Tag: George Tillman Jr.

  • Crítica | O Ódio Que Você Semeia

    Crítica | O Ódio Que Você Semeia

    Eles estavam começando a se apaixonar. Estrela, ou Starr, já olhava pra aquele garoto com olhos cintilantes, e recebia o mesmo olhar em troca do rapaz que cresceu junto, combinando as mesmas gírias, costumes; compartilhando de uma cultura vista pelo sistema de ‘cultura paralela’. Hoje no mainstream pop devido a vários cantores, autores e filmes como Moonlight: Sob a Luz do Luar, e Pantera Negra, a cultura afrodescendente passa aos poucos a ser respeitada, admirada e apropriada mais por ser lucrativa, antes de tudo, e menos por simplesmente merecer o respeito dos senhores brancos. A prova disso é que, na mais banal das noites, na volta de uma festa, Khalil vira mais uma estatística ao ser baleado, ao lado da inocente Estrela, e, para tornar-se inspiração de resistência, e luta, seu sangue faz manchar o asfalto noturno aos pés da viatura que trouxe a morte.

    O Ódio Que Você Semeia se passa nos Estados Unidos no tempo do agora, mas a realidade trata de produzir remakes ao redor do mundo, e principalmente em países profundamente racistas como o Brasil, cujos índices anuais de violência divulgados não mentem sobre a direção favorita de uma bala, no asfalto ou na favela. A partir dos vários desdobramentos populares que seguem da morte de Khalil, mais um negro liquidado por ser negro em solo americano, as situações amparam, tal um cenário de fundo, o que realmente importa aqui. Como voltar ao normal, a escola, aos rolês descompromissados com os amigos, após presenciar o ódio enorme que existe do sistema contra você, sua família, e que, por muito pouco, não custou a sua própria existência?

    Talvez, a melhor cena de O Ódio Que Você Semeia, a conversão cinematográfica em 2018 do livro de Angie Thomas, seja uma cena de um minuto que plenamente resume a relevância da obra: Estrela volta para a escola de elite onde estuda, rodeada de amigos (todos brancos), e que não entendem a gravidade do que aconteceu. Ela tenta explicar, mas ninguém lá viveu o racismo na pele. Se sensibilizam, claro, mas não entendem a dor. Vai além da compreensão dos seus olhos claros. Quando focado nas relações, principalmente as familiares da garota, após o trágico incidente na qual é envolvida, o filme brilha e expõe a boa adaptação ao Cinema que a história ganhou, bem escrita e mais sugestiva, do que falada – afinal, nenhum romance merece ter suas páginas simplesmente coladas numa tela.

    Se antes era necessário parágrafos e mais parágrafos para descrever as emoções das personagens, apenas um close aqui já dá conta do recado, seja no olhar do julgamento que o pai dá ao novo namorado branco da filha, seja numa lágrima que escapa quando menos se espera. Isso porque o nível da atuação coletiva não desaponta, e muitas vezes diverte, liderada pela expressiva Amandla Stenberg, uma ótima atriz em ascensão. Ainda que sempre dividido entre a tensão do drama que envolve crimes de cunho racial, e o sentimentalismo que sobra de uma situação dessas, há um certo equilíbrio de prioridades aqui, e a direção de George Tillman Jr. mantém o tom de revolta e inconformismo até que Estrela, uma ótima personagem, finalmente entenda que as lutas nunca abandonarão a sua vida.

    Vemos aqui a construção de uma guerreira, e o custo disso a médio e longo prazo na personalidade de uma jovem cidadã, rumo a vida adulta. Por isso, é muito imprudente sequer cogitar que O Ódio que Você Semeia é apenas racismo para adolescentes, sem a força de abordar este crime contra a humanidade que outros filmes como Infiltrado na Klan apresentam – e com a força de um jumbo. A obra literária na qual o filme é oriundo não simplifica, ou suaviza seus temas inevitavelmente polêmicos e fortes, mas em ambas as mídias nas quais a história de Estrela/Starr é narrada, é então preservada a confusão emocional e psicológica que a protagonista sofre, após ver o assassinato do seu melhor amigo naquela inesquecível noite, sendo esse redemoinho de conflitos, causas e consequências, que formam a estrutura desse belo, contemporâneo e doce conto juvenil de pura resistência, e superação.

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  • Crítica | Uma Longa Jornada

    Crítica | Uma Longa Jornada

    cartaz

    Um cowboy com flores nas mãos (filho de Clint Eastwood, dos faroestes brutos de Sérgio Leone). Mesmo no filme, todos debocham da suavidade de uma postura tão masculina devido a quebra de expectativa pelo buquê que carrega. Qual o destino do objeto, ninguém se pergunta ao longo da caminhada que, logo no início de Uma Longa Jornada resume o espírito do filme. E muito, tomando cuidado para ser tão fiel a obra quanto ao público, acostumado aos romances aguados e transgressores de um escritor mais adorado e famoso no cinema que John Green, de A Culpa é das Estrelas. Visões assexuadas, estilo Disney anos 50, e livres de quaisquer responsabilidade com a realidade que filmes como Superbad ou Juno possam carregar – ou não. Livros, filmes ou peças como Cinquenta Tons de Cinza, o suspense O Nevoeiro, ou esse, traduzido a partir do livro de Nicholas Sparks, é tudo uma questão de escolher o público e como defender esse público mostrando só o que já leram antes, esperando uma história que evoca a princesa e o príncipe em cada um.

    Todo o “mais” injetado para o livro fazer sentido no Cinema é audácia, é coragem de artista. Mas surpreendente, mesmo, é sentir quando o óbvio e o previsível conseguem ajudar ao invés de atrapalhar uma história semelhante a Romeu e Julieta, ainda que autossuficiente e bem realizada. Sparks é o tipo de escritor que gosta (ou apela a) narrativa epistolar, ou seja, uma trama costurada por cartas, de relato em relato. Aqui não é diferente, remetendo ao passado e a possibilidades do tempo presente, com reviravoltas e camadas sensíveis que não desviam nosso foco do casal principal (tipo o de Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, duas pelúcias). Só que o filme perde a chance de discutir e apenas sugere, pincelando de leve, leve até demais, os valores de um relacionamento ontem e hoje, sem reflexão a partir disso – o que tampouco me parece seguro afirmar que o livro provoque, aliás. Revisões podem valer a pena!

    David O. Russell é um bobo. O cineasta quer ser Martin Scorsese esquecendo de ser ele mesmo, todo mundo sabe, só que em O Lado Bom da Vida, também oriundo dos livros e alfarrábios, registra timidamente o que Uma Longa Jornada tenta, e quase consegue: A dificuldade de expressar os sentimentos num mundo muito ocupado pra assuntos sentimentais. Se no filme de 2012 isso se dá devido ao esforço de vencer uma competição de dança, e a intensidade da vida dos personagens, aqui é o desafio de convencer que uma relação inocente, em tempos líquidos e instáveis, de acordo com Zygmunt Bauman e outros pensadores, pode dar certo. Será? Que o filme se orgulha de ser inofensivo é evidente, e é justamente nisso, nos sorrisos iluminados pela fogueira na floresta num primeiro encontro, que a história tenta provar que vale a pena amar. Lindo, né? Que garota iria pra uma floresta a noite num primeiro encontro? É o caráter do nosso cowboy que explica o porquê. Mais lindo ainda, não? (Suspiros, por favor)

    E nada de trilha-sonora para pintar o quadro; aqui, a música é só a moldura – complemento. No fim, o filme só e orgulhosamente nos quer passar a sensação do primeiro beijo, aquele que a gente não esquece depois de mil lábios contra os nossos. Como se não bastasse, durante esse frescor, quer contar uma história da forma mais digna possível sem ofender quem já possui uma inteligência e sagacidade emocional mais refinada (Se 2 horas são necessárias pra isso, já é outra história). Uma Longa Jornada não para saber se o casal vai acabar junto, mas o que vai ocorrer antes de acabarem juntos, o que impede que nosso interesse pela história seja linear e não sofra digressões.

    Um caminho extenso para quando só nos bastava sentar na praia e imaginar um futuro lenitivo aos males do mundo, para também nos orgulharmos de fotografar o que nos conduz ao bem-estar e descrever os momentos no diário, ou postá-los no Instagram, ostentando em ambos os casos nossa capacidade de amar e sermos amados. Um dos filmes Beatles de 2015, de graça inesperada.