Tag: Mark Isham

  • Crítica | Fogo No Céu

    Crítica | Fogo No Céu

    Em 1975, Travis Walton viveu um caso ufológico dos mais famosos, quando com alguns amigos foi à Floresta Nacional de Sitgreaves, no Arizona, podar árvores. Fogo no Céu foi a versão cinematográfica dessa história, uma adaptação conduzida por Jonathan Liebersman em 1993.

    Logo é mostrado um bar de caminhoneiros e motoqueiros onde os habitantes do lugar confraternizam e somos apresentados a Mike Rogers (Robert Patrick), um pai de família comum e melhor amigo de Travis (D.B. Sweeney), que já está desaparecido há dias depois de ter uma luz estranho atravessando seu corpo. A história é contada em flashback, até o derradeiro e estranho momento deste contato.

    Liebersman e seu elenco tentam trazer uma atmosfera de sobriedade, com elementos de thriller e suspense, mas esbarram na clara dificuldade da maioria dos atores em expressar sutilezas ou nuances. Patrick não é um ator expressivo, e quando o filme tenta parecer grave ou sério, faz rir de maneira não proposital, beirando um pastiche involuntário.

    É curioso como esse era, para muitos, um filme assustador, do tipo que os pais escondiam dos filhos nos anos noventa. Esse temor na revisão não se justifica, a não ser que o receio do familiar seja que seus filhos pereçam por conta de tédio ou monotonia. Antes o problema do filme fossem efeitos especiais digitais ou práticos, a questão é que ele parece um grande episódio de série que não deu certo, ou como um piloto de um programa cancelado por motivos mil, entre eles, a pobreza do roteiro.

    Com 70  minutos  o quadro muda, Travis retorna à trama e a atmosfera muda. O modo como se desenrola a discussão sobre seu desaparecimento e suposta abdução envolve cenas confusas, lembranças vagas de eventos traumáticos e momentos que condizem com o que poderia ter sido um contato real com seres de outros planetas. Mesmo esses bons momentos são cortados por uma música  bastante intrusiva, regida por Mark Isham.

    A escolha por deixar um clima dúbio nas cenas de contato imediato é acertada, até por conversar com a possibilidade de Travis ser um charlatão. A variação entre ilusão, delírio e lembranças reprimidas casam bem com a realidade tangível de quem faz depoimentos sobre abdução. As criaturas invasoras são bem feitas, com aparência orgânica e textura, e não parecem meros bonecos disfarçados. Se acabasse ali, Fogo no Céu certamente teria uma força maior.

  • Crítica | Uma Longa Jornada

    Crítica | Uma Longa Jornada

    cartaz

    Um cowboy com flores nas mãos (filho de Clint Eastwood, dos faroestes brutos de Sérgio Leone). Mesmo no filme, todos debocham da suavidade de uma postura tão masculina devido a quebra de expectativa pelo buquê que carrega. Qual o destino do objeto, ninguém se pergunta ao longo da caminhada que, logo no início de Uma Longa Jornada resume o espírito do filme. E muito, tomando cuidado para ser tão fiel a obra quanto ao público, acostumado aos romances aguados e transgressores de um escritor mais adorado e famoso no cinema que John Green, de A Culpa é das Estrelas. Visões assexuadas, estilo Disney anos 50, e livres de quaisquer responsabilidade com a realidade que filmes como Superbad ou Juno possam carregar – ou não. Livros, filmes ou peças como Cinquenta Tons de Cinza, o suspense O Nevoeiro, ou esse, traduzido a partir do livro de Nicholas Sparks, é tudo uma questão de escolher o público e como defender esse público mostrando só o que já leram antes, esperando uma história que evoca a princesa e o príncipe em cada um.

    Todo o “mais” injetado para o livro fazer sentido no Cinema é audácia, é coragem de artista. Mas surpreendente, mesmo, é sentir quando o óbvio e o previsível conseguem ajudar ao invés de atrapalhar uma história semelhante a Romeu e Julieta, ainda que autossuficiente e bem realizada. Sparks é o tipo de escritor que gosta (ou apela a) narrativa epistolar, ou seja, uma trama costurada por cartas, de relato em relato. Aqui não é diferente, remetendo ao passado e a possibilidades do tempo presente, com reviravoltas e camadas sensíveis que não desviam nosso foco do casal principal (tipo o de Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, duas pelúcias). Só que o filme perde a chance de discutir e apenas sugere, pincelando de leve, leve até demais, os valores de um relacionamento ontem e hoje, sem reflexão a partir disso – o que tampouco me parece seguro afirmar que o livro provoque, aliás. Revisões podem valer a pena!

    David O. Russell é um bobo. O cineasta quer ser Martin Scorsese esquecendo de ser ele mesmo, todo mundo sabe, só que em O Lado Bom da Vida, também oriundo dos livros e alfarrábios, registra timidamente o que Uma Longa Jornada tenta, e quase consegue: A dificuldade de expressar os sentimentos num mundo muito ocupado pra assuntos sentimentais. Se no filme de 2012 isso se dá devido ao esforço de vencer uma competição de dança, e a intensidade da vida dos personagens, aqui é o desafio de convencer que uma relação inocente, em tempos líquidos e instáveis, de acordo com Zygmunt Bauman e outros pensadores, pode dar certo. Será? Que o filme se orgulha de ser inofensivo é evidente, e é justamente nisso, nos sorrisos iluminados pela fogueira na floresta num primeiro encontro, que a história tenta provar que vale a pena amar. Lindo, né? Que garota iria pra uma floresta a noite num primeiro encontro? É o caráter do nosso cowboy que explica o porquê. Mais lindo ainda, não? (Suspiros, por favor)

    E nada de trilha-sonora para pintar o quadro; aqui, a música é só a moldura – complemento. No fim, o filme só e orgulhosamente nos quer passar a sensação do primeiro beijo, aquele que a gente não esquece depois de mil lábios contra os nossos. Como se não bastasse, durante esse frescor, quer contar uma história da forma mais digna possível sem ofender quem já possui uma inteligência e sagacidade emocional mais refinada (Se 2 horas são necessárias pra isso, já é outra história). Uma Longa Jornada não para saber se o casal vai acabar junto, mas o que vai ocorrer antes de acabarem juntos, o que impede que nosso interesse pela história seja linear e não sofra digressões.

    Um caminho extenso para quando só nos bastava sentar na praia e imaginar um futuro lenitivo aos males do mundo, para também nos orgulharmos de fotografar o que nos conduz ao bem-estar e descrever os momentos no diário, ou postá-los no Instagram, ostentando em ambos os casos nossa capacidade de amar e sermos amados. Um dos filmes Beatles de 2015, de graça inesperada.

  • Crítica | Caçadores de Emoção

    Crítica | Caçadores de Emoção

    Caçadores de Emoção - Capa - Blu Ray

    Causa estranhamento no espectador que analisa a fita do primeiro sucesso comercial de Kathryn Bigelow. Sob as fortes ondas da praia da parte costeira da Califórnia, estão as cenas de ação, em um chuvoso stand de tiro do FBI. O espírito de Caçadores de Emoção é resumido ainda nos créditos iniciais, com a apresentação de John Utah, vivido por um Keanu Reeves ainda cru.

    O cenário de eterno veraneio serviria como despiste para os olhos e para a alma de Utah, que, apesar da figura de certinho, não esconde a ambiguidade no olhar e no proceder policial. Sua apresentação ao seu novo parceiro, Angelo Pappas (do canastrão Gary Busey), deveria ser responsável por mais um pé na realidade, o que acaba por tornar-se um agravo na obsessão. O primeiro trabalho dos dois é analisar um bando de assaltantes, homens que, munidos de máscaras de presidentes, assaltam bancos fazendo arruaças barulhentas.

    O excesso de novidade e adrenalina faz Utah gritar e tentar motivar seu parceiro entediado, convencendo-o com argumentos vazios a se aprofundar na procura pela identidade dos “Nixons” e “Reagans”. Logo, os dois tiras percebem que no bando há ao menos um surfista, e John é indicado por seu parceiro a aprender a surfar, quase se afogando em sua primeira tentativa. A câmera debaixo d’água exibe um desespero quase suicida, um clamor de alma em busca de algo que claramente lhe falta. No caso, adrenalina.

    O primeiro contato do tira é com a mulher que o salva, Tyler Ann Endicott (Lori Petty), uma bela moça com antecedentes criminais a quem ele pediria ajuda para surfar, quebrando o gelo com seu óbvio charme, cedendo aos caprichos noventistas de realizar uma montagem musical treinando no esporte. Logo, o namorado da moça reaparece para demonstrar seus ciúmes e ser introduzido na história. Bodhi é um homem vidrado em adrenalina, um Patrick Swayze de cabelos enormes, que somente após um jogo de futebol americano na areia aceita o novo rapaz no grupo.

    Após sofrer duras críticas – a pergunta certa seria: “por que tão tarde?!” – John e Angelo são questionados por resultados, e é neste momento em que a dupla tem a brilhante ideia de coletar fios de cabelos dos surfistas para comparar com os dos assaltantes, e, assim, demarcar se aquela era a praia correta para a investigação. Depois de um imbróglio com outro grupo de surfistas, Johnny é salvo por Bodhi, que a partir daí começa uma intensa relação fraterna com ele, imune às ameaças de amor livre, aos enormes buracos de roteiro e às inúmeras gírias datadas.

    Caçadores de Emoção não tem qualquer semelhança narrativa com outros filmes de desafio e ondas, fora o óbvio visual. O espírito aventuresco tenta associar a vida burlesca ao comum ato de contravenção, onde os limites morais e éticos não são tão claros, mas ligados ao apolíneo. O comportamento de John aos poucos muda, assumindo esse caráter após fracassos em empreitadas policiais, distantes do estilo e do crescimento da subida que faz junto aos surfistas. Seu ethos é tomado por uma grande provação quando ele começa a associar a figura de seus novos amigos aos assaltantes de bancos, mesmo que a semelhança estivesse exposta ao público desde o começo do filme.

    Diante da obrigação empregatícia de pegar os fugitivos, Utah titubeia, se acovarda por não querer ferir o grupo que passou a chamar de família. A partir daí, ele sofre reprimendas e provações dos dois lados distintos que já defendeu. Após uma prova de morte, tem um mirabolante plano de redenção através de um assalto junto com seus novos companheiros. Apesar da justificativa patética, a cena em que todos os planos chegam a ruína se exacerba de emoção, causada por ações completamente irresponsáveis da parte dos que são agentes da lei.

    A tragédia e a confusão unem as almas gêmeas de John e Bodhi numa relação homoafetiva e platônica, que persiste mesmo diante do trabalho do policial e da fria letra da lei. Após brigas, ameaças de morte e prisão, os dois personagens olham um para o outro para somente enxergar o próprio reflexo e a vontade mútua de tornar carnal aquela união. Uma relação semelhante a de Top Gun – Ases Indomáveis, ainda que Caçadores de Emoção seja bem mais sutil. A aura de divertimento quase justifica as enormes falhas do roteiro, especialmente pelas belas cenas de ação e pelo embrião do que viria a ser o cinema de Bigelow.

    Compre aqui: Caçadores de Emoção