Crítica | O Jogo da Imitação

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Morten Tyldum tenta fazer jus à biografia de um homem notável e peça fundamental para a computação, evolução tecnológica humana responsável pela quebra de paradigmas em vários campos. O Jogo da Imitação emula a invenção da máquina moderna, analisando delicadamente a trajetória do criptoanalista, matemático e pai da ciência computacional Alan Turing.

Num primeiro momento, mostra-se um memorando de 1951, com um Turing – vivido por seu debochado intérprete, Benedict Cumberbatch – já resignado. A esta altura, o cientista já havia ajudado muito o seu país, realizando préstimos durante o confronto aos nazistas. Logo, o roteiro leva o protagonista para o crivo dos mandatários do exército britânico, com dificuldades em destravar um código dos inimigos, tendo no obstáculo em decifrar o Enigma um enorme problema. A persona problemática de Turing faz dele uma pessoa supostamente pouco indicada para o ofício, mas a pressa de frear a quantidade exorbitante de baixas de guerra faz o cientista e seu superior Stewart Menzies (Mark Strong) se alinharem com o mesmo propósito.

Logo, a misantropia latente do pensador se manifesta, desagradando a cada um dos outros membros do laboratório para o qual trabalha. A equipe que estava em pé de igualdade com o cientista logo sofreu com um duplo infortúnio, sendo ambos incômodos, o cientista ao grupo e vice-versa. Alan vê na criação de sua máquina o único modo de lidar com as mensagens criptografadas, enquanto os outros tentam, em vão, distinguir o que é pronunciado em alemão. Após idas e vindas, os membros do grupo finalmente se unem em torno de um bem maior e da cooperação em completude, formando, então, a Equipe Ultra.

Apesar de haver um problema no ritmo do filme, que algumas vezes recorre a uma monotonia latente, são os diálogos o principal aspecto positivo do roteiro de Graham Moore. O retrato da genialidade do biografado é muito bem feito, em alguns momentos muito mais inspirado que seu primo estilístico, também concorrente à premiação da Academia, A Teoria de Tudo. O Jogo da Imitação também ganha melhores ares por não ser tão preocupado em apresentar uma história chapa branca, protegendo bem menos os personagens que orbitam o herói da jornada, certamente pela distância muito maior de tempo entre a história que Tyldum narra e a atualidade.

Mesmo contando com um elenco recheado de nomes conhecidos, nenhuma das atuações serve de comparação com a personalidade representada por Cumberbatch. Keira Knightley exibe uma performance apaixonada com sua Joan Clarke, mas nem de longe tão inspirada quanto no recente Mesmo Se Nada Der Certo. O mesmo pode ser dito de Mathew Goode, que faz o cientista Hugh Alexander, ainda que seja bastante plausível a sua face apagada, já que é uma bela escada para o trabalho do protagonista.

O maior inconveniente da fita são os resgates ao passado, com cenas da infância de Turing, tendo de conviver com a genialidade que batia à porta e a dificuldade que tinha de ter relações com outros garotos. Tais partes da obra pouco servem ao enredo, sobrecarregando-o na maioria das vezes, visto que toda a mensagem de ódio de si do personagem principal é revelada na sua fase adulta. O molde e o costume de contar todos os meandros da vida do protagonista biografado são uma muleta desnecessária para tão rica apresentação.

A corda bamba emocional a qual o herói se submete, convivendo com a sua cada vez mais indisfarçável condição sexual, atormenta-o por interferir diretamente em sua identidade pessoal, além de atrapalhar qualquer possibilidade de crescimento dentro dos desígnios militares. O flagrante da homoafetividade do protagonista não é feito de modo sensacionalista, pelo contrário, é usado como uma boa artimanha do roteiro para assinalar a paranoia que era parte da função dos matemáticos durante a Grande Guerra, e também o quanto sua personalidade é absolutamente solitária, fechada em si, não tanto por ódio ao outro, mas sim pela impossibilidade de se relacionar de modo minimamente saudável, dada a falta de sociabilidade tão entranhada em sua vida.

A proximidade do gênio da computação com Winston Churchill, ainda que não seja mostrada em tela, é utilizada como modo de discutir a necessidade da guerra, porém de um modo nada óbvio. Apesar de não tratar os agressores de Turing como objetos de vilania, O Jogo da Imitação usa os aspectos da vida do matemático para ressaltar seus dotes científicos e a tristeza e miséria existencial, muito bem fundamentadas em Alan Turing: The Enigma, de Andrew Hodges. Apesar da grande quantidade de problemas na obra, o que fica na mente do público é a belíssima contribuição de Cumberbatch ao mito, assim como a generosa direção de Tyldum, que permite ao artista desenvolver seu papel sem limites, sobrepujando o formato do filme.

Comentários

2 respostas para “Crítica | O Jogo da Imitação”

  1. Avatar de Alex
    Alex

    Filme morno do início ao fim, razoável, faltou paixão nas cenas, uma história riquíssima muito pouco explorada, pouco arriscado, monótono em algumas partes. Mas vale a pena assistir.

    1. Avatar de Filipe Pereira
      Filipe Pereira

      Também achei que faltou emoção na maior parte do filme, talvez a intenção do diretor tenha sido emular a dificuldade do protagonista em revelar seus sentimentos e se abrir. A decisão até é válida, mas podia ser melhor trabalhada.

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