Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira), Filipe Pereira, Jackson Good (@jacksgood) e Rafael Moreira (@_rmc) se reúnem para a primeira Agenda Cultural da Nova Era, talkei? Nesta edição, comentamos um pouco sobre as novas polêmicas envolvendo Lars von Trier, o novo filme do Harry Potter sem Harry Potter (é golpe?), como se balançar com fluidez no novo jogo do Homem-Aranha e muito mais.
Duração: 123 min. Edição: Julio Assano Junior Trilha Sonora: Flávio Vieira e Julio Assano Junior
Arte do Banner: Bruno Gaspar
Após toda uma saga de filmes e livros do bruxinho criado por J. K. Rowling, a escritora passou a escrever os roteiros que adaptavam suas obras, sem intermediários. Em Animais Fantásticos e Onde Eles Habitam a mudança do foco narrativo para um mundo de bruxos mais adulto acerta em cheio, mesmo que o personagem principal Newt Scamander, de Eddie Redmayne, seja absolutamente desinteressante, seus coadjuvantes salvam a exibição. Em Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald há uma tentativa do diretor David Yates seguir esta tônica, mas ele acerta em alguns elementos e erra em tantos outros.
A história começa em 1927, mostrando Johnny Depp como o personagem vilanesco que dá nome ao longa, com cabelos e barba grande, por conta de seu aprisionamento. Apesar da figura de Depp ser deplorável (ainda mais depois das acusações sérias de assédio feitas por sua ex-companheira), a composição visual é boa, o grisalho dos pelos é bem fotografado e toda a sequência de ação inicial é de tirar o fôlego, valorizando toda a atmosfera barroca da obra, tendo já no início algo que faz valer o ingresso dos fãs a apreciar a adaptação dos personagens de Rowling, o problema é que esse êxito não se repete nas outras partes do filme. Redmayne continua em sua performance monotônica, como uma música que insiste demais na mesma nota, e dessa vez, nem Tina (Katherine Waterston) e Jacob Kawolski (Dan Fogler) tem brilho suficiente para balancear a falta de carisma do protagonista. Fica a interrogação sobre o motivo do retorno de Jacob, já que ele tem pouca ou nenhuma importância dramática real, servindo apenas como alívio cômico que já não funcionam tao bem como no primeiro capítulo da série.
A nova versão de Alvo Dubledore, de Jude Law, faz um personagem sóbrio, econômico e que demonstra seu brilhantismo e complexidade de maneira bem discreta e sem exageros, como Depp as vezes faz durante os longos 134 minutos de tela. Apesar de pouco contracenarem, Newt e Alvo parecem bem íntimos e as pontas soltas que são amarradas aqui fazem um sentido tremendo.
Ao menos visualmente o filme acerta e muito. Os tais animais fantásticos são lindíssimos e o design deles é deslumbrante. O dragão / cavalo marinho que aparece no longa é muito superior ao Smaug, de Peter Jackson, mostrado em O Hobbit: A Desolação de Smaug, como aliás havia já ocorrido em outro filme da franquia e de Yates, Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 2.
Pelo meio do filme se percebe que o roteiro deste é bastante refém do primeiro filme, ainda que não repita os momentos de brilhantismo do original. Até os personagens que aparentemente morreram retornam, incluindo aí Credence, de Ezra Miller, que tem um papel fundamental na trama, mas sem o corte de cabelo horroroso que tinha antes, ainda que sua caracterização neste episódio não ultrapasse o caráter de caricatura, uma vez que ele não evolui e segue como o garoto sem perspectivas e de olhar baixo.
O tour pela Europa é injustificado, assim como a enrolação dramática para resolver os problemas, claramente não havia história para durar mais de duas horas e os momentos acessórios soam desimportantes ante a trama de Grindelwald. O ritmo deficitário faz lembrar O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos e Uma Jornada Inesperada. Até as referências e easter eggs soam oportunistas e mesmo o discurso segregador do vilão é também diluído, em mais uma enfadonha referência a Donald Trump e outras figuras execráveis, mas sem dar peso e importância dentro da história. Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald tem bons momentos visuais, mas não tem a mesma qualidade e maturidade do primeiro longa.
No último minuto de O Mundo de Apu, clássico indiano soberbo, não há dúvida de ter assistido o término de uma das melhores trilogias do mundo dos filmes. Curioso que, além disso, vem à cabeça como fechar uma história com mais de 2 ou 3 capítulos parece fácil, e não é. Entre diversos arcos e expectativas, fica a impressão que o show deve continuar na memória de quem acompanha tudo até o fim, e se divide: “O fim será épico, mas trocaria isso por outros bons capítulos”. Esse foi o sentimento conflituoso quando as luzes se acenderam, em 2011, enquanto o rosto da trindade (Harry, Rony e Hermione) sumia na tela, junto de um marco da geração 2000, e com o prenúncio que não iriamos mais esperar por outra aventura em Hogwarts; mais de cinco anos depois, estreia Animais Fantásticos e Onde Habitam, oriundo deste universo de varinhas e vira-tempos, posto que irá desnudar ainda mais essa realidade (expandir as noções que J. K. Rowling não achou espaço de imprimir na septologia original). Mas será que David Yates, desde A Ordem da Fênix no comando desse show, conseguiria tornar o espetáculo realmente inesquecível sem o apelo emocional deste ter sido “o último”?
Filmes que se promovem sozinhos são raros, e quando conseguem a briga já está vencida antes da estreia – vide Toy Story, o último Crepúsculo e qualquer coisa do UCM (universo cinematográfico da Marvel). Já outros, feito Aquarius, Star Wars e dramas do Oscar, só fazem sucesso por uma intensa campanha publicitária, tendo que nos convencer a ir vê-los na pompa de uma sala de Cinema. No caso deste Relíquias, Parte II, tanto o primeiro como o segundo conseguiram ir além do coração dos fãs, tornando-se um fenômeno pop apostando no carisma de um mundo tão vasto quanto a Terra Média, de J.R.RTolkien, tornando o filme extremamente comodista. Não há nenhum esforço para tornar este segundo Relíquias algo a mais do que ele significa para o fã, feito a maioria dos filmes da sala, fechados em seu mundo e sendo nada além do que esperávamos. Essa é a falta de credibilidade que os fãs não aceitam enxergar: Diferente de outras grandes sagas, Harry Potter não trouxe nada de novo à arte.
Por isso mesmo, Yates sabe que a diferença entre quem vai adaptar um universo, e um garimpeiro de petróleo é o tamanho da ambição, e o diretor dos últimos quatro Harry Potter se esforça para que as suas cenas de ação fiquem à altura do esperado, mas falha, e falha quase miseravelmente. Fato é que as cenas dramáticas, como a morte de várias figuras amadas pelos fãs, são muito mais impactantes que os duelos coloridos (super mal-coreografados), confusos, de uma conotação espacial péssima, com a barulheira de sempre (Fico imaginando o incômodo de Paul Greengrass, gênio da ação, assistindo a batalha final de Hogwarts), e que aqui só empolga quem sabe o nome de cada feitiço e personagem, mesmo. Destaque apenas para a fuga do dragão logo no começo do filme, essa sim, diferente de tudo o que havia sido visto no Cinema. Adendo extra: O filme não precisava ser em 3D, mas é o legado de Avatar ao mercado. A gente entende tão bem quanto as pessoas lacrimosas ao se despedir de Harry, um personagem bem evoluído por oito filmes, que… espera, não eram sete livros?
Lembro de ler, ainda em 2011 críticos julgando o filme como um longo clímax, o que discordo em partes, já que sendo apenas um filme vários momentos de Relíquias, Parte II iriam se perder, mas… seria essa uma justificativa cabível? Deve-se duvidar, sobretudo, de um filme dividido em dois para dar conta do recado, sendo que há uma teoria que “nenhum filme precisa de mais que 2 horas pra mandar a mensagem”, quanto mais apelar para a técnica que só funcionou, num período de 20 anos, com os dois Kill Bill de Tarantino, cujo segundo só existe para aprimorar ao máximo a jornada da Noiva, e não para lucrar ao máximo com a jornada do bruxo. Esse último Harry não atrapalha em nada, pelo contrário, usa e abusa de referências boas do livro, mas é o motivo que faz isso acontecer que atrapalha. Fãs existem, devem ser valorizados como qualquer empresa faz, mas um filme dividido e que existe apenas para quem sabe cada diálogo do que está na tela sempre terá uma qualidade questionável. A verdade dói, mas hoje só consigo me lembrar da memorável cena de Snape, o lendário Alan Rickman. Aquela sim, de cortar corações.
São tempos sombrios, não há como negar. É com esta frase de cunho pessimista que se inicia Harry Potter e as Relíquias da Morte:Parte I, ou resumindo, HP 7.1, filme que deu início definitivo ao encerramento de uma das franquias mais rentáveis já concebidas. Durante exatos 10 anos, as aventuras de Harry e seus amigos, Rony e Hermione, levaram multidões aos cinemas, encantando platéias de todas as idades e gêneros. Como resultado, a franquia arrecadou mais do que outras famosas séries do cinema, como Star Wars e as missões do agente James Bond. Nesse volume temos a continuação da subtrama das Horcruxes, objetos que garantem a imortalidade de Lord Voldemort. Agora em uma jornada solitária, Harry (Daniel Radcliffe), Rony (Rupert Grint), e Hermione (Emma Wattson) precisam procurar as Horcruxes restantes e destruí-las. Nesse contexto, o mundo dos bruxos passa por uma imensa crise e fica cada vez mais difícil de confiar nas pessoas, onde essas acabam por sucumbir à pressão do desespero. Ainda temos a revelação das relíquias da morte, artefatos que podem garantir poder superior a quem possuí-las. A opção de dividir o último livro da série em duas películas, de primeira, nos garantiu a impressão de que tal escolha era unicamente a de encher ainda mais os cofres do estúdio, numa última tentativa de gerar um lucro maior com a série. Mas quando analisado, percebe-se que tanto esta primeira parte, quanto a próxima ganharam, e muito, com esta divisão. Diferente dos outros filmes, onde os inúmeros cortes prezavam pela menor duração possível, HP 7.1 aproveita a possibilidade para investir em um ritmo de compreensão sensorial, calcado principalmente no desenvolvimento dos fatos que nos ajudarão a entender todas as pontas soltas deixadas pelos filmes anteriores. Alguns ainda reclamam da letargia do filme após um tempo, o que não deixa de ser compreensivo, já que tais problemas realmente existem, mas é inegável o quanto 7.1 se beneficia de sua paciência, podendo trabalhar com mais clareza os arcos que cercam os personagens. E não apenas construindo a narrativa com maior cuidado, o roteirista Steve Kloves (que não participou somente do quinto filme, A Ordem da Fênix) aproveita para definir melhor os personagens, e como a relação entre eles se tornou mais conturbada e complexa. Harry, Rony e Hermione ganham um filme “isolado”, onde a atenção é voltada única e somente para eles, onde seus conflitos são aprofundados com um carinho não visto antes. O roteiro analisa muito bem as reações dos personagens diante das situações apresentadas, e é aqui que vemos, definitivamente o trio deixar qualquer vestígio de infantilidade para trás, assumindo responsabilidades ainda maiores. Harry é obrigado a encarar a difícil tarefa de destruir as Horcruxes, e assim, dar fim ao tão sonhado regime que Lord Voldemort deseja impor (algo que lembra a época do Nazismo, fato histórico onde J.K claramente se inspirou). Rony, apesar de ainda ser o principal veículo cômico do filme, desenvolve uma personalidade mais intensa, pontuada pela incerteza sobre a segurança de sua família, e este sentimento faz florescer desejos antes completamente desconhecidos pelo público (e talvez pelo próprio personagem). Hermione também é atingida pela incerteza, não por sua segurança, mas pelo risco de não poder rever seus pais novamente, já que a garota se viu obrigada a apagar a memória dos mesmos, a fim de que suas vidas não fossem prejudicadas pela atual situação do mundo bruxo. Assim como ocorreu em Ordem da Fênix e que teve seguimento em O Enigma do Príncipe, os personagens se tornam figuras mais completas e carregam consigo um peso parcamente explorado nos anteriores. E David Yates merece mais do que parabéns por conseguir traduzir todas estas diversas emoções com eficácia. O diretor sempre teve uma forte tendência em apostar nos conflitos dramáticos, e aqui não foi diferente, com Yates tomando liberdades para com a obra de Rowling, e apresentando uma notável audácia. Momentos como a dança envolvendo dois dos personagens principais, a tortura executada por Bellatrix Lestrange ou o ousado beijo entre outros dois personagens demonstram a coragem de Yates em tornar esta uma obra mais adulta, que beira um filme de horror. Também chama a atenção a apropriação que Yates faz dos cenários exóticos que surgem durante a projeção. Optando por tomadas abertas e longos momentos contemplativos, o diretor denuncia toda a beleza, mas também o vazio das paisagens, investindo em um clima pesado e depressivo. A sensação de que nenhum lugar é seguro pontua cada segundo da narrativa, trazendo um constante clima de tensão. Em contraponto, o diretor capricha nas cenas de ação, mais vigorosas e empolgantes do que nos capítulos anteriores. E para manter essa evolução equilibrada, Radcliffe, Grint e Watson, enfim, nos entregam atuações dignas de grandes atores, com interpretações mais seguras e expressivas. Daniel Radcliffe sempre foi o mais criticado do trio, o que é verdade, já que seus tiques incomodavam nos filmes anteriores. Mas Radcliffe parece finalmente ter se livrado de tais tiques, interpretando Harry com mais naturalidade. Rupert Grint, assim como seu personagem, eleva Rony para um novo nível, apresentando muito bem a confusão emocional que toma conta do personagem. Mas Emma Watson continua sendo o destaque do trio, e as expressões fortes da garota revelam o potencial para uma futura grande atriz do cinema. Mas os verdadeiros mestres estão mesmo é no elenco de apoio. Enquanto que o frio e charmoso(!) vilão Lord Voldemort continua sendo brilhantemente interpretado por Ralph Fiennes, tenho cada vez mais vontade de levantar e aplaudir a performance de Helena Bonham Carter cada vez que a vejo como a lunática Bellatrix Lestrange, que aqui atinge o ápice da insanidade. Alan Rickman, apesar da curta aparição, ainda fascina com seu misterioso Severus Snape, e até outras participações menores, como Rhys Ifans e Bill Nighy possuem seu valor. Aliás, uma das maiores injustiças que a série sofreu em sua passagem pelos cinemas é o desprezo que as premiações deram ao departamento técnico dos filmes, tão digno de elogios quanto os outros méritos. Os efeitos especiais, apesar de simples, dão um interessante ar de realidade (como pode ser visto na original animação que narra o conto das relíquias da morte). Os efeitos sonoros também são muito bem trabalhados, e trazem um bom nível de impacto em certos momentos. A fotografia de Eduardo Serra, apesar de não ser tão sofisticada quanto a de Bruno Delbonnel para O Enigma do Príncipe, auxilia na construção do perfeito clima sombrio do filme, e a trilha de Alexandre Desplat, apesar de sutil, não passa despercebida, e configura-se com facilidade entre as melhores trilhas daquele ano, junto com outro maravilhoso trabalho de Desplat em O Escritor Fantasma, de Roman Polanski. HP 7.1 traça excepcionalmente bem o caminho para a batalha que há tempos era anunciada, e talvez seja o mais completo de todos os filmes da saga do bruxinho. É tenso, é divertido, é emocionante, é sombrio, faz rir e faz chorar. Um pacote completo.
Muito se especulou sobre uma possível sobrevida para a franquia Harry Potter nos cinemas, principalmente, depois que sua criadora, J. K. Rowling, começou a defender a ideia de que o universo idealizado por ela é muito mais complexo do que os oito filmes já exibidos apresentaram ao público. Após três anos, dois meses e cinco dias do anúncio de sua produção, Animais Fantásticos e Onde Habitam finalmente chega aos cinemas com a missão de transportar os fãs de volta ao universo mágico e, ao mesmo tempo, conquistar o público mais adulto, que pode ser considerado um dos principais alvos do longa-metragem.
Apesar de existir no mesmo universo da octologia original, Animais Fantásticos é um prequel, ou seja, uma produção que preserva os mesmos elementos e a dinâmica da história original, mas que antecede os eventos da mesma. Situada na Nova Iorque dos anos 1920, a trama apresenta não mais um trio, mas um quarteto protagonista encabeçado por Eddie Redmayne na pele de Newt Scamander, um magizoologista (estudioso da fauna mágica) que, ao chegar a cidade, acaba trocando sua maleta, onde vivem os seres que dão nome ao filme, com a de Jacob Kowalski (Dan Fogler), um novaiorquino em busca de auxílio bancário para realizar seu sonho de abrir uma confeitaria. As criaturas mágicas espalham-se pela cidade e são confundidas como uma outra ameaça que anda provocando estranhos fenômenos.
Compondo o quarteto protagonista, temos ainda Katherine Waterston e Alison Sudol vivendo as irmãs Tina e Queenie Goldstein. A primeira, no passado, foi uma auror do Congresso Mágico dos Estados Unidos, mas teve seu cargo retirado. Já Queenie, possui o dom da legilimência, ou seja, leitura de mentes. Embora todos os atores centrais entreguem boas atuações é necessário destacar o brilhantismo de Dan Fogler que poderia facilmente cair no lugar comum do gordinho engraçado, mas que supera o estereótipo mostrando-se não só fundamental na trama, mas também como agente da avatarização dos espectadores, já que é o único trouxa do elenco central.
Eddie Redmayne também está muito bem em cena, mas a sensação que fica é a de que Newt Scamander possui muito mais para apresentar. O personagem possui um modus operandi muito curioso. Cercado de trejeitos, ele é tão misterioso quanto os animais que estuda. Aliás, o subtexto da preservação da vida animal é um grande acerto do filme. Scamander dedica a vida para protegê-los e essa relação rendeu cenas muito bonitas do personagem.
Deve-se deixar claro o tom mais maduro que o roteiro imprime. A sociedade bruxa novaiorquina vive oculta do mundo humano. São terminantemente proibidos os relacionamentos, negócios e qualquer outro vínculo entre os bruxos e os ‘não-majs’, forma como são chamados os trouxas nas Ámericas. O Ministério da Magia americano tenta ocultar as situações que possam por em risco a existência do mundo bruxo, temendo uma guerra ou uma caça às bruxas.
É curioso como um universo tão fantasioso como o de J K Rowling consegue emular a realidade, abordando questões como preconceito, classismo, fanatismo religioso, defesa dos animais, entre outros. Credence, personagem de Ezra Miller, e sua família são exemplos claros da intolerância (quase religiosa) e do quanto a negação ao outro revela sobre nós mesmos. Fã da franquia original, Ezra mostrou-se muito à vontade no papel, sendo inclusive um dos destaques positivos do longa.
Diferente do que aconteceu nos primeiros filmes de Harry Potter, onde a paleta de cores vivas e mais infantil deu o tom da ambientação de cenários, Animais Fantásticos possui uma fotografia acinzentada do início ao fim. A cidade de Nova Iorque é vista quase sempre nublada, o que facilita o entendimento do público sobre os contornos da obra. Tal solução é clássica predileção do diretor David Yates que, depois de dirigir quatro dos oito filmes do menino bruxo, retoma a parceria com Rowling e assina a direção deste filme. Yates apresenta uma clara evolução daquele que foi considerado seu ponto fraco no passado: o ritmo. Nesse longa, apesar de existir uma clara dualidade entre drama e comédia, a passagem de um terreno para outro é feita de maneira gradual, sem que o espectador tropece em piadas desnecessárias.
Apesar de ser o primeiro filme de uma pentalogia, trata-se de uma história com início, meio e fim. Não prevalecendo a sensação de ter sido esticada somente para os executivos da Warner lucrarem. Além disso, não se faz necessário quase ou nenhum conhecimento acerca da saga original para um perfeito entendimento dessa nova série de filmes.
Animais Fantásticos e já pode ser considerado a melhor adaptação para o cinema de uma obra literária de J K Rowling. Sim, pois, ao longo da trama, os seres são apresentados um a um e em tom enciclopédico, assim como sugere o livro/almanaque que dá nome ao filme. Divertido, leve e com subplots extremamente relevantes, temos aqui um belo começo para uma saga que aponta no horizonte.
Quinto filme da saga do menino bruxo, Harry Potter e o Enigma do Príncipe, é o segundo episódio da octologia sob a batuta do diretor David Yates, que mais tarde dirigiu ainda as duas partes de As Relíquias da Morte. Na trama, Lorde Voldemort (Ralph Fiennes) e seus comensais da morte estão em franca ascensão no mundo bruxo, cometendo seus assassinatos de forma indiscriminada e minando pouco a pouco o espaço que o separa de Harry, para onde conflui toda a sua fúria.
Essa etapa da história apresenta personagens já bastante amadurecidos e calejados. Yates faz uso de técnicas bem mais consistentes do que o seu arsenal técnico utilizado em Harry Potter e oCálice de Fogo. Entretanto, existem entraves que atrapalham consideravelmente o andamento do longa-metragem por vias mais adultas como, por exemplo, a plot amorosa que ocupa um tempo de tela desproporcional em relação a real importância do elemento romance para o andamento dos arcos dramáticos dos personagens centrais.
Apesar disso, talvez seja aqui o momento em que a franquia consegue emular a realidade que vivemos em sua ficção. O discurso de caça aos “sangue ruins” – diz-se dos bruxos filhos de ‘não bruxos’ – se assemelha muito aos movimentos fascistas ao redor do mundo, sobretudo ao nazismo e a pregação da raça ariana como soberana. Voldemort surge não só como um vilão mais palpável e crível, mas como um líder para um grupo de bruxos que o segue.
Em termos de roteiro, o filme não consegue traduzir nem um terço do conteúdo do texto original. Cenas muito importantes foram desprezadas ou subutilizadas. Embora, um texto sobreviva sem o outro fica evidente a carência dramática da versão cinematográfica. A montagem também carece de certo dinamismo, passando certa morosidade na resolução das subplots e tornando a experiência do espectador bastante cansativa.
Como ponto positivo, o longa apresenta as melhores atuações da octologia. Emma Watson novamente rouba a cena e o protagonismo, mas o destaque aqui fica para o vilão interpretado por Ralph Fiennes. A direção de elenco parece ter acertado a mão ao extrair dos atores emoções mais reais e ao migrar o centro cênico das faces dos atores para os eu gestual.
Pode-se dizer que O Enigma do Príncipe não faz um bom serviço ao pavimentar o caminho para o desfecho da saga. São grandes as falhas que fazem desse filme um dos mais frágeis dos oito. Ainda assim, os atores conseguem acertar o seu tom dramático, o que ajuda a camuflar parte dos defeitos. Entre erros e acertos, temos um filme burocrático, arrastado, mas fundamental para o pleno entendimento dos segredos que servem de insumos para o final da saga Harry Potter.
Vale dizer que Harry Potter e A Ordem da Fênix, o quinto filme da cinessérie veio pra colocar nos trilhos o que já estava perdendo a direção, logo após o desorientado e azedo O Cálice de Fogo. Quando o filme foi lançado em 2007, ninguém esperava uma pegada (pela primeira vez na saga) tão realista e sombria ao mesmo tempo. Isso porque David Yates tem o mesmo estilo aceitável que Chris Columbus apresenta na direção de A Pedra Filosofal, mas o que poucos estavam dispostos a entender (Fã é assim, ama ou odeia) é que o segundo nos iniciou à magia da forma mais clássica e infantil possível, enquanto Yates teve de pegar as crianças de bochechas rosadas e atirar num mundo cada vez mais ligado tanto ao universo real, quanto ao universo adulto que a série iria alcançar em Relíquias da Morte – Parte II, 4 anos depois.
Uma transição difícil, cuja mudança de tom reflete no nosso contato com um conto de fadas pessimista, azul tal a famosa fase de Pablo Picasso, onde girassóis dão lugar a espinhos e ao invés de humor, doses de drama e romance exageradas, mesmo para quem cresceu vendo Daniel Radcliffe se enterrar cada vez mais na pele de um bruxo finalmente humano! Reparem que não se deve mais citar “bruxinho”, já que o Harry do começo encontra o canto do cisne de sua ingenuidade neste quinto filme, logo no começo bastante revoltado, hormônios à flor da pele, lutando contra forças das trevas para salvar o que restou de sua família e pagando o preço disso. Nota-se como Hogwarts nunca tinha sido tão pouco explorada antes, afinal: Há vida fora da escola.
Além de traçar novos contornos na tradução ao Cinema do mundo de J. K. Rowling, contrastando por exemplo o mundo real, do mundo da magia, para criar um significado mais amplo à odisseia, Yates também nos propõe o seguinte: Ele desobedece a nossa noção de Harry que tínhamos até O Cálice de Fogo (herói básico de personalidade unilateral) para subverter sua figura à um moleque cheio de falhas, e que se intimidado não ficará encolhido diante dos perigos à tona. Del Toro teceu essa “desconstrução” do herói em contexto político e sensacional, no belo O Labirinto do Fauno, filme de narrativa fantasiosa, cheia de paralelos com esse A Ordem da Fênix, e o mais importante: Livre das exigências de fãs fanáticos que Yates, tadinho, não pôde (ou não quis) se libertar.
Como se grilhões é o que faltasse nesse cineasta: Suas cenas de ação simplesmente não funcionam, dando muito mais peso ao drama que a vibração das emoções do momento. Para Yates, ação é câmera tremida e muito barulho, mais nada. Um cineasta pintor, onde a imagem funciona bem enquanto não se grita AÇÃO! Talvez por isso, o clímax do bem contra o mal é dramaticamente vibrante para fazer os fãs pularem, mas ao mesmo tempo frustrante no viés do espetáculo. Em 2007, ao assistir a aventura no cinema com vários colegas da escola (sim, cabulamos aula afinal era Harry Potter, matemática vem depois), o grande conflito descrito no livro vem com tanta fidelidade às páginas que nem a batalha final, nem qualquer outro momento do filme, longo demais, usa do potencial completo que suas bem arquitetadas cenas poderiam oferecer.
E aqui chegamos ao motivo da crítica: Quando a gente começa a desenhar hipóteses e especular o lado would das coisas, bem, é porque a gente sente que a luta no Ministério da Magia (um cenário gigantesco), ou mesmo a presença de Voldemort que só cresce a partir deste episódio (sem esquecer o beijo assexuado e virginal de Harry e Cho-Chang) poderiam ser mais, muito mais e melhor, tornando um episódio 100% esquecível na saga, assim, em um belo filme de autoconhecimento, transição, com possíveis e desperdiçados momentos-chave na jornada de Potter e seus amigos; um longo e moralista conto de fadas, onde não temos certeza se Yates planejava um final feliz para uma história calcada em morte, já que aqui, a única força capaz de vencer seus demônios é o poder e a harmonia das amizades duradouras – algo naturalmente mágico e irresistível, aliás.
Se à primeira vista contar uma nova versão de uma história, tão amplamente difundida quanto a de Tarzan, possa parecer desperdício de tempo e dinheiro, bastam os quinze primeiros minutos do novo filme dirigido por David Yates (Harry Potter e as Relíquias da Morte) para entender que este novo produto não se trata de um reboot – tão pouco de um remake – mas de um novo episódio da história do personagem.
A Lenda de Tarzan narra um retorno do herói às terras do Congo, onde foi criado por uma civilização de primatas e, posteriormente, cresceu em uma tribo humana local. O longa inicia com uma bela construção e apresentação do antagonista, vivido por Christoph Waltz. O ator interpreta um mercenário que cria um plano para levar o herói de volta ao Congo com o objetivo de trocá-lo por pedras preciosas. É interessante notar aqui o momento em que o roteiro aproxima o protagonista da figura animal. A ideia de uma espécie rara ser trocada por ouro ou pedras preciosas é bastante comum, sobretudo no continente africano. A escolha por essa saída como motivação para a vilania, apesar de óbvia, acaba se encaixando muito bem neste universo específico.
Chama atenção o carinho com que o personagem de Waltz foi tratado: a cena introdutória nos revela muito sobre este homem. Seu jeito de andar, de falar, a maneira hábil com que transforma um rosário em uma arma letal, tudo está presente com um requinte que raramente é aplicado aos antagonistas.
Alexander Skarsgärd, que levantou muitas suspeitas ao ser escalado para o papel principal, entrega um trabalho honesto, mas nada além disso. É fato que a estrutura física imponente do ator facilita um pouco o seu trabalho, mas não é justo menosprezar a empreitada inglória de dar vida para um personagem tantas vezes retratado anteriormente.
É preciso mencionar o belo trabalho desempenhado por Dijimon Hounsou (Diamante de Sangue e Gladiador) como chefe de uma civilização congolesa que “encomenda” a emboscada para capturar o herói. O ator há anos vem mostrando um excelente desempenho em papéis pequenos, e não é diferente aqui. É curioso como nesses momentos Hollywood sempre recorre a este “lugar seguro”, mas falta reconhecê-lo oferecendo um papel em que possa ser mais que um mero coadjuvante.
Tecnicamente falando, o longa-metragem sofre dos mesmos problemas apresentados por obras anteriores do diretor. David Yates tem uma predileção irritante por imagens excessivamente escuras. Vimos isso nos últimos filmes da saga Harry Potter. A questão é que A Lenda de Tarzan possui imagens tão escuras que chegam a ser granuladas. Junte isso à tecnologia 3D e o resultado é uma experiência visual desastrosa.
A trilha sonora do filme não chega a ser ruim, mas também não empolga. As músicas, apesar de boas individualmente, não constroem uma identidade. Existem alguns erros grotescos de continuidade que não comprometem o andamento da trama, mas que sangram os olhos dos espectadores mais atentos. O tempo de tela, apesar de longo, não incomoda. Como o roteiro trabalha em uma crescente, a experiência acaba sendo agradável.
Os principais pontos positivos são as atuações de Samuel L. Jackson e Margot Robbie. O primeiro cumpre com maestria a função de alívio cômico. É impressionante como L. Jackson consegue gerar empatia em qualquer papel que caia em seu colo. Já Robbie é de longe a melhor em cena. A atriz, de fato, está muito além de ser só um belo rosto. São dela as melhores sequências e as melhores falas. Ponto para o roteiro que fugiu do óbvio ‘donzela em apuros’ e entregou uma heroína badass, como vem acontecendo nos últimos anos em Hollywood.
O maior problema do filme é o fato de ele reforçar algo que há muito precisa ser quebrado na sociedade. Temos a África como cenário, tribos africanas como personagens, mas o dia é salvo por um herói branco. É claro que Tarzan segue a premissa original do personagem criado em 1912 por Edgar Rice Burroughs, mas é impossível não reparar que em pleno 2016 temos mais uma obra que reforça esse arquétipo da supremacia branca.
À parte isso, o longa-metragem não merece um lugar de destaque e dificilmente será lembrado com muito carinho num futuro próximo, mas está longe de ser um produto ruim, não merecendo a péssima bilheteria de entrada que fez nos EUA.