Tag: dark fantasy

  • Resenha | Prince of Thorns – Mark Lawrence

    Resenha | Prince of Thorns – Mark Lawrence

    Quando lemos um livro, logo de cara queremos nos identificar com o protagonista da história, por pior que ele seja. Buscamos em suas atitudes, sejam elas certas ou erradas, algo em que acabamos por nos espelhar ou ao menos refletir o que faríamos se estivéssemos na mesma situação. Essa empatia, esse sentimento de ter algo em comum com o personagem que nos é apresentado em uma história, é um dos fatores essenciais para que o leitor se sinta preso à narrativa e compartilhe das emoções que o autor quer passar através de sua obra. Mas como isso pode acontecer quando o protagonista é simplesmente asqueroso, ao ponto de não causar sequer um momento dessa identificação com o leitor?

    Prince of Thorns é o primeiro livro da Trilogia dos Espinhos, lançada pela Darkside Books, editora especializada em livros com temática mais sombria e violenta. Escrito por Mark Lawrence, esse primeiro volume nos apresenta o jovem príncipe Honório Jorg Ancrath e sua escalada obsessiva ao poder. Jorg foge de casa muito novo após uma tragédia familiar que o traumatizou. Sua mãe e irmão mais novo foram brutalmente assassinados e ele foi deixado à beira da morte em meio aos espinhos de uma roseira. A ira em sua mente cresce ainda mais ao perceber que seu pai nada fez para evitar o massacre (encabeçado por um rei rival) devido a questões políticas. Isso é parte do que faz dele um ser tão amargurado e sedento por sangue. Ainda criança, Jorg liberta os piores prisoneiros do castelo e junta-se a esse grupo de homens que guerreiam através de vários vilarejos em busca de poder. O que vemos a partir de então é uma pessoa sem qualquer moralidade cometendo os mais cruéis atos de barbárie e liderando um bando de homens bem mais velhos que ele.

    Jorg tem 14 anos no desenrolar da história, mas é inescrupuloso e sua ambição é se tornar rei aos 15 anos, mesmo que se utilize dos mais cruéis meios para atingir seu objetivo. Quando a idade limite auto imposta começa a chegar, o Prince dos Espinhos decide que é hora de enfrentar seu pai e tomar o trono para si. É interessante notar como no gênero dark fantasy, o foco é na violência crua e intrigas políticas, embora também exista magia no mundo, mas não tão colorida como em outros universos literários young adult. Aqui, tudo é sombrio e violento ao extremo, fazendo com que Game of Thrones pareça uma peça infantil em comparação. Jorg é psicopata, violento, estuprador, e não há remissão alguma para o protagonista na história. Essa é o principal motivo de não nos identificarmos com ele. Diferente de outros vilões da cultura pop, não existe nenhum momento em que podemos dar razão a ele, mesmo a história sendo contada em primeira pessoa e todas as motivações de Jorg nos sendo apresentadas tão explicitamente.

    O livro tem uma excelente qualidade técnica, com uma excelente encadernação em capa dura e papel de miolo com ótima gramatura. A leitura acaba sendo facilitada pelo formato do capítulos, geralmente bastante curtos e separados por páginas pretas com citações que nos dão uma pista do que irá acontecer em seguida. Obviamente, não é uma leitura que agrade a qualquer pessoa, e para aproveitar ao máximo a história o leitor deve deixar de lado a estranheza que um protagonista amoral e nada ambíguo pode causar. E esse é apenas o primeiro volume…

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  • Resenha | Sombras Eternas – Glen Cook

    Resenha | Sombras Eternas – Glen Cook

    Cerca de um ano depois do lançamento do primeiro volume, a Editora Record traz para o Brasil a continuação da série A Companhia Negra, do norte-americano Glen Cook. A saga, classificada como uma dark fantasy, se caracteriza por situar-se num tradicional cenário medieval, mas ao mesmo tempo fugir dos padrões do gênero. Esta continuação, intitulada Sombras Eternas, reforça ainda mais tal estilo particular. Infelizmente, o mergulho na simplicidade é tamanho, que a obra perde em emoção, ficando aquém de sua predecessora.

    A trama situa-se vários anos após a gigantesca batalha na qual a Companhia ajudou a Dama e seus exércitos a esmagar o movimento rebelde. Em meio à missões esporádicas contra pequenos focos de resistência, os mais antigos e calejados membros da irmandade começam a se questionar. Fica cada vez mais evidente a dúvida se estão do lado certo do conflito, além de um simples cansaço por uma vida de lutas sem fim e sem sentido. Chagas, o médico-cronista (e mais uma vez narrador em primeira pessoa) sente que uma mudança é iminente. E ela chega com a tarefa de investigar um misterioso e sinistro castelo negro, que parece crescer da noite para o dia, localizado próximo à cidade de Zimbro. Lá estão escondidos Corvo e Lindinha, ex-membros da Companhia que guardam um segredo capaz de condenar a todos. Lealdades serão testadas e escolhas serão feitas.

    Da mesma forma que no primeiro livro, Cook apresenta uma escrita muito concisa. Períodos curtos, quase nenhum apreço por descrições de qualquer natureza, e emprego de uma linguagem tão crua e direta que nem parece se tratar de uma aventura medieval. Essa impressão é reforçada pelo uso de termos como “favela”, “mafioso” ou “agiota”, sem dúvida algo inusitado de se ver em tal contexto. O autor, ex-fuzileiro, se mostra mais interessado no aspecto militar da história. Até mesmo as magias são tratadas como um recurso bélico mais poderoso, sem qualquer glamourização.

    O problema com tamanha objetividade é a perda do impacto (que não ocorre no primeiro livro); inclusive em eventos que deveriam ser os mais empolgantes. A revelação sobre a natureza do castelo, algo grandioso dentro do universo da saga, é feita de maneira casual, em um simples diálogo no meio da história. A própria “grande batalha” da vez não é o clímax da trama e deixa a desejar em comparação com o volume anterior. Ainda colaborando para a falta de “molho”, a narrativa é mais lenta e demora a engrenar. Muito por causa do espaço dedicado ao co-protagonista.

    Justiça seja feita: pelo menos Barraco Castanho (troféu nome do ano) é um ótimo personagem. Quantas aventuras medievais destacam um TAVERNEIRO? Ele divide os capítulos com Chagas e segue numa trama paralela na maior parte do livro. Sua jornada é a clássica do personagem comum que começa movido por bons interesses (quitar suas dívidas, ajudar a mãe idosa) mas, gradativamente, vai sendo consumido pela ganância. De covarde, passa a canalha sem escrúpulos. Partindo pra comparação mais fácil, impossível não pensar em Walter White. Contudo, por mais interessante e bem conduzida que seja sua história, ela se concentra num escopo muito pequeno. Num cenário que sugere grandes batalhas, feitiçarias e tais elementos, não há como evitar um gosto amargo e uma sensação de desperdício.

    Prosseguindo com analogias culinárias, o melhor e mais bem preparado arroz com feijão do mundo continua sendo arroz com feijão. E, servido num restaurante cujo cardápio é mais abrangente, reforça a ideia de que há algo errado. Em essência, Sombras Eternas é uma boa história, outra vez de fácil e rápida leitura, mas que vale mais pelo interessante universo em que se situa do que por seus méritos individuais. De qualquer forma, é ótimo ver a editora apostando na Companhia Negra, e que venham os próximos volumes.

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    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Resenha | Necropólis: A Fronteira das Almas – Douglas MCT

    Resenha | Necropólis: A Fronteira das Almas – Douglas MCT

    Necropólis-A-Fronteira-das-Almas-Douglas-MCT

    Um livro se compra pela capa? No caso de Necrópolis: A Fronteira das Almas, de Douglas MCT, Ed. Draco, 2010, bom, eu comprei por culpa da arte competente de Victor Negreiro.

    Vamos a curta premissa do livro: Verne Vípero (homenagem ao Julio Verne?) é um rapaz cético que perde seu irmão Victor de causa misteriosa, e depois de descobrir que tem chances de salvá-lo do abismo da inexistência, ruma ao submundo de Necrópolis.

    Com essa interessante premissa que remete ao mito grego de Orfeu aliada a arte da capa, confesso que depositei uma certa expectativa no livro. Entre a compra e a leitura foram cinco meses, o que aumentou bastante minha curiosidade em explorar o livro.

    Quando comecei a ler, vi a forma como Douglas conseguiu demonstrar como domina a narrativa, os maneirismos do autor, a construção da trama, dos personagens e a forma como eles se relacionam, vi que tinha exagerado na expectativa.

    A trama é interessante, a caracterização em um primeiro momento dos personagens idem, mas quando segue a leitura, principalmente em Necrópolis, o leitor se vê em um excesso de referências: mitologia grega (a mais interessante), cultura rpgistíca (grupo que parte para uma aventura), vampiros, lobisomens, duendes, magos, dragões e outras criaturas.

    Outro incômodo são os maneirismos do autor: Douglas MCT trata o leitor como leigo, explicando algumas situações óbvias ou até aquelas mais complexas que se tornariam mais interessantes sem este recurso; adianta certos perigos desnecessariamente, cortando o clima que acabava de ter criado e diminuindo o possível impacto que teriam mais adiante; o estilo de escrita contraditório (que não sei se foi proposital) incomoda bastante, como por ex: Verne revela o que descobriu em um livro mágico quando o avisam que aquilo é pessoal, e em outros trechos diversos pelo livro: “Somente as famílias que tiveram a perda de suas crianças naquela semana não compareceram ao velório de Victor. Ainda assim, podia-se ver um Aziani e um Torino dentre os presentes”.

    O leitor pode se chatear também devido a algumas situações mal desenvolvidas:
    em Necrópolis, Verne recebe ajudas diversas simplesmente porque o acham simpático ou que se solidarizaram com a sua busca, tudo de forma muito brusca; o ladrão Simas tem um problema interessante com a bebida o que infelizmente é pouco explorado, ele é assim e pronto; Verne é cético, mas quando está em Necrópolis as vezes acredita no fantástico a sua frente, as vezes não; na maioria dos casos os diálogos também são mal desenvolvidos e não soam verídicos, além de falhar em demonstrar as emoções dos personagens.
    Por último, a narrativa é rápida demais, não conseguindo desenvolver os personagens e as situações como deveria.

    Por outro lado, se ganha muito interesse em explorar o psicológico do protagonista. Como disse Leonel Caldela no prefácio do livro, Verne sai em busca de Victor em Necrópolis e encontra a si mesmo, o que é surpreendente, já que sua cidade natal se chama “Paradizo”. Na terra, Verne possui um amigo imaginário, necessário a qualquer criança com imaginação, o que o torna mais humano e que o fez um protagonista fascinante. O caminho do seu auto-descobrimento e ceticismo constante em um mundo fantástico não deixam a desejar, apesar de incomodarem em certas partes.

    Os personagens em Necrópolis são bem definidos e carismáticos: a bela mercenária, o ladrão amigo, o conde misterioso, enfim, personagens que cativam quando se lê. O desfecho do livro também é surpreendente, me instigando a esperar por uma continuação.

    No entanto, discordando de Leonel Caldela, achei a primeira parte do livro, que se passa na cidade italiana de Paradizo mais surpreendente do que Necrópolis. É aqui na terra onde se localiza o conflito mais interessante de todo o livro: a morte misteriosa de crianças (entre elas o irmão do protagonista) e como Verne e a comunidade lidaram com isso, além dos dois personagens mais cativantes: Elói, que vive junto aos ciganos, mas tem um passado oculto, e Carmecita Rosa dos Ventos, a vidente de Paradizo.

    Pontos para a Editora Draco pelo ótimo trabalho de produção da obra, e a aposta em publicar um tipo de fantasia diferente, como é esta dark fantasy de Douglas MCT, mostrando variedade positiva em seu catálogo.

    Vale a leitura? Sim, pois é um dos poucos livros brasileiros de dark fantasy que tenho conhecimento dando personalidade a obra, e, apesar dos problemas, a leitura agrada e possibilita a exploração tanto do submundo fascinante de Necrópolis quanto do protagonista Verne Vípero.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.