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  • Resenha | O Teorema Katherine – John Green

    Resenha | O Teorema Katherine – John Green

    “[…] E era por isso que ele gostava dela […] Ela falava com ele numa língua que, não importava a quantidade de horas que fosse estudada, não poderia ser totalmente compreendida.”

    De quem será a verdadeira voz das terceira-pessoas de John Green? Será realmente a de seus protagonistas, jovens e ainda imaturos, como no caso de Colin Singleton, ou será a voz um tanto forçada e panfletária dos seus próprios leitores que adoram se ler, com (quase) a mesma forma ávida e desregrada de se expressar nos livros de Green com que respondem a comentários nas redes sociais, ou gravam seus vlogs nerds ou de maquiagem no YouTube? Qual seria a autoria dessas vozes? Seja como for, Green é um esteta no sentido clássico da palavra, e que sabe perfeitamente bem como reproduzir essa linguagem em seus livros, estruturando-os na verdade em torno do poder desse linguajar próprio, direto e popular.

    Suas histórias são rápidas, mastigadas, com toques de previsibilidade e feitas para serem subestimadas por leitores de gosto mais exigente – poderiam ser da Disney se nelas não tivesse sexo. Como se não bastasse sua esperteza, e versatilidade comercial com seus contos de açúcar, injeta-lhes elementos de óbvia identificação geral, e voilá: receita pronta, fast-food servido; basta degustar. O Teorema Katherine não ofende, mas também não ousa enquanto literatura, ficando na famosa zona de conforto das circunstâncias que levam um ator amado por adolescentes a escrever um romance acerca de um garoto que já namorou dezenove vezes (se fosse uma garota, ninguém iria ver com bons olhos esse número) garotas com o mesmo nome: Katherine.

    Por quê? Logo no início, para assegurar o romantismo da história e algum mistério a pergunta,a trama sobre superações deixa de lado o desenrolar da genialidade na qual Colin é creditado a ter, com meros dezessete anos, para focar na cura de sua última paixonite aguda que não deu certo, de novo. Deprimido, o jovem Colin se isola mais do que nunca, oportunidade desperdiçada do livro para revirar enfaticamente a alma do seu protagonista, e nisso, é “salvo” por seu melhor amigo, Hassan, e levado a uma viagem às pressas que iria mudar suas vidas, e com potencial ao longo de uma narrativa dinâmica, como de praxe, de redefinir as suas visões de mundo.Mas por que Colin só tem olhos para as Katherine’s?

    O livro tenta criar alusões de como é sentido e encarado o amor para um adolescente de Q.I. altíssimo, mas apenas sugere situações interessantes sem se aprofundar em nenhuma – até certo ponto. Ao longo da viagem, Colin elabora uma espécie de gráfico matemático para representar o amor entre duas pessoas, do começo ao fim, vendo nisso respostas para explicar a duração de um relacionamento amoroso, ou mesmo as suas paixões de mesmo nome. Explorando a genialidade desse “momento eureca”, e a possibilidade de Colin poder ter de volta a sua última Katherine, John Green se apaixona pela ideia de racionalizar um sentimento, decodificá-lo, literalmente, e torna a jornada do jovem gênio conflituosa ao cubo para alguém que pensa saber de tudo, e ter o controle da emoção das pessoas, afinal, os números garantiriam isso – só que não.

    Já que aqui estamos lidando com os dilemas (white people problems) de um garoto cujo sobrenome Singleton já denota a solteirice que as suas quase dezenas deex’s o fazem experimentar, Green acerta em cheio quando em certos momentos resolve parcialmente desenvolver a personalidade solitária, distante e pragmática de um garoto que, de tanto estudar, desinteressou as Katherine’s de sua vida, e acaba nos seduzindo para quem ele é. Muito antes de sequer estarmos familiarizados com a história do livro, a viagem dos dois amigos, ou o teorema aparentemente idealizado, Colin já nos é tridimensional, quase palpável, e esse é um efeito muito especial e obrigatório para um bom romance juvenil começar a tomar forma, agradar e se sustentar, até o fim. É o que de fato acontece aqui, num dos melhores e mais doces (claro) romances de Green.

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  • Resenha | Quem é Você, Alasca? – John Green

    Resenha | Quem é Você, Alasca? – John Green

    John Green, o autor do famoso A Culpa é das Estrelas, não é um gênio visionário e criativo, tal o marketing dos seus livros costuma indicar. Ele na verdade passa longe dessas qualidades, raras e grandiloquentes a quem as merece, mas é a prova, junto de outros inúmeros autores oportunistas de hoje em dia, que foco é tudo – e mais um pouco – para ser bem-sucedido. Foco absoluto em seu público-alvo, adolescentes que só leem livros de entendimento óbvio e escritos (lê-se: programados) na linguagem semi informal que eles falam, numa carreira sensacionalista baseada em hype, sucessos imediatos e muita publicidade, regendo uma produção em escala industrial de romances água com açúcar que só não são contos de fada assumidos, porque hoje em dia eles saíram da moda. Só que não.

    Green virou especialista em reposicionar príncipes e princesas em outros lugares, além de castelos e masmorras. Agora, eles e elas, velhos arquétipos sob novas roupagens destituídas de delírio ou poesia, encontram-se em shopping centers, salas de aula do ensino médio, quartos bagunçados, universidades, lugarejos típicos da geração dos millennials para quem o escritor de Cidades de Papel escreve, mas o faz subestimando a inteligência e o poder de interpretação nunca testado desses jovens que adoram suas historinhas inofensivas. Quem é Você, Alasca? , publicado pela Editora Intrínseca, serve para nos provar tudo isso. Uma publicação curiosa por usar e abusar do seu realismo jovem contemporâneo, para ser o mais banal e genérico dos livros. Nem J.K. Rowling conseguiu isso com seus últimos Harry Potter, e olha que ela tentou até o fim.

    Temos aqui uma história que se torna popular por ser extraordinariamente simples, e objetivada a quem ela é escrita. Seus personagens refletem seus jovens leitores, adolescentes que pensam conhecer o mundo por estarem constantemente conectados com a internet e seus algoritmos manipuladores, ou ainda, como é o caso aqui, um bando de estudantes em colisão num alojamento conturbado, com seus planos, seus namoricos e a violência que cometem uns com os outros dando o tom de uma leitura fraca, quebradiça, previsível ao cubo e cínica, rodeando fatos e relatos sem conseguir criar tensão alguma, criando pequenos clímaces fajutos que nunca funcionam, e que nunca fazem a história, então, acontecer ou tornar-se remotamente interessante.

    A começar pela personagem título, alguém absolutamente desprezível devido o modo como o autor a posiciona. Alasca é uma garota de personalidade forte, feminista e decidida cuja aparente complexidade jamais é explorada por Green, em desdobramentos literários praticamente amadores para descrever a garota, e seus amigos, ficantes e professores no internato de Culver Creek, nos Estados Unidos. Alasca chega a ser muito mais interessante que o próprio protagonista do livro, o confuso e apático Miles Halter. Ela e Miles formam o casal improvável, mas que sabemos que ficará junto no final, cujo tratamento de Green para seu enlace é tão fraco e raquítico quanto o próprio Miles, magro como só. Sempre contando com outras pessoas da sua idade para sobreviver, superar suas dúvidas existenciais que o perturbam, e descolar cigarros para fumar escondido no banheiro, nessa difícil e inesquecível fase da adolescência.

    Existem livros que se apoiam no simbólico, no emblemático para se dar bem com seu público, entregando um discurso gratuito e sendo levemente ousados ao longo das páginas para render certas discussões, quem sabe até alguma polêmica comercialmente saudável. John Green também domina a arte da persuasão como ninguém, sendo como escritor um bom publicitário, muitas vezes com a sensibilidade de um micro-ondas, e entregando com Quem é Você, Alasca? uma espécie de homenagem quase sem inspiração criativa alguma e pouco marcante ao amor juvenil, a tudo o que habita mentes e corações de jovens em processo de descobrimento e questionamento amplos. Ele poderia ter mandado melhor nessa empreitada, caso tenha o talento que nunca demonstrou, mas aparentemente para seus fiéis seguidores, leituras do tipo são o suficiente para satisfazer seu senso-crítico alimentado por Green, e outros oportunistas de plantão.

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  • Melhores Leituras de 2015

    Melhores Leituras de 2015

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    Devido ao maior tempo dedicado a uma leitura do que assistir a um filme ou a episódios seriados de uma temporada, é natural que uma lista de Melhores Leituras seja um tanto anacrônica aos lançamentos. A isso soma-se o fato de que, ao encerrar 2014, planejei a leitura de alguns autores que desejava conhecer ou me aprofundar em suas obras, e assim chegamos às edições selecionadas abaixo como as melhores leituras do ano passado.

    Como não havia número suficiente para formatar uma única lista de livros, decidi pela abordagem mista ao introduzir e pontuar os bons quadrinhos lidos no ano. Neste aspecto, é evidente que foquei as leituras no eixo tradicional da Marvel/DC Comics, um aspecto que pretendo evitar este ano, realizando a leitura de outras obras mais autorais (possivelmente veremos esse impacto em uma futura lista deste ano, a ser publicada em 2017).

    Explicitando a falta de sincronia com lançamentos e formatos, a lista nem mesmo se ajusta à tradicional recomendação de dez itens selecionados. Mas sim doze obras, seis livros e seis HQs, para que nenhuma das boas leituras ficasse de fora. Algumas dessas indicações também foram analisadas no site logo após a leitura, dessa forma peço desculpas aos leitores por eventuais repetições de abordagem.

    Manual de Pintura e Caligrafia – José Saramago (Companhia das Letras)

    Manual de Pintura e Caligrafia - Saramago

    Narrativa de estreia do lusitano José Saramago – posteriormente, uma obra anterior seria lançada após sua morte – Manual de Pintura e Caligrafia é um vigoroso romance de estreia. O autor inverte a lógica sobre a carreira e descreve sua proposta literária logo no primeiro lançamento, contrariando manuais tradicionais de autores que sempre, em um estágio avançado da carreira, versam sobre o ofício. Misturando duas narrativas, a personagem atravessa a arte da pintura rumo à escrita, uma transição feita pelo próprio autor, transformando esta obra em um misto de metalinguagem e tese literária, ainda que os elementos narrativos que o consagraram ainda não estivessem presentes.

    Demolidor – Fim Dos Dias (Panini Comics)

    Demolidor - Fim dos Dias

    Inserido na série O Fim da Marvel Comics, Fim dos Dias é uma clara homenagem à trajetória do Homem Sem Medo. Sob a batuta de Brian Michael Bendis, a história leva Ben Ulrich a uma última reportagem quando os heróis perderam sua força como defensores. A equipe de primeira linha desenvolve uma história sem igual, simultaneamente apresentando grandes momentos e figuras de Demolidor ao mesmo tempo em que se configura como mais uma grande história de um dos personagens mais coesos do estúdio.

    Romeu e Julieta – William Shakespeare (Saraiva de Bolso, tradução de Bárbara Heliodora)

    Romeu e Julieta - Shakespeare

    Casal mais conhecido da dramaturgia de William Shakespeare, Romeu e Julieta são símbolo de amor universal, representado, transcrito e transformado em um amor perfeito. A peça considerada uma das mais líricas do autor é fundamental para destruir o conceito das personagens através dos tempos, evidenciando que o amor de dois adolescentes termina de maneira trágica devido ao frenesi impulsivo e a imaturidade. Versando com qualidade sobre a agressividade desse amor, o casal permanece no imaginário coletivo em uma bonita história trágica.

    Pantera Negra – Quem é o Pantera Negra? (Salvat / Panini Comics)

    Pantera Negra - John Romita Jr - destaque

    Anterior a modificações estruturais de personagens representativos de uma causa, a Marvel fundamentou, dois anos após a nova lei de direitos civis nos Estados Unidos, um personagem negro com uma bela mitologia. Erigido como um deus no coração de um país futurista na África, local que nunca cedeu a colonizadores, a concepção do Pantera Negra atinge versão definitiva na narrativa de Reginald Hudlin. Retomando conceitos de tradições africanas, T’Challa adquire simultaneamente uma história coesa e uma tradição tribal forte, tornando-se um importante e imponente personagem político no cenário da editora.

    O Silêncio do Túmulo – Arnaldur Indridason (Companhia das Letras)

    O Silêncio do Tumulo - Arnaldur Indridason

    Impressiona que em uma literatura normalmente considerada formulaica como a narrativa policial se possam desenvolver tantos estilos diferentes e histórias genuinamente interessantes a partir de um crime. Arnaldur Indridason compõe sua narrativa a partir de dois focos: a investigação de um esqueleto encontrado nas imediações da Reykjavík, Islândia e uma trama familiar sobre um pai abusivo. O leitor reconhece de imediato que as narrativas iram se entrecruzar e, mesmo enfocando tais tramas de modo diferente, o autor é capaz de mantê-las em um mesmo tom que, quando chega em seu ápice, desvenda o crime e revela um aspecto crítico sobre a condição social e psicológica que fomentou o assassinato. É a partir desta obra que Indridason alcança sua melhor forma.

    Gotham DPGC: No Cumprimento do Dever (Panini Comics)

    Gotham GPGC

    Ed Brubaker e Greg Rucka partiram de uma premissa interessante ao indagar como seria o contingente policial de Gotham City vivendo à sombra do Homem-Morcego. O resultado é uma revista que destaca personagens comuns vivendo em um cotidiano padrão, no qual a figura de Batman é vista com mística, sem explorar a personagem interiormente como em suas revistas mensais. A partir de dramas pessoais em meio a atentados e crimes de grandes vilões e bandidos comuns, a equipe de crimes hediondos de Gotham sobrevive diariamente nesta pesada rotina criminal. Com uma vertente narrativa genuína de histórias policiais, a equipe apresenta uma visão diferente deste universo tão explorado e querido do público.

    Here, There And Everywhere: Minha Vida Gravando os Beatles – Geoff Emerick e Howard Massey (Novo Século)

    Here There Everywhere - Minha vida gravando os beatles

    Na vasta bibliografia sobre The Beatles, dividida entre obras de jornalistas experientes, críticos renomados e personagens que pontualmente passaram pela carreira da banda, a biografia de Geoff Emerick é fundamental como uma figura de autoridade intrinsecamente ligada à banda. Responsável pela formatação da fase mais prolífica da carreira do quarteto, Emerick narra brevemente sua trajetória até conhecer a banda e nos brindar com informações daquilo que fizeram dos Beatles a banda por excelência: sua qualidade musical. Detalhes técnicos, informações e curiosidades são costuradas em uma prosa suave que nos coloca ao lado da intimidade do Fab Four sob a visão daquele que esteve acompanhando a progressão a cada ensaio e moldando o som da banda. A obra é prazerosa e nos aguça a ouvir de maneira diferente a discografia do quarteto.

    Superman – A Queda de Camelot (Panini Comics)

    Superman - A Queda de Camelot

    Publicada simultaneamente a outra grande saga de Superman, O Último Filho, esta Queda de Camelot é um longo épico dividido em duas partes. Conduzida por Kurt Busiek, um dos responsáveis pelas revistas do herói ao lado de Geoff Johns na época pós Crise Infinita no projeto Um Ano Depois. Trabalhando em linhas temporais de passado, presente e futuro, o autor cria uma história provável sobre um futuro apocalíptico ao mesmo tempo em que desenvolve o passado do vilão Arion e as crescentes ameaças do presente conhecido. O tamanho da série cria uma narrativa aventureira cíclica, composta de diversos ganchos e conduzida pela aventura, dando sequência à explícita homenagem a Era de Prata desenvolvida desde o primeiro arco de Um Ano Depois. Se O Último Filho é uma reflexão pretensiosa e fabular sobre passado e descendência, A Queda de Camelot faz da aventura o fio condutor.

    Dragão Vermelho – Thomas Harris (Record)

    Dragão Vermelho - Thomas Harris

    Um dos grandes vilões do cinema, Hannibal Lecter inicia sua trajetória nesta narrativa escrita em 1988. Thomas Harris explora com eficiência a psicologia de seu assassino e compõe um interessante laço entre o investigador Will Graham e o psicanalista canibal, o qual colabora no caso. Em um thriller psicológico aclamado por James Ellroy como um dos grandes livros do gênero, a história é pautada no desenvolvimento do caso e no suspense, demonstrando talento na composição narrativa ao criar densos personagens bizarros, inovando ao introduzir com esmero a mente criminosa em cena. Mais impressionante que esta trama é o fato do autor, após a sequência O Silêncio dos Inocentes, ter produzido duas obras sobre a personagem sem nenhum apelo e vigor equivalentes a esta obra inicial. Mesmo com uma carreira desequilibrada, Dragão Vermelho é uma narrativa impecável.

    Os Vingadores – O Mundo Dos Vingadores (Panini Comics)

    Vingadores - n 1 - Avengers World

    Responsável por assumir duas revistas dos Vingadores após oito anos sob comando de Brian Michael Bendis, Jonathan Hickman iniciava um novo ponto de partida para os Heróis Mais Poderosos da Terra, reconfigurando a equipe em sintonia com o novo processo editorial intitulado Nova Marvel. O Mundo dos Vingadores alinha novos e antigos personagens em uma renovada formação da equipe, ao mesmo tempo em que introduz novos vilões que seriam fundamentais para futuras sagas da editora. Sem medo da sombra do sucesso da passagem de Bendis, o arco é simultaneamente uma boa história como também funciona como um início para novos leitores.

    A Ditadura Envergonhada – Elio Gaspari (Intrínseca)

    Ditadura Envergonhada - Elio Gaspari

    Com intensa pesquisa em fontes diversas e uma prosa ensaística de primeira qualidade, Elio Gaspari produz uma das obras definitivas sobre a ditadura militar brasileira. Indo além da formalidade dos fatos, o autor insere um estilo narrativo próprio que aviva a época e os dramas dos conflitos vividos e seus delicados detalhes. Traçando um panorama da sociedade, observando tanto o movimento militar como os levantes contra o golpe, este é o primeiro volume de uma vasta obra sobre o período que, ainda este ano, ganha o último e definitivo desfecho.

    Batman: Cidade Castigada (Panini Comics)

    Batman - Cidade Castigada

    A saga Silêncio, anterior a Cidade Castigada, talvez tenha eclipsado a atenção voltada a esta história escrita por dois grandes parceiros: Brian Azzarello e Eduardo Risso. Se a anterior pretendia ser um grande épico em doze partes, apresentando diversões heróis e a galeria de vilões do Morcego, Cidade Castigada enfoca o Batman investigador em uma história mais eficiente e coesa que a de Jim Lee e Jeph Loeb. Gotham adquire contornos noir entre poesia e corrupção enquanto o roteiro foge de uma tradicional narrativa feita pelo morcego, acrescentando tanto uma reflexão erudita sobre a cidade quanto ampliando a limitação física do herói, sem contar uma improvável cena em que Bruce Wayne faz seu próprio jantar, desmitificando, com certo humor sem perder o tom sério da narrativa, os fatos cotidianos que o personagem, como um reflexo de um ser humano normal, executa todos os dias.

    Cidades de Papel - John GreenMenção Honrosa: Cidades de Papel – John Green. Considerando o público-alvo de sua narrativa, Green surpreende com uma história pontual sobre a transição entre a adolescência e o mundo adulto e uma percepção madura de um grupo de amigos. Um romance de formação que tem potencial para se tornar significativo no crescimento do leitor jovem.

  • Crítica | Cidades de Papel

    Crítica | Cidades de Papel

    Cidades de Papel - poster

    Segunda obra de John Green adaptada para as telas, Cidades de Papel consegue transpassar a barreira literária e se recodificar em uma narrativa cinematográfica com estilo e recursos cênicos próprios, modificando somente o essencial devido aos formatos diferentes e desenvolvendo uma bonita história sobre laços de amizade e a fase de transição e amadurecimento entre a adolescência e juventude.

    A obra de Green não é de difícil adaptação. Sua narrativa linear é estruturada de maneira simples com personagens adolescentes passando por uma ação específica de transformação. O estilo narrativo é eficiente ao compor tais personagens, e denota uma boa caracterização em cena para que não existam estereótipos.

    No papel central, Nat Wolff, presente também em A Culpa é Das Estrelas, corresponde com eficiência a Quentin, um jovem que nutre uma paixão platônica pela vizinha Margo Roth Spielgelman e participa de um engenhoso plano de vingança ao seu lado antes do desaparecimento da garota. Como um adolescente como outro qualquer, o jovem Quentin se apaixona pela beleza de Margo e nutre há anos um amor sem conhecer, de fato, sua amada.

    A trama transforma a fuga de Margo na trajetória de conhecimento de Quentin. Prestes a se formar no colegial e escolher uma faculdade, o universo conhecido do adolescente será transformado. Um rito de transição para uma juventude inexplorada e mudanças naturais da vida que deixa amizades e a família para trás. Ao mostrar Quentin e amigos partirem em uma viagem atravessando os Estados Unidos à procura de Margot, a narrativa enaltece a força da amizade e estabelece um fraterno road trip.

    O roteiro de Scott Neustadter e Michael H. Weber – que também versaram A Culpa – é eficiente ao modificar estruturas básicas da narrativa original, dando maior fluidez para a história tanto no aspecto temporal como na composição sensível dos personagens. Se há uma perda de densidade em comparação com os acontecimentos descritos por Green, há ganho no fluxo narrativo e no enfoque concentrado nas relações fraternais. Universalizando uma trama que, inicialmente, possui um público alvo específico. Ainda que em matéria de comparação, o estilo do autor mencionado anteriormente consegue ser ainda mais inspirador na mensagem do que esta adaptação, mantendo obra original e versão em bons parâmetros.

  • Crítica | Uma Longa Jornada

    Crítica | Uma Longa Jornada

    cartaz

    Um cowboy com flores nas mãos (filho de Clint Eastwood, dos faroestes brutos de Sérgio Leone). Mesmo no filme, todos debocham da suavidade de uma postura tão masculina devido a quebra de expectativa pelo buquê que carrega. Qual o destino do objeto, ninguém se pergunta ao longo da caminhada que, logo no início de Uma Longa Jornada resume o espírito do filme. E muito, tomando cuidado para ser tão fiel a obra quanto ao público, acostumado aos romances aguados e transgressores de um escritor mais adorado e famoso no cinema que John Green, de A Culpa é das Estrelas. Visões assexuadas, estilo Disney anos 50, e livres de quaisquer responsabilidade com a realidade que filmes como Superbad ou Juno possam carregar – ou não. Livros, filmes ou peças como Cinquenta Tons de Cinza, o suspense O Nevoeiro, ou esse, traduzido a partir do livro de Nicholas Sparks, é tudo uma questão de escolher o público e como defender esse público mostrando só o que já leram antes, esperando uma história que evoca a princesa e o príncipe em cada um.

    Todo o “mais” injetado para o livro fazer sentido no Cinema é audácia, é coragem de artista. Mas surpreendente, mesmo, é sentir quando o óbvio e o previsível conseguem ajudar ao invés de atrapalhar uma história semelhante a Romeu e Julieta, ainda que autossuficiente e bem realizada. Sparks é o tipo de escritor que gosta (ou apela a) narrativa epistolar, ou seja, uma trama costurada por cartas, de relato em relato. Aqui não é diferente, remetendo ao passado e a possibilidades do tempo presente, com reviravoltas e camadas sensíveis que não desviam nosso foco do casal principal (tipo o de Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, duas pelúcias). Só que o filme perde a chance de discutir e apenas sugere, pincelando de leve, leve até demais, os valores de um relacionamento ontem e hoje, sem reflexão a partir disso – o que tampouco me parece seguro afirmar que o livro provoque, aliás. Revisões podem valer a pena!

    David O. Russell é um bobo. O cineasta quer ser Martin Scorsese esquecendo de ser ele mesmo, todo mundo sabe, só que em O Lado Bom da Vida, também oriundo dos livros e alfarrábios, registra timidamente o que Uma Longa Jornada tenta, e quase consegue: A dificuldade de expressar os sentimentos num mundo muito ocupado pra assuntos sentimentais. Se no filme de 2012 isso se dá devido ao esforço de vencer uma competição de dança, e a intensidade da vida dos personagens, aqui é o desafio de convencer que uma relação inocente, em tempos líquidos e instáveis, de acordo com Zygmunt Bauman e outros pensadores, pode dar certo. Será? Que o filme se orgulha de ser inofensivo é evidente, e é justamente nisso, nos sorrisos iluminados pela fogueira na floresta num primeiro encontro, que a história tenta provar que vale a pena amar. Lindo, né? Que garota iria pra uma floresta a noite num primeiro encontro? É o caráter do nosso cowboy que explica o porquê. Mais lindo ainda, não? (Suspiros, por favor)

    E nada de trilha-sonora para pintar o quadro; aqui, a música é só a moldura – complemento. No fim, o filme só e orgulhosamente nos quer passar a sensação do primeiro beijo, aquele que a gente não esquece depois de mil lábios contra os nossos. Como se não bastasse, durante esse frescor, quer contar uma história da forma mais digna possível sem ofender quem já possui uma inteligência e sagacidade emocional mais refinada (Se 2 horas são necessárias pra isso, já é outra história). Uma Longa Jornada não para saber se o casal vai acabar junto, mas o que vai ocorrer antes de acabarem juntos, o que impede que nosso interesse pela história seja linear e não sofra digressões.

    Um caminho extenso para quando só nos bastava sentar na praia e imaginar um futuro lenitivo aos males do mundo, para também nos orgulharmos de fotografar o que nos conduz ao bem-estar e descrever os momentos no diário, ou postá-los no Instagram, ostentando em ambos os casos nossa capacidade de amar e sermos amados. Um dos filmes Beatles de 2015, de graça inesperada.

  • Resenha | Cidades de Papel – John Green

    Resenha | Cidades de Papel – John Green

    Cidades de Papel - John Green

    John Green esteve recentemente no Brasil para divulgar, ao lado do ator Nat Wolff, o lançamento cinematográfico de Cidades de Papel, quinto romance do autor publicado no país somente em 2013 pela Editora Intrínseca. Mais do que apresentar a produção, que estreia nesta quinta-feira em circuito nacional, o autor contempla, mesmo que tardiamente, o sucesso de uma de suas obras anteriores à época em que era um dos grandes representantes do young adult.

    Movimento comum no mercado editorial, nosso país recebeu primeiro sua obra de maior sucesso, A Culpa é Das Estrelas e em seguida sua bibliografia, cujo marco inicial é Quem é Você, Alasca?, seguido de O Teorema Katerine e o romance escrito a seis mãos Deixe a Neve Cair. O público brasileiro conheceu, portanto, a obra de maneira retroativa. Acompanhando sua trajetória por estas narrativas, impressiona que A Culpa é das Estrelas tenha alcançado um sucesso tão estrondoso com uma trama simples ao extremo. Considerando o público-alvo de suas narrativas, Cidades de Papel é um excelente romance de formação para jovens adultos e leitores.

    Há uma fórmula pela qual Green desenvolve seus personagens além da estrutura do young adult com personagens adolescentes narrando seus feitos: o estilo e sua linguagem favorecem a credibilidade destes papeis na época da vida em que diversas crenças são destruídas e os alicerces do mundo adulto começam a se construir: a transição da convivência escolar para a graduação, a um trabalho e, consequentemente, a ampliação do universo que o cerca.

    Não existe sutileza em sua obra: as personagens são simples ao extremo, e cativantes por serem normais. A normalidade, inclusive, torna-se objeto de identificação do público, que projeta seus anseios e inseguranças em cada personalidade. Mesmo a leitura feita por um adulto o levará a um momento nostálgico de sua própria história e, assim, o momento de transição se transforma em universal.

    O autor apresenta um romance de tese ao público juvenil, desenvolvendo entre a trama superficial uma teoria subterrânea que dialoga sobre a maturidade da vida e as mudanças que surgem naturalmente. A história é narrada por Quentin Jacobsen, adolescente que nutre pela vizinha, Margo Roth Spielman, uma paixão platônica. Certa noite, a garota invade o quarto do rapaz convocando-a para um urgente e um engenhoso plano de vingança. Após esta noite de aventura, a garota desaparece.

    O primeiro capítulo da narrativa é situado no passado destas personagens quando, ainda infantes, presenciaram um acontecimento trágico que marcou a amizade, o primeiro contato com a efemeridade da vida: um homem morto em um parque. É esta lembrança a única memória que une Quentin e Margo até o início da ação e da noite de vingança. Com o desaparecimento da personagem, o leitor conhece sua figura pelas palavras de Quentin e as demais opiniões de seus amigos. Inconformado com o desaparecimento proposital de sua amada, o garoto procura maiores informações sobre Margo e descobre que ela lhe deixou pistas de seu futuros passos. Em companhia de amigos, segue rumo à caça de seu paradeiro.

    A amizade surge como um dos primeiros argumentos defendidos pelo autor. Mesmo deslocados da popularidade escolar, Quentin e os amigos Radar e Ben formam um trio, diferentes entre si mas unidos pela fraternidade. São eles que ouvem a obsessão do garoto em encontrar Margo e também apoiam-no com teorias a respeito. Enquanto, ao mesmo tempo, a mística da garota perfeita e do amor platônico perde camadas aos poucos, revelando fragilidade.

    Como em outras obras, Green se apoia em grandes escritores para desenvolver com maior autoridade suas teses, dando vazão à ciranda narrativa que fará leitores procurarem novos autores. Dessa vez, é Walt Whitman e seu Folhas de Relva a inspiração narrativa e espelho para as personagens. Com seus poemas profundos sobre a interconectividade dos seres humanos, a sabedoria em observar outros e se reconhecer em estranhos, Whitman se transforma no símbolo de reflexão para este grupo que, aos poucos, tem consciência de que está diante de um novo momento vazio após o término do colegial.

    A jornada estabelecida à procura de Margo é um símbolo da própria transição da maturidade, de uma última aventura em conjunto. A composição não é fatalista, mas deixa nas entrelinhas a importância de se compreender cada momento de transição, respeitando os caminhos divergentes sem perder a ligação entre cada um, os fios que ligam um ao outro como citado na história.

    Sem ceder a um final feliz que seria favorável à felicidade do público mas não à própria história, Green faz um interessante romance de formação carregado de reflexões pontuais sobre a vida, principalmente no momento primordial em que boa parte de seus leitores estão situados, e encerra a narrativa sendo fiel aos princípios de seus personagens ficcionais.

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    John Green

  • Resenha | A Culpa é das Estrelas – John Green

    Resenha | A Culpa é das Estrelas – John Green

    No sexto romance de sua carreira, o americano John Green alcançou um feito invejável ao tornar-se um dos escritores vivos mais lidos e vendidos no mercado editorial global. Representante do estilo young adult, o autor foi um dos responsáveis por expandir o gênero além do nicho natural, pavimentando um caminho que se demonstrou frutífero, dando espaço a outros escritores semelhantes e promovendo uma relação coerente entre leitura e público jovem.

    Antes de se tornar a maior referência no estilo – fama que tem incomodado o escritor –, Green possuía uma base de fãs, vindos de um vlog realizado em parceria com seu irmão, promovendo, desde o início, um diálogo constante com o público. Uma ponte necessária para o reconhecimento e o sucesso, ainda mais se considerarmos que boa parcela dos leitores é  adolescente.

    Lançado pela Editora Intrínseca, A Culpa é das Estrelas permanece há mais de 65 semanas na lista dos livros mais vendidos no país. A narrativa utiliza o difícil tema do câncer como elemento central de uma história com adolescentes, um dos princípios fundamentais do gênero, o de narradores que conversam diretamente com a faixa etária alvo.

    Ao narrar como a adolescente Hazel Grace, o autor é capaz de apresentar um tema pesado com leveza. Evita o conceito amargado do fatalista para desenvolver inicialmente uma personagem simpática que, mesmo reconhecendo sua difícil condição, vive em equilíbrio com os problemas diários de um adolescente americano, e, com ironia, aceita sua condição de ter câncer no pulmão – e por isso, necessitar de aparelhos que ajudam sua respiração diariamente.

    Se dentro do gênero alguns autores conseguem expandir sua história e cativar outros leitores, esta narrativa é primariamente voltada ao público adolescente. Em décadas passadas, o jovem era um público pouco explorado pelo mercado de livros. Alguns poucos autores representava-os pontualmente, mas não havia uma linha editorial cujo enfoque destacava romances no estilo. Desde que a saga do bruxo Harry Potter de J. K. Rowling demonstrou-se eficiente e criativa (com a qualidade de ser uma leitura universal para jovens e adultos), o enfoque de um mercado adolescente se consolidou, buscando em obras anteriores uma justificativa – como o clássico O Apanhador No Campo de Centeio, de J. D. Salinger, considerado um proto-young adult – e desenvolvendo um mercado que fornece novas leituras para este grupo ávido por literatura.

    Green desenvolve com talento seus personagens centrais, reconhecendo que, além da própria doença que os atinge, há um sentimento interno de reconhecimento que precisa ser explorado. No entanto, demonstra certa imaturidade ao adentrar o inevitável drama, não inserindo o peso necessário numa trama, que, com seus personagens, ganharia maior densidade.

    Em relação ao drama, a história parece composta de maneira exemplar para realçar a emoção ao público, um artifício ideal se a obra concentra-se somente na busca da emoção pela emoção. Em uma narrativa de aproximadamente duzentas páginas, com uma leitura leve, tem-se a impressão de que o tema apresentado se desgasta rapidamente, e o autor necessitou de temas paralelos para sustentar sua história.

    Focalizando o conceito da metaficção artística, Green desenvolve um escritor fictício – lido por Hazel Grace e seu namorado, Augustus Waters –, que se transforma no objetivo de vida dos personagens. Um diálogo interessante com a ideia da ficção literária e de como os leitores veem a figura do escritor. Ao entrar em cena o escritor Van Houten, percebe-se o abismo que há entre a obra literária e a pessoa por trás do autor. Um elemento que pode se expandir através do próprio Green como autor, ciente de que os jovens leitores precisaram de uma figura concreta e real para admirar.

    Mesmo que o recurso represente uma tradição literária e adicione uma camada extra ao enredo, a história paralela ocupa boa parte da trama, demonstrando o vazio inconsistente da história de amor e sua natural desenvoltura trágica. Torna-se evidente que os jovens procuram um mestre a seguir e encontram nas palavras do escritor uma verdade supostamente universal. Mas ao enfocar a viagem e a personagem do escritor em demasia, Green assinala nas entrelinhas sua incapacidade de sustentar o bom drama que criou no primeiro terço do romance.

    Contemporâneo do escritor, Mathew Quick desenvolveu procedimentos semelhantes em sua obra mais recente, Perdão, Leonard Peacock. Porém, sua narrativa demonstra que o adolescente problemático do título é mais uma máscara do próprio autor que não tem medo de demonstrar a interferência de uma voz adulta em sua narração. Compondo um personagem mais erudito que amplia o tom dramático e conquista com maior eficiência leitores não acostumados com o gênero.

    É irrevogável a importância de Green dentro do cenário narrativo. Após o espaço aberto por Rowling, é fundamental que um autor seja capaz de oferecer ao público jovem uma leitura que o agrade. Ainda mais reconhecendo que tais jovens podem ler histórias com maior complexidade e temas difíceis de serem assimilados. Porém, no interior de sua narrativa, A Culpa é das Estrelas falha por não se estruturar com qualidade no drama proposto. O autor demonstra reconhecer muito bem as teses que promovem a emoção no leitor, mas, produzindo-a de maneira tão milimétrica, perde a naturalidade fundamental de uma trama, que, acima de tudo, é um relato amoroso.

  • Crítica | A Culpa é das Estrelas

    Crítica | A Culpa é das Estrelas

    Fault-in-our-stars

    Após o lançamento de A Culpa é das Estrelas, do carismático autor John Green, a adaptação para o cinema seria apenas uma questão de tempo. Com um sucesso estrondoso, o best-seller, lançado em 2012, desbancou As Crônicas de Gelo e Fogo como a obra literária mais vendida em várias partes do mundo, inclusive aqui no Brasil. O sucesso iminente do filme começou a se manifestar logo no lançamento do primeiro trailer, uma vez que foi o trailer mais curtido do Youtube, ultrapassando o detentor do recorde anterior, Homem de Ferro 3.

    Partindo do princípio de que esta crítica está livre de comparações ao livro, existe algo de errado em A Culpa é das Estrelas e esse erro é justamente a sinopse. O filme, competentemente dirigido por Josh Boone, não trata somente do amor entre dois jovens com câncer que se conheceram num grupo de autoajuda e de como eles lidam com o sofrimento da perda. O filme, além de mostrar o que foi dito, também demonstra uma maneira divertida (e muitas vezes incômoda pelas piadas de humor negro) de se encararem os percalços da vida com câncer e como o amor pode ajudar uma pessoa doente em sua recuperação, algo que interfere não só na vida dos protagonistas como também na das pessoas que os cercam. Tudo isso dentro de uma jornada inesperada, com um desfecho interessante, o que difere dos muitos filmes do gênero, causando surpresa não pelo óbvio (que também existe e muito), mas sim porque além do câncer e da dor da perda a vida ainda prepara inúmeros dissabores.

    Hazel Grace Lancaster (Shailene Woodley) é uma jovem diagnosticada com câncer na tireoide com metástase nos pulmões, obrigando-a a respirar com um tubo de oxigênio (e também carregando-o) pelo resto de sua vida. A vida de Hazel é bastante tediosa: ela passa o dia lendo livros e assistindo a programas banais na televisão. Acreditando estar com depressão, a menina aceita os conselhos de sua mãe, Frannie (a sumida Laura Dern) e passa a frequentar um grupo de apoio da igreja juntamente com jovens na mesma situação que a dela.

    Não demora muito pra Hazel trombar literalmente num corredor com Augustus Waters (Ansel Elgort), jovem, bonito, com cara de canastrão. E a partir desse contato físico, clichê o bastante, Hazel se interessa pelo rapaz, o que faz com que ela corra ao banheiro para arrumar o cabelo, limpar alguma remela perdida no decorrer dos dias de inanição.

    Durante a reunião, Hazel descobre que “Gus” já “passou” pelo câncer, o que lhe custou uma perna e que ele estava ali acompanhando seu melhor amigo, Isaac (Nat Wolff), vítima de câncer nos olhos e que se tornaria 100% cego dentro de semanas. É também nesta reunião que Hazel e Gus têm sua primeira discussão, o que faz com que o rapaz vá atrás dela na saída, convidando-a para ir à sua casa, sendo este um dos aspectos negativos do filme, porque tudo acontece muito rápido.

    Porém, por sorte, o filme é mais do que isso.

    Como dito, Hazel adora livros e empresta seu preferido a Gus. Acontece que o livro não tem fim e “acaba” no meio de uma frase. Ademais, o autor do livro, Van Houten (brilhantemente vivido por Willem Dafoe), nunca respondeu aos e-mails de Hazel, que é louca para conhecê-lo e por querer saber qual o destino dos personagens do livro. Assim, Hazel e Gus embarcam numa viagem à Amsterdã, onde reside o mais que recluso autor, com a ajuda de uma ONG (muito parecida com a Make a Wish) e da carismática Lidewij (Lotte Verbeek), secretária de Van Houten.

    O filme funciona e você acaba não ligando para os inúmeros clichês e momentos fofos entre o casal, que somente dá seu primeiro beijo na metade da fita. Aliás, o filme é longo, tem duas horas e seis minutos de duração, mas a fluidez é tanta que nem se percebe o tempo passar.

    Ansel Elgort faz um Augustus Waters bobo, do tipo engraçadinho, mas que também te faz rir. Ele é inteligente e convicto nas suas ideias, te fazendo acreditar que realmente tudo o que ele fala tem fundamento. O destaque fica por conta de seu cigarro sempre apagado em sua boca, o que é seu porto seguro. Gus acredita que mantendo o cigarro apagado ele estaria enganando a morte. Porém, o excesso de piadas de mau gosto do personagem, inclusive para com seu amigo Isaac, chega a cansar.

    Shailene Woodley despertou a curiosidade de Hollywood por ter sido alvo de uma polêmica causada pelos fãs do Homem-Aranha, que praticamente obrigaram o diretor de O Espetacular Homem-Aranha: A Ameaça de Electro, Mark Webb, a cortar as participações da atriz como Mary Jane, simplesmente porque Woodley parecia não convencer pelas fotos das filmagens que vazaram. O episódio irritou a atriz, que pediu demissão, rescindindo um contrato de três filmes. Porém, em A Culpa é das Estrelas, Woodley, que já tinha estrelado outra adaptação de sucesso, Divergente, comprova que é uma atriz competente e versátil.

    Embora o filme flua, o roteiro não é bem amarrado, o que deixa algumas pontas soltas que poderiam ter sido resolvidas. Por exemplo, percebe-se claramente que o pai de Hazel, Michael (Sam Trammel), não está confortável com o relacionamento de sua filha com Gus, porém, não se sabe o momento em que Michael passa a aceitar Gus em sua família. Ele simplesmente aceita, do nada. Outro exemplo, esse um pouco mais sério, porque interfere diretamente numa das cenas mais lindas do longa, foi a motivação de Lidewij em querer mostrar ao casal a casa onde Anne Frank se refugiou antes de ser descoberta pelos nazistas. Mas, como dito, a cena é um dos pontos altos do filme, onde a trilha sonora abre espaço somente para os diálogos dos personagens e da narração do diário de Frank publicado em 1947.

    Finalmente, o saldo é bem positivo e a direção de Boone é moderna, lembrando um pouco o ritmo de 500 Dias Com Ela, com muitas doses de humor, sendo influenciado, também, por Scott Pilgrim Contra o Mundo, já que quando Hazel e Gus trocam mensagens pelo celular, as mensagens aparecem escritas na tela dentro de balões desenhados à mão. E a fotografia é bastante sutil e subliminar. Há cenas bem coloridas, e outras sem muita cor, o que demonstra o humor ou a carga emocional do filme naquele determinado momento, principalmente em Amsterdã, onde o clima é o tempo todo nublado.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.