia rentável dos jogos da série Arkham. Infelizmente, o resultado é confuso e frustrante para quem deseja uma boa história com grande vilões sendo derrotados pelo Cavaleiro das Trevas.

    Texto de autoria de Tiago Cesar.

    Compre: Batman: Arkham Knight – Marv Wolfman.

  • Resenha | A Noite dos Mortos-Vivos e A Volta dos Mortos-Vivos – John Russo

    Resenha | A Noite dos Mortos-Vivos e A Volta dos Mortos-Vivos – John Russo

    A Noite dos Mortos-Vivos é um título que dispensa apresentações. O filme de 1968, o “Avô de Todos” os produtos culturais estrelando zumbis, influenciou o cinema de horror como um todo e gravou na História o nome do cineasta George Romero. Menos famoso, seu colega John Russo foi corroteirista do longa e também pautou sua carreira com este tema. Ele adaptou A Noite dos Mortos-Vivos em versão literária, em 1973, e posteriormente lançou A Volta dos Mortos-Vivos, continuação idealizada, mas nunca produzida, para a telona (sem nenhuma relação com o filme homônimo de 1985). Agora as duas histórias foram reunidas em publicação da editora Darkside, dando aos fãs brasileiros a chance de conhecerem um dos clássicos do gênero.

    Retornar à fonte, no caso uma obra tão referenciada e cujos conceitos foram tão difundidos e reinterpretados ao longo dos anos, é uma experiência curiosa. Em A Noite dos Mortos-Vivos, é possível perceber o nascimento de ideias que se tornaram padrão: a incerteza sobre a origem do problema; o destaque às pessoas; a urgente e quase irracional luta pela sobrevivência; e, principalmente, a crítica social mediante a análise do comportamento humano em situações extremas. Sob esse prisma, certos elementos podem ter seu peso ignorado, caso a contextualização não seja considerada: o americano médio retratado como covarde; o negro sendo o protagonista e macho alfa; a jovem garota surtando e sendo um fardo para todos (item apontado, na época, como uma crítica ao feminismo). Tudo isso altamente transgressor nos anos 60. Atualmente, nem tanto.

    Outros aspectos soam estranhos hoje em dia, quando a palavra “zumbi” está quase sempre atrelada ao “apocalipse”: aqui, a ideia não é o fim da civilização, mas sim uma crise momentânea que pode ser controlada pelas autoridades, com algum esforço, e que atinge principalmente isoladas áreas rurais. Uma provável explicação para esse direcionamento é bastante óbvia: a limitação técnica e de recursos para a produção do filme forçou o roteiro a percorrer caminhos mais simples. Corroborando essa teoria, apenas os mortos recentes e bem preservados se erguem – não complicando demais o trabalho da maquiagem. Além disso, a trama se concentra em um pequeno grupo de sobreviventes resistindo em uma casa, trabalhando mais a tensão de pessoas normais numa situação inimaginável (de maneira muito eficiente, aliás) do que a exploração gore dos cadáveres ambulantes.

    Mais ambiciosa é a trama de A Volta dos Mortos-Vivos, situada dez anos depois do primeiro evento. A mesma região, o Meio-Oeste dos EUA, volta a sofrer com uma infestação dos desmortos canibais. Mais movimentada e pesada, a história acompanha famílias de caipiras, um perverso bando de saqueadores, além de heroicos, porém azarados, policiais. Aqui surgem elementos familiares, como perseguições e fugas desesperadas, o sentimento de desesperança diante da situação (o desapego a personagens é digno de George R. R. Martin) e a confirmação de que o verdadeiro problema são os vivos.

    Com um texto seco e direto, condizente com o conteúdo e com o belo trabalho gráfico característico da editora, A Noite dos Mortos-Vivos e A Volta dos Mortos-Vivos é um livro instigante, com pouco mais de 300 páginas de rápida leitura. Já que a moda, ou modinha, de zumbis parece longe de acabar, é uma boa pedida deixar de ser bazingueiro e conhecer a origem de tudo.

    Texto de autoria de Jackson Good.

    Compre aqui: Edição Limitada Encadernada

  • Resenha | A Menina Submersa – Caitlín R. Kiernan

    Resenha | A Menina Submersa – Caitlín R. Kiernan

    Indicada e premiada por obras de ficção científica e fantasia, a autora Caitlín R. Kiernan estreia no país com uma edição, lançada pela Darkside Books, de uma premiada obra vencedora do Bram Stoker Awards de 2013.

    Elogiada pelo estimado Neil Gaiman – um dos mais populares autores do gênero e nome que se destaca na capa brasileira –, a narrativa de A Menina Submersa se expande além do limite dos gêneros por meio do uso de uma linguagem não-usual. Trata-se de uma história que utiliza o registro pessoal de memórias como estilo. Um recurso que permite a parcialidade entrecortada e desvia-se de regras rígidas ditadas por estruturas convencionais da literatura. Ao mesmo tempo, o diálogo direto mantém a intimidade com o leitor, uma espécie de confidente destas memórias.

    A personagem central, India Morgan Phelps, conhecida como I. M. P., dialoga tanto com este leitor aleatório e imaginário quanto com a composição de seu próprio texto. Personagem/autora reconhecem a parcialidade da narrativa e sabem modificar os fios lineares da história para potencializar ganchos e revelações, apresentando-os em momentos oportunos. Dessa forma, elas dão voltas em si mesmas e na própria trama para revelá-la de maneira propositadamente emaranhada.

    Kiernan introduz em sua narrativa fantástica um recurso literário que revolucionou a narrativa no século XIX, fundamentado por grandes autores, como James Joyce, Virginia Woolf e, no Brasil, Clarice Lispector. O fluxo de consciência da personagem dá vazão à multiplicidade de pensamentos e se torna uma boa escolha estilística para apresentar a psiquê fragmentada de I.M.P.

    Se considerarmos que toda lembrança passa por uma natural releitura mental e, mesmo inconscientemente, é modificada ao relembrarmos, há um fio delicado entre o que se sabe de fato e o que se acredita saber. Conforme o leitor adentra as memórias da personagem, somos levados a acreditar que um elemento sobrenatural modificou a vida da garota.

    Porém, nem todas as pressuposições são, de fato, um reflexo fiel da verdade. A narrativa lida pelo leitor está sendo filtrada e manipulada por uma mulher adulta, solitária, tímida, e diante de uma doença psíquica grave, a esquizofrenia, capaz de injetar acontecimentos, cenas e fatos em contato com a realidade. Diante desta narradora, a veracidade dos fatos torna-se oscilante, e o leitor acompanha a desconstrução e reconstrução memorialísticas de I. M. P.

    O predomínio do fantástico e da fantasia se destaca como recurso que situa o drama interno da personagem. Um drama que reconhece o desvio da doença psicológica à procura da reconstrução real do passado e, consequentemente, da identidade. A experimentação híbrida entre elementos fantásticos e de fantasia, ao lado de um fluxo narrativo, intensifica ao leitor o mecanismo por trás de uma mente esquizofrênica, que considera natural e coerente a pluralidade simultânea de ações diante de um mesmo fato ou acontecimento.

    Mesmo situando-se como obra sobrenatural, vencedor de prêmios voltados à fantasia, a narrativa de Menina Submersa é uma desconstrução, de uma doença invisível, feita por uma personagem suscetível, inserida neste difícil paradoxo entre a realidade visível e o real, a partir da própria imaginação.

  • Resenha | Evil Dead:  A Morte do Demônio – Bill Warren

    Resenha | Evil Dead: A Morte do Demônio – Bill Warren

    Em 1981, chegava aos cinemas o cultuado A Morte do Demônio (The Evil Dead), dirigido pelo novato Sam Raimi, com a colaboração de Rob Tapert, produtor, e, claro, de Bruce Campbell, astro da série e co-produtor. Todos os amigos do trio se revezavam entre tarefas nos bastidores, elenco e pós-produção e contribuíram para a realização do longa-metragem, que, após todas as limitações, tornou-se um cult do gênero, conquistando seguidores ao redor do mundo.

    Décadas depois, mal sabiam os criadores da série que Evil Dead renderia duas sequências, um musical na Broadway, games, um remake, diversos sites dedicados a destrinchar todos os seus detalhes, e como não poderia deixar de ser, este livro. Escrito pelo crítico de cinema Bill Warren, conta com uma riqueza de documentos, detalhes de bastidores, entrevistas, fotografias e muito mais.

    O livro reúne em suas páginas detalhes de toda a trilogia original, contando ainda com dois capítulos extras dedicados especificamente ao musical da Broadway e ao remake de 2013, dirigido por Fede Alvarez (leia nossa crítica aqui). Contudo, o foco do livro é dedicado principalmente ao primeiro filme e a cada detalhe, da concepção do roteiro até a recepção do público e da crítica.

    Os capítulos iniciais são dedicados a figuras centrais na criação da série, Sam Raimi, Robert Tapert e Bruce Campbell, estabelecendo assim o elo de amizade, que existe até hoje, entre eles. Ademais, conhecemos um pouco do passado dos realizadores, suas experiências com cinema, como filmagens de aniversários, trabalhos de escola, pequenos curtas, e, por fim, o amadurecimento profissional de cada um.

    O longa-metragem Evil Dead é marcado por ser um grande filme cult do gênero e que revelou um grande diretor para o mundo. Mais que isso: conta a história de um grupo de jovens cheios de imaginação e talento, além, é claro, de insistência para o projeto ser concretizado. Essa perseverança já é marcada nos primeiros curtas, principalmente em Within the Woods, um filme de pouco mais de 30 minutos, com Bruce Campbell como protagonista se tornando um zumbi que passa a perseguir sua namorada. O curta de poucos recursos rendeu ótimas críticas a Raimi e sua trupe e preparou terreno para o que viria a se tornar Evil Dead.

    Outro ponto interessante da leitura são as influências que permearam a carreira de Raimi: muito longe de ser um aficionado pelo terror, o diretor sempre foi muito mais influenciado pela comédia (principalmente Os Três Patetas, que ele e Campbell adoravam) do que necessariamente por outros gêneros. Essa influência fica bem clara em Evil Dead. Contudo, após muitas conversas com Rob Tapert e o fracasso do curta It’s Murder, entendeu que o terror seria a melhor maneira de lhe abrir uma porta inicialmente, haja vista o baixo custo de produções como O Massacre da Serra Elétrica, de Tope HopperA Noite dos Mortos Vivos, de George Romero; O Aniversário Macabro, de Wes Craven; Halloween – A Noite do Terror, de John Carpenter, todos bem recebidos pelo público e de diretores em início de carreira.

    Dessa forma, Raimi passou a estudar o gênero e esses estudos encontram-se na sua série e em toda a sua filmografia. Um trabalho competentíssimo de resgate não só de filmes clássicos, como também de filmes b, trash’s e cult’s, denotando o compromisso e a paixão de Raimi pelo cinema. Outro ponto importante em toda a obra é a forma como ele encara sua técnica como cineasta, sempre buscando novas formas de filmar por meio de diferentes ângulos, equipamentos e outras tecnologias.

    O processo de criação de toda a série é minuciosamente detalhado pelo autor, desde a dificuldade em levantar o dinheiro da produção; as filmagens; a problemática montagem do filme, já que Raimi e seu perfeccionismo deixou Evil Dead com dezenas de horas de filmagem (Joel Coen e Edna Paul foram os responsáveis pela montagem do primeiro filme); todos os problemas de censura que o filme passou; como também a sua distribuição.

    O livro conta ainda com dezenas de imagens de bastidores, entrevistas, além de três capítulos finais com os comentários de Bruce Campbell sobre cada obra da série, uma espécie de versão comentada. Por isso, aconselho o leitor a rever os filmes acompanhado do livro, já que Campbell revela vários detalhes e segredos de como as cenas foram concebidas.

    Evil Dead – A Morte do Demônio, da editora Darkside Books, é um livro surpreendente não apenas para fãs da série e de filmes de terror trash, mas também para os fãs do cinema, e fundamental para entender um pouco a cabeça de um grande diretor. Admirável.

    Compre aqui: Edição Simples | Limited Edition.

  • Resenha | O Massacre da Serra Elétrica – Stefan Jaworzyn

    Resenha | O Massacre da Serra Elétrica – Stefan Jaworzyn

    Depois de estrearem com a novelização do clássico Os Gonnies, a Editora Darkside lançou no mercado a Coleção Dissecando para apresentar bastidores de clássicos filmes de terror. Até o momento, O Massacre da Serra Elétrica e Evil Dead foram publicados tanto no formato tradicional quanto em capa dura, evidenciando uma editora que também faz do seu acabamento um diferencial.

    O primeiro título da coleção Dissecando é dedicado a O Massacre da Serra Elétrica, um filme de baixo orçamento que modificou as estruturas das produções cinematográficas. A obra é assinada por Stefan Jaworzyn, editor de fanzines e de festivais de filmes de horror. Porém, é difícil legitimá-lo com um autor no sentido literal da palavra. Ao contrário da biografia da banda Black Sabbath, de Martin Popoff, também publicada pela editora, não há uma condução narrativa que ligue as histórias de cada filme com os depoimentos apresentados. Jaworzyn optou por realizar pequenas introduções em diversos capítulos e colocar em sequência justaposta os depoimentos dos envolvidos.

    Este estilo inusual  – que alguns poderiam considerar preguiçoso por parte do autor – faz a leitura ficar, a princípio, truncada até que o leitor se acostume com as diferentes vozes. No começo da edição, uma lista identifica a equipe que prestou depoimentos para cada filme.

    Antes do prefácio do livro, a edição brasileira explica que o filme foi traduzido erroneamente para o país, modificando a motosserra do original por uma serra elétrica, aparelho que precisaria de energia elétrica para funcionamento. Por questão de tradição, os editores optaram por utilizar a mesma expressão no decorrer do texto.

    O prefácio é assinado por Gunnar Hansen, primeiro ator a vestir a máscara de pele humana e segurar a serra elétrica, sendo, ainda hoje, reconhecido pelos fãs. Em seguida, um breve prelúdio explica o que o diretor Tobe Hopper produziu até a composição de O Massacre da Serra Elétrica.

    O ponto alto do livro centra-se nas histórias desta pequena grande produção. Mesmo sem uma linha narrativa, os depoimentos são coesos e postos em uma sequência que dialoga entre si. A história por trás de O Massacre é rica em informações e detalhes. Sua filmagem foi feita de maneira mambembe e a realização em grande parte deve-se aos investidores que, mesmo sem um roteiro nas mãos, viram uma ideia com muito potencial. O resultado conhecido do público é um filme de terror precursor. Além de recursos escassos, abriu espaço para que narrativas do estilo saíssem do nicho do gênero e fossem considerados grandes filmes assustadores. Mais de 50 páginas abordam este fenômeno, que, até a década de 2000, ainda era proibido integralmente em alguns países.

    Antes de apresentarem a segunda produção da saga Leatherface, um capítulo se dedica a biografar Toby Hopper e mencionar suas outras produções de sucesso, como Poltergeist – O Fenômeno, Pague Para Entrar, Reze Para Sair e outras obras que, por modificações dos estúdios, tiveram resultado aquém do esperado, caso de Força Sinistra, Invasores de Marte e outras produções recentes.

    Em cada parte dedicada a mais uma produção de Leatherface, encontramos um material rico em informações de bastidores, comentários e recepção do filme na época e em críticas contemporâneas.

    O livro originalmente termina em 2003, época em que a produção de um remake de O Massacre estava em pré-produção. Para deixar a leitura completa, os tradutores Antônio Timbau e Dalton Caudas produziram os capítulos posteriores sobre a refilmagem, uma prequel lançada em seguida, e a nova versão em terceira dimensão, que é continuação direta do filme original.

    Complementando o material, há um capítulo sobre Ed Gein, personagem que inspirou partes dessa obra e de outros clássicos do cinema, como Psicose; uma lista de documentários e outras produções associadas e as fichas de elenco, créditos, bibliografia selecionadas e links consultados.

    Se tais informações não fossem tão profundas, produzindo um material histórico, a não-narrativa do livro seria um dos problemas mais gritantes, já que o autor não sentiu a necessidade de enriquecer um material incrível conduzindo-o com propriedade.

    Mesmo que as sequências de depoimentos fujam do conceito tradicional de uma biografia, o livro é afiado e obrigatoriamente te incita a revisitar todos os capítulos da saga. Permite acompanhar, com uma visão mais aprofundada, as cenas consideradas difíceis e episódios que causaram vergonha em muitos por sua baixa qualidade técnica ou de roteiro.

    O bom conteúdo se destaca ainda mais por uma edição repleta de imagens e com um design e material gráfico excelente produzido pela competente equipe da Retina 78. Fazendo desta obra um produto-fetiche de prateleira admirado também por sua beleza.