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  • Review | Westworld – 3ª Temporada

    Review | Westworld – 3ª Temporada

    A terceira temporada de Westworld se inicia dirigida por Jonathan Nolan, mostrando uma ação na China, que remete a outra série do mesmo criador, Person of Interest. Não há demora em mostrar a Dolores de Evan Rachel Wood num prólogo, brilhando muito enquanto liberta uma mulher da mesma escravidão que ela mesma sofreu.

    Os primeiros episódios apresentam novos conceitos, enquanto os antigos personagens estão em um novo cenário, não mais no simulacro. No entanto, o que se vê na realidade é uma produção visualmente interessante, mas uma completa ausência de desenvolvimento narrativo para qualquer um dos personagens. O personagem de Aaron Paul, Caleb, é um protótipo de novo herói, como Jimmi Simpson foi na  primeira temporada, mas ao contrário do primeiro ano, aqui também não há gravidade ou desenvolvimento dramático, somente alguns elementos de fan service e cenas de ação bem coreografadas, porém, quase sempre vazias de significado.

    A história se desenrola numa linha temporal diversa da temporada anterior. No início, mantém um mistério sobre a exatidão de sua cronologia, para logo depois mostrar que não há muita criatividade na abordagem de passado e futuro, sendo retilínea no presente. Nolan e Joy podem desenvolver o que quiserem, e incrivelmente, quando seu parque de diversões se expande, eles parecem ter sérias limitações.

    Westworld teve um bom hiato, seu último episódio havia sido exibido em 2018, então pressa não é uma boa desculpa para as  fragilidades de seu roteiro, e o pior, a expansão da história a outros lugares não garantiu novos rumos, mas uma série de tramas genéricas. Outro aspecto incômodo e que não é funcional, são as viagens pelo globo atrás das manifestações dos anfitriões no mundo externo. Isso ajuda a diluir partes da historia que poderiam soar interessantes, tudo fica muito frio e impessoal. Algumas cenas de ação até são bem apresentadas, mas nada que faça a série ultrapassar a linha da mediocridade. As lutas boas não justificam o motivo delas não fazerem sentido nas suas motivações. É até interessante que uma série traga uma atmosfera cyberpunk para a televisão, mas a completa falta de assunto e discussão faz o texto final soar bobo. Os momentos finais ainda guardam péssimas referências a Exterminador do Futuro 3: A Rebelião das Máquinas e Clube da Luta.

    Na semana do episódio final, foi anunciada a renovação para uma quarta temporada, ainda sem data para ocorrer, mas o que se espera é que a próxima aventura seja menos baseada em sensacionalismo e fan service barato, e mais em um bom texto e um desenvolvimento de personagens mais aprofundado.

  • Crítica | A Dama e o Vagabundo (2019)

    Crítica | A Dama e o Vagabundo (2019)

    A Disney lançou seu serviço de streaming nos Estados Unidos, e como atrações da assinatura inicial haviam a série The Mandalorian e claro, o live action de A Dama e o Vagabundo, inclusive gravado com cachorros de verdade que eram obviamente  dublados por grandes atores. A adaptação de Charlie Bean (diretor especialista em animações, sendo a mais famosa Lego: Ninjago) mostra uma cidade em uma pintura em preto e branco, que lentamente transita para as cores e contornos reais, num efeito bem bonito e carregado de sentimentalismo, tal qual a animação original de 1955.

    A trama mostra a época de festas, com o natal chegando e a Lady/Dama chegando a casa da família de Jim e Darling. Não demora até passar um tempo, ela se tornar adulta, passando então a ser dublada por Tessa Thompson, e em meio a encontros com outros cachorros da vizinhança, ela vê sua vida por dois fatores externos, sendo o primeiro a chegada de um bebê, e outro a “invasão” e Tramp/Vagabundo, um cachorro vira-lata que passa a ensinar a ela que a vida não é só diversão e curtição. O cão é dublado  por Justin Theroux.

    Há uma semelhança grande do protagonista canino com o Aladdin da animação de 1992, ele é um larápio, de bom coração e que amolece diante de filhotes famintos. Essa construção, apesar de muito baseada em clichês e arquétipos serve bem no intuito de atalhar alguns passos da jornada. Rapidamente se percebe o espírito de cada um dos personagens, incrivelmente respondendo a questão relativa a animais domésticos terem alma ou não, pois nessa realidade, não há dúvida de que tem.

    O elenco é recheado de figuras famosas, que aparecem com suas vozes de maneira bem discreta. Sam Elliot, Ashley Jensen, Janelle Monáe, Benedict Wong e Clancy Brown tem seu momento de brilho, mas a trama passa a ser realmente divertida e chamativa quando entra os felinos siameses e que infelizmente tem uma passagem bem curta.

    Os números musicais são poucos porém tem uma excelência ímpar, é realmente uma pena que não hajam mas músicas, pois o desempenho aqui rivaliza com os melhores momentos de Aladdin de Guy Ritchie e faz a comparação com O Rei Leão de Jon Favreau ser vergonhosa para este último, porque apesar  de ser um filme para cinema, esse feito com menos recursos e expectativas é muito mais repleto de vida e personalidade.

    As aventuras dos dois caninos soa divertida, não tão mágica quanto na animação original, mas ainda tem um pouco de originalidade em sua abordagem. Há boa tradução aqui, ainda que comedida e discreta na maior parte de suas manifestações. Há como se importar com os personagens, ao contrário das traduções inócuas recentes nos live actions da Disney para o cinema.

    No Tony’s, o restaurante de massas da cena clássica, há um pouco de forçação de barra, em como se monta o momento da janta da macarrão espaguete com almôndegas. Dois homens combinando com um cachorro de ajudar o mesmo a conquistar a fêmea é de um nonsense tremendo, que só é perdoado porque a cena em si é muito charmosa, ainda que piegas, e a cereja do bolo certamente é a cantoria, afinal, o musical abre precedente para esse tipo de abordagem mais irreal. Mesmo sem pompa, A Dama e o Vagabundo resulta em um longa divertido, mágico e com um sentimentalismo comedido, é um bom passatempo despretensioso e não denigre em nada a obra original.

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  • Crítica | MIB – Homens de Preto: Internacional

    Crítica | MIB – Homens de Preto: Internacional

    Os quadrinhos da Malibu Comics não são nem de longe tão conhecidos quanto os da Marvel ou DC Comics, mas serviram de base para alguns sucessos comerciais, entre eles a trilogia MIB – Homens de Preto, começada em 1997. As continuações tem um gosto duvidoso e retornar com a franquia sempre foi uma dúvida, que coube a F. Gary Gray (Straight Outta Compton, Velozes Furiosos 8) responder.

    Diferente das outras versões, essa não conta mais com Will Smith e Tommy Lee Jones, e sim dois novos personagens: M (Tessa Thompson), uma moça que desde cedo possui uma relação de proximidade com os alienígenas, e a celebridade da agência, H (Chris Hemsworth). Os dois agem em pontos distintos do globo terrestre e em estágios de carreira diferentes, com a primeira ainda em estágio de probação. É estranha a abordagem que o roteiro de Matt Holloway e Art Marcum dá, pois ao mesmo tempo que tenta-se expandir o universo que trilogia de Barry Sonnenfeld e os quadrinhos de Lowell Cunningham já estabeleceram, há algumas aberturas em relação a mitologia que soam bobas, como o advento de agentes mais discretos e que abdicam de roupas formais como o terno preto da MIB (mesmo que sempre se falasse que este seria o último traje dos agentes), além de um maniqueísmo exacerbado, que faz com que todos personagens, exceção a H e M, sejam terrivelmente mal tratados.

    Há alguns elementos típicos da franquia, como o uso da trilha sonora clássica, os veículos se transformando ao acionar um botões (com um belíssimo upgrade por sinal), entre outros detalhes, no entanto, falta à produção um pouco daquilo que consagrou o filme de 1997, originalidade e carisma, e por se tratar da adaptação de um quadrinho underground não havia tanta reclamação de fãs (J por exemplo era branco nos gibis e não houve qualquer reclamação de fãs conservadores ou algo que o valha), e com o tempo as continuações foram ficando mais caras e menos inspiradas e esse quarto capítulo não é diferente. Os vilões são genéricos, e fazem lembrar os péssimos antagonistas de X-Men: Fênix Negra, e o excesso de piadas sexuais envolvendo Hemsworth são completamente óbvios.

    Há uma tentativa clara do filme em soar dúbio, mas isso não funciona, pois o roteiro é vazio em discussões. As piadas e tiradas cômicas poucas vezes funcionam e até a química de Thompson/Hemsworth estabelecida em Thor: Ragnarok e fortificada em Vingadores: Ultimato é desperdiçada. Outra questão delicada é que em princípio os homens de preto não deveriam usar disfarces, e há duas possibilidades para o que é mostrado aqui, uma tentativa de quebrar paradigmas ou simplesmente pouco apego a mitologia, que era muito bem solidificada em live action e na animação produzida para televisão. Se os agentes não agissem como pessoas imaturas, a primeira possibilidade seria mais validada, mas isso não ocorre, existem personagens que são puro pastiche, entre eles C (Rafe Spall), um garoto bobo quando contracena com H, e o mentor T (Liam Neeson), que tem toda a sua curva de destino prevista muito antes do final. A ideia de desconstrução do ideal da organização é boa, mas mal executada.

    A motivação de M é fraca, e seu passado faz questão de retornar no final, desenterrado de maneira bastante oportunista, o que é uma pena, pois ela parecia uma personagem tão rica quanto o visto em Rosario Dawson em MIB 2, também mal aproveitada. É uma pena que a expansão do universo de Homens de Preto não seja acompanhada de boas tramas e subtramas, pois os efeitos especiais são bons e as cenas de ação bastante competentes, faltando um pouco mais de apego a mitologia da série e esmero em seu roteiro.

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  • Crítica | Vingadores: Ultimato

    Crítica | Vingadores: Ultimato

    Não é de hoje que vinha sendo dito que Vingadores: Ultimato marcaria o encerramento da Saga do Infinito, que começou lá em 2008 com Homem de Ferro e que se estendeu por 11 vitoriosos anos e 22 filmes, ao todo. As Joias do Infinito foram aos poucos sendo introduzidas e cada filme mostrava um pouco daquilo que estava por vir. Tudo muito bem programado e arquitetado pela Marvel, que se mostrou uma estrategista sem igual no que diz respeito ao planejamento. Obviamente, ao longo de 22 filmes, vimos uma montanha russa no quesito qualidade. Alguns filmes são realmente bons, como o ótimo Capitão América: O Soldado Invernal, ou como o primeiro Guardiões da Galáxia, sendo que outros são bem fraquinhos e que não vale a pena nem comentar. Aliado a isso, tivemos o início desse encerramento em Vingadores: Guerra Infinita, que foi um dos grandes momentos da história do cinema, reunindo num só filme os principais heróis dessas histórias contadas por mais de 10 anos. E é com Vingadores: Ultimato que esse ciclo se encerra.

    Após reunir todas as Joias do Infinito, Thanos (Josh Brolin) dizimou metade da população de todo o universo e o filme se inicia bem nesse momento para, logo em seguida, situar seus principais personagens, como os Seis Originais, vividos por Capitão América (Chris Evans), Homem de Ferro (Robert Downey Jr.), Thor (Chris Hemsworth), Hulk (Mark Ruffalo), Viúva Negra (Scarlett Johansson) e Gavião Arqueiro (Jeremy Renner), juntamente com Máquina de Combate (Don Cheadle), Homem-Formiga (Paul Rudd) e os Guardiões da Galáxia, Rocket Racoon (voz de Bradley Cooper) e Nebulosa (Karen Gillan), sobreviventes no filme anterior. Se Guerra Infinita tinha uma pegada mais urgente e ainda assim sobrou tempo para trabalhar os personagens, em Ultimato, esse tempo não existe e se o espectador não for ligeiro, ficará sem entender nada em alguns momentos. Inclusive, vale destacar que algumas das teorias são verdadeiras e muitas coisas que fãs acreditavam que aconteceria, realmente acontecem! Só que ninguém falou que aconteceria logo na primeira meia hora de fita e o desenrolar, aos poucos, vai perdendo aquele tom de obviedade, tornando tudo uma grata surpresa.

    Importante dizer que Ultimato é bem diferente de seu antecessor, Guerra Infinita, tanto no que diz respeito ao tom, quanto no que diz respeito ao rumo que cada personagem tomou após o drástico evento. Embora parte dos Vingadores estivesse operando em vários locais do mundo e tentando seguir a vida da maneira como podem, outros foram terrivelmente afetados pela aniquilação. Alguns foram para caminhos muito sombrios e outros foram para caminhos extremamente bizarros e desnecessários. Estes em específico causaram uma notória divisão dentro da sala do cinema. Parte ria, parte se revoltava, principalmente com os rumos tomados por Thor, que foi a maior surpresa de Guerra Infinita.

    É interessante como os diretores Joe & Anthony Russo e os roteiristas Christopher Markus e Stephen McFeely se propuseram a criar uma história mais intrincada e épica que a anterior. Embora conte com um número mais reduzido de personagens, a missão dos Vingadores é maior e cheia de detalhes, sem contar que é a mais audaciosa de suas vidas. Audacioso também é o desafio proposto pela equipe criativa, porque paralelamente à história principal, após sua primeira hora, dá-se início a uma série de homenagens e surpresas que celebram os mais de 50 anos de histórias da Marvel Comics, além de celebrar os 11 anos do seu Universo Cinemático – UCM. São tantos detalhes, que talvez seja necessário um texto inteiro para apontar esses acontecimentos, que são desde cenas inteiras, passando por frases marcantes. E é aí que nas duas horas seguintes você para de analisar o filme com frieza e volta a ser criança, principalmente no último ato, quando a sala do cinema se entrega de vez à diversão, algo que acontece até o último segundo.

    Se Guerra Infinita era um filme sobre Thanos, Ultimato é um filme sobre os Vingadores. E é impressionante como Gavião Arqueiro, Viúva Negra, Homem de Ferro e Capitão América se destacam no meio de tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo. Robert Downey Jr e Chris Evans tem uma atuação de gala e entregam neste filme suas melhores atuações no UCM. A carga emocional que os personagens enfrentam do primeiro ao último minuto de tela é transportado para os olhos do espectador com maestria pelos atores. Não é a toa que os (vários) melhores momentos do filme são protagonizados pelo Homem de Ferro e pelo Capitão América. E não é a toa que os momentos mais emotivos também são protagonizados pelos dois.

    Emoção é um sentimento que define bem Vingadores: Ultimato. Um filme que não só fecha a Saga do Infinito, mas que também coloca ponto final nos arcos de vários personagens, fecha algumas portas, abre outras e principalmente encerra um ciclo de pouco mais de uma década que foram relevantes para a história do cinema. Inclusive, após o seu final, o título original em inglês, Endgame passa a fazer mais sentido do que nunca. A Marvel Studios sai de cabeça erguida e com a promessa de se manter no topo, mas com um novo e mais complicado desafio. Avante, Vingadores!

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

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  • Crítica | Creed II

    Crítica | Creed II

    O retorno do herói é um tema batido na cultura pop, em especial no cinema, normalmente quando um filme de linguagem popular vai bem nas bilheterias é praticamente obrigatório ter uma continuação. Foi assim com a franquia Rocky, que teve cinco filmes, além de um sexto capítulo feito décadas depois. A decisão de ter uma continuação para Creed: Nascido Para Lutar foi natural e obviamente que havia um bocado de receio que Creed II não fosse uma aventura escapista que honrasse o primeiro filme de Ryan Coogler, e por mais que obviamente não seja tão bem construído narrativamente quanto o primeiro, o filme de Stevan Caple Jr é bastante emocionante, e vale toda a espera pela sequencia dos dias do Adonis Creed de Michael B. Jordan.

    O roteiro de Juel Taylor e Sylvester Stallone (baseado no argumento de Cheo Hodari Coker) não é tão inspirado quanto o primeiro, e perdeu o fator surpresa obviamente por não ser mais uma novidade, mas ele compensa isso com muita emoção ao longo das suas mais de duas horas de duração. O filme começa já com uma luta de Adonis “Donnie” Creed, finalmente vencendo o torneio na categoria dos pesos pesados. Em meio a decisões sobre seu futuro, onde deseja cortejar Bianca (Tessa Thompson) para finalmente casarem, ele recebe um convite, um desafio vindo da Ucrânia, de um lutador pouco conhecido, chamado Viktor Drago (Florian Munteanu), filho de Ivan Drago, o mesmo que assassinou seu pai dentro de um ringue na década de oitenta e que treinou seu filho para seguir seu legado e conseguir o que ele não conseguiu, o cinturão.

    Obviamente que esse confronto foge do pragmatismo que seria a trajetória de um campeão de boxe. Aqui há claramente um apelo ao sentimento de vingança puro e simples, de justiça custe o que custar, onde a aceitação de  Donnie só apresentaria possibilidade de perdas e nenhum ganho, tanto desportivamente como emocionalmente pois  muitas feridas poderiam ser abertas. Nesse ponto, o roteiro é extremamente previsível, tanto nas curvas dramáticas quanto nas reações emocionais de seus personagens, mas é tudo tão crível que essas obviedades não chegam a incomodar tanto.

    Rocky e Donnie são muito cúmplices e um dos acertos do diretor foi apostar nessas relações familiares e de parcerias, pois se crê bastante na relação não só de Rocky com Adonis, mas também no casal que é Bianca e Adonis e até no sentido de Balboa ser um conselheiro do casal, com ambos ouvindo seus ensinamentos além até do ringue.

    A participação dos personagens resgatados da saga Rocky é muito bem vinda. Dolph Lundgren mesmo não sendo um ator conhecido por ser dramaticamente bem dotado acerta em seu tom de pai carrasco e treinador severo, embora ainda haja um ranço pueril a respeito de como os derrotados eram tratados na União Soviética. Sua participação é muito bem explorada, e faz brilhar ainda mais a figura de Sly, que mesmo sem ter momentos de redenção forte como foi no primeiro Creed onde se recuperava de um câncer, ainda consegue emocionar demais ao ser a figura paterna de Donnie, sendo muito mais que o tio que ele tanto chama.

    A ideia de Adonis em voar solo é passada de maneira bem orgânica, e o jovem Creed finalmente assume as rédeas de seu destino, assumindo as consequências de seus atos sem ignorar os erros e acertos que comete não só nesse filme, como também no outro. Apesar de haver momentos em que as lições de moral abundam a historia, até esse tratamento é feito com um carinho e delicadeza muito grande por parte de Caple enquanto diretor. A escolha de entregar o filme a ele foi um grande acerto, pois como fez em The Land, seu filme anterior, a jornada do herói criado por Ryan Coogler é desenrolada de modo bonito, simples e em alguns momentos, até poético.

    Há toda sorte de clichês dos filmes Rocky, no entanto a abordagem deles é adorável, as lutas são eletrizantes, o senso de justiça dos personagens idem. O final é apoteótico, apela para a nostalgia mas não perde a mão e não abusa da pieguice, há muitos ecos de Rocky IV mas até  a sensação saudosa com o filme/propaganda que Sly dirigiu e protagonizou em 1985  não faz perder a identidade desse Creed II, que consiste em uma obra reverencial e que possui luz própria.

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  • Crítica | Aniquilação

    Crítica | Aniquilação

    Ao assistir The Cloverfield Paradox, a fantasia lançada na Netflix em 2018, depois da Paramount jogar a bomba no colo da plataforma online já visando o fracasso que tinha em mãos, tive a certeza retumbante em poucos minutos de exibição, o que se concretizou no final de uma trilogia que começou de forma decente, e acabou de maneira vergonhosa: Hollywood está vivendo desde alguns bons anos a síndrome das boas ideias em mãos completamente equivocadas. Essa cria de J.J. Abrams talvez seja um dos auges desta epidemia, mas há outros exemplos tão simbólicos a esse problema quanto o longa em questão que a Netflix aceitou alojar.

    Entre tantos títulos que deixaram a desejar nos últimos anos, um número que só cresce entre boas e poucas ideias mal germinadas pela qualidade da produção atual do mainstream, lembro-me ainda sobre a expectativa em torno de Elysium, em 2013. Essa destacou-se por envolver um filme de premissa fantástica, mas ambiciosa demais para o cineasta que ousou projetá-la na tela, com toda a parafernália de efeitos digitais, contexto sociopolítico e grande elenco que usou como muletas e meros atrativos para um distopia frustrante, e absolutamente esquecível.

    Contudo, o problema aqui vai além. A escala dos eventos no filme de Alex Garland são muito menores que o épico espacial estrelado por Matt Damon, e por não ter responsabilidades em fazer uma aventura explosiva para atrair o grande público, o tratamento inteligente dos temas e subtemas empregados em Aniquilação, adaptação do livro homônimo de Jeff VanderMeer (leia nossa resenha sobre o romance), torna-se muito mais enfático, simples e preciso na abordagem dos mesmos, seguindo os passos de cinco mulheres cientistas enviadas à zona, um local inabitado onde inúmeros mistérios desamparados pelas leis da física as aguardam. Uma premissa tão curiosa, e tão poderosa em sua significação, que mesmo para um diretor iniciante cujo currículo nota-se um Ex-Machina, a melhor ficção científica da década, profundamente contemplativa, filosófica e inteligentemente econômica em tudo que induz a nossa reflexão, o resultado poderia facilmente estar mais uma vez acima de qualquer média qualitativa recente.

    Natalie Portman, Oscar Isaac (sofrendo nessa segunda vez na parceria com o cineasta) e a ótima atriz Jennifer Jason Leigh fazem o que podem, perdidas no suspense que o elemento metafísico produz nas relações e destinos das suas personagens. O longa se passa numa espécie de lugar-situação, um plano paralelo despreparado para a humanidade e a sobrevivência no local, mas é incrível como o filme desaba quando aposta na expansão dos seus temas e vai além do minimalismo do começo, ou melhor dizendo, das primeiras cenas. Garland, talvez se presumindo genial, um Nolan da vida, usa seu filme em raros e tímidos momentos para trilhar o caminho entre a ficção científica sensata, e o tudo-pode da fantasia ilógica, explorando com brevidade e insegurança o limiar entre uma e outra. O resultado é insosso, inconstante e completamente incompleto, não importa em qual plataforma o filme esteja disponível.

    Salvo uma sequência ou outra lá pelo meio do filme, como quando as cientistas se deparam pela primeira vez com uma forma de vida típica da zona que investigam, tudo é de um mau gosto irritante e mais vasto que os territórios por onde nos aventuramos. Já tivemos, em 2014, um Solaris para o grande público chamado Interestelar, e agora temos um Stalker enlatado para as massas que desconhecem o valor de um Andrei Tarkovski, gênio do cinema que não chegou a assistir a desglamourização de uma de suas mais inconfundíveis assinaturas, muito além do talento de um principiante que não se chama Orson Welles: a construção profundamente cinematográfica de um pensamento filosófico sobre determinado tema, sempre a favor de uma ação enigmática na tela encenada para ser revista inúmeras vezes, e com a mais devota das percepções possível, sendo este o exato oposto desta farsa intitulada de Aniquilação.

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  • Crítica | Creed: Nascido Para Lutar

    Crítica | Creed: Nascido Para Lutar

    creed nascido para lutar

    O ano era 1976. Gerald Ford era o Presidente dos EUA após suceder Richard Nixon em decorrência do escândalo Watergate ocorrido anos antes. As políticas de bem-estar social começaram a apresentar um declínio que altera mudanças nas estruturas econômicas e políticas do país, culminando no modelo neoliberal aplicado por Ronald Reagan. Quatro anos antes, a Guerra do Vietnã havia chegado ao fim com a saída dos EUA, após forte pressão política da política externa e interna. Havia um sabor amargo na boca dos americanos e uma descrença do seu poderio e hegemonia frente ao mundo, aliado ao contexto de uma possível guerra nuclear, a qual poderia ocorrer por qualquer movimento em falso de uma das principais potências do século XX que tinha o mundo como um tabuleiro de xadrez. Se isso não fosse o bastante, o país enfrentava uma forte recessão, desemprego e inflação, criando um cenário de instabilidade e crise interna. É nesta conjuntura em que Rocky: Um Lutador é forjado por Sylvester Stallone, e por diversas vezes este cenário, e a própria história de Stallone, se mesclaria a personagem de Balboa e não mais saberíamos diferenciar o criador da criatura.

    Creed: Nascido Para Lutar não poderia ser diferente. O sétimo filme da franquia concebida pelo astro nos anos 1970 faz jus ao filme original sem desrespeitar seu próprio caminho. Os elementos conjunturais do primeiro filme se modificam, mas a crise global e o clima de incertezas e inseguranças permanecem, com as características típicas do do século XXI, tornando o novo longa uma bela releitura do filme de 1976. O ainda iniciante Ryan Coogler, responsável por Frutivale Station: A Última Parada, sabe utilizar muito bem a fórmula da série a seu favor e tem um talento natural para posicionar sua câmera e contar histórias de underdogs – azarões, personagens excluídos e à margem da sociedade.

    O longa se inicia por meio de um flashback que introduz o protagonista Adonis “Donny” Johnson (Alex Henderson) no início de sua adolescência em um centro de detenção juvenil de Los Angeles, internado por conta de pequenos delitos e do seu comportamento agressivo. Sua infância se resumiu a saltar de orfanatos e casas de detenções para menores. No entanto, sua vida muda completamente após receber a visita de Mary Anne Creed (Phylicia Rashad), que lhe diz ser filho ilegítimo de Apollo Creed (Carl Weathers), seu falecido marido e ex-campeão peso pesado de boxe.

    Os anos se passam, Adonis (Michael B. Jordan) permanece com Mary Anne na mansão construída nos áureos tempos em que Apollo era vivo, e divide seu tempo em tentativas abortadas de uma carreira empresarial e lutas clandestinas no México aos finais de semana. A genética paterna fala mais alto e Adonis decide se dedicar exclusivamente ao boxe, apesar do desgosto de sua mãe, e parte para Filadélfia para tentar convencer um velho amigo de seu pai a treiná-lo e tentar provar a si mesmo que faz jus ao legado de seu pai.

    Se para Donny é difícil carregar o peso de seu sobrenome e seu passado, o fardo é dividido e compartilhado entre seu treinador, Balboa, já que o ringue não tem mais espaço para seu corpo cansado. O tempo o venceu. E o tempo, tema tão caro para Stallone nos últimos anos, novamente retoma como um dos pontos-chave para o desenvolvimento de Rocky no longa. Em seu primeiro diálogo com Donny, ele é questionado do motivo de Apollo ter perdido a luta realizada entre eles tantos anos atrás, “Foi o tempo que o venceu. O tempo derruba a todos. Ele é imbatível”, responde Rocky. Novamente ficção e realidade se misturam na vida do astro.

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    As construções dos relacionamentos existentes em Creed: Nascido Para Lutar se alicerçam principalmente na relação entre treinador e aluno. Há uma doçura existente na presença desses personagens e o florescimento da relação se dá de maneira gradual, graças ao talento de ambos,  Stallone certamente entrega a melhor atuação de sua carreira até então, andando em uma linha tênue e encantadora de resignação, com a chegada da velhice, e o desejo e a esperança de se ver novamente no jogo, nem que isso se realize na figura de seu discípulo. A importância das relações é impressa também na personagem de Tessa Thompson, Bianca, uma jovem cantora que se envolve com Adonis. 

    Se os relacionamentos são importantes para a construção e a verossimilhança dessas personagens, são nos detalhes que o filme cresce, como em pequenos momentos de Rocky subindo a colina e conversando no túmulo de Adrian e Paulie; na divertida cena de manifestação física de nervosismo de Donny pedindo para que retirassem suas luvas minutos antes de sua primeira luta pois precisava ir ao banheiro; ou mesmo na intimidade do jovem lutador ouvindo músicas e fazendo tranças em Bianca. Apesar de Bianca possuir um problema de perda de audição progressiva, isso não toma um caráter melodramático para a trama. A doença existe e não é tratada como um ponto de virada simbólico dentro do roteiro, apenas como um fato na vida da personagem.

    A confiança de Stallone em, pela primeira vez, entregar o roteiro da série Rocky para terceiros se mostra uma escolha acertada, o texto de Coogler e Aaron Covington compreendem a essência de Rocky e as nuances contidas na personagem desde sua concepção. O trabalho de direção é impecável, seja na sutileza em retratar esses pequenos universos como também para apresentar os ringues, e isso fica claro na primeira luta profissional de Adonis. Em um plano sequência de tirar o fôlego, a cena transporta o espectador para dentro do ringue, com toda a visceralidade e brutalidade existente em uma luta de boxe.

    Coogler demonstra um nível de maturidade alto e realiza a transição entre o cinema independente e o cinema de grande estúdio sem perder sua assinatura. Enquanto isso, Stallone se reinventa, desconstrói para se reconstruir. Embaixo do brucutu que nos habituamos a ver por tantos anos – e que tanto insistiu em nos mostrar – existe um ator comprometido na composição de um personagem fragilizado, com uma mensagem universal de que a vida sempre nos deixará de joelhos, pouco importando o quão duro sejamos capazes de bater, cabendo a nós aguentarmos os golpes e seguirmos em frente.

  • Crítica | Selma: Uma Luta Pela Igualdade

    Crítica | Selma: Uma Luta Pela Igualdade

    Selma - Luta pela Liberdade - poster brasileiro

    Vulgarizamos o que não entendemos, essa é uma das verdades sobre nós. Assim é com a matemática, quando esta deixa de ser divisão e vira fração na terceira série, ou com aquela redação dada em uma época que ainda não sabemos como segurar a caneta corretamente. Estende-se essa negação quando muitos veem um casal gay na calçada, e, se não atravessam a rua, preferem cometer barbaridades a deixar que cada um viva como queira viver.

    Desculpas ao riso são músicas em inglês em ouvidos treinados em uma única língua, ou alguém que veste amarelo aos olhos de quem só gosta de verde. Não menos que um negro, hoje o homem mais poderoso do mundo ocidental, disputando eleições na maior democracia consolidada do planeta. Fato risível, isso sim, na penosa, quase cármica época que o leve e forte filme da (ótima) cineasta Ava DuVernay se apropria em recriar com fidelidade, dor e esperança no Cinema, sem quaisquer apologias emocionais ou de caráter caricatural como nos recentes 12 Anos de Escravidão, Django Livre ou Gran Torino – neste último caso, racismo explícito contra japoneses.

    Todos esses filmes, bons ou regulares, atestam a ignorância humana a favor do desumano, enquanto Selma – Uma Luta Pela Igualdade opta pela ausência dessa ignorância em troca da presença do medo que poderosos brancos tinham de dividir um grama de seu poder com uma voz… diferente. Não é ignorância frente ao desconhecido, é medo de perder o poder, pois sabiam e sabem que, se uma voz consegue reunir duas pessoas, pode reunir 200 ou 3000 para protestar contra o que as impede de ser feliz na tentativa de sobreviver. E assim como Doze Homens e Uma Sentença, clássico de Sidney Lumet, um filme americano novamente discute, sem medo e com um fôlego renovado, as dívidas morais de uma sociedade, procurando um calor progressista em um conservadorismo congelado e congelante.

    Há muitos paralelos entre a obra de Lumet e esta de Ava, em especial o debate temático mostrado em tela, o suficiente para inspirar o espectador a se posicionar ante o certo e o errado, diante do que sente, sobretudo na perspicácia de explorar recantos intrínsecos ao status de cidadania, como a criminalidade, direitos civis e meritocracia, com um background repleto de questões atemporais e principalmente ricas em perspectiva e grau de tratamento artístico.  Ao “reescrever” a história de Martin Luther King, primeiro o homem e depois o herói, o escritor Paul Webb, de Lincoln (um ótimo roteiro, fragilmente adaptado por Steven Spielberg) volta aos malabarismos com o racismo e a segregação temporal, numa verdadeira lucidez temática sobre o assunto, e finalmente muito bem traduzido por Ava. A diretora, em seu terceiro longa-metragem – quase Like a Virgin, mas habilidosa a ponto de deixar ações e trilha sonora falarem mais alto que palavras – não se apoia nos recursos de liderança já citados, mas no gênio da artista de extrair bom senso, leveza e ponderação ética do material escrito por Webb. Trabalho de veterano(a) com garra de principiante.

    Faça a Coisa Certa, Fruitvale Station: A Última Parada, Compasso de Espera e, agora, este belo tratado sobre as fraturas do convívio humano… Ressacas sociais filmadas como rito de consciência e inteligência interemocional, fazendo, através de um arranjo tão forte, grandes filmes. Filmes além de pretensões para com gregos e troianos, senão com a harmonia entre a realidade e a ficção, com o contraponto da política teórica de gabinete e a política violenta das calçadas, valorizando a força real das situações graças à potência empregada com uma câmera de Cinema (um toque de parcialidade quanto ao drama vivido), e o poder deste em recriar uma época, suas cicatrizes e implicações com o hoje e, certamente, o amanhã.

    Selma carrega uma grande e imperturbável estabilidade emocional, transmitindo-nos segurança para a veracidade de fatos e relatos demonstrados em imagens difíceis de esquecer, como as impressionantes marchas de negros nas ruas e pontes de uma nação de mentalidade ainda escravista, excomungando cidadãos não reconhecidos como tal, com forças policiais caninas e leis de separação étnica, como se não bastasse. Cenário ainda retratado no Brasil, graças à violência policial e outras expressões de poder igualmente apodrecidas de dentro para fora. No filme, um retrato sem moldura, um alívio da realidade. Em cada olhar de uma atuação coletiva impecável, notam-se as expressões reproduzidas nos jornais, de famílias removidas de suas casas, e feições em protestos a favor de uma qualidade de vida melhor – e proibida.

    Extrovertido em suas conclusões, com alma introvertida em momentos mais íntimos, onde o Sr. e a Sra. King tiram a limpo suas disposições à causa negra e devoções conjugais. O que é para muitos um drama, tachado como melodrama, tamanha a sensibilidade, feminina ou não, para com o seio a nutrir e transmitir forças ao herói em frente a Casa Branca, num discurso de políticas igualitárias histórico, num dos momentos decisivos da história americana. Selma é um símbolo que vai além de justificar, por sinal, apenas o nome da cidade onde os negros foram primeiramente reconhecidos como gente antes do resto do mundo, assim como o bairro Castro, em São Francisco, o foi para os homossexuais, e todas as veredas ainda a se tornarem marcantes para “populações inferiores”, no futuro. Assim, a partir de tais verdades compartilhadas ao leitor, nenhuma tecnologia evitará que o futuro seja o espelho do passado, enquanto quem usa verde desprezar quem gosta de amarelo.