Tag: Morten Tyldum

  • Crítica | Passageiros

    Crítica | Passageiros

    Segundo as falas do Capitão Kirk em Jornada nas Estrelas – A Série Clássica, o espaço é a fronteira final, e para entender a história de Passageiros é preciso levar em conta esse clichê. O novo filme de Morten Tyldum usa esse conceito como ultimo estágio de um expansionismo terráqueo sobre outros planetas inabitados. A vida na Terra não é mais como antes e muitos buscam a alternativa de viver em outro lugar, e a historia mostra a nave Avalon viajando para Homestead II, em uma transição que dura aproximadamente um século, com os passageiros e a tripulação em animação suspensa. O problema é que um dos clientes, Jim Preston (Chris Pratt) acorda décadas antes, em uma situação de pane de sua cápsula de hibernação.

    O isolamento no espaço faz com que a comunicação externa seja muito demorada, com uma estimativa de décadas para se ter qualquer feedback, fator que torna a experiência de Jim ainda mais desesperadora. Com o tempo, ele passa a usufruir da sua estadia como pode, passando pelo desespero de aceitar sua morte lenta e gradual, tentando em alguns momentos reverter essa questão.

    A indústria de trailer em Holywood é comumente culpada por um sem número de revelação sobre tramas, plots e aparições de personagens, especialmente em blockbusters como Passageiros. O problema aqui é outro, já que o material de divulgação faz pensar algo e no roteiro de John Spaihts é bem diferente. A surpresa seria interessante, se o texto não perdesse tanto tempo apelando para o melodrama barato, em especial quando a personagem de Jennifer Lawrence entra em cena.

    Interessante notar que no início do filme, a premissa soa intrigante, em especial quando há conversas com o androide Arthur – vivido por Michael Sheen, o único personagem capaz de mostrar qualquer nuance ou humanidade – mas logo o texto trata de mostrar-se medíocre e pobre ao extremo. As partes onde Jim se encontra isolado mostram um tom completamente diferente quando seu par desperta e tal característica faz o filme transbordar um caráter indefinido. Além disso, iniciado o enlace sentimental, o texto abre mão por completo da discussão voltada a temas típicos da ficção-científica para dar espaço a uma trama amorosa sem química, repleta de intervenções ex-machina e revelações óbvias.

    As questões adultas da trama soam banais, desde os abusos de autoridade até as questões que poderiam gerar um debate a respeito da intervenção do homem em relação ao destino da mulher. Todas as tramas são sub aproveitadas, tendo o potencial jogado fora, sendo o mote reduzido a mais um bobo obstáculo para uma história de amor. As interações com outros personagens que não o casal são risiveis e também não acrescentam em absolutamente nada e todo a paixão construída é feito a partir de frases feitas de gosto absolutamente duvidoso.

    As belas imagens em computação gráfica do espaço e das engrenagens da Avalon acabam perdendo importância graças a uma trilha sonora terrível. Outro fator que denigre o filme de Tyldum é o fato dele aparentar em algum momento o desejo de discutir a questão da ganância como possível causa da pane geral, uma vez que a falha do sistema não era comum. Esse aspecto poderia gerar alguma discussão dentro das quase duas horas duração, mas não o faz, preferindo apelar para mais um retorno a paixão inexplicável entre os dois astros, com direito até mesmo a uma mensagem de auto-ajuda antes dos créditos finais. Passageiros poderia ousar mais, mas não o faz, restando uma irregular space opera em formato comédia romântica, que não soa engraçada, profunda ou divertida.

  • Crítica | O Jogo da Imitação

    Crítica | O Jogo da Imitação

    O-Jogo-da-Imitação

    Morten Tyldum tenta fazer jus à biografia de um homem notável e peça fundamental para a computação, evolução tecnológica humana responsável pela quebra de paradigmas em vários campos. O Jogo da Imitação emula a invenção da máquina moderna, analisando delicadamente a trajetória do criptoanalista, matemático e pai da ciência computacional Alan Turing.

    Num primeiro momento, mostra-se um memorando de 1951, com um Turing – vivido por seu debochado intérprete, Benedict Cumberbatch – já resignado. A esta altura, o cientista já havia ajudado muito o seu país, realizando préstimos durante o confronto aos nazistas. Logo, o roteiro leva o protagonista para o crivo dos mandatários do exército britânico, com dificuldades em destravar um código dos inimigos, tendo no obstáculo em decifrar o Enigma um enorme problema. A persona problemática de Turing faz dele uma pessoa supostamente pouco indicada para o ofício, mas a pressa de frear a quantidade exorbitante de baixas de guerra faz o cientista e seu superior Stewart Menzies (Mark Strong) se alinharem com o mesmo propósito.

    Logo, a misantropia latente do pensador se manifesta, desagradando a cada um dos outros membros do laboratório para o qual trabalha. A equipe que estava em pé de igualdade com o cientista logo sofreu com um duplo infortúnio, sendo ambos incômodos, o cientista ao grupo e vice-versa. Alan vê na criação de sua máquina o único modo de lidar com as mensagens criptografadas, enquanto os outros tentam, em vão, distinguir o que é pronunciado em alemão. Após idas e vindas, os membros do grupo finalmente se unem em torno de um bem maior e da cooperação em completude, formando, então, a Equipe Ultra.

    Apesar de haver um problema no ritmo do filme, que algumas vezes recorre a uma monotonia latente, são os diálogos o principal aspecto positivo do roteiro de Graham Moore. O retrato da genialidade do biografado é muito bem feito, em alguns momentos muito mais inspirado que seu primo estilístico, também concorrente à premiação da Academia, A Teoria de Tudo. O Jogo da Imitação também ganha melhores ares por não ser tão preocupado em apresentar uma história chapa branca, protegendo bem menos os personagens que orbitam o herói da jornada, certamente pela distância muito maior de tempo entre a história que Tyldum narra e a atualidade.

    Mesmo contando com um elenco recheado de nomes conhecidos, nenhuma das atuações serve de comparação com a personalidade representada por Cumberbatch. Keira Knightley exibe uma performance apaixonada com sua Joan Clarke, mas nem de longe tão inspirada quanto no recente Mesmo Se Nada Der Certo. O mesmo pode ser dito de Mathew Goode, que faz o cientista Hugh Alexander, ainda que seja bastante plausível a sua face apagada, já que é uma bela escada para o trabalho do protagonista.

    O maior inconveniente da fita são os resgates ao passado, com cenas da infância de Turing, tendo de conviver com a genialidade que batia à porta e a dificuldade que tinha de ter relações com outros garotos. Tais partes da obra pouco servem ao enredo, sobrecarregando-o na maioria das vezes, visto que toda a mensagem de ódio de si do personagem principal é revelada na sua fase adulta. O molde e o costume de contar todos os meandros da vida do protagonista biografado são uma muleta desnecessária para tão rica apresentação.

    A corda bamba emocional a qual o herói se submete, convivendo com a sua cada vez mais indisfarçável condição sexual, atormenta-o por interferir diretamente em sua identidade pessoal, além de atrapalhar qualquer possibilidade de crescimento dentro dos desígnios militares. O flagrante da homoafetividade do protagonista não é feito de modo sensacionalista, pelo contrário, é usado como uma boa artimanha do roteiro para assinalar a paranoia que era parte da função dos matemáticos durante a Grande Guerra, e também o quanto sua personalidade é absolutamente solitária, fechada em si, não tanto por ódio ao outro, mas sim pela impossibilidade de se relacionar de modo minimamente saudável, dada a falta de sociabilidade tão entranhada em sua vida.

    A proximidade do gênio da computação com Winston Churchill, ainda que não seja mostrada em tela, é utilizada como modo de discutir a necessidade da guerra, porém de um modo nada óbvio. Apesar de não tratar os agressores de Turing como objetos de vilania, O Jogo da Imitação usa os aspectos da vida do matemático para ressaltar seus dotes científicos e a tristeza e miséria existencial, muito bem fundamentadas em Alan Turing: The Enigma, de Andrew Hodges. Apesar da grande quantidade de problemas na obra, o que fica na mente do público é a belíssima contribuição de Cumberbatch ao mito, assim como a generosa direção de Tyldum, que permite ao artista desenvolver seu papel sem limites, sobrepujando o formato do filme.