Tag: Jeff Vandermeer

  • Crítica | Aniquilação

    Crítica | Aniquilação

    Ao assistir The Cloverfield Paradox, a fantasia lançada na Netflix em 2018, depois da Paramount jogar a bomba no colo da plataforma online já visando o fracasso que tinha em mãos, tive a certeza retumbante em poucos minutos de exibição, o que se concretizou no final de uma trilogia que começou de forma decente, e acabou de maneira vergonhosa: Hollywood está vivendo desde alguns bons anos a síndrome das boas ideias em mãos completamente equivocadas. Essa cria de J.J. Abrams talvez seja um dos auges desta epidemia, mas há outros exemplos tão simbólicos a esse problema quanto o longa em questão que a Netflix aceitou alojar.

    Entre tantos títulos que deixaram a desejar nos últimos anos, um número que só cresce entre boas e poucas ideias mal germinadas pela qualidade da produção atual do mainstream, lembro-me ainda sobre a expectativa em torno de Elysium, em 2013. Essa destacou-se por envolver um filme de premissa fantástica, mas ambiciosa demais para o cineasta que ousou projetá-la na tela, com toda a parafernália de efeitos digitais, contexto sociopolítico e grande elenco que usou como muletas e meros atrativos para um distopia frustrante, e absolutamente esquecível.

    Contudo, o problema aqui vai além. A escala dos eventos no filme de Alex Garland são muito menores que o épico espacial estrelado por Matt Damon, e por não ter responsabilidades em fazer uma aventura explosiva para atrair o grande público, o tratamento inteligente dos temas e subtemas empregados em Aniquilação, adaptação do livro homônimo de Jeff VanderMeer (leia nossa resenha sobre o romance), torna-se muito mais enfático, simples e preciso na abordagem dos mesmos, seguindo os passos de cinco mulheres cientistas enviadas à zona, um local inabitado onde inúmeros mistérios desamparados pelas leis da física as aguardam. Uma premissa tão curiosa, e tão poderosa em sua significação, que mesmo para um diretor iniciante cujo currículo nota-se um Ex-Machina, a melhor ficção científica da década, profundamente contemplativa, filosófica e inteligentemente econômica em tudo que induz a nossa reflexão, o resultado poderia facilmente estar mais uma vez acima de qualquer média qualitativa recente.

    Natalie Portman, Oscar Isaac (sofrendo nessa segunda vez na parceria com o cineasta) e a ótima atriz Jennifer Jason Leigh fazem o que podem, perdidas no suspense que o elemento metafísico produz nas relações e destinos das suas personagens. O longa se passa numa espécie de lugar-situação, um plano paralelo despreparado para a humanidade e a sobrevivência no local, mas é incrível como o filme desaba quando aposta na expansão dos seus temas e vai além do minimalismo do começo, ou melhor dizendo, das primeiras cenas. Garland, talvez se presumindo genial, um Nolan da vida, usa seu filme em raros e tímidos momentos para trilhar o caminho entre a ficção científica sensata, e o tudo-pode da fantasia ilógica, explorando com brevidade e insegurança o limiar entre uma e outra. O resultado é insosso, inconstante e completamente incompleto, não importa em qual plataforma o filme esteja disponível.

    Salvo uma sequência ou outra lá pelo meio do filme, como quando as cientistas se deparam pela primeira vez com uma forma de vida típica da zona que investigam, tudo é de um mau gosto irritante e mais vasto que os territórios por onde nos aventuramos. Já tivemos, em 2014, um Solaris para o grande público chamado Interestelar, e agora temos um Stalker enlatado para as massas que desconhecem o valor de um Andrei Tarkovski, gênio do cinema que não chegou a assistir a desglamourização de uma de suas mais inconfundíveis assinaturas, muito além do talento de um principiante que não se chama Orson Welles: a construção profundamente cinematográfica de um pensamento filosófico sobre determinado tema, sempre a favor de uma ação enigmática na tela encenada para ser revista inúmeras vezes, e com a mais devota das percepções possível, sendo este o exato oposto desta farsa intitulada de Aniquilação.

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  • Resenha | Aniquilação – Jeff Vandermeer

    Resenha | Aniquilação – Jeff Vandermeer

    Fruto da trilogia Comando Sul, iniciada em 2014, Aniquilação é uma obra de ficção científica que toma emprestados elementos do gênero terror para narrar a sua história. O desbravamento de terras até então desconhecidas remete às aventuras do Professor Challenger, criação de Sir Arthur Conan Doyle em seu Mundo Perdido, mas com uma ameaça misteriosa, temática antiga atualizada nos moldes de uma nova geração de consumidores de cultura.

    A Área X é isolada do restante do mundo. As expedições anteriores ao local diziam que este era um lugar intocado, mas as outras equipes que tentaram ir à região ou desapareceram misteriosamente  tragados pelo local  ou voltaram catatônicos, traumatizados para toda a vida. Uma nova esperança surge, e o novo grupo formado é deveras singular: uma bióloga, uma topógrafa, uma antropóloga e uma psicóloga, o que já demonstra a preocupação com um ambiente aparentemente inabitado e as consequentes condições mentais de quem tenta explorá-lo. A jornada das mulheres caracteriza-se por examinar um local inóspito, no entanto o que elas carregam consigo faz diferença direta na jornada que as espera.

    Narrando em primeira pessoa, como em um diário de bordo, a bióloga fala diretamente ao receptor, esmiuçando as condições adversas que ela e as colegas enfrentam ao se embrenharem na mata para continuar as investigações do governo. A capa da publicação  bela e simples, mantida pela Editora Intrínseca  remete ao ambiente lamacento do pântano que domina aquela região do mapa. Tudo isso ajuda a assinalar ainda mais o clima aventuresco, capturando um pouco o escapismo da história, que logo é cortado graças aos obstáculos apresentados ao quarteto.

    A preparação mental a que as moças se submetem mostra o quão grande é a preocupação com a autoestima das pesquisadoras, além do óbvio bem estar mental necessário para a jornada. A precaução é exigida depois do retorno de outras caravanas a Área X e logo apresenta-se como uma decisão sábia, pois as criaturas, que aparecem no local, são de proporções monstruosas e gigantescas, dantescas como nos livros baratos de ficção científica. A ausência dos nomes das personagens ajuda, obviamente, a inserir o leitor na trama, e maximiza o sentimento de alienação que teima em acometer o grupo de exploradoras. A Área X parece abalar quem se atreve a adentrá-la.

    Ao explorarem a mata, as mulheres têm sua jornada atravessada por um mistério: o desaparecimento de algumas companheiras. O isolamento causa na bióloga uma estranha sensação saudosista que a faz recordar dos momentos com seu marido. O lugar é tão inóspito e insuportável que em determinados pontos a narradora prefere remeter a lembranças anteriores à sua expedição, desde os tempos com o seu esposo até os momentos em que se preparava para a viagem, investigando sobre o que deu errado nas outras expedições. À medida que se embrenha na mata, ela nota um rastro de violência e, aos poucos, deixa de lado o sentimento para abraçar a fúria que tenciona acometê-la. A paranoia anunciada dá lugar ao stress factual que envolve as atitudes da protagonista. Em determinado ponto ela quebra qualquer protocolo em nome do desespero que tenta dominá-la e, eventualmente, consegue.

    Jeff Vandermeer consegue segurar o suspense durante quase toda a curta duração de seu romance. O pouco número de páginas dos escritos mostra uma tendência da indústria de editar histórias em um formato episódico, mesmo que o volume do livro não justifique isso. Tal prerrogativa é deveras discutível, pois, apesar de funcionar bem comercialmente, angariando maiores vendas casadas, pode acabar por denegrir a qualidade do produto final.

    Os últimos momentos variam entre momentos de terror e de thriller, com uma sufocante sensação. A expectativa pelos acontecimentos vindouros é enorme, mas esbarra no terrível incômodo da divisão da trama em volumes separados e na falta de uma peroração mais bem urdida – a desesperança prosseguirá nas páginas das continuações já anunciadas: Autoridade e Aceitação. Apesar disso, Vandermeer consegue imprimir um estilo arrojado em sua trama.