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  • Crítica | Jogada Certa

    Crítica | Jogada Certa

    Lançado em 2010, produzido pelo Fox Searchlight Pictures, divisão essa de filmes independentes do conglomerado da Fox, Jogada Certa é uma comédia de Queen Latifah, que vive Leslie Wright, uma fisioterapeuta que vive uma rotina de trabalhadora bem comum, entre dias bem atarefados com o trabalho e seu hobby, o basquetebol. Em menos de cinco minutos, ela passa por um encontro as escuras, que não termina tão bem quanto ela quer, e isso resume bem todo o plot do longa, ela tem que lidar com expectativas, alcançadas de frustradas, o tempo inteiro.

     Ao chegar do fracassado encontro, ela conversa com Morgan (Paula Patton), uma amiga de infância, que foi criada com ela. A bela moça busca fama e tem um ideal de vida bem diferente da protagonista. O filme lida demais com estereótipos, seja os da rotina de Leslie, que acorda bem cedo e perde tempo tentando ligar seu carro que está sempre quebrado, além de morar em uma casa caindo aos pedaços. Há uma única fonte de divertimento para ela, que é o fanatismo pelo time dos Nets, franquia que atua no Brooklyn atualmente, mas a época, chamava-se New Jersey Nets.

    Em um jogo da temporada regular, ela vê os Nets e acaba por acaso topando com Scott McKnight (Common), que vem a ser a principal arma ofensiva do time de Jersey. O jogador, que passará a ser Free Agency em breve convida a moça para ir a uma festa beneficente, e lá começa a flertar com a aproveitadora Morgan, mesmo que claramente Leslie estivesse apaixonada por ele.

    Leslie é a clássica mulher engraçada, carismática, que todos acham que tem um bom papo, mas que não a assumem porque ela veste a máscara da “linda garota feia”. Isso é ofensivo, especialmente porque Latifah parece especialista nesse tipo de papel, fazendo aqui quase todos os trejeitos comuns as suas outras inúmeras atuações, onde está sempre aos berros e gesticulando com o vazio, com trejeitos e afetações típicas. O fato do filme ser dirigido por Sanaa Hamri, especialista em comédias românticas e que anos depois do filme, seria diretora de inúmeros episódios de séries focadas no público negro (em especial, Empire), faz tudo isso soar ainda mais problemático, pois não há tato, ou busca por não parecer uma caricatura de um conto de fadas datado.

    Após aproximadamente 40 minutos, Scott é abandonado, e começa a agir como um depressivo, e obviamente que a protagonista feminina resolve agir como um ser humano sensível, trabalhando para muito além da função de fisioterapeuta que deveria exercer. Tudo isso é levado de uma maneira bem piegas, mas é nesse momento em que ele resgata suas origens, visitando quadras de basquete de rua, vendo meninos disputando 3×3 (partidas em trio), como um bom apaixonado pelo esporte. São nesses momentos que Jogada  Certa não parece um protocolo romântico engraçadinho e se aproxima de fato de um filme.

    Ela passa a ser quase uma treinadora, ou preparadora física, e essa evolução até tem sentido, exceto é claro quando ela consegue ir até o banco dos jogadores, conversar com ele. As partes jogadas são bem filmados, a decisão da diretora em filmar Common dos joelhos para cima foi uma boa alternativa para driblar a provável ausência de habilidades nos pés do sujeito, uma vez que para ele seria difícil reproduzir o jogo de pés de um armador.

    O legado da obra de Hamri mora inclusive no atual emprego de Common, como representante de comunicação dos Nets, apresentando momentos comerciais nos intervalos entre os jogos nas transmissões oficiais da NBA, mas é pouco. O final é bastante conveniente, não ousa praticamente nada, e mostra o homem dando o valor devido a moça que cuidou dele quando ninguém mais fez isso.  Jogada Certa ao menos tem momentos divertidos, e se baseia demais no carisma de Latifah e de Common, mas peca por não existir muita química entre os dois, o que é péssimo para uma comédia romântica.

    https://www.youtube.com/watch?v=Fa84_rd-CKI

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  • Crítica | O Ódio Que Você Semeia

    Crítica | O Ódio Que Você Semeia

    Eles estavam começando a se apaixonar. Estrela, ou Starr, já olhava pra aquele garoto com olhos cintilantes, e recebia o mesmo olhar em troca do rapaz que cresceu junto, combinando as mesmas gírias, costumes; compartilhando de uma cultura vista pelo sistema de ‘cultura paralela’. Hoje no mainstream pop devido a vários cantores, autores e filmes como Moonlight: Sob a Luz do Luar, e Pantera Negra, a cultura afrodescendente passa aos poucos a ser respeitada, admirada e apropriada mais por ser lucrativa, antes de tudo, e menos por simplesmente merecer o respeito dos senhores brancos. A prova disso é que, na mais banal das noites, na volta de uma festa, Khalil vira mais uma estatística ao ser baleado, ao lado da inocente Estrela, e, para tornar-se inspiração de resistência, e luta, seu sangue faz manchar o asfalto noturno aos pés da viatura que trouxe a morte.

    O Ódio Que Você Semeia se passa nos Estados Unidos no tempo do agora, mas a realidade trata de produzir remakes ao redor do mundo, e principalmente em países profundamente racistas como o Brasil, cujos índices anuais de violência divulgados não mentem sobre a direção favorita de uma bala, no asfalto ou na favela. A partir dos vários desdobramentos populares que seguem da morte de Khalil, mais um negro liquidado por ser negro em solo americano, as situações amparam, tal um cenário de fundo, o que realmente importa aqui. Como voltar ao normal, a escola, aos rolês descompromissados com os amigos, após presenciar o ódio enorme que existe do sistema contra você, sua família, e que, por muito pouco, não custou a sua própria existência?

    Talvez, a melhor cena de O Ódio Que Você Semeia, a conversão cinematográfica em 2018 do livro de Angie Thomas, seja uma cena de um minuto que plenamente resume a relevância da obra: Estrela volta para a escola de elite onde estuda, rodeada de amigos (todos brancos), e que não entendem a gravidade do que aconteceu. Ela tenta explicar, mas ninguém lá viveu o racismo na pele. Se sensibilizam, claro, mas não entendem a dor. Vai além da compreensão dos seus olhos claros. Quando focado nas relações, principalmente as familiares da garota, após o trágico incidente na qual é envolvida, o filme brilha e expõe a boa adaptação ao Cinema que a história ganhou, bem escrita e mais sugestiva, do que falada – afinal, nenhum romance merece ter suas páginas simplesmente coladas numa tela.

    Se antes era necessário parágrafos e mais parágrafos para descrever as emoções das personagens, apenas um close aqui já dá conta do recado, seja no olhar do julgamento que o pai dá ao novo namorado branco da filha, seja numa lágrima que escapa quando menos se espera. Isso porque o nível da atuação coletiva não desaponta, e muitas vezes diverte, liderada pela expressiva Amandla Stenberg, uma ótima atriz em ascensão. Ainda que sempre dividido entre a tensão do drama que envolve crimes de cunho racial, e o sentimentalismo que sobra de uma situação dessas, há um certo equilíbrio de prioridades aqui, e a direção de George Tillman Jr. mantém o tom de revolta e inconformismo até que Estrela, uma ótima personagem, finalmente entenda que as lutas nunca abandonarão a sua vida.

    Vemos aqui a construção de uma guerreira, e o custo disso a médio e longo prazo na personalidade de uma jovem cidadã, rumo a vida adulta. Por isso, é muito imprudente sequer cogitar que O Ódio que Você Semeia é apenas racismo para adolescentes, sem a força de abordar este crime contra a humanidade que outros filmes como Infiltrado na Klan apresentam – e com a força de um jumbo. A obra literária na qual o filme é oriundo não simplifica, ou suaviza seus temas inevitavelmente polêmicos e fortes, mas em ambas as mídias nas quais a história de Estrela/Starr é narrada, é então preservada a confusão emocional e psicológica que a protagonista sofre, após ver o assassinato do seu melhor amigo naquela inesquecível noite, sendo esse redemoinho de conflitos, causas e consequências, que formam a estrutura desse belo, contemporâneo e doce conto juvenil de pura resistência, e superação.

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  • Crítica | Selma: Uma Luta Pela Igualdade

    Crítica | Selma: Uma Luta Pela Igualdade

    Selma - Luta pela Liberdade - poster brasileiro

    Vulgarizamos o que não entendemos, essa é uma das verdades sobre nós. Assim é com a matemática, quando esta deixa de ser divisão e vira fração na terceira série, ou com aquela redação dada em uma época que ainda não sabemos como segurar a caneta corretamente. Estende-se essa negação quando muitos veem um casal gay na calçada, e, se não atravessam a rua, preferem cometer barbaridades a deixar que cada um viva como queira viver.

    Desculpas ao riso são músicas em inglês em ouvidos treinados em uma única língua, ou alguém que veste amarelo aos olhos de quem só gosta de verde. Não menos que um negro, hoje o homem mais poderoso do mundo ocidental, disputando eleições na maior democracia consolidada do planeta. Fato risível, isso sim, na penosa, quase cármica época que o leve e forte filme da (ótima) cineasta Ava DuVernay se apropria em recriar com fidelidade, dor e esperança no Cinema, sem quaisquer apologias emocionais ou de caráter caricatural como nos recentes 12 Anos de Escravidão, Django Livre ou Gran Torino – neste último caso, racismo explícito contra japoneses.

    Todos esses filmes, bons ou regulares, atestam a ignorância humana a favor do desumano, enquanto Selma – Uma Luta Pela Igualdade opta pela ausência dessa ignorância em troca da presença do medo que poderosos brancos tinham de dividir um grama de seu poder com uma voz… diferente. Não é ignorância frente ao desconhecido, é medo de perder o poder, pois sabiam e sabem que, se uma voz consegue reunir duas pessoas, pode reunir 200 ou 3000 para protestar contra o que as impede de ser feliz na tentativa de sobreviver. E assim como Doze Homens e Uma Sentença, clássico de Sidney Lumet, um filme americano novamente discute, sem medo e com um fôlego renovado, as dívidas morais de uma sociedade, procurando um calor progressista em um conservadorismo congelado e congelante.

    Há muitos paralelos entre a obra de Lumet e esta de Ava, em especial o debate temático mostrado em tela, o suficiente para inspirar o espectador a se posicionar ante o certo e o errado, diante do que sente, sobretudo na perspicácia de explorar recantos intrínsecos ao status de cidadania, como a criminalidade, direitos civis e meritocracia, com um background repleto de questões atemporais e principalmente ricas em perspectiva e grau de tratamento artístico.  Ao “reescrever” a história de Martin Luther King, primeiro o homem e depois o herói, o escritor Paul Webb, de Lincoln (um ótimo roteiro, fragilmente adaptado por Steven Spielberg) volta aos malabarismos com o racismo e a segregação temporal, numa verdadeira lucidez temática sobre o assunto, e finalmente muito bem traduzido por Ava. A diretora, em seu terceiro longa-metragem – quase Like a Virgin, mas habilidosa a ponto de deixar ações e trilha sonora falarem mais alto que palavras – não se apoia nos recursos de liderança já citados, mas no gênio da artista de extrair bom senso, leveza e ponderação ética do material escrito por Webb. Trabalho de veterano(a) com garra de principiante.

    Faça a Coisa Certa, Fruitvale Station: A Última Parada, Compasso de Espera e, agora, este belo tratado sobre as fraturas do convívio humano… Ressacas sociais filmadas como rito de consciência e inteligência interemocional, fazendo, através de um arranjo tão forte, grandes filmes. Filmes além de pretensões para com gregos e troianos, senão com a harmonia entre a realidade e a ficção, com o contraponto da política teórica de gabinete e a política violenta das calçadas, valorizando a força real das situações graças à potência empregada com uma câmera de Cinema (um toque de parcialidade quanto ao drama vivido), e o poder deste em recriar uma época, suas cicatrizes e implicações com o hoje e, certamente, o amanhã.

    Selma carrega uma grande e imperturbável estabilidade emocional, transmitindo-nos segurança para a veracidade de fatos e relatos demonstrados em imagens difíceis de esquecer, como as impressionantes marchas de negros nas ruas e pontes de uma nação de mentalidade ainda escravista, excomungando cidadãos não reconhecidos como tal, com forças policiais caninas e leis de separação étnica, como se não bastasse. Cenário ainda retratado no Brasil, graças à violência policial e outras expressões de poder igualmente apodrecidas de dentro para fora. No filme, um retrato sem moldura, um alívio da realidade. Em cada olhar de uma atuação coletiva impecável, notam-se as expressões reproduzidas nos jornais, de famílias removidas de suas casas, e feições em protestos a favor de uma qualidade de vida melhor – e proibida.

    Extrovertido em suas conclusões, com alma introvertida em momentos mais íntimos, onde o Sr. e a Sra. King tiram a limpo suas disposições à causa negra e devoções conjugais. O que é para muitos um drama, tachado como melodrama, tamanha a sensibilidade, feminina ou não, para com o seio a nutrir e transmitir forças ao herói em frente a Casa Branca, num discurso de políticas igualitárias histórico, num dos momentos decisivos da história americana. Selma é um símbolo que vai além de justificar, por sinal, apenas o nome da cidade onde os negros foram primeiramente reconhecidos como gente antes do resto do mundo, assim como o bairro Castro, em São Francisco, o foi para os homossexuais, e todas as veredas ainda a se tornarem marcantes para “populações inferiores”, no futuro. Assim, a partir de tais verdades compartilhadas ao leitor, nenhuma tecnologia evitará que o futuro seja o espelho do passado, enquanto quem usa verde desprezar quem gosta de amarelo.