Tag: prostituição

  • Review | Me Chama de Bruna

    Review | Me Chama de Bruna

    Após uma boa aceitação do público ao filme Bruna Surfistinha, protagonizado por Deborah Secco e dirigido por Marcus Baldini, o seriado em oito episódios Me Chama de Bruna é uma produção envolvendo o próprio Baldini e Roberto Berliner (Nise – O Coração da Loucura e Júlio Sumiu). A série é protagonizada por Maria Bopp, atriz cujo currículo envolve poucas aparições em segmentos conhecidos.

    A escolha de Bopp para o papel principal leva em conta não só a beleza da nudez da intérprete, mas sim suas semelhanças tanto com Deborah Secco, quanto com Raquel Pacheco (nome da co-autora do livro O Doce Veneno do Escorpião). Fato é que a maior parte dos momentos em que ela está em tela, não há uma exposição realmente interessante da história. As curvas dramáticas pelas quais ela passa são comuns demais e quando se exige um maior empenho dela, é entregue uma performance normalmente engessada da atriz.

    O diferencial do programa televisivo para o de cinema são as histórias paralelas. Apesar de Bopp não conseguir traduzir dramaticamente bem seus problemas e anseios, há um bom desempenho por parte dos personagens periféricos, ainda que não exista tempo suficiente para que se explore minimamente bem seus momentos. O núcleo de mulheres que habitam a mesma casa que Bruna/Raquel, é composta pela cafetina Stella (Carla Ribas) e por outras meninas, entre elas Jéssica (Nash Laila), Georgette (Stella Rabelo), Mônica (Luciana Paes) que normalmente entregam bons momentos, além disso, há também JR (Jonathan Hageensen), filho de Stella, que se envolve romanticamente com Bruna.

    A questão primordial é que a maioria das situações comuns fora da casa de tolerância são completamente bobas e sem apelo emocional. Gravidez sem planejamento, romances entre as pessoas que orbitam o bordel e todo o resto soa infantil e não condizente com a questão adulta que aborda a premissa do programa. Mesmo em situação mais comuns entre os programas, como demonstração de golden shower, entre outras fantasias, são retratadas de maneira muito tímida.

    Entre o quinto e o sexto episódio é apresentada uma trama policial, que perde força graças a dedicação de tempo a questões triviais, nem quando há um ensaio para um momentos mais audacioso a importância se concretiza. Me Chama de Bruna começa insossa, e não tem muito a oferecer exceto as boas atuações de Paes, Ribas, Hageensen e outros, mesmo as cenas de nudez ou semi-nudez não são picantes ou minimamente explícitas, fazendo perguntar o que pretendia o seriado que expande o tema do filme.

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  • Resenha | Maria Chorou Aos Pés de Jesus

    Resenha | Maria Chorou Aos Pés de Jesus

    A Bíblia 2.0, por Chester Brown.

    Resultado de novas interpretações de passagens bíblicas, Maria Chorou Aos Pés de Jesus: Prostituição e Obediência Religiosa na Bíblia, de Chester Brown (Pagando Por Sexo), publicação da editora WMF Martins Fontes e tradução de Érico Assis, adapta ao quadrinho oito histórias, a saber: “Caim e Abel”, “Tamar”, “Raabe”, “Rute”, “Betsebá”, “Os talentos”, ”Mateus”, e “O filho pródigo”. Em comum, as histórias femininas lidam como a prostituição e as outras sugerem uma nova visão sobre as designações que o Senhor dá aos seus filhos. Ao final dos quadrinhos, um Posfácio de quase cem páginas onde o autor explica o embasamento teológico por trás do desenvolvimento das histórias recontadas.

    Em “Caim e Abel”, “Os talentos” e “O filho pródigo”, Brown sugere, teologicamente, que “Deus admira e valoriza aqueles que desafiam o édito da história, e que ousam fazer o melhor para si de maneira que conflitem com a ordem que lhes foi criada”. A justificativa acima, Brown retira de A Filosofia das Escrituras Hebraicas, de Yoram Hazony. Segundo o autor, isso justifica Deus, em “Caim e Abel”, ter preferido a oferenda de carne oferecida por Abel, que o trigo oferecido por Caim. Caim fica insatisfeito com a predileção do irmão visto que Adão ensinou aos dois que, após expulsos do Paraíso, Deus mandou eles apenas se alimentarem de frutos da terra. Abel ultrapassa esse mandamento e é preferido por Deus, o que, segundo o autor, fez nascer a ira e posteriormente o assassinato cometido por Caim.

    Em “Os talentos” e “O filho pródigo”, as histórias coincidem com personagens que herdam fortunas e escolhem gastar com mulheres e entretenimento. Contudo, não são repreendidos pelos seus senhores/familiares, mas premiados. Segundo Brown, esse contrassenso é justificado teologicamente porque “Deus não vê suas leis como absolutas”. Ousar, portanto, mesmo ultrapassando as leis, pode fazer parte dos desígnios divinos.

    Em “Tamar”, “Raabe”, “Rute” e “Betsebá”, Brown trata de prostituição como uma atividade que garantia sobrevivência às mulheres. Como o patriarcado por vezes relegava à mulher posições menos privilegiadas na sociedade daquela época (e atual também), a prostituição era (ou é) utilizada como uma alternativa que por vezes garantia a sobrevivência delas, seja por ganharem dinheiro com isso, seja por utilizarem como forma de driblar o sistema das casamentos ruins/fracassadas.

    Em “Mateus” o tema também é prostituição. A história contada por Brown sugere que Maria era prostituta e que Mateus buscava colocar essa informação no evangelho que estava escrevendo, mas, sabendo que seria censurado nas traduções posteriores, buscava uma alternativa para passar a informação adiante. A solução foi elencar a genealogia feminina de Jesus, ou seja, ao invés de informar sobre o pai e os pais de Jesus, o que seria o correto para a época, Mateus escolheu começar o evangelho pela ascendência das mães dele, assim, segundo Brown, ele poderia dar a informação que Maria era prostituta ao elencar outras meretrizes historicamente famosas.

    Em termos gráficos, os desenhos são tecnicamente simples. Quatro quadrinhos por páginas com variações de preto e valorização dos espaços em branco. Poucos closes e em nenhum momento a boca dos personagens está aberta nos diálogos. O posfácio de Brown responde todas as dúvidas sobre as escolhas narrativas feitas e as referências utilizadas pelo autor. Vale a leitura.

    Texto de autoria de José Fontenele.

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  • Crítica | Sempre Bela

    Crítica | Sempre Bela

    Manoel de Oliveira está morto. Nada se leva, portanto resolveu deixar seus filmes para trás – para nossa sorte, claro. Sendo Aniki Bóbó meu primeiro filme do mestre (o cúmulo da doçura, uma ode irresistível à infância, e não somente a inocência, mas como um período encantador e transitório de seres ainda em evolução geral que o filme faz questão de enfatizar sem destilar), o secular Oliveira viu o mundo mudar, viu a inocência de Bóbó perder lugar para outras tangentes ao longo do tempo, tempo registrado pela câmera, seus inúmeros personagens e cenários que os abrigam e abrigaram o próprio artista por tantos, tantos anos. Anos que pesam agora, e sempre, em qualquer análise de qualquer testamento com seu selo de qualidade.

    O cinema de Oliveira reconheceu vários expoentes, afinal só faltou registrar o mundo virando ao contrário. Dos anos 30 a 2014 (!), vários modelos de percepção, muitos exemplos da visão do artista para cada fase transitada sob estímulo e coragem naturais; a astúcia e a audácia de um principiante; e a experiência de um perito cavalgando cada filme tal qual o próximo desafio de sua vida. Vida de cineasta é assim, devoção, alma e dinheiro, então o que os motiva a dar o sangue? Na pintura, o surrealismo escrachava a importância do inconsciente na criatividade do artista. Na música, ritmos feito o funk sofrem várias adaptações culturais pra refletir cada grupo, fielmente. Mas percorrer o Eldorado é pavimentar uma carreira centenária. Uma missão olímpica de 62 filmes em míseros 106 anos.

    Oliveira, de sobrenome tão comum e talento inaudito, é um caçador de fantasmas, entre tantos outros atributos, e Sempre Bela parece resumir o que isso significa num convite do futuro ao passado convidativo de uma relação. O que permite passar os sinais verde e vermelho que guiam os carros é o destino, um espectro de casaco negro, alheio à cidade que o rodeia em um ambiente frio por natureza – ou pela falta dela, curvo em direção de lugar algum na Paris noturna dos filmes romancistas. Mas a aparente distância sentimental do homem logo é quebrada por sua admiração ao feminino, manequins ou bonecas de carne, a chegar em sua amada nem tão são e nem tão salvo, mas agoniado por querer retomar agruras e falácias de idos remotos.

    Um embate existencial onde o que prevalece é a luta de uma inteligência emocional frágil contra as tentações do destino que comanda os faróis da cidade – esqueça o monitoramento de trânsito, isso é poesia ou era pra ser. Sempre Bela não é o sensível guiado pelo intelecto, o retrato da não-coerção entre a paixão (talvez culpada por quem a tem) e a razão (talvez culpada por quem não a detém).

    Do surrealismo espanhol de Luis Buñuel ao realismo transcendente do mestre português, Oliveira traduz o propósito de revitalizar o pós “felizes para sempre” do marido traído e sua esposa meretriz de A Bela da Tarde, em forma e nostalgia, nos convencendo de que uma segunda conclusão ao clássico filme de 1967 merece uma adaptação alternativa aos moldes de uma época diferente e moderna, o que nada afeta nenhum dos dois filmes e suas escavações pelo jardim do Éden afora. O que levou Eva e Adão às suas práticas é o gênese da exploração filmada em esmero, paciência e mãos de seda.

    Sobretudo, ao filme não interessa os moldes do tempo – afinal aqui consta a busca atemporal a uma eterna beleza ex-conjugal –, e sim os porquês do velho Husson precisar ou simplesmente querer resgatar a atenção de Serizy, num jogo de gato e rato onde o detetive de seus passos na cidade luz é cultuado por uma câmera elegante e áudio espanhol para remeter à linguagem do cineasta. Mas nada aqui remete a continuidade: pura apropriação respeitosa, respeitável e criativa de uma ideia-prisma, cheia de observações possíveis (e diálogos de literatura europeia). Surrealismo? O quão surreal é a busca pelo amor não correspondido? Não mais que os feitos de Salvador Dalí, Ingmar Bergman, Alan Resnais, Luis Buñuel, ou do maior portuga do Cinema. Estamos pisando no salão das lendas, é bom saber. Elas estão mais vivas do que nunca.