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  • Crítica | O Grinch (2000)

    Crítica | O Grinch (2000)

    O Grinch é um longa natalino dos anos 2000, protagonizado por Jim Carrey e dirigido pelo boa praça Ron Howard. A trama se desenrola mostrando passado e presente do famoso personagem que odeia o Natal, por um motivo que no original era um mistério, mas que seria descoberto pela pequena Cindy Lou (Taylor Momsen).

    Lendo a sinopse, o longa parece mais uma história comum que retrata a data festiva, mas o roteiro trata de uma adaptação do escritor Dr. Seuss, famoso na literatura infantil por trazer histórias cínicas, que não tratam crianças como pessoas ingênuas e tolas. Suas mensagens divergem bastante do status quo e do conservadorismo de sua época.

    A preocupação dos estúdios era apresentar uma história sobre como o consumismo arruína o sentimento natalino, quando a história é mais que isso, dado que mostra uma personagem cuja raiz de maldade é desconhecida, e esse é um dos charmes dele, diferente desta versão.

    Mas nem tudo é negativo. Cindy representa uma variação da ideia de Seuss a respeito da perversão dos valores mais puros da sociedade. Ela questiona sua família e amigos do quanto eles se entregam para o consumismo e o quão supérfluo pode ser essa linha de pensamento, e perceber que existe outra figura que também não simpatiza com a data, no caso, o Grinch, faz ela seguir na direção dele.

    Há uma dificuldade de Hollywood em lidar com a mitologia de Seuss, em O Gato, lançado em 2003, o resultado foi tão negativo que a viúva do escritor entrou na justiça para que não houvesse mais filmes live actions baseado nesses livros infantis. A Illumination atualmente tem os direitos das histórias, e dribla essa condição fazendo filmes animados baseados nos livros do escritor, todas vazias de significado feitas unicamente para vender brinquedos e afins.

    Se o leitor estiver realmente curioso para ver obras sobre a carreira e personagens do autir, nos anos sessenta foi lançada uma série de animações para a televisão, entre elas Como o Grinch Roubou o Natal, comandada pelo mestre em animações Chuck Jones, o mesmo que ajudou a imortalizar a figura sacana de Pernalonga e outras personagens Looney Tunes na segunda metade do século XX.

    A produção é peculiar especialmente pela caracterização dos Quem. Ao passo que a direção de arte acerta na figura do Grinch e no cenário de sua casa — suja, bagunçada e cavernosa, como o interior do “monstro” — toda a arquitetura da Quemlândia é caricata, parecendo mais um parque de diversões de baixo investimento do que o lar de uma raça humanoide estranha. Não há também um equilíbrio entre os momentos mais lúdicos e o humor mais  físico. Há muitos piadas de flatulência, e elas parecem estranhas ao dividir espaço com a narração prosaica de  Anthony Hopkins.

    Ao menos a atmosfera da obra denuncia a falsa moralidade de autoridades políticas e do povo em geral, mas o preço para isso é uma abordagem que chega a irritar de tão doce que é a mentalidade dos Quem ou ao que eles pregam, já que praticamente todas as pessoas do vilarejo escondem algo. É fácil entender o Grinch, odiar essas pessoas é obrigação para qualquer sujeito honesto.

    Dr. Seuss escrevia de maneira sucinta, então para ter uma história de mais de noventa minutos foi preciso inventar muita coisa. Aqui se dá um passado trágico ao personagem, que visa explicar sua rejeição ao natal. A motivação soa banal e piora quando divide tela com as desnecessárias referências a cultura pop. A ideia de transformar o vilão em alguém que se autoflagela não era ruim, e visto a qualidade das produções posteriores das adaptações do autor, essa é a mais bem sucedida nos cinemas, especialmente por não demonizar o incompreendido, embora o Grinch não necessite de redenção ou de explicação para a raiz de seus problemas. Se isso não fosse o bastante, infelizmente, o personagem ainda fica marcado demais pelo desempenho físico de Carrey, que mesmo estando bem, ajuda a descaracterizar o personagem clássico transformando-o em outra coisa.

  • Crítica | Caçadores de Emoção

    Crítica | Caçadores de Emoção

    Caçadores de Emoção - Capa - Blu Ray

    Causa estranhamento no espectador que analisa a fita do primeiro sucesso comercial de Kathryn Bigelow. Sob as fortes ondas da praia da parte costeira da Califórnia, estão as cenas de ação, em um chuvoso stand de tiro do FBI. O espírito de Caçadores de Emoção é resumido ainda nos créditos iniciais, com a apresentação de John Utah, vivido por um Keanu Reeves ainda cru.

    O cenário de eterno veraneio serviria como despiste para os olhos e para a alma de Utah, que, apesar da figura de certinho, não esconde a ambiguidade no olhar e no proceder policial. Sua apresentação ao seu novo parceiro, Angelo Pappas (do canastrão Gary Busey), deveria ser responsável por mais um pé na realidade, o que acaba por tornar-se um agravo na obsessão. O primeiro trabalho dos dois é analisar um bando de assaltantes, homens que, munidos de máscaras de presidentes, assaltam bancos fazendo arruaças barulhentas.

    O excesso de novidade e adrenalina faz Utah gritar e tentar motivar seu parceiro entediado, convencendo-o com argumentos vazios a se aprofundar na procura pela identidade dos “Nixons” e “Reagans”. Logo, os dois tiras percebem que no bando há ao menos um surfista, e John é indicado por seu parceiro a aprender a surfar, quase se afogando em sua primeira tentativa. A câmera debaixo d’água exibe um desespero quase suicida, um clamor de alma em busca de algo que claramente lhe falta. No caso, adrenalina.

    O primeiro contato do tira é com a mulher que o salva, Tyler Ann Endicott (Lori Petty), uma bela moça com antecedentes criminais a quem ele pediria ajuda para surfar, quebrando o gelo com seu óbvio charme, cedendo aos caprichos noventistas de realizar uma montagem musical treinando no esporte. Logo, o namorado da moça reaparece para demonstrar seus ciúmes e ser introduzido na história. Bodhi é um homem vidrado em adrenalina, um Patrick Swayze de cabelos enormes, que somente após um jogo de futebol americano na areia aceita o novo rapaz no grupo.

    Após sofrer duras críticas – a pergunta certa seria: “por que tão tarde?!” – John e Angelo são questionados por resultados, e é neste momento em que a dupla tem a brilhante ideia de coletar fios de cabelos dos surfistas para comparar com os dos assaltantes, e, assim, demarcar se aquela era a praia correta para a investigação. Depois de um imbróglio com outro grupo de surfistas, Johnny é salvo por Bodhi, que a partir daí começa uma intensa relação fraterna com ele, imune às ameaças de amor livre, aos enormes buracos de roteiro e às inúmeras gírias datadas.

    Caçadores de Emoção não tem qualquer semelhança narrativa com outros filmes de desafio e ondas, fora o óbvio visual. O espírito aventuresco tenta associar a vida burlesca ao comum ato de contravenção, onde os limites morais e éticos não são tão claros, mas ligados ao apolíneo. O comportamento de John aos poucos muda, assumindo esse caráter após fracassos em empreitadas policiais, distantes do estilo e do crescimento da subida que faz junto aos surfistas. Seu ethos é tomado por uma grande provação quando ele começa a associar a figura de seus novos amigos aos assaltantes de bancos, mesmo que a semelhança estivesse exposta ao público desde o começo do filme.

    Diante da obrigação empregatícia de pegar os fugitivos, Utah titubeia, se acovarda por não querer ferir o grupo que passou a chamar de família. A partir daí, ele sofre reprimendas e provações dos dois lados distintos que já defendeu. Após uma prova de morte, tem um mirabolante plano de redenção através de um assalto junto com seus novos companheiros. Apesar da justificativa patética, a cena em que todos os planos chegam a ruína se exacerba de emoção, causada por ações completamente irresponsáveis da parte dos que são agentes da lei.

    A tragédia e a confusão unem as almas gêmeas de John e Bodhi numa relação homoafetiva e platônica, que persiste mesmo diante do trabalho do policial e da fria letra da lei. Após brigas, ameaças de morte e prisão, os dois personagens olham um para o outro para somente enxergar o próprio reflexo e a vontade mútua de tornar carnal aquela união. Uma relação semelhante a de Top Gun – Ases Indomáveis, ainda que Caçadores de Emoção seja bem mais sutil. A aura de divertimento quase justifica as enormes falhas do roteiro, especialmente pelas belas cenas de ação e pelo embrião do que viria a ser o cinema de Bigelow.

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