Tag: kathryn bigelow

  • Os Esnobados do Oscar 2018

    Os Esnobados do Oscar 2018

    2017 foi um ano fraco pra produção norte-americana de filmes. Isso refletiu num Oscar surpreendentemente com mais justiças que a recorrência anual da premiação, reconhecida por esnobar grandes títulos. Mesmo assim, ótimos títulos ficaram de fora, quase como se fosse inevitável disso acontecer, já que um mesmo filme geralmente é escolhido e recebe inúmeras nomeações. Segue-se abaixo os cinco principais esquecidos e outsiders da maior festa desta safra de premiações.

    Z: A Cidade Perdida (James Gray)

    Provavelmente foi o melhor filme americano exibido no Brasil no ano passado, e de um dos grandes cineastas em atividade na grande indústria do Cinemão, de lá. Após algumas revisões, nota-se Z: A Cidade Perdida como um tributo elementar a um tipo de olhar cinematográfico refinado, entendido por Gray enquanto refinamento histórico e estético ao caso do explorador, diante de um cosmos pelo qual o ‘civilizado’ se deixa seduzir. Um território ímpar para esforços e triunfos narrativos em tela que os prêmios escolheram não ver, ou não apostaram para que suas vitórias não fossem assim unânimes.

    Sem Fôlego (Todd Haynes)

    O diretor do belíssimo Carol voltou com um filme quase tão lindo quanto, e que assim como o trabalho de Gray, conseguiu o feito de passar despercebido pelas premiações e quase que o mesmo se o assunto for a imprensa especializada americana. Em Sem Fôlego, Todd Haynes agora invoca a fabulação típica de uma obra de Brian Selznick, mas bisbilhota, novamente, num filme de aventura e fantasia permanente, os diversos valores da conexão tocante que há entre o uso descritivo das suas imagens, fundindo-as com serenidade numa narrativa visual bem bacana. Merecia atenção.

    Detroit em Rebelião (Kathryn Bigelow)

    Filme policial bastante tenso e nada bonitinho de se ver, daí o desprezo por parte das votações nos prêmios recentes, contando com excelente elenco, majoritariamente negro, e a mesma direção feminina que entrou pra história em 2010 ao deixar James Cameron comendo poeira e permitir também que um Oscar de direção fosse conquistado por alguém de vestido, e salto alto. Detroit em Rebelião, ainda que seja sobre a indigestão civil quanto as instituições que esmagam a identidade do povo, Kathryn Bigelow, branca, não se agoniza, e discursa as tensões raciais da época com tremenda objetividade.

    Bom Comportamento (Ben e Joshua Safdie)

    Não é porque não tem vídeo da reação de Scorsese no YouTube ao assistir Bom Comportamento, que ele não tenha ficado orgulhoso disso. Um filme que revive tão bem a tensão que passa os marginalizados da sociedade que é difícil não invejar o trabalho honesto, pulsante e muito direto dessa dupla de diretores, sobre dois irmãos que tentam sobreviver numa selva de pedra após um assalto a banco de execuções incrivelmente falhas, e consequências imprevisivelmente perigosas. Difícil é esquecer a cena do carro a qual a frase “Lay down! Make yourself invisible!” emblema.

    Mulher-Maravilha (Patty Jenkins)

    E eis que o universo DC brilhou, e sem truques de montagem ou o apelo inadvertido dos fãs. Um cheiro leve e bacana de originalidade, representação da diversidade de gênero (uma possibilidade de abrangência social que os espetáculos vêm usando cada vez mais, inclusive em 2018 com a diversidade racial de Pantera Negra) e um gosto ainda que modesto de novas possibilidades de entretenimento – mesmo que este seja um gosto suave de ‘quero mais’. De história e resoluções narrativas nem tão grandiosas, esse marco cultural de Patty Jenkins foi o filme mais lucrativo de 2017 e merecia ser lembrado pelos icônicos figurinos e a ambientação do mundo da deusa amazona.

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Crítica | Detroit em Rebelião

    Crítica | Detroit em Rebelião

    Kathryn Bigelow é especialista em criar tensão, seus últimos dois filmes foram destaque – também – por essa característica, Guerra ao Terror a rendeu o primeiro Oscar de melhor direção para uma mulher, além de ganhar melhor filme, e também foi extremamente feliz com seu filme seguinte, A Hora Mais Escura. A diretora segue essa vertente de guerra em seu novo filme, Detroit em Rebelião, e mais uma vez constrói muito bem momentos de tensão, mas infelizmente, só momentos.

    Iniciado com uma incomum animação explicando os eventos que o longa retratará, Detroit em Rebelião, que conta com o roteiro de Mark Boal, retrata is conflitos ocorridos em solo americano em 1967 entre a população negra e a polícia, especificamente em um motel de Detroit, onde em uma noite uma equipe de policiais torturaram física e psicologicamente um grupo homens negros e duas garotas brancas, em busca de uma arma.

    Dividido em claros três atos, o segundo é o mais funcional e livre de deslizes, o primeiro tenta dar um plano de fundo para o conflito e alguns personagens, mas acaba sendo extenso demais e ás vezes até entediante, as imagens são fortes e os embates entre os dois lados da “guerra” são bem filmados, mas nada que prenda a atenção e corre muito risco de perder o espectador ali. O segundo, o micro do conflito, os acontecimentos do motel, fisgam o interesse finalmente, a característica câmera na mão de Bigelow é muito bem-vinda e as atuações são tão fortes quanto pede a narrativa. A dinâmica dentro do motel, apesar do espaço limitado, não fica cansativa e os desdobramentos de algumas decisões dos policiais são essenciais para atiçar a curiosidade acerca de como a história terminará.

    Apesar de boas interpretações, o longa não fica livre de um desequilíbrio de personagens, algumas vítimas no motel não tem espaço necessário para se criar algum vínculo, um policial soa caricato em momentos que não pareciam propícios e vários deles, como o personagem de Anthony Mackie, são esquecidos pelo próprio filme depois que o longa adentra teu terceiro ato, esse que é morno, sem impacto e decepcionante, principalmente por desperdiçar a discussão de vários assuntos e não escancarar problemáticas.

    O trabalho de Bigelow aqui é nobre e em vários momentos soa promissor, mas não só de momentos se vive uma narrativa. Detroit em Rebelião se perde em seus três atos muito diferentes entre si e por conta disso parece se importar mais com um do que com outros, seja com os próprios atos ou com os próprios personagens.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

  • Crítica | Caçadores de Emoção

    Crítica | Caçadores de Emoção

    Caçadores de Emoção - Capa - Blu Ray

    Causa estranhamento no espectador que analisa a fita do primeiro sucesso comercial de Kathryn Bigelow. Sob as fortes ondas da praia da parte costeira da Califórnia, estão as cenas de ação, em um chuvoso stand de tiro do FBI. O espírito de Caçadores de Emoção é resumido ainda nos créditos iniciais, com a apresentação de John Utah, vivido por um Keanu Reeves ainda cru.

    O cenário de eterno veraneio serviria como despiste para os olhos e para a alma de Utah, que, apesar da figura de certinho, não esconde a ambiguidade no olhar e no proceder policial. Sua apresentação ao seu novo parceiro, Angelo Pappas (do canastrão Gary Busey), deveria ser responsável por mais um pé na realidade, o que acaba por tornar-se um agravo na obsessão. O primeiro trabalho dos dois é analisar um bando de assaltantes, homens que, munidos de máscaras de presidentes, assaltam bancos fazendo arruaças barulhentas.

    O excesso de novidade e adrenalina faz Utah gritar e tentar motivar seu parceiro entediado, convencendo-o com argumentos vazios a se aprofundar na procura pela identidade dos “Nixons” e “Reagans”. Logo, os dois tiras percebem que no bando há ao menos um surfista, e John é indicado por seu parceiro a aprender a surfar, quase se afogando em sua primeira tentativa. A câmera debaixo d’água exibe um desespero quase suicida, um clamor de alma em busca de algo que claramente lhe falta. No caso, adrenalina.

    O primeiro contato do tira é com a mulher que o salva, Tyler Ann Endicott (Lori Petty), uma bela moça com antecedentes criminais a quem ele pediria ajuda para surfar, quebrando o gelo com seu óbvio charme, cedendo aos caprichos noventistas de realizar uma montagem musical treinando no esporte. Logo, o namorado da moça reaparece para demonstrar seus ciúmes e ser introduzido na história. Bodhi é um homem vidrado em adrenalina, um Patrick Swayze de cabelos enormes, que somente após um jogo de futebol americano na areia aceita o novo rapaz no grupo.

    Após sofrer duras críticas – a pergunta certa seria: “por que tão tarde?!” – John e Angelo são questionados por resultados, e é neste momento em que a dupla tem a brilhante ideia de coletar fios de cabelos dos surfistas para comparar com os dos assaltantes, e, assim, demarcar se aquela era a praia correta para a investigação. Depois de um imbróglio com outro grupo de surfistas, Johnny é salvo por Bodhi, que a partir daí começa uma intensa relação fraterna com ele, imune às ameaças de amor livre, aos enormes buracos de roteiro e às inúmeras gírias datadas.

    Caçadores de Emoção não tem qualquer semelhança narrativa com outros filmes de desafio e ondas, fora o óbvio visual. O espírito aventuresco tenta associar a vida burlesca ao comum ato de contravenção, onde os limites morais e éticos não são tão claros, mas ligados ao apolíneo. O comportamento de John aos poucos muda, assumindo esse caráter após fracassos em empreitadas policiais, distantes do estilo e do crescimento da subida que faz junto aos surfistas. Seu ethos é tomado por uma grande provação quando ele começa a associar a figura de seus novos amigos aos assaltantes de bancos, mesmo que a semelhança estivesse exposta ao público desde o começo do filme.

    Diante da obrigação empregatícia de pegar os fugitivos, Utah titubeia, se acovarda por não querer ferir o grupo que passou a chamar de família. A partir daí, ele sofre reprimendas e provações dos dois lados distintos que já defendeu. Após uma prova de morte, tem um mirabolante plano de redenção através de um assalto junto com seus novos companheiros. Apesar da justificativa patética, a cena em que todos os planos chegam a ruína se exacerba de emoção, causada por ações completamente irresponsáveis da parte dos que são agentes da lei.

    A tragédia e a confusão unem as almas gêmeas de John e Bodhi numa relação homoafetiva e platônica, que persiste mesmo diante do trabalho do policial e da fria letra da lei. Após brigas, ameaças de morte e prisão, os dois personagens olham um para o outro para somente enxergar o próprio reflexo e a vontade mútua de tornar carnal aquela união. Uma relação semelhante a de Top Gun – Ases Indomáveis, ainda que Caçadores de Emoção seja bem mais sutil. A aura de divertimento quase justifica as enormes falhas do roteiro, especialmente pelas belas cenas de ação e pelo embrião do que viria a ser o cinema de Bigelow.

    Compre aqui: Caçadores de Emoção

  • Crítica | A Hora Mais Escura

    Crítica | A Hora Mais Escura

    Zero-Dark-Thirty-poster

    A diretora Kathryn Bigelow parece ter apreciado a temática EUA vs Oriente Médio. Dois anos após faturar 6 estatuetas do Oscar, incluindo Melhor Filme, com Guerra ao Terror, Bigelow retorna com A Hora Mais Escura.

    A película que ilustra a caçada ao mentor dos atentados do 11 de Setembro, Osama Bin Laden (ou UBL, como é referenciado em alguns momento do filme), roteirizada por Mark Boal, já estava sendo escrita quando o anúncio da morte de Bin Laden foi feito, em Maio de 2011. Imediatamente Kathryn e Boal começaram a retrabalhar o roteiro para que o longa fosse condizente com os novos fatos.

    O resultado deste nos apresenta Maya, interpretada por Jessica Chastain, uma jovem analista da CIA que tem seu primeiro contato em campo interrogando prisioneiros da Al Qaeda no oriente médio – in loco.

    Inicialmente intimidada pelas técnicas de interrogatório, Maya possui uma evolução espetacular e brilhantemente interpretada. Anos se passam enquanto a mesma persegue pistas as quais, em boa parte do tempo, só ela acredita que estas devam levar a algum lugar. Jessica Chastain se supera de forma magistral e demonstra a crueza que, catalizada pela obsessão, transforma-se em convicção.

    O roteiro de Boal que trabalha com elipses temporais constantemente faz uso de capítulos para prosseguir com a narrativa. Os capítulos bem explicitados não levam o espectador a perda da noção  de continuidade. Ademais, o roteiro evolui muito bem quase sempre com, pelo menos, uma tensão martelando sua mente. A segurança dos envolvidos nunca é certa, e o transpasse dessa sensação é fortalecido por ótimas atuações do elenco. Destaque para Jason Clarke, Kyle Chandler e Jennifer Ehle.

    A direção de fotografia de Greig Fraser (Deixe-me Entrar) é eficiente e dinâmica, trabalhando com cenários diversos. Há, de fato, uma identidade visual bem trabalhada. Desplat (Árvore da Vida) toma as rédeas da trilha sonora que, ainda que extremamente mais notável quando escutada à parte, cumpre sua função narrativa.

    A Hora Mais Escura culmina em uma captura curiosa e bem conduzida. A cineasta coordena toda esta apreensão de forma precisa e sensata, sem jamais perder a linha. A Hora Mais Escura explora, ainda que uma versão duvidosa, o trabalho descomunal e personificado de uma nação para capturar o maior de seus inimigos. Bigelow, por mim você volta a esta temática o quanto quiser.

    Texto de autoria de Matheus Porto.