Tag: Carlos Marighella

  • Resenha | Marighella #Livre

    Resenha | Marighella #Livre

    Marighella #Livre, publicado pela editora Draco, narra três momentos importantes da vida de Carlos Marighella: quando tinha 24 anos e foi torturado na véspera do que seria o Estado Novo em 1936; nos Anos de Chumbo da ditadura civil militar iniciada em 1964 quando levou um tiro no peito e enfrentou 14 policiais; pós AI-5, quando foi executado em 1969. A história é assinada por  Rogério Faria, tendo como ilustradores Ricardo Sousa nas duas primeiras histórias, e Jefferson Costa na última.

    Na primeira, Sousa emprega um traço mais solto, cartunizado, com desenhos que, caso não fossem sobre uma história de luta e violência, pareceriam inocentes e ingênuos. Esse contraste funciona bem, ainda mais quando se mostram detalhes de tortura e violência explícita que, nesta primeira história, é apenas um prenúncios dos tempos complicados que viriam décadas depois.

    Na segunda história, as autoridades perseguem Marighella quando ele está apenas vivendo como um civil tranquilo, assistindo um filme no cinema. Para além de efeitos dramáticos, Sousa denuncia que há poucas diferenças reais entre os tristes métodos das duas ditaduras, seja a varguista ou a militar.

    Na história desenhada pelo autor de Jeremias: Pele, há um clima semelhante às revistas policiais da Vertigo, com elementos de thriller, violência estilizada e, mesmo assim, não se perde o contato com o real. Por mais que seja a mais curta (e sangrenta) das três, é a mais carregada de conteúdo. As entrelinhas dão conta de um sujeito que queria pouco, que queria ver o povo livre, que via no sonho comunista um modo de todos os trabalhadores serem tratados como iguais. Marighella era um homem simples, que nessas breves histórias sequer tinha chance de discursar. Sua voz é resumida nos momentos onde lhe faltava fôlego, mas nas suas ações sobrava verve e vontade de lutar. Uma vida poética e inspiradora, que mira a revolução como única alternativa a classe trabalhadora.

  • Crítica | Marighella (2019)

    Crítica | Marighella (2019)

    Marighella é um projeto envolvido em polêmica desde sua concepção. Por contar a história do revolucionário Carlos Marighella, refletindo certa censura por parte dos atuais governantes, o filme teve adiamentos, dificuldades para programar sua estreia em terras brasileiras e, por fim, o longa de Wagner Moura acabou sofrendo um mal semelhante ao de Tropa de Elite, vazando antes da estreia. Independente da programação, o filme finalmente pôde ser apreciado pelo espectador brasileiro.

    O início do filme não nega a necessidade de ser um produto comercial, sedutor para as massas, fácil de digerir como Cidade de DeusTropa de Elite 2: O Inimigo Agora é Outro. Para isso, as primeiras cenas mostram de um roubo de trem, um resumo das ações de guerrilha urbana, que davam conta de expropriar o que era do povo e o que era utilizado para fortalecer o regime militar. O simbolismo do roteiro é bem explícito, uma vez que o assalto ocorre ao som de Monólogo ao Pé do Ouvido de  Chico Science, que dá a dimensão de quem é o personagem, colocando Marighella ao lado dos Panteras Negras, Lampião, Carlos Zapata e outros libertadores do povo latino americano. Nesse aspecto, texto de Moura e Felipe Braga acerta. A dimensão é rapidamente transmitida e o filme não tem qualquer receio em poetizar a intimidade do ativista.

    A linha do tempo é repleta de idas e vindas, especialmente no começo. A montagem de Lucas Gonzaga emprega uma ritmo que prima pela modernidade, semelhante a que fez em 2 Coelhos, embora não seja tão estilizada. A aura de homem com habilidades sobre humanas é bem enquadrada, assim como a visão de Marighella como terrorista por seus opositores, apresentando as visões da época sobre o personagem central.

    A questão do vazamento é curiosa e oportuna. Um dos produtores, Fernando Meirelles, pediu para que as autoridades se mobilizem para investigar o fato. Porém, em tempos de popularidade alta para obras como Os 7 de Chicago e Judas e o Messias Negro, ambos com heróis pretos vencendo adversidades e sendo crucificados pelo sistema, seria natural também apreciar o drama protagonizado por Seu Jorge, aliás, está bastante inspirado. Ainda assim, os filmes citados estão longe de ser tão incisivo, direto e realista quanto esta produção, que além de fugir da representação vazia de um revolucionário, ainda levanta o viés marxista como a alternativa para a ascensão do povo como soberano, especialmente em relação a um governo fascista que paga com sangue a revolta justa de seu povo.

    O filme foi acusado de parecer posado com frases feitas em excesso. De fato, há momentos mais estéticos. Seus personagens são arquetípicos da época, mas a entrega do elenco aplaca essa sensação. Bruno Gagliasso, por exemplo, faz um agente da repressão absurdamente cruel e crível ao mesmo tempo. Seu Lúcio, apesar de fictício, lembra bons momentos dos interpretes de Sérgio Fleury, o famoso agente do DOPS que já foi retratado tantas vezes no audiovisual. Ainda assim se  percebe um ineditismo na abordagem, pois ele parece de fato um idealista, um sujeito escroque, mas guiado por uma ideologia vil e que se torna ainda mais perigosa por se achar correta.

    As cenas do revide revolucionário são certeiras. Não só dão oportunidade aos atores Humberto Carrão, Henrique Vieira, Herson Capri e Luiz Carlos Vasconcelos, como mostram uma maturidade na direção de Moura que consegue prender a expectativa em uma história que equilibra o real e escapismo. Mesmo que se apele um pouco para teatralidade,  a jornada dos companheiros do herói é, na maioria das vezes, de dar nó na garganta. boa parte disso se dá pelo trabalho da preparadora de elenco Fátima Toledo, que mais uma vez dá dimensões reais a uma história tipicamente brasileira.

    O desfecho de Marighella o mostra não como um herói ou como protagonista da luta pela democracia no país. e sim como uma ideia imortal da ascensão do proletariado.  Através desse filme, a questão é apresentada de maneira popular, conduzida em uma estética universal e também voltada para o mercado internacional. Enfim, o legado do personagem recebe a justiça que lhe foi tirada por escroques aproveitadores que se diziam defensores da pátria e que, na verdade, foram vendidos desonestos que se lambuzaram na lama e no poder. Finalmente é feita justiça, ainda que só em tela, na inspiradora cena final do elenco cantando o hino brasileiro, como um grito entalado na garganta, um bradar que mira a justiça e a preocupação com um país que sofreu calamidades nos anos sessenta e que ainda sofre com outros agravantes e outros cenários. Ter um filme tão bem produzido e de fácil acesso é ótimo para desmistificar as mentiras ditas pelos que mereciam estar na sarjeta da história.

  • Crítica | Marighella (2012)

    Crítica | Marighella (2012)

    marighella

    O documentário capitaneado por Isa Grinspum Ferraz visa mostrar várias facetas de Carlos Marighella como o de um sujeito pacato e ligado a família, longe demais da imagem pintada pelos mandantes do regime que o pintavam como o pior dos terroristas subversivos e inimigo número um do Estado. A narração da sobrinha de Carlos revela que o filme começou a ser feito de fato após a morte do líder revolucionário.

    No início da fita, são lidas cartas do próprio punho do “anarquista da Sicília”, provindo de uma miscigenada herança entre o italiano Augusto Marighella e da negra Maria Rita, criado em uma casa onde tinha spaghetti e caruru, não havia como crescer sem ser questionador, desde a infância ele não entendia porque o pobre precisava se matar de trabalhar para chegar ao final da vida sem ter absolutamente nada.

    Já muito novo ele se engajaria ao comunismo autodeclarado, levando à Bahia, sua terra, o discurso contra a oligarquia, incitando o povo à revolução. O comunismo baiano dos anos 1930 era contra o integralismo principalmente, e não era alinhado a Karl Marx, até pela dificuldade do acesso, era feitos de mulatos, como Jorge Amado, Edson CarneiroCouto Ferraz, um grupo que vivia a utopia, mas não se desgarravam da realidade marginal baiana. Os intelectuais precisavam sair da neutralidade e se declarar fascistas, comunistas ou liberais, graças ao novo quadro político mundial, aos poucos “os pingos eram postos nos is”. A ida de Marighella ao Rio de Janeiro já culminara numa prisão, acusado pela imprensa à época, de perturbar a paz e não colaborar com a boa ordem do Estado.

    A escolha pelas imagens das paisagens e belezas naturais contrastam com os recortes de jornais, quase sempre explicitando uma luta e perseguição muito violenta ao “cavalheiro Marighella”, que variam entre prisões e comícios. Carlos e outros militantes de bigodes grossos se associavam a Luis Carlos Prestes, sua dificuldade nas manifestações era o de parar de falar e terminar seus discursos. Graças ao Presidente Dutra, o Partido Comunista Brasileiro foi tornado ilegal e Carlos Marighella passou a viver na clandestinidade, seu primeiro filho só viria a conhecê-lo aos sete anos de idade. Em meio a paranoia mundial, eram veiculados comerciais estadunidenses muito engraçados, com “animações desanimadas” mostrando o poderio soviético, explodindo símbolos do capital, como A Estátua da Liberdade.

    A posição de Marighella era diferente da de Brizola, Goulart e outros tantos pensadores. Ele viajou para a China, para a União Soviética a fim de conseguir instrução sobre o estado totalitário socialista. Um momento emocionante é quando sua esposa Clara Charf, declara que ele não sabia falar chinês e que ele havia feito um dicionário desenhado do idioma, mas que o livro foi tomado pelas autoridades, numa das invasões da polícia a sua residência. O “mulatão” cada vez se precavia mais e alertava seus colegas de que eles não resistiriam a caça após o Golpe Militar. Seu argumento era de fuga, mesmo após as falas de Jango de que o vice, uma vez empossado presidente, teria uma resposta rápida a ação dos militares. Ele era muitíssimo bem informado, parecia prever as artimanhas e a movimentação dos homens de farda.

    Sua postura se tornaria ainda mais extremista, rompendo com o partido após a sua prisão e a ida a Cuba, em uma viagem clandestina. Se declarara um revolucionário, ligado às massas e inconforme à maneira cordata com que a esquerda se portava de forma muito inocente e submissa aos caprichos militares, e até essas reprimendas são publicadas carregadas de um conteúdo poetizado. Para ele, o revide devia ser na mesma força e medida, era inspirador, de confiança e admiração, e sobretudo era uma figura simples, ao mesmo tempo que estudiosa e muito inteligente.

    Apesar de sua afeição ao modo de revolução chinês, Marighella queria um comunismo genuinamente nacional, com samba, futebol e cores tão caracteristicamente brasileiros. Ele não era um teórico, participava dos assaltos de forma ativa e veemente. Suas ações não eram freadas pela possibilidade de perecer ou do sacrifício de vidas alheias, das dos seus, em ações de guerrilha que os adeptos já tinham conhecimento e claro, dos seus opositores.

    O modo como a realizadora apresenta a morte do guerrilheiro é sem muito apuro do modo como ocorreu o assassinato, tal artifício emula tanto a forma sem respostas do Regime ao assassinar o seu opositor e também a não necessidade de ser lógico, e claro que o próprio Marighella usava em seus poemas, ainda que nestes escritos ele não retire os seus pés do chão. Carlos Marighella era o libertário utópico, munido da informação, mas que prestou a sua imagem para inspirar o ideal da liberdade do país, o que Isa Grinspum Ferraz fez é uma homenagem muito competente a sua figura, sem ser chapa branca, destacando até seus erros, mas focando a aura do contestador imberbe que ele era, dando à revolução um nome estrangeiro, de difícil dicção e de fácil identificação.