Tag: editora draco

  • Resenha | Marighella #Livre

    Resenha | Marighella #Livre

    Marighella #Livre, publicado pela editora Draco, narra três momentos importantes da vida de Carlos Marighella: quando tinha 24 anos e foi torturado na véspera do que seria o Estado Novo em 1936; nos Anos de Chumbo da ditadura civil militar iniciada em 1964 quando levou um tiro no peito e enfrentou 14 policiais; pós AI-5, quando foi executado em 1969. A história é assinada por  Rogério Faria, tendo como ilustradores Ricardo Sousa nas duas primeiras histórias, e Jefferson Costa na última.

    Na primeira, Sousa emprega um traço mais solto, cartunizado, com desenhos que, caso não fossem sobre uma história de luta e violência, pareceriam inocentes e ingênuos. Esse contraste funciona bem, ainda mais quando se mostram detalhes de tortura e violência explícita que, nesta primeira história, é apenas um prenúncios dos tempos complicados que viriam décadas depois.

    Na segunda história, as autoridades perseguem Marighella quando ele está apenas vivendo como um civil tranquilo, assistindo um filme no cinema. Para além de efeitos dramáticos, Sousa denuncia que há poucas diferenças reais entre os tristes métodos das duas ditaduras, seja a varguista ou a militar.

    Na história desenhada pelo autor de Jeremias: Pele, há um clima semelhante às revistas policiais da Vertigo, com elementos de thriller, violência estilizada e, mesmo assim, não se perde o contato com o real. Por mais que seja a mais curta (e sangrenta) das três, é a mais carregada de conteúdo. As entrelinhas dão conta de um sujeito que queria pouco, que queria ver o povo livre, que via no sonho comunista um modo de todos os trabalhadores serem tratados como iguais. Marighella era um homem simples, que nessas breves histórias sequer tinha chance de discursar. Sua voz é resumida nos momentos onde lhe faltava fôlego, mas nas suas ações sobrava verve e vontade de lutar. Uma vida poética e inspiradora, que mira a revolução como única alternativa a classe trabalhadora.

  • Resenha | Ditadura no Ar: Coração Selvagem

    Resenha | Ditadura no Ar: Coração Selvagem

    “Em uma São Paulo noir, o amor está enterrado pela crueldade dos homens.”

    Não importa, certas frases publicitárias nunca perdem o encanto. Algumas, como a de cima, ainda encaixam-se em boas histórias como se delas tivessem saído, espontaneamente, em uma noite fria de outono, com suas ruas geladas e os portões úmidos de uma cidade mergulhada em vultos e faces anônimas. Este é o clima cruel de Ditadura no Ar, uma minissérie independente ganhadora do prestigiado troféu HQMix, em 2013, que reúne quatro partes de uma mesma história de perseguição e sobrevivência no auge da ditadura militar brasileira, em uma São Paulo sessentista e sem amor – como muitos supõe que seja, mesmo.

    O ano é 1969, e quem não coopera com a normalidade ditatorial pós-AI-5 é torturado pelo poder vigente. Simples assim, com o cidadão mais encurralado que nunca pela mão invisível do governo. Nisso, a namorada do fotógrafo Félix Panta, a militante e durona Lenina (numa alusão bem-humorada ao famoso comunista russo), é raptada durante um protesto ao som de Caetano Veloso, Chico Buarque e outros símbolos da resistência popular, destes idos. Inabalável em sua caçada, Félix se vê envolto em sua busca quase que impossível, mesmo tendo que trabalhar para o jornal sensacionalista O Pastiche, em perigosas entrevistas no submundo paulistano com sobreviventes de torturas físicas, e psicológicas tão típicas desses anos.

    Félix tem a alma do detetive particular Sam Spade, interpretado pela lenda de Hollywood Humphrey Bogart, no clássico O Falcão Maltês – considerado por muitos o primeiro e o melhor filme noir já produzido (ou seja, obras de contexto urbano e do gênero policial que se misturam ao gênero do suspense, fortemente influenciadas pela estética do expressionismo alemão da década de 1920). Por essa vibe de mistérios e segredos, Félix se arrisca pelo Pastiche, se arrisca por sua namorada que, no fundo, sabe que nunca mais irá (re)ver, e coloca as mãos no fogo para ajudar uma amiga de Lenina que vem sendo perseguida por ter andado com a amiga revolucionária. Félix não é egoísta, e prova isso com atos, colocando sua paz antes das vidas que considera valerem muito mais, que a dele.

    Vale destacar que a tensão e a impotência das pessoas em um cenário de total perigo institucionalizado no país é transmitida, em Ditadura no Ar, não somente pela sua dinâmica trama investigativa, ou pelo drama dos jornalistas que ousam trabalhar com a verdade no auge do absolutismo no Brasil pós-colonial, mas principalmente pela parte gráfica do álbum, em especial pela escolha de cores mórbidas e tons frios e obscuros a retratar a sensação perturbadora de se viver sem liberdade ou conceitos de bem-estar social, senão sob a brutal chibata da ditadura militar já constituída. Se é de fato a verdade que nos liberta neste mundo, tanto o Félix jornalista quanto o Félix apaixonado vão até os porões da ditadura para descobri-la, dispondo de um coração selvagem e uma noção suicida para defrontar-se com a realidade das coisas.

    Distribuído desde 2016 pela editora Draco, Ditadura no Ar é quadrinhos adulto brasileiro da melhor estirpe, fruto do esforço criativo da dupla Raphael Fernandes, e do ilustrador Rafael Vasconcellos. A partir de uma ambientação sólida, e de um enredo repleto de surpresas e fruto de uma extensa pesquisa histórica, a engrandecer os mais curiosos sobre este difícil período da história nacional, palco para tantos heróis, algozes, e as vítimas que ainda lutam para não serem esquecidas nas areias do tempo, temos uma obra cuja qualidade da romantização dos fatos pode surpreender e entreter a todos.

    Compre: Ditadura no Ar.

  • Resenha | Vagabundos no Espaço – Volume Um

    Resenha | Vagabundos no Espaço – Volume Um

    O arquétipo do “vagabundo” permeia as mais diversas narrativas ao longo dos anos. Desde o Carlitos de Charlie Chaplin, o Recruta Zero de Mort Walker, o Zé Carioca de Walt Disney e muitos outros, o personagem malandro, esfarrapado, paradoxal e simultaneamente sorrateiro e inocente ocupa um importante lugar nas produções ficcionais. Ao gerar humor a partir do absurdo de sua atrapalhada condução de vida e tomada de decisões, tal tipo proporciona uma imediata relação de compreensão e aceitação.

    O famoso Seu Madruga, de Don Ramón, é um exemplo claro desse tipo de personagem: defeituoso e inescapavelmente cativante. Mesmo sabendo dos defeitos que possui, é difícil não se afeiçoar por ele.

    No primeiro volume de Vagabundos no Espaço, o quadrinista juiz-forano Raphael Salimena (autor de Linha do Trem) nos apresenta Zix, um atrapalhado vagabundo, envolvido do dia pra noite em um reality show espacial.

    Tornando-se abruptamente Capitão de sua própria nave e enviado para os confins da galáxia, Zix se depara com conflitos que em muito fogem de sua competência. Junto de Sally, a Inteligência de bordo, Zix se vê às voltas com uma misteriosa falha nos sistemas de suporte da nave, em uma bem humorada sátira das aventuras do Astronauta da linha MSP. Inicialmente estranha, a narrativa rapidamente envolve o leitor em sua absurda trama.

    A arte de Salimena aposta na expressividade de seus personagens, no inventivo design alienígena e na ambientação espacial bem extravagante, utilizando cores bem vivas e chamativas, de forma bem semelhante às lisérgicas paisagens e alienígenas de quadrinhos como Projeto Manhattan e Aâma.

    O visual de Zix pode ser encarado tanto como uma homenagem ao cosmonauta de Maurício de Sousa quanto como sátira aos heróis espaciais norte-americanos, como Flash Gordon, só que com zero noção do que fazer. Seu rosto quadrado emula essa imponência tradicionalizada pelas produções norte-americanas, o que gera um interessante e cômico contraste, uma vez que Zix é completamente atrapalhado e ingenuamente idiota.

    A história conta com interessantes viradas de roteiro, tornando a narrativa dinâmica e inventiva, apostando nas constantes mudanças de ambientação e de tom, sem perder o humor em momento algum, construindo personagens deliciosamente esquisitos.

    Salimena conduz a trama equilibrando, com competente apuração textual, uma improvável mistura de sitcom com space opera, mesclando a agilidade e timming de diálogos cômicos e a dinâmica de interação entre personagens em um ambiente restrito, com as viagens e conflitos interestelares. O autor aborda, por trás da veia cômica, questionamentos interessantes sobre inteligência artificial, sociedade do espetáculo, civilizações hipertecnológicas e a pretensão do ser humano em se ver no controle de tudo e todos. Há, nas páginas do quadrinho, um ar de completo absurdo e nonsense que, de forma paradoxal, acaba por conferir coesão à narrativa ali proposta.

    O autor termina esse primeiro volume deixando pontas soltas a serem fechadas posteriormente, partindo de um começo promissor e empolgante. Vagabundos no Espaço se mostra digno de figurar entre os mais interessantes quadrinhos brasileiros dos últimos tempos, fugindo da tradicional temática nacional em refletir sobre as mazelas do país, e apostando suas fichas no campo da ficção científica, desafiando fronteiras e expandindo as possibilidades para a produção quadrinistica brasileira.

    Vagabundos no Espaço – Volume Um foi publicado pela Editora Draco, em capa cartão, e conta com 104 páginas excepcionalmente coloridas, em papel couché de 115g.

    Compre: Vagabundos no Espaco – Volume 1.

    Facebook – Página e Grupo | Twitter Instagram | Spotify.

  • Resenha | Solarpunk

    Resenha | Solarpunk

    Solarpunk, após os volumes de VaporpunkDieselpunk, é o último lançamento da trilogia de ficção especulativa organizada por Gerson Lodi-Ribeiro. Tanto a literatura vaporpunk quanto a dieselpunk englobam histórias que se passam num futuro em que se utiliza tecnologia “do passado” — respectivamente maquinário a vapor, do século XIX, e maquinário a diesel, do início do século XX.

    Neste volume, o salto temporal é um pouco mais amplo. A proposta deste é abordar um futuro em que o mundo funciona à base de energia limpa e renovável. Ou seja, ao invés de retrofuturismo, a temática se volta totalmente para o futuro. Não um futuro alternativo, mas um possível futuro. Um porvir otimista, já que considera que a tecnologia terá avançado o suficiente para garantir um mundo sustentável. Contudo, nem tudo são flores. A maioria das histórias pende mais para a distopia do que para a utopia — a balança pende mais para o lado “punk” do que para o “solar”. Mas isso de forma alguma prejudica o conteúdo.

    Mais difícil que falar sobre um romance considerado complexo é falar sobre uma coletânea, pois qualquer comentário um pouco mais detalhado pode inadvertidamente entregar parte da história naturalmente não muito extensa. A maioria das tramas, mesmo ambientadas nesse futuro dito autossustentável, poderia prescindir desse ambiente, já que a tecnologia não chega a ter um papel essencial na história. Ou seja, é possível transportar o enredo para outro ponto no tempo e no espaço sem qualquer prejuízo da trama. Não é uma falha gravíssima, mas a história certamente seria beneficiada se trama e tecnologia estivessem mais interligadas.

    Outra falha que aparece em menor ou maior grau em quase todos os contos é o excesso de explicações. Excessivas descrições tecnológicas e/ou extensas cronologias elucidando como se chegou ao momento atual da história são perfeitamente aceitáveis num romance de 300 ou 400 páginas. Mas num conto ou noveleta de menos de 20 páginas, além de cansativas, acabam por ocupar um espaço do texto que poderia ter sido usado para desenvolver trama e personagens.

    Gerson Lodi-Ribeiro está acompanhado de outros oito autores já conhecidos no cenário de ficção científica nacional:

    Soylent Green is People!, de Carlos Orsi Martinho, é uma noveleta policial noir que se passa num futuro em que a tecnologia para obtenção de energia baseia-se em biocombustíveis, reciclagem e energia solar. O protagonista é uma espécie de Sam Spade pós-século XXI. O autor conduz habilmente o leitor até o final pouco óbvio. É um dos poucos em que a tecnologia tem papel fundamental na trama e em que as explicações técnicas estão bem diluídas no decorrer da narrativa.

    Confronto dos Reinos, de Telmo Marçal, autor português, também é um policial, sem a sutileza do noir, bem mais cru e violento. É ambientado num futuro em que os humanos se dividiram em Folhas de Couve (realizam fotossíntese) e Neandertais. O conflito entre as minorias é o estopim da trama.

    E Atenção: Notícia Urgente!, de Romeu Martins, romanceia um evento real ocorrido em 2006. Cerca de 2 mil mulheres da Vila Campesina invadiram o horto florestal da Aracruz Celulose, em Barra do Ribeiro (RS), para protestar contra o monocultivo de eucaliptos e suas conseqüências sociais e ambientais. O conto, dividido em duas partes, é narrado de formas distintas. Na primeira emula-se um registro jornalístico do evento, o que dá bastante intensidade à narrativa. A segunda é narrada em terceira pessoa e não consegue ser tão envolvente, além de conduzir a um desfecho que deixa o leitor com aquela impressão de “Ué! Acabou?”.

    Era uma Vez um Mundo, de Antonio Luiz M.C. Costa, é de certa forma uma sequência da noveleta Ao Perdedor, As Baratas da antologia Dieselpunk. Narra a história de uma repórter convidada a visitar um centro de pesquisas sobre energia nuclear. Sua localização no tempo é que dá o tom diferenciado. É como se a tecnologia tivesse avançado vertiginosamente e, já no início do século, as pessoas estivessem vivendo numa economia socialista estável e sustentável. Assim, os personagens são personalidades da década de 20 — Pagu, Luís Carlos Prestes, Filippo Marinetti — em papéis coerentes a essa nova realidade.

    Fuga, de Gabriel Cantareira, é sobre uma mulher que furta documentos importantes de uma grande corporação. Tenta ser um thriller de perseguição, mas tropeça na obviedade da narrativa e no excesso de discursos políticos simplistas e carentes de clareza.

    Gary Johnson, de Daniel Dutra, é narrado pelo bisneto de um suposto amigo de Landell de Moura — padre católico, cientista e inventor brasileiro, considerado o Patrono dos Radioamadores do Brasil, e pioneiro em experimentos com ondas eletromagnéticas. A história é baseada em diários de seu bisavô que, por sua vez, documentou neles a parceria do padre com um físico americano racista na busca de uma fonte de energia renovável. Esse estratagema deixa a narrativa bastante envolvente, apesar de alguns percalços.

    Xibalba Sonha com o Oeste, de André Soares Silva, é sobre uma professora cujo pai foi executado como traidor e se passa num mundo em que nações indígenas (tupis e astecas) governam as Américas sob o jugo da China Imperialista. É, sem dúvida, o conto mais confuso, tanto pelos nomes dos locais e personagens quanto pela descrição do universo criado, pouco coesa e carente de autenticidade. Sem contar o desenvolvimento falho da narrativa, que segue rumo a um clímax que não acontece.

    Sol no Coração, de Roberta Spindler, aborda o mesmo tema de Confronto dos Reinos: humanos obtendo energia a partir do sol. Neste, ao invés da fotossíntese, a energia é gerada a partir de tatuagens feitas com nanodispositivos, que funcionam como os painéis solares atuais. Talvez a solução tecnológica mais criativa entre todas as histórias. A trama gira em torno de um homem em dúvida quanto ao melhor momento de fazer a primeira tatuagem no próprio filho. Aborda o tema sem enrolação, fazendo o texto fluir com habilidade.

    Azul Cobalto e o Enigma, do próprio Lodi-Ribeiro, é uma noveleta que dá continuação a uma série de textos do mesmo autor (um deles publicado em Vaporpunk, Consciência de Ébano) em que uma nação, Reino de Palmares, liderado por descendentes de Ganga Zumba, é inimiga do Brasil. Apesar da narrativa muito bem construída, assim como os personagens bem desenvolvidos, poderia ser transposta para outro contexto sem perda de qualidade da trama, já que a “tecnologia” não tem papel essencial. Diferente das demais, é uma estória de espionagem/contra-espionagem que vale a leitura, apesar da pouca proximidade com a temática da coletânea.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Resenha | Dragões

    Resenha | Dragões

    Para comemorar o ano do Dragão (compreendido entre 2012 e fevereiro de 2013), a Editora Draco realiza uma edição comemorativa, publicando contos com a temática draconiana através de concurso, reunindo 16 histórias na versão impressa. O texto crônico de Erick Santos Cardoso – um dos organizadores da coletânea – que antecede os escritos, é de um tom profético absurdo e insere o leitor nos ambientes e mundos fantásticos que estão por vir.

    Buraco dos Malditos:
    Pablo Amaral Rebello insere o leitor em seu universo de forma magistral, especialmente pelos seus incomuns diálogos, que emulam a realidade, e também por meio de descrições em tom poético, valorizando mesmo os mais ordinários eventos cotidianos. Sua vasta experiência como jornalista o ajuda a abrilhantar sua história, tornando a busca pela lendária figura em algo verossímil, apesar do caráter fantástico da busca. O mistério que envolve os personagens tem uma brasilidade ímpar, mostrando que para construir uma boa história não é necessário apelar para estrangeirismos e afins. A reimaginação da aventura folclórica é muito bem urdida e equilibra bem a tradição com a contemporaneidade.

    Coronel Mostarda:
    Flavio Medeiros Júnior escreve uma história mergulhada em referências a cultura pop, desde conceitos comuns a produtos do fandom, séries de tv, clássicos do cinema e até jogos de tabuleiro. Faz de seu conto uma aventura detetivesca fantástica. A figura draconiana é mostrada de forma mística, mas diferente da visão clássica e monstruosa da criatura – é curioso que tenha sido escolhida para abrir a antologia.

    O Negro:
    A ambientação – na época do Império Romano – garante ao conto de Albarus Andreos um interesse imediato por parte do leitor acostumado com a temática. No começo, ele arranha de forma leve e jocosa a figura de Cristo, mas de forma alguma ofende a figura religiosa, e o seu desfecho contém uma ótima referência ao texto Metamorfose de Franz Kafka.

    O Recrutamento da Mulher Dragão:
    A narração em primeira pessoa tem um tom confessional, é fácil adentrar na mente e na rotina da personagem, que esmiúça o seu processo de treinamento e de suas iguais, com intuitos ainda misteriosos. Mesmo com os perigos iminentes, há um bocado de feminilidade no comportamento descrito pela narradora, o que reforça ainda mais o subtexto principal. O detalhe mais interessante da história consiste na curiosa reprodução dos dragões, apresentada pelo autor. A história de Antonio Luiz M. C. Costa brinca com questões primordiais como miscigenação e aceitação do diferente, sem descuidar da ação evidentemente.

    O Mais Louco dos Surrealistas:
    Um mergulho poético ao cotidiano, é como melhor se resume o conto de Bruno Oliveira Couto. Em O Mais Louco dos Surrealistas o autor homenageia Drummond de Andrade, Virginia Woolf, Caetano Veloso. Seus méritos são maiores pela quantidade de referências, mas sua história é equilibrada e competente em entreter o leitor, especialmente com o caráter um tanto apocalíptico do seu final.

    A coletânea reúne também as histórias: A Dama das Ameixas, de Karen Alvares, Um Dragão no Porão de Eduardo Barcelona Alves, Mistérios, Mentiras e Dragões de Elsen Pontual Sales Filho, O Primeiro Dia da Primavera de Ana Cristina Rodrigues, Ninho de Dracogrifos de Alec Silva, Operação Rastro Rubro de Ana Carolina Pereira, As Mulheres da Minha Vida de Marco Rigobelli, Salve Jorge de André S. Silva, Hoffman & Long de Cirilo S. Lemos, Capeta de Kássia Monteiro e Devorados de Erick Santos Cardoso, na versão impressa. Na versão digital há histórias de Leandro LemeJosué de OliveiraVitor FrazãoCarina PortugalNilton BragaNuno Almeida.

  • Resenha | Imaginários – Volume 1

    Resenha | Imaginários – Volume 1

    A coletânea Imaginários da editora Draco foi lançada em 2009 e reúne contos de diversos autores, passando por gêneros como Fantasia, Ficção Científica e Terror. Forte ferramenta de divulgação da literatura especulativa fantástica brasileira, esse primeiro volume é organizado por Eric Novello.

    Uma pequena analise de alguns dos contos publicados:

    Alma explora um planeta longínquo que não deveria ter nenhuma forma de vida inteligente, pelo menos aparentemente. Simulacro e terror real se revelam na jornada da personagem título, na forma de um horror absurdo. O autor Osíris Reis deixa as questões aflitivas em aberto, o que pode gerar conclusões dúbias, levando o leitor a questionar se os acontecimentos foram reais, virtuais ou simples devaneios mentais. Osíris também publicou o livro Treze Milênios.

    Eu, a sogra – a autora se utiliza de feitiçaria para abordar a visão preconceituosa de alguns a imigrantes estrangeiros. A temática é a expectativa em encontrar um par perfeito, e brinca com as possibilidades dos bruxos em praticar um intervencionismo e romper com o livre arbítrio. Giulia Moon também escreveu a trilogia Kaori: Kaori: Perfume de Vampira, Kaori 2 e Kaori e o Samurai sem braço, e o romance Dama-Morcego.

    Jorge Luis Calife em seu Veio… novamente brinca com a paranoia de uma invasão alienígena, abdução e outros mistérios ufológicos, para no final, exercer uma virada, que mostra uma razão não belicosa da visita extraterrestre.

    Twist in my sobriety – trata de um futuro pouco esperançoso, onde o mundo entrou em colapso: os governos ruíram e a natureza sobreviveu mal aos avanços humanos. Aliado a isso, uma raça alienígena se apossou da terra de forma aparentemente pacífica. Com um final cheio de reviravoltas, o autor Flávio Medeiros toca em temas como voyeurismo, escravidão, alienação etc.

    Em Contingência ou Tô Pouco Ligando, Martha Argel aborda a temática do Multiverso e infinitas possibilidades de vida, utilizando seu personagem central pra discutir teorias Darwinianas. A autora usa um ser diminuto e uma cadeia de eventos decorrentes das ações deste para demonstrar a arbitrariedade e o acaso do universo. No final do conto, ela propõe uma discussão junto ao leitor. Argel publicou Amores Perigosos, O Vampiro da Mata Atlântica, Relações de Sangue entre outros livros e coletâneas.

    Richard Diegues em Planeta Incorruptível usa uma ficção científica de invasão interplanetária para discutir a fé, imperialismo, monoteísmo, a cegueira que a religião pode causar nos seres pensantes, além da velha questão Ciência x Mitologia. Traça um paralelo com mitos judaico-cristãos e narra um evento inusitado com os invasores, tornando-os causa de “Algo Maior” e vítimas disso também. Sua mensagem é de que a vida na Terra é como um círculo vicioso, não importa o que aconteça, a humanidade viverá tudo de novo inexoravelmente.

    Também fizeram parte da coleção os contos Coleira do Amor, de Gerson Lodi-Ribeiro, A encruzilhada da autora Ana Lúcia Merege, Por Toda a Eternidade de Carlo Orsi, Um toque do real: óleo sobre a tela de Roberto Sousa Causo, Tensão Superficial de David M. Gonzales.

  • Resenha | A Corrente: Passe Adiante – Estevão Ribeiro (2)

    Resenha | A Corrente: Passe Adiante – Estevão Ribeiro (2)

    a corrente - capa

    Quem nunca recebeu uma corrente via e-mail – de qualquer tipo – que atire a primeira pedra. Certamente hoje, com as opções de filtro de spam, a maioria de nós nem chegue a vê-las na caixa de entrada. Mas elas continuam circulando. Sempre há quem acredite, principalmente naquelas que envolvem dinheiro. E é a partir desse misto de lenda urbana e meme que a trama do livro é construída. Toda estória nasce de um “E se…”. Neste caso, “e se a ameaça for real e não apenas uma brincadeira de mau gosto?”. O autor faz bom uso dessa premissa para prender a atenção do leitor. Afinal, o pior terror – ou o melhor, dependendo do ponto de vista – é aquele que envolve situações cotidianas. O leitor identifica-se muito mais facilmente com uma situação já vivenciada do que com algo incomum, mesmo que esse algo seja mais interessante que o nosso dia a dia rotineiro.

    Eu sei que você deletou meus e-mails anteriores, Laura. É uma pena que tenha feito isso. Se talvez você tivesse lido as minhas mensagens…

    Laura sente a saliva tapar a sua garganta, enquanto os olhos secos por não piscar acompanham cada letra:

    … eu não teria que te matar!
    (pag.11)

    O prólogo é daqueles que agarram o leitor e o jogam para dentro da estória, sem preâmbulos. Passado o primeiro susto e recuperado o fôlego, a vontade é não parar de ler. A incerteza sobre se o que se passa é realidade ou delírio intensificam a inquietação do leitor e a preocupação com o destino dos personagens. A narrativa ágil, as cenas encadeadas de modo a aumentar a tensão tornam o livro bastante envolvente apesar de algumas falhas que não chegam a comprometer a leitura.

    As sequências de sonho são “certinhas”, coerentes demais para serem de sonho. Não convencem muito. E há alguns detalhes práticos incorretos que, talvez com uma pesquisa mais detalhada, poderiam ter sido evitados. Em alguns momentos, o leitor para e se pergunta “Mas, espera aí… Não é bem assim que tal coisa acontece na vida real.” E essas pequenas divergências causam um certo incômodo ao interromper a imersão na leitura. Além disso, há alguns trechos “difíceis de atravessar”, tanto pela perda da fluidez da narrativa quanto pela existência de cenas aparentemente truncadas. Por exemplo, sem dar spoilers, no clímax da cena em que um dos personagens está num Escort, atravessando uma ponte, algo parecia não se encaixar. Ao reler, percebi que não estava conseguindo situar espacialmente um veículo em relação ao outro. Tive de parar e ler tudo mais uma vez até que fizesse sentido e isso dificultou a apreciação da cena. São pequenas falhas que, contudo, não desabonam o todo.

    É inevitável a comparação com o filme O chamado. Porém, apesar de a ideia inicial ser semelhante, o desenvolvimento da trama segue outros rumos. É um thriller de terror que tem tudo para agradar aos fãs do gênero. Há suspense, tensão, desespero, muito sangue, descrições detalhadas das mortes – tão detalhadas que o leitor chega a espiar por sobre os ombros durante a leitura. Enfim, um prato cheio para quem curte este estilo de estória.

    Tuitei há alguns dias que, mesmo se não conhecesse o autor, provavelmente compraria o livro pela capa. Sim, eu sou dessas. Livros com capas que me chamem a atenção são sérios candidatos à compra. E a edição é bem caprichada. Quanto à diagramação, apenas uma ressalva: talvez se a mancha de texto fosse maior, seria possível aumentar um pouco o espaçamento entre as linhas, tornando a leitura mais confortável. Há alguns erros de revisão, mas nada comprometedor, praticamente passam batido quando o leitor está embalado na leitura.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Resenha | A Corrente: Passe Adiante – Estevão Ribeiro (1)

    Resenha | A Corrente: Passe Adiante – Estevão Ribeiro (1)

    correntecapaUm livro nacional que, a princípio, não me chamou atenção alguma quando o vi e que não fez muito quanto a isso enquanto eu seguia na leitura. Porém, convencido de que poderia me surpreender, apostei e comprei. Dessa forma, me deparei com uma obra repleta de sangue, mortes criativas, pesadelos e cenários assombrados com descrições físicas muito boas, mas que se perde na intenção de apenas colocar medo, aparentando assim ser apenas um roteiro genérico de algum filme de terror.

    A leitura desse livro foi basicamente como assistir O Massacre da Serra Elétrica (a versão “nova”) quando o que você realmente desejava era ver Os Outros. As descrições físicas dos espaços, do sangue jorrando e das mortes grotescas são excelentes, mas senti que faltou aquela profundidade dos filmes de suspense que te deixam inteiramente tenso, com muito pouco foco naquilo que os personagens estão sentindo – medo, pavor, dedos trêmulos, silêncio opressor, visão turva, suor frio, calafrios, arrepios (e assim vai…) -, enquanto se prende mais no terror/horror das cenas, deixando de lado o suspense da atmosfera.

    Os personagens são interessantes, mas se você – assim como eu -, tiver um histórico razoável de filmes de terror, vai encontrar o desfecho do livro logo no começo. Pois, mesmo que a história seja diferente das outras, há muita similaridade na maneira que a história decorre, deixando assim uma sensação de que você já conhece aquilo, fazendo assim com que a empolgação se limite a certos pedaços da obra, ao invés de se estender por toda leitura. Muitas vezes tive a impressão de estar lendo a mesma coisa várias vezes, e isso foi um dos aspectos que mais me incomodou.

    O final não decepciona, mas também não surpreende. A parte mais interessante do livro é a história da antagonista, que é quando você realmente se perde na leitura e ela – enfim – começa a fluir, porque após isso você quer saber mais e mais sobre o que aconteceu e qual é o mistério que a envolve. Nesse aspecto, o autor soube muito bem como guiar os acontecimentos e manter esse mistério até o final.

    Dito isso, não posso afirmar que não gostei do livro, independente dos vários pontos negativos já citados. Não é uma história mal contada, nem com problemas de continuidade e acontecimentos contextualmente desagradáveis. Porém, me deixou com a evidente sensação de que esse é um livro para ser assistido ao invés de lido, seja pelo seu ritmo, pela história em si ou pela maneira que é contada.

    Compre aqui.

    Texto de autoria de Thiago Suniga.

  • Resenha | Reis do Rio – Rafael Lima

    Resenha | Reis do Rio – Rafael Lima

    os-reis-do-rio-capa

    Há pouco tempo eu tinha prestado atenção e ficado de olho no romance de Rafael Lima, Os Reis do Rio, lançado pela Editora Draco na metade deste ano. O motivo é um só: se passa em um mundo apocalíptico anos após um inverno nuclear, mas nesse caso não é em uma pequena cidade estadunidense, a trama se passa em um Rio de Janeiro destruído por armas nucleares. Sim, isso mesmo, o ambiente de um futuro nuclear é o Rio de Janeiro. Só pela coragem de colocar a realidade de uma cidade brasileira neste mundo varrido pelas bombas o livro já merece ser lido e o autor parabenizado.

    Pequena sinopse: William Costa, mais conhecido como Will, sai em busca do seu irmão Eduardo, que foi sequestrado pela Radius, organização que reina sob o caótico Rio de Janeiro de 2189. Morador do bairro afastado de Grota IV, Will sai acompanhado de Lia, namorada de Edu e Ulisses, um tiziu, rumo a cidadela de Iraputã, base da Radius, na aparente missão suicida de resgatá-lo, entre armas de plasmas e harpias.

    O livro tem uma leitura bem ágil e um bom ritmo. O ótimo trabalho de edição priorizou as cenas dramáticas e de ação, permitindo com que a narrativa diminua em poucos momentos para voltar ao crescente logo depois. Em especial, a sequência do bosque descrita no capítulo 7 é simplesmente de tirar o fôlego, uma das mais bem escritas cenas de ação em um livro que eu já li, o Jackson vai adorar o massaveístico da cena. Entretanto, duas ressalvas: boa parte das cenas de ação ao longo do livro poderiam ser um pouco mais descritivas ao invés de contadas, p. ex, na página 201, ao invés de “Pelo retrovisor, o […] viu os […] dispararem mais algumas vezes. Depois, executarem […] com uma bala na cabeça”, Rafael poderia relatar que: “viu pelo retrovisor chegarem perto dele, aproximarem a arma e atirar na sua cabeça”; outro incômodo é a falta de explicações posteriores para as siglas que aparecem constantemente durante a narrativa, p. ex: GTOE, RRL, por várias vezes o leitor pode vir a se confundir e se esquecer o que elas são.

    Outro ponto positivo são os diálogos. O autor abusa de expressões atuais da realidade dos cariocas, tornando a maioria dos diálogos coloquiais que soam verídicos para o leitor, eis um exemplo: “Vou esquentar uma carninha de gato. Você quer?” (pág 193). Talvez quem não for muito familiarizado com o carioquês pode se sentir incomodado. Também há poucos diálogos que soam falsos, mas são poucos, p. ex, na explicação de um personagem (pág 139), que apesar de interessante é explicativa demais. Vou evitar colocá-la aqui para não dar spoilers.

    Quem conhece o Rio de Janeiro vai gostar bastante de saber o que aconteceu com os principais pontos turísticos da cidade. Novamente, para não estragar a experiência do leitor, vou evitar colocá-los aqui, mas saiba que os principais pontos estão lá, e o que aconteceu a um deles em especial é simplesmente fantástico. Para quem não conhece a geografia da cidade, faltou um mapa para situar melhor o leitor, o que pode ser um incômodo.

    Por último, a obra é muito bem escrita e a narrativa fluente deve agradar. Temos ao longo do livro alguns trechos interessantes, tais como: “o […] sentia-se, de uma forma jamais experimentada, livre para fazer o que sabia de melhor. O que nascera para fazer. Livre para escrever, naquele terreno maculado por gritos de dor, sangue e cheiro de carne queimada, seu poema mais belo. Cada farda negra tombada, um verso, que rapidamente formavam estrofes, repletas de tropos fumegantes” (pág 253).

    Porém, para quem busca maiores reflexões, faltaram mais camadas no livro. Relacionando com The Walking Dead, que após o arco da prisão se revela a premissa do Robert Kirkman: os vivos são piores ameaças aos sobreviventes do que os próprios zumbis em um mundo pós-apocalíptico, aqui faltou uma maior reflexão do autor com a obra, ou perguntas e/ou questionamentos maiores que poderiam ser gerados a partir de alterações nas situações chaves ao longo do livro.

    Mais um ponto para a Editora Draco pelo excelente tratamento gráfico da capa e competente acabamento das partes internas, deixando a leitura agradável, ainda mais com o tipo de papel escolhido; e também por apostar no livro do Rafael Lima, ampliando mais ainda o seu já extenso catálogo de literatura especulativa.

    Vale a leitura? Sim, se o leitor for do Rio de Janeiro ou familiarizado com a geografia e os costumes cariocas, ou simplesmente para quem quiser aproveitar a experiência de um mundo pós-apocalíptico no Brasil, o livro é bastante abrangente, não se restringindo ao nicho pós-apocalíptico.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Resenha | Vaporpunk

    Resenha | Vaporpunk

    vaporpunk

    O steampunk surgiu como um subgênero literário e evoluiu para uma estética presente em diversas mídias, inclusive cinema e games. Pode ser definido como um cruzamento entre ficção científica e ficção histórica, apresentando realidades alternativas onde o avanço tecnológico aconteceu mais rápido, empregando o maquinário disponível na época (quase sempre o século XIX). Os cenários explorados costumam ser a Inglaterra Vitoriana ou o Oeste Selvagem norte-americano.

    A proposta de Vaporpunk – Relatos steampunk publicados sob as ordens de Suas Majestades, publicado pela Editora Draco, é um exercício de imaginação no mínimo curioso: como Brasil e Portugal seriam sob a ótica steampunk? Organizada por Gerson Lodi-Ribeiro e Luís Filipe Silva, a coletânea consiste em oito contos (ou noveletas, como eles preferem chamar) de escritores dos dois países, que trazem diferentes e criativas visões sobre o assunto.

    A Fazenda-Relógio, de Octavio Aragão, trata de autômatos substituindo a mão de obra escrava nas lavouras de café do final do Império, e a revolta dos negros com a abolição que, na prática, os condenou a morrer de fome. Curtíssimo, o conto traz uma boa ideia, e só, pois não há espaço para se desenvolver.

    Os Oito Nomes do Deus Sem Nome, de Yves Robert (sim, ele é português) é uma história de espionagem com elementos sobrenaturais, com o steampunk como pano de fundo. Essa ligeira “fuga” da proposta, aliás, está presente em outras das noveletas. Nesta, vemos o que acontece quando Portugal se torna uma potência mundial graças a um sinistro acordo com divindades africanas.

    É impossível não pensar em A Liga Extraordinária ao ler Os Primeiros Astecas na Lua, de Flavio Medeiros Jr, disparado o conto mais massa véio do livro. Num contexto onde a evolução tecnológica antecipou a Guerra Fria e a corrida espacial (!), aqui entre Inglaterra e França, acompanhamos outra trama de espionagem, pelo ponto de vista de um agente duplo britânico que espiona para os franceses. Alguém se esqueceu de avisar o autor sobre a proposta da coletânea, pois Brasil e Portugal mal são citados. O que não tem a menor importância, pois ele, numa empolgação sem freio, mergulha em mil referências à literatura da época, com direito a H. G. Wells e Júlio Verne como ministros dos países rivais, e várias das criações de ambos dando as caras. Com um final surpreendente, Os Primeiros Astecas na Lua daria um filmaço.

    Gerson Lodi-Ribeiro apresenta em Consciência de Ébano um mundo onde Palmares evoluiu de quilombo para uma grande nação independente que divide espaço com o Brasil dos portugueses e uma colônia holandesa no Nordeste. Uma pena que não haja nenhuma pista sobre como isso aconteceu, pois é um cenário bastante interessante. O foco é em um agente de uma organização secreta palmarina, que decide trair sua missão e destruir a arma secreta de seu governo: um vampiro indígena. Aqui o steampunk (presente com a construção de uma hidrelétrica) é uma mera desculpa para se contar uma história sobrenatural densa e pessimista. Vale mencionar o esforço do autor em relação à linguagem empregada, que simula perfeitamente algo escrito no século XIX.

    Unidade em Chamas, de Jorge Candeias, mostra um corpo militar português às vésperas de uma guerra. O diferencial é que tais soldados estão em uma grande frota de dirigíveis, chamados aqui de “passarolas”. Pelo ponto de vista de um recruta, vemos a dureza do cotidiano dos soldados, se preparando para um combate que eles nem sabem direito contra quem ou por que, além da tensão racial provocada pela união com outra tropa reunida e treinada em segredo nas colônias. Ainda que peque pela narrativa excessivamente descritiva ao tratar do treinamento e do funcionamento das aeronaves, nas entrelinhas percebe-se um cenário fantástico, de modo que esta noveleta sem dúvida merecia ser expandida em um romance.

    Uma interessante discussão moral/ética sobre se criar ou mesmo reproduzir a vida através da Ciência pontua A Extinção das Espécies, de Carlos Orsi. Protagonizada por um jovem Charles Darwin, em sua célebre viagem a bordo do HMS Beagle, a história também foge um pouco da ideia do livro. Há uma passagem pelo Rio de Janeiro, mas o foco mesmo é na Patagônia argentina, onde os gaúchos estão em guerra contra os indígenas da região. Conceitos de armas biológicas, robótica e até nanotecnologia rendem alguns momentos perturbadores.

    O nível cai um pouco com Os Dias da Besta, de Eric Novello. A trama parte da investigação sobre a presença de uma criatura metamorfa no Rio de Janeiro. Mas aí vemos um Brasil próspero e se destacando na corrida tecnológica sob o governo de D. Pedro II, Conde de Tunay com um super agente secreto/inventor, Princesa Isabel aviadora liderando um grupo de piratas, diversas invenções mirabolantes, intrigas internacionais… falta foco. Ao jogar tantos conceitos poucos trabalhados, a história parece um aleatório capítulo do meio de algum livro.

    João Ventura, mais do que qualquer outra coisa, presta uma homenagem à figura histórica do inventor português Padre Manuel Himalaya com O Sol é que Alegra o Dia… Abordando a energia solar em diversas aplicações, este é de longe o conto mais leve da coletânea. Interessante, porém incomoda um pouco o tom documental adotado pra contar um grande período de tempo em pouco espaço. A impressão é estar lendo um livro didático ou um artigo de enciclopédia.

    Mesmo com a oscilação de qualidade entre os contos (até porque seria injusto e ingênuo esperar o contrário), Vaporpunk só teve a ganhar com essa diversidade enorme entre as histórias. Cada autor soube imprimir seu estilo, tom e interesse específicos, seguindo (ou desviando elegantemente) a linha-mestra do steampunk em terras lusófonas. Leitura mais do que recomendada.

    Texto de autoria de Jackson Good.

    Compre aqui.

  • Resenha | Necropólis: A Fronteira das Almas – Douglas MCT

    Resenha | Necropólis: A Fronteira das Almas – Douglas MCT

    Necropólis-A-Fronteira-das-Almas-Douglas-MCT

    Um livro se compra pela capa? No caso de Necrópolis: A Fronteira das Almas, de Douglas MCT, Ed. Draco, 2010, bom, eu comprei por culpa da arte competente de Victor Negreiro.

    Vamos a curta premissa do livro: Verne Vípero (homenagem ao Julio Verne?) é um rapaz cético que perde seu irmão Victor de causa misteriosa, e depois de descobrir que tem chances de salvá-lo do abismo da inexistência, ruma ao submundo de Necrópolis.

    Com essa interessante premissa que remete ao mito grego de Orfeu aliada a arte da capa, confesso que depositei uma certa expectativa no livro. Entre a compra e a leitura foram cinco meses, o que aumentou bastante minha curiosidade em explorar o livro.

    Quando comecei a ler, vi a forma como Douglas conseguiu demonstrar como domina a narrativa, os maneirismos do autor, a construção da trama, dos personagens e a forma como eles se relacionam, vi que tinha exagerado na expectativa.

    A trama é interessante, a caracterização em um primeiro momento dos personagens idem, mas quando segue a leitura, principalmente em Necrópolis, o leitor se vê em um excesso de referências: mitologia grega (a mais interessante), cultura rpgistíca (grupo que parte para uma aventura), vampiros, lobisomens, duendes, magos, dragões e outras criaturas.

    Outro incômodo são os maneirismos do autor: Douglas MCT trata o leitor como leigo, explicando algumas situações óbvias ou até aquelas mais complexas que se tornariam mais interessantes sem este recurso; adianta certos perigos desnecessariamente, cortando o clima que acabava de ter criado e diminuindo o possível impacto que teriam mais adiante; o estilo de escrita contraditório (que não sei se foi proposital) incomoda bastante, como por ex: Verne revela o que descobriu em um livro mágico quando o avisam que aquilo é pessoal, e em outros trechos diversos pelo livro: “Somente as famílias que tiveram a perda de suas crianças naquela semana não compareceram ao velório de Victor. Ainda assim, podia-se ver um Aziani e um Torino dentre os presentes”.

    O leitor pode se chatear também devido a algumas situações mal desenvolvidas:
    em Necrópolis, Verne recebe ajudas diversas simplesmente porque o acham simpático ou que se solidarizaram com a sua busca, tudo de forma muito brusca; o ladrão Simas tem um problema interessante com a bebida o que infelizmente é pouco explorado, ele é assim e pronto; Verne é cético, mas quando está em Necrópolis as vezes acredita no fantástico a sua frente, as vezes não; na maioria dos casos os diálogos também são mal desenvolvidos e não soam verídicos, além de falhar em demonstrar as emoções dos personagens.
    Por último, a narrativa é rápida demais, não conseguindo desenvolver os personagens e as situações como deveria.

    Por outro lado, se ganha muito interesse em explorar o psicológico do protagonista. Como disse Leonel Caldela no prefácio do livro, Verne sai em busca de Victor em Necrópolis e encontra a si mesmo, o que é surpreendente, já que sua cidade natal se chama “Paradizo”. Na terra, Verne possui um amigo imaginário, necessário a qualquer criança com imaginação, o que o torna mais humano e que o fez um protagonista fascinante. O caminho do seu auto-descobrimento e ceticismo constante em um mundo fantástico não deixam a desejar, apesar de incomodarem em certas partes.

    Os personagens em Necrópolis são bem definidos e carismáticos: a bela mercenária, o ladrão amigo, o conde misterioso, enfim, personagens que cativam quando se lê. O desfecho do livro também é surpreendente, me instigando a esperar por uma continuação.

    No entanto, discordando de Leonel Caldela, achei a primeira parte do livro, que se passa na cidade italiana de Paradizo mais surpreendente do que Necrópolis. É aqui na terra onde se localiza o conflito mais interessante de todo o livro: a morte misteriosa de crianças (entre elas o irmão do protagonista) e como Verne e a comunidade lidaram com isso, além dos dois personagens mais cativantes: Elói, que vive junto aos ciganos, mas tem um passado oculto, e Carmecita Rosa dos Ventos, a vidente de Paradizo.

    Pontos para a Editora Draco pelo ótimo trabalho de produção da obra, e a aposta em publicar um tipo de fantasia diferente, como é esta dark fantasy de Douglas MCT, mostrando variedade positiva em seu catálogo.

    Vale a leitura? Sim, pois é um dos poucos livros brasileiros de dark fantasy que tenho conhecimento dando personalidade a obra, e, apesar dos problemas, a leitura agrada e possibilita a exploração tanto do submundo fascinante de Necrópolis quanto do protagonista Verne Vípero.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.