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  • Crítica | Real: O Plano Por Trás da História

    Crítica | Real: O Plano Por Trás da História

    Filme de humor involuntário que mira a qualidade de thriller político, Real: O Plano Por Trás da História é o longa-metragem de Rodrigo Bittencourt (Totalmente Inocentes) que pretende discorrer sobre a implantação de um novo plano econômico e uma nova moeda em território brasileiro, dado a crise inflacionária vivida à epoca, traçando um paralelo com a ascensão de Fernando Henrique Cardoso e seus partidários, desde a época em que foi ministro da Fazenda de Itamar Franco, até a presidência da república. O filme é contado através de uma entrevista do economista Gustavo Franco (Emilio Orciollo Neto) para a jornalista Valéria Villela (Cássia Kiss Magro), antes de uma CPI que ocorreria em 2003, no primeiro ano de mandato de Luiz Inácio Lula da Silva.

    O tom jocoso se dá principalmente graças as caricaturas dos personagens políticos do filme, em especial com Norival Rizzo fazendo FHC, em uma postura pouco parecida com a apresentada pelo sociólogo; de Bemvindo Siqueira, fazendo um Itamar histriônico e cheio de indagações sem respostas; e claro, o José Serra de Arthur Kohl – que claramente imita o político do PSDB – além é claro do senador (fictício) petista Gonçalves, interpretado por Juliano Cazarré que emprega três sotaques diferentes (mineiro, paulista do ABC e um nordestino genérico horrível) no decorrer do filme, mostrando uma imaturidade tremenda na composição de sua personagem.

    Parte dos elogios de algumas críticas – a maioria bastante pontual e parcial – é referente ao filme não utilizar em demasiado o linguajar dos economistas. Se por um lado há uma universalização de linguagem, por outro há também um esvaziamento de discurso. Há como se falar de um assunto tão complicado para o público leigo como os meandros da economia de um país sem tornar tudo enfadonho, A Grande Aposta fez isso e com um clima leve, Margin Call: O Dia Antes do Fim era mais pesado e mesmo com seus defeitos sabia passar a mensagem, e O Lobo de Wall Street apesar de ser um conto debochado, consegue traduzir muito melhor as questões financeiras importantes levantadas em seu roteiro, Real não passa perto disso.

    Muito se falou a respeito desse ser um filme anti-petista ou reacionário, e a realidade é que ele não é um e nem outro. Claro que há uma glorificação de figuras típicas do cenário tucano, em especial Fernando Henrique, que é visto como um homem acima dos outros, sendo esse o único a não sofrer a ira ou ingratidão de Franco, além de ser mostrado como uma pessoa distante de seus asseclas, como se os erros e trapalhadas em torno da implantação da moeda não fossem de sua responsabilidade. O curioso é que esse aspecto, de certa forma, revitaliza o argumento por muitas vezes associado à falácia, quando se tratava de uma defesa a não-ciência que eventualmente ocorria com os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff.

    O texto sofre com um maniqueísmo que torna todo o drama em algo imaturo, proposta que obviamente não parecia ser a inicial deste longa. Apesar de não tão ter nos personagens mais novos um tom tão parodial quanto com Itamar, FHC e Serra, há ainda uma construção muito rasa e arquetípica dos heróis da jornada, em especial de Gustavo Franco, que é um sujeito indócil, incorrigível e incapaz de apresentar qualquer nuance fora disso. Chega a ser estranho inclusive irônico que um acadêmico tão avesso ao socialismo possa ter uma admiração tão grande por um político que em seu passado, tinha tantas afinidades com a social-democracia, e é ainda mais risível uma quantidade de atitudes, como o uso do óculos de Franco para dar-lhe um tom despojado ao deixar o mesmo cair sobre seu rosto, assim como é escandalosamente boba a atitude dele invadindo um protesto em frente ao Banco Central, sendo esta uma bela versão em live-action de uma fanfic de direita. Outro momento constrangedor se dá quando ele ao ser recusado em um cargo que queria, joga para o alto um tabuleiro de xadrez de madeira, em uma cena que deveria parecer grave, mas que demonstra apenas a figura infantil do personagem.

    A personagem de Mariana Lima, Denise, também soa engraçada em alguns pontos, em especial graças a maquiagem carregada que ostenta, fazendo se assemelhar demais ao Coringa de Heath Ledger (Batman: O Cavaleiro das Trevas). Incrivelmente esta é uma das poucas personagens que tem uma mínima profundidade e apreço com a realidade, apesar de toda caracterização que lhe deram.

    Em última análise, a personalidade de Franco reflete demais a de muitos reacionários que vociferam opiniões intransigentes nas redes sociais, sem dar direito a qualquer outro argumentar contrariamente. Por isso, há por parte do público uma possível idolatria por esta versão do economista, e chama-se versão por que nem mesmo o Gustavo Franco original é tão teimoso e mimado quanto o representado por Orciollo Neto.

    Real: O Plano Por Trás da História tem uma dificuldade de identidade enorme, variando entre a comédia rasgada, graças ao deboche das figuras do cenário político brasileiro, variando entre o humor voluntário e involuntário, tornando difícil inclusive entender quais são as piadas propositais, visto que o roteiro de Mikael de Albuquerque não é claro quanto a isso. A meta de ser um thriller político também não é alcançada e o conjunto de músicas é até engraçado, com composições em sua maioria feitas por Maycon Ananinas e pelo próprio diretor, (com pérolas como Baila FHC, Exu Reunion, etc) ainda que não sejam mal executadas em tela. Bittencourt abusa de cortes rápidos, que em alguns momentos cansam seu espectador mas em outros aumentam a aura de tensão em torno dele. Claramente o diretor amadureceu desde Totalmente Inocentes, sendo este menos equivocado no geral que o anterior, mas claramente seu cinema não parece maduro o suficiente para algo tão grandioso e ambicioso quanto a transposição da literatura de Guilherme Fiuza (3000 dias no Bunker) quanto para contar uma história política tão densa e com discussões tão fortes como as propostas por um filme que pretende remontar a origem deste Plano Real.

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  • Crítica | Boi Neon

    Crítica | Boi Neon

    Boi Neon 1

    Começando pela inventiva rotina das vaquejadas, contemplando  toda a brutalidade do trabalho com os animais mas sem julgar os meandros deste de forma moralista, o novo longa de Gabriel Mascaro apresenta mais uma curiosa história, após o belo e extasiado Ventos de Agosto. A história de Boi Neon analisa um grupo de vaqueiros, com desejos estereotipados de personagens dicotômicos, apesar do lugar onde habitam, provando que a pecha de “filho do meio” não precisa ser via de regra.

    O enfoque maior é em dois personagens contraditórios. O primeiro é Iremar, magistralmente conduzido por Juliano Cazarré, que consegue desenvolver melhor seu talento em filmes se comparado ao repertório em televisão. O boiadeiro tem em seu âmago um desejo de difícil execução, que é o de ser tornar estilista, a despeito do ambiente em que vive. Ao seu lado, há a caminhoneira Galega, vivida por Maeve Jenkings (de O Som ao Redor e Amor, Plástico e Barulho), com visual e comportamento igualmente bruto, mas que carrega em si uma sexualidade atroz, como se a sua camada de feminilidade se escondesse atrás de uma profunda casca, típica de quem trabalha com carga.

    A mesma observação ao longe, dos filmes anteriores de Mascaro – desde o mais recente, bem como nos documentários Doméstica e Um Lugar ao Sol – é presente na fotografia bela do diretor. Há um enfoque curioso nos pés das personagens, e na rotina de busca pelo belo mesmo em paragens lodosas. A rotina dos vaqueiros, apesar de parecer vazia em um primeiro momento, está repleta de pequenos signos visuais, que antecipam os acontecimentos futuros, dando um ar de premonição e “conspiração positiva” no destino dos seres que habitam aquele universo.

    O choque de realidades revela paixões silenciosas, com flertes que não precisam de palavras para se concretizar. O que predomina nessa “predação” são murmúrios, sons abafados por pele, músculo e pelo, sexualizando as relações de modo belo, tocante, com nus cada vez mais aprimorados e poéticos. O uso dos animais para manifestar o desejo e pulsão, através do garanhão e dos cabelos de boi retiradas, anuncia todas as transas que ocorrerão, preparando o terreno para as relações mais belas e orquestradas do recente cinema brasileiro.

    O roteiro não tem qualquer receio em erotizar fetiches comuns, se valendo até da beleza de uma mulher grávida, que não tem pudor em exercer seu tesão e pulsão. Os papéis de ativo e passivo conseguem ser equilibradamente invertidos, curiosamente sem se valer de arquétipos homo afetivos, o que já torna a escolha em algo nada óbvio.

    Boi Neon possui um roteiro simples, com mensagens subliminares, e que usa seu desfecho para exemplificar o início da vida através do bebê, que ainda não viu a luz, mas que já habita um mundo que sobrevive à caretice, apesar de se situar em um ambiente bronco e comumente machista, brotando dali as manifestações mais básicas do sexo, amor livre, volúpia e lascívia, avatares dos sonhos estranhos e provavelmente irreais de seus personagens.

  • Crítica | O Lobo Atrás da Porta

    Crítica | O Lobo Atrás da Porta

    O Lobo Atrás da Porta

    Sylvia (Fabíula Nascimento) chega à escolinha para buscar a filha, Clara (Isabelle Ribas), e, após ser avisada pela professora de que alguém já havia levado a menina, chega à conclusão de que a menina foi sequestrada. Na delegacia, tanto Sylvia quanto a professora prestam depoimento, enquanto aguardam a chegada de Bernardo (Milhem Cortaz), marido de Sylvia. Ao chegar, Bernardo inclui mais um elemento na história, Rosa (Leandra Leal), uma “conhecida” que supostamente estaria fazendo uma brincadeira com ele ao sequestrar sua filha.

    E o que inicialmente parece ser um filme policial torna-se um drama com nuances rodriguianos. Os esqueletos vão, aos poucos, sendo retirados do armário à medida que tomamos conhecimento do triângulo amoroso envolvendo Sylvia, Bernardo e Rosa. Ao espectador, revela-se apenas a versão dada pelos personagens, a cada conversa com o delegado (Juliano Cazarré). E a cada conversa, mais detalhes são adicionados. E, à exemplo da Igreja da Sagrada Família, de Gaudí, o panorama completo é construído aos poucos, à medida que a trama avança. Como uma casa à qual se adicionam vários “puxadinhos” de acordo com a necessidade.

    Interessante notar que a fotografia do filme reflete essa compartimentalização. O uso frequente de planos-detalhe faz lembrar que o que é visto é apenas parte do todo e, sendo assim, pode não refletir totalmente a realidade. Assim como reafirma a importância de se dar atenção aos detalhes, às sutilezas, às entrelinhas. Instiga o espectador a se questionar sobre o que está acontecendo no espaço fora de quadro de forma bastante inteligente. Os enquadramentos fechados, tanto os planos-detalhe quanto os closes, são claustrofóbicos, dão uma sensação de confinamento que reflete o estado de espírito dos personagens enquanto depõem. É curioso reparar como em alguns momentos a câmera parece esperar que os personagens se movam para dentro do quadro.

    Acompanhando os depoimentos de cada um dos personagens, a linha temporal vai se alternando, entre flashbacks, o que está sendo contado e o presente. E os flashbacks, assim como os depoimentos, ficam mais longos e mais detalhados, revelando a complexidade tanto dos personagens quanto do relacionamento entre eles. Os três envolvidos deixam de ser estereótipos dum triângulo “clássico” e começam a exibir outras facetas, passando da bi para a tridimensionalidade com bastante fluidez. E a cada novo evento adicionado, a cada traço de caráter que se descobre, o espectador é obrigado a repensar sua opinião a respeito de toda a situação. Os personagens vão de ‘mocinho’ a ‘bandido’ e de volta a ‘mocinho’ à medida que os conhecemos melhor. Ninguém é 100% inocente ou 100% culpado. E não se pode confiar totalmente no que dizem.

    O roteiro eficiente não conseguiria ser tão impactante não fosse o elenco em plena sintonia. Fabíula Nascimento e Milhem Cortaz estão muito bem, com atuações na medida para seus personagens. Mas o destaque mesmo é Leandra Leal, que conseguiu fazer Rosa oscilar entre ingenuidade e sensualidade, entre olhares enigmáticos e suplicantes, entre doçura e ressentimento, com uma sutileza que não deixa espaço para o espectador duvidar de suas ações  mesmo as mais extremas.

    Considerando que este é o primeiro filme de Fernando Coimbra, resta ao público torcer para que o diretor não perca a mão e continue levando às telas tramas com a mesma qualidade de sua estreia.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Serra Pelada

    Crítica | Serra Pelada

    80 - Serra Pelada

    Depois do fracasso de 12 Horas (Gone) em Hollywood, o cineasta Heitor Dhalia volta ao Brasil com o longa Serra Pelada, que conta a história, de dois amigos, situada dentre a loucura desencadeada pela descoberta de ouro no interior do Pará. No início da década de 1980, o complicado Juliano (Juliano Cazarré) e o professor Joaquim (Júlio Andrade) decidem sair de São Paulo e ir atrás da riqueza do ouro em Serra Pelada logo quando há a descoberta do metal na região, na tentativa de enriquecerem e mudarem de vida, mas logo verão que as condições para isso acontecer serão mais complicadas do que pensavam.

    Partindo de uma perspectiva intimista e situando dois personagens comuns em meio a uma história recente e de drama social do país, Dhalia se utiliza de toda a qualidade técnica que o cinema nacional agora dispõe, desde a captura de som, que chega a incomodar tamanho o volume do som ambiente, (como alguém engolindo um líquido, tão alto quanto a conversa no local) até a ambientação, o set, o figurino e a locação, passando um realismo que confere bastante credibilidade ao espectador. O uso da narração também é questionável, pois as informações apresentadas (como os nomes dados a cada etapa e responsável pela produção do ouro) poderiam ser inseridas no contexto de outra forma, menos direta. Porém, parece que a escola Tropa de Elite ainda é muito forte e deixou marcas nesse aspecto.

    Quanto às atuações, os maneirismos dos protagonistas são contidos e poucos estereótipos são usados, o que vale um ponto extra em se tratando em uma produção filmada na região norte. Com exceção dos homens feminizados e tratados como as mulheres do acampamento de forma muito simplista. A participação de Wagner Moura como um dono de “barrancos” de exploração de ouro também é interessante. Excelente ator que é, consegue garantir boas participações, mas às vezes exagera nos maneirismos na tentativa de caracterizar seu personagem, como em uma cena em que mastiga compulsivamente, com uma captação de som altíssima, prejudicando o entendimento de suas falas.

    Porém, o desenvolvimento da história e dos protagonistas, que no início é cativante, passa a ser cansativa pela excessiva vontade do diretor em nos mostrar cada detalhe de cada transição, deixando de lado a interpretação, em um vício muito comum do cinema nacional, que tem dificuldade em separar-se da narrativa novelesca da televisão. Com isso, as duas horas do filme soam desnecessárias, já que o segundo ato perde muito tempo em montar situações repetidas para estabelecer fatos que já soam claros ao espectador, o que prejudica a narrativa final e o desfecho.

    Também faltou uma caracterização maior do restante da população trabalhadora de Serra Pelada. Não os paulistas de classe média como os protagonistas, mas também o miserável, explorado que não consegue sucesso e não consegue enriquecer tão fácil como o filme pode deixar enganar. Faltou um espaço maior a esse cidadão comum, que é retratado de forma simplista, sob uma perspectiva do sudeste e do asfalto, que não entende o drama desse povo, que é mais do que um mero coadjuvante tendo destaque somente em cenas de brigas de bar.

    De maneira geral, Serra Pelada inicia bem, introduz personagens reais em uma situação real, mas foca demais em duas pessoas e suas tragédias pessoais, que pouco a pouco vão fazendo o tal realismo do filme se perder em meio a tantas reviravoltas que soam artificiais, enquanto a questão social do garimpo, focada timidamente no início, vai sendo deixada cada vez mais de lado. Apesar de uma iniciativa interessante, ainda falta maturidade ao cineasta em saber criar narrativas menos maniqueístas e com personagens mais profundos.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.