Tag: todd haynes

  • 10 Grandes Filmes do Cinema LGBTQ+

    10 Grandes Filmes do Cinema LGBTQ+

    “Eles nunca terminam em final feliz.”, é o que mais se ouve dessa temática que quando atinge o interesse do grande público, como no caso de Azul é a Cor Mais Quente, não pela qualidade do filme mas pela polêmica que provocou no festival de Cannes, em 2013, é algo bem raro. Os festivais o adoram, mas o cinema mainstream tem medo dele, sempre procurando a segurança de um beijo hétero para garantir uma ampla identificação lucrativa. Mas no cinema também há espaço para a figura lésbica, gay, bissexual, transexual, queer, ontem e hoje, a favor da representação e da visibilidade de quem foge dos padrões normativos. Talvez, um dia, um blockbuster com uma super-heroína drag queen alcance um bilhão nas bilheterias, e enquanto isso não vira realidade, por isso, o Vortex Cultural separou dez títulos para (re)assistirmos e celebrar a diversidade.

    Juventude Transviada (Nicholas Ray, 1955)

    O melhor filme LGBTQ+ sem ser um filme LGBTQ+. A relação de Jim Stark (a lenda James Dean) com o garoto John, interpretado por Sal Mineo, invoca um sentido dúbio que, se não claramente romântico, é ultra sugestivo a algo a mais que uma amizade masculina. Dos olhares ás intenções no filme do mestre Nicholas Ray (“Posso ficar na sua casa hoje, Jim?”), o clássico que usa as cores e o brilho do cinemascope de forma revolucionária evita a todo custo ser o Brokeback Mountain de meio século atrás, mas para bom entendedor, meia intenção já basta.

    Chá e Simpatia (Vincente Minnelli, 1956)

    Retrato do que era o bullying nos anos 50 antes de ser chamado de bullying, quando um jovem de classe média enfrenta todo tipo de dificuldade por fugir dos arquétipos padrões; por sua sexualidade cada vez mais aparente e controversa a dos seus “amigos” da escola, contando assim com o apoio de uma mulher mais velha e que acaba mudando sua vida. Apesar do absurdo final heteronormativo ao contexto mais ousado da história, Chá e Simpatia representa com perfeição, muita sutileza e um tanto além do seu tempo o quão difícil é ser diferente, ao invés de se tentar ser diferente, como ainda se julga, em uma sociedade intolerante.

    Tabu (Nagisa Oshima, 1999)

    Dois samurais, símbolos da masculinidade (seja lá o que isso quer dizer), interessados cada vez mais um pelo outro a cada cena que passa. A sabedoria do grande cineasta japonês Nagisa Oshima pode ser medida em pequenos detalhes conforme o tempo avança, como na tensão sexual metaforizada pela câmera tremida, nas reviravoltas e no suspense geral que verte dessa tensão que domina as cores, movimento e o ritmo da produção, como um todo. Um dos grandes romances da década de noventa.

    Má Educação (Pedro Almodóvar, 2004)

    No drama em torno de dois meninos separados na infância pela igreja católica, e no seu reencontro a partir de circunstâncias completamente diferentes na vida adulta, a narrativa que Pedro Almodóvar cria ao redor dos fatos verídicos e às vezes enganosos dessa história de reconciliação, e interesses dos mais variados é fantástica, fluindo um delicioso e instigante clima de imprevisibilidade, e mistério. Um filme corajoso por sua temática e inteligente na sua condução, possivelmente sendo o melhor do realizador espanhol.

    Mal dos Trópicos (Apichatpong Weerasethakul, 2004)

    O homem entregue sem limites para o desconhecido dos seus instintos. Para onde isso nos levaria num cenário propício e inconsequente para isso? Mal dos Trópicos é uma odisseia por essa possibilidade com o foco na atração passional entre dois filipinos, jovens e encarando com a maior naturalidade do mundo a sua paixão mútua, culminando na surrealista metamorfose de um deles em um animal e deixando a natureza decidir por eles o que é certo, e o que é errado. Clássico contemporâneo do impronunciável diretor asiático Apichatpong Weerasethakul. Eu falei.

    Como Diz a Bíblia (Daniel G. Karslake, 2007)

    O documentário que melhor explora no Cinema os dois lados da mesma moeda: O atacado e quem ataca, e o que melhor deixa claro o quanto esses dois valores se “enfrentam” com medo mútuo, além ou aquém do respeito pela humanidade do próximo. Surfando através de momentos e depoimentos emocionantes a respeito de igualdade, conservadorismo, liberdade, ignorância, respeito, família e aceitação, se muitos acham os filmes de Michael Moore grandes exercícios de investigação, Como Diz a Bíblia por pouco não os faz parecer amadores. Algo intensamente verdadeiro, provocador, reflexivo, chocante às vezes e sempre honesto.

    Além da Fronteira (Michael Mayer, 2012)

    Entre Romeu e Julieta havia um conflito, e entre Nimer e Roy também. Dois amantes separados por um impasse ideológico praticamente inextrincável – um é palestino, o outro israelense. Ambos tentando se enganar e viver da melhor forma possível o que sentem, à medida que a realidade que existe entre as fronteiras começa a cobrar um preço mais do que alto. O desafio era grande, e o drama é invariavelmente pesado para nos fazer sentir pelo menos 1% da dificuldade da situação. Diferente de todos os títulos dessa lista, Além da Fronteira nos lembra que não há amor sem as suas doses de dor, e sacrifício. Não neste mundo.

    Azul é a Cor Mais Quente (Abdellatif Kechiche, 2013)

    A partir de um encontro desencontrado de Adéle com Emma numa faixa de pedestres movimentada de Paris, o filme sela dois compromissos com a gente, um simples e um nada fácil: Responder a razão da cor da maioria das calças jeans no mundo merecer ser admirada (e desejada) como a mais efervescente que há, e como as paixões adolescentes podem ser adaptadas para o Cinema com toda a potência que elas nascem e porventura se mantém, e de uma forma ainda nunca vista até então, com o universo explodindo para isso em prazer, risos, lágrimas e matizes de ciano até o fim.

    Carol (Todd Haynes, 2015)

    Eleito o melhor filme LGBTQ+ pelo Instituto Britânico de Cinema, em 2015, Carol é uma grande homenagem aos grandes romances do passado, atemporais, revitalizados aqui por duas divas da Hollywood atual, Cate Blanchett e Rooney Mara, e pela visão magnifica do diretor Todd Haynes, sempre esnobado pelo Oscar. Defendendo a ideia de que arte é amor, e que amor é arte, e um não existe sem o outro, Haynes conjurou um filme-poesia numa das mais respeitosas obras cinematográficas desse século.

    Moonlight: Sob a Luz do Luar (Barry Jenkins, 2016)

    A jornada de Chiron, negro, pobre e gay pelas fases da sua vida dura é um triunfo semi obtido de tornar Cinema, por simples gestos minimalistas ou olhares de sensibilidade abismal, inúmeras noções e verdades inconvenientes ironicamente minoritárias dentro do que a sociedade já inferioriza, ou ignora. Moonlight é silencioso e todo contido em si, não poderia deixar de ser, e carrega consigo um gosto muito bom de ineditismo e de sucesso representativo oriundos de um autor tão novato, quanto Barry Jenkins.

    Facebook – Página e Grupo | Twitter Instagram.

  • Crítica | Sem Fôlego

    Crítica | Sem Fôlego

    Todd Haynes ostenta claramente aqui um espectro fílmico suspenso no tempo. Sem Fôlego é um filme que não pertence aos dias de hoje, em absoluto, ou seja, é bom demais para a geração snapchat e seus pais também hipnotizados pela TV, por sua vez. É uma fábula infantil deslocada do cotidiano (que ousa representar) e que não representa em absolutamente nada a esquizofrenia midiática e o tempo social atuais. Por isso mesmo, merece ser descoberta por aqueles cujo olhar se estende um pouco além do catálogo mainstream, de sempre.

    Em plenos anos 70, temos aqui o clássico garoto que busca pelo pai e é atingido por um raio, e já nos idos de 20, uma garota independente também a procura de alguém, de sua mãe, e principalmente do seu lugar no mundo selvagem, efervescente e movediço de Nova York que o filme bem demonstra, sempre com uma direção de artes e figurinos maravilhosos. Em meio a essa temporalidade, uma semelhança entre os dois é inevitável: a surdez, casual ou não, e você ai já deve estar se perguntando: Por que o filme abre espaço para tratar de duas histórias, quando uma já renderia o encanto que o título em inglês carrega, Wonderstruck?

    Porque Haynes quer falar sobre o tempo. Posto que é cineasta da fabulação, e que usa e abusa da fruição de uma câmera e de seus filtros imagéticos para destilar as engrenagens lúdicas de seus universos paralelos, onde arquétipos sociais fingem ser pessoas normais para capturarem nossa identificação com as personagens e suas realidades expostas, algo que Quentin Tarantino por exemplo também explora e o faz com agressividade incomparável, após o ultra merecido sucesso crítico de Carol, de 2015, o cineasta pareceu querer apostar de verdade na essência fabulesca de sua perspectiva voltando sua atenção ao imaginativo escritor Brian Selznick.

    Eis então a fusão de um diretor de cinema cada vez mais respeitado após o melhor romance da década estrelado por Rooney Mara e Cate Blanchett, junto ao famoso autor de livros para crianças cuja cria mais icônica talvez seja A Invenção de Hugo Cabret, aquela aventura divertida e despretensiosa que Martin Scorsese transformou em homenagem escrachada ao cinema com um dos mais belos usos do 3D que já se viu num filme norte-americano. Nos olhos de Haynes, por outro lado, o projeto é cozinhado com calma e profundidade de hipóteses cativas, sendo que o universo infantil de Selznick jamais seria infantilizado na adaptação de sua(s) trama(s), mas serenamente abordado na viagem até então mais estética e poeticamente refinada da carreira do cineasta sendo, afinal, um expoente tanto das épocas que ilustra, quanto do próprio cinema de quem o rege.

    Mas o que vale realmente a sessão de Sem Fôlego é o trato dado as imagens, e principalmente, o que fica claro a cada cena, o zelo pela conexão hiper coerente entre elas, o peso da interação entre significados diferentes interligados por um corte único, algo típica e fundamentalmente cinematográfico, até surgir outro corte e tudo mudar de direção novamente, sem jamais perder o ritmo, a identidade e a regularidade de significações na narrativa que segue crianças numa jornada de descobrimento, e autodescobrimento através de um mundo, conflitos e sentimentos humanos tão próprio delas, e ao mesmo tempo, tão próximos dos nossos, numa América ligada por duas épocas pertencentes ao mesmo século, onde um toque desferido de lirismo e poesia no mundo real para que este, num momento seguinte, o mesmo possa se infestar de lirismo, algo de certo incompreensível pelo espectador insensível, faz toda a diferença.

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Os Esnobados do Oscar 2018

    Os Esnobados do Oscar 2018

    2017 foi um ano fraco pra produção norte-americana de filmes. Isso refletiu num Oscar surpreendentemente com mais justiças que a recorrência anual da premiação, reconhecida por esnobar grandes títulos. Mesmo assim, ótimos títulos ficaram de fora, quase como se fosse inevitável disso acontecer, já que um mesmo filme geralmente é escolhido e recebe inúmeras nomeações. Segue-se abaixo os cinco principais esquecidos e outsiders da maior festa desta safra de premiações.

    Z: A Cidade Perdida (James Gray)

    Provavelmente foi o melhor filme americano exibido no Brasil no ano passado, e de um dos grandes cineastas em atividade na grande indústria do Cinemão, de lá. Após algumas revisões, nota-se Z: A Cidade Perdida como um tributo elementar a um tipo de olhar cinematográfico refinado, entendido por Gray enquanto refinamento histórico e estético ao caso do explorador, diante de um cosmos pelo qual o ‘civilizado’ se deixa seduzir. Um território ímpar para esforços e triunfos narrativos em tela que os prêmios escolheram não ver, ou não apostaram para que suas vitórias não fossem assim unânimes.

    Sem Fôlego (Todd Haynes)

    O diretor do belíssimo Carol voltou com um filme quase tão lindo quanto, e que assim como o trabalho de Gray, conseguiu o feito de passar despercebido pelas premiações e quase que o mesmo se o assunto for a imprensa especializada americana. Em Sem Fôlego, Todd Haynes agora invoca a fabulação típica de uma obra de Brian Selznick, mas bisbilhota, novamente, num filme de aventura e fantasia permanente, os diversos valores da conexão tocante que há entre o uso descritivo das suas imagens, fundindo-as com serenidade numa narrativa visual bem bacana. Merecia atenção.

    Detroit em Rebelião (Kathryn Bigelow)

    Filme policial bastante tenso e nada bonitinho de se ver, daí o desprezo por parte das votações nos prêmios recentes, contando com excelente elenco, majoritariamente negro, e a mesma direção feminina que entrou pra história em 2010 ao deixar James Cameron comendo poeira e permitir também que um Oscar de direção fosse conquistado por alguém de vestido, e salto alto. Detroit em Rebelião, ainda que seja sobre a indigestão civil quanto as instituições que esmagam a identidade do povo, Kathryn Bigelow, branca, não se agoniza, e discursa as tensões raciais da época com tremenda objetividade.

    Bom Comportamento (Ben e Joshua Safdie)

    Não é porque não tem vídeo da reação de Scorsese no YouTube ao assistir Bom Comportamento, que ele não tenha ficado orgulhoso disso. Um filme que revive tão bem a tensão que passa os marginalizados da sociedade que é difícil não invejar o trabalho honesto, pulsante e muito direto dessa dupla de diretores, sobre dois irmãos que tentam sobreviver numa selva de pedra após um assalto a banco de execuções incrivelmente falhas, e consequências imprevisivelmente perigosas. Difícil é esquecer a cena do carro a qual a frase “Lay down! Make yourself invisible!” emblema.

    Mulher-Maravilha (Patty Jenkins)

    E eis que o universo DC brilhou, e sem truques de montagem ou o apelo inadvertido dos fãs. Um cheiro leve e bacana de originalidade, representação da diversidade de gênero (uma possibilidade de abrangência social que os espetáculos vêm usando cada vez mais, inclusive em 2018 com a diversidade racial de Pantera Negra) e um gosto ainda que modesto de novas possibilidades de entretenimento – mesmo que este seja um gosto suave de ‘quero mais’. De história e resoluções narrativas nem tão grandiosas, esse marco cultural de Patty Jenkins foi o filme mais lucrativo de 2017 e merecia ser lembrado pelos icônicos figurinos e a ambientação do mundo da deusa amazona.

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Melhores Filmes de  2016

    Melhores Filmes de 2016

    Ano passado fizemos nossa primeira lista coletiva de melhores filmes do ano, a partir da seleção pessoal de cada crítico do site. Uma lista que representava, mesmo que em um pequeno grupo, o melhor dos melhores. O sucesso nos fez repetir essa fórmula ainda que uma lista sempre tenha comentários a favor e contra.

    Nada mais junto se considerarmos uma equipe heterogênica, formada por diferentes estilos de crítica, cada um com uma tendência cinematográfica diferente. O resultado sempre é positivo, ainda que alguns leitores se perguntem porque este ou aquele filme não está presente.

    Em nossa lista dos melhor dos melhores, é perceptível que o grande filão atual de Hollywood, os filmes baseados em quadrinhos, vem sofrendo uma queda. Se as bilheterias ainda mantém uma fatia gorda do mercado, o mesmo não se pode dizer da qualidade, fator com que dividiu as produções de quadrinhos na lista dos piores e com apenas um representante na de melhores (particularmente, eu acrescentaria mais duas produções nessa lista, mas, apesar de estarem em minha lista pessoal, não foram bem pontuados na lista geral, desculpe Strange e Rogers).  A lista talvez não seja surpreendente ressaltando alguma grande obra ignorada pela crítica em geral, mas demonstra o quanto é possível realizar um bom cinema tanto em facetas autorais como no mais básico – e bacana – cinema pipoca de explosões, sangue e, se possível, quartas paredes quebradas.

    A lista, enfim.

    10. A Grande Aposta (Adam McKay, 2015) – Por Fábio Candioto

    A Grande Aposta apareceu nos cinemas de 2016 quase como uma surpresa. Adam McKay, responsável pelo filme, era mais conhecido pelos filmes de Ron Burgundy, como O Âncora, mas nesta produção indicada ao Oscar de melhor filme do ano passado, o passo dado adiante é gigantesco, ao contar a história de como alguns economistas americanos conseguiram observar e prever a crise imobiliária e financeira de 2008. Contando com grande elenco e um tom misturando comédia e sarcasmo (devido ao nível do absurdo de como as operações financeiras eram realizadas), A Grande Aposta traz um excelente e didático filme, que consegue entreter com seus personagens, diálogos e principalmente uma narrativa que poderia ser embromada e confusa devido ao tema, mas flui naturalmente tanto para interessados quanto para leigos no tema.

    9. Carol (Todd Haynes, 2015) – Por Filipe Pereira

    Todd Haynes executa um filme sucinto e tocante, que menciona temas de ternura e amor através de manifestações puras. O drama de Carol carrega semelhanças com outra produção de sua filmografia, Longe do Paraíso, ainda que que sejam diferentes em destalhes cruciais. Além de conter uma fotografia que faz abrilhantar ainda mais o incisivo roteiro, o filme ainda conta com uma atuação inspirada de Cate Blanchett, que faz uma mulher forte e decidida, que não se dobra diante da vontade masculina e conservadora que predomina no restante da humanidade. Rooney Mara executa também um trabalho brilhante que dialoga com perfeição ao de Blanchett, mesmo que seu personagem seja completamente diferente de Carol. As trocas de olhares falam muito e tornam a interação entre o casal principal em algo profundo e sentimental, denunciando a inevitabilidade do destino de ambas, explicitando o quão profundo era o laço emocional que as unia.

    8. Capitão Fantástico (Matt Ross, 2016) – Por Amilton Brandão

    Não é por acaso que o novato diretor Matt Ross inicia seu filme com um ritual de iniciação primitivo. O ritual tem sua valia tanto para Bo (George Mckay), filho primogênito de Ben (Viggo Mortensen) quanto para o espectador. A crueza e intensidade da cena serve como preparação para o conjunto de valores e idéias que serão apresentados e discutidos ao longo do filme.

    Ben vive com seus seis filhos em uma floresta reclusa, longe de praticamente todas influências da sociedade moderna como a conhecemos. Nesse pequeno refúgio eles cultivam uma vida de acordo com os valores da contracultura, onde discussões literárias ao redor da fogueira são casuais e incentivadas, assim como a música e artes em geral. Essa quebra do antiquíssimo modelo da família nuclear por si só traz uma reflexão necessária em tempos onde o moralismo e o conservadorismo ainda ameaçam qualquer vertente filosófica que desafie o status quo. Sempre entregando qualidade em sua atuação, Mortensen demonstra o quão difícil e conflituoso pode ser uma vida na qual um pai realmente têm que ouvir seus filhos argumentando e usando as ferramentas intelectuais que ele mesmo os ensinou para fazer valer suas próprias vontades.

    O roteiro demonstra maturidade ao deixar claro as vantagens e as desvantagens desse estilo de vida. Os filhos de Ben são poliglotas, versados em literatura clássica e até física avançada. Seu pai é o próprio responsável por grande parte dessa educação e o mesmo estimula seus filhos a realmente pensar, analisar, refletir e argumentar suas idéias. Quando uma de suas filhas tenta usar a palavra “interessante” para descrever o livro que estava lendo no momento (Lolita), Ben replica dizendo que isso é uma “não-palavra”’ e pede que ela analise e discorra sobre sua visão da obra. Até os mais jovens, são capazes de um questionamentos sócio-político sagaz. O filme nos apresenta essas situações de maneira criativa e descontraída, casando com o tom do primeiro ato. Ao mesmo tempo deixando claro que a ausência da mãe começa a pesar cada vez mais sobre toda a família.

    7. Os Oito Odiados (Quentin Tarantino, 2016) – Por Jackson Good

    Certa vez definiram Quentin Tarantino como “o mais cool dos cineastas cult” – seja lá o que isso signifique exatamente. O fato é que diretor sempre transita entre as alas de quem curte analisar sub-textos e metalinguagens e daqueles interessados simplesmente numa diversão sanguinolenta. Ainda que sua imagem de ídolo “alternativão” construída pré-Kill Bill venha sendo contestada a cada novo filme lançado, é gratificante vê-lo solto e despreocupado, fazendo claramente o que quer no seu último longa, intitulado Os Oito Odiados.

    Mais uma vez ambientando-se no Velho Oeste, assumidamente um dos seus gêneros preferidos, Tarantino naturalmente homenageia clássicos, começando pela trilha sonora do mito Enio Morricone. Há também espaço para auto-referências bastante claras, como uma releitura de Cães De Aluguel e o uso de seus atores-fetiche Kurt Russell, Tim Roth, Cristoph Waltz e Samuel L. Jackson (fantástico, aliás). Se você quiser dar pontos pela sátira/crítica à sociedade norte-americana e sua formação baseada em violência, misoginia, paranoia e imoralidades afins, tudo bem. Mas a impressão é de que o plot (diferentes personagens presos em uma estação de diligências durante uma nevasca, todos com segredos e interesses obscuros) é apenas uma desculpa para o velho Quentin se divertir com suas homenagens, cenas longas com diálogos expositivos onde os atores brilham, reviravoltas regadas a alguns litros de sangue, e outros de seus brinquedos habituais. E nem precisa de mais do que isso para ser um dos destaques do ano.

    6. Deadpool (Tim Miller, 2016) – Por David Matheus

    Se existe um exemplo de que a internet pode mover montanhas, esse exemplo é Deadpool. O filme solo do mercenário tagarela ficou anos no papel e só ganhou notoriedade graças à rede mundial de computadores. Há poucos anos, Hollywood tinha uma espécie de costume em que filmes para maiores de idade não faziam dinheiro algum, uma vez que se limitava a quantidade de público que iria ao cinema. Com isso, diversos personagens que mereciam ter suas histórias contadas de forma justa ganharam adaptações bizarras para as telonas para que todos as pessoas pudessem assistir. Wolverine é um caso recorrente e Deadpool, coitado, teve seu projeto enfiado debaixo dos tapetes após a bizarrice vista no filme solo do carcaju. Mas o astro Ryan Reynolds e o diretor Tim Miller seguiram em frente e gravaram apenas uma cena para convencer os executivos de que Deadpool merecia um filme à altura do personagem. “Não”, eles disseram. Então, porque não “vazar” a cena e ver o que o mundo acha? E o resultado foi estrondoso e a dupla Reynolds e Miller ganharam sinal verde para o que quisessem fazer, mas com um orçamento limitado. Deadpool não perdoa ninguém. Não perdoa o espectador, não perdoa o Lanterna Verde. Não perdoa a Marvel, não perdoa as celebridades e não perdoa nem a sua casa, a Fox, levando ao chão as super (e as vezes desastrosas) produções dos X-Men. O filme em si não é uma maravilha, mas está entre os melhores filmes do ano não por ser “violento e divertido” e trazer justiça para o personagem, mas sim por ser corajoso e por quebrar paradigmas e quartas paredes que foram levantadas ao longo dos anos em Hollywood.

    5. Spotlight: Segredos Revelados (Tom McCarthy, 2015) – Por Bernardo Mazzei

    Principal vencedor do Oscar do ano passado, Spotlight: Segredos Revelados poderia ter facilmente caído no melodrama barato ou no sensacionalismo, uma vez que lida com uma questão extremamente delicada. Entretanto, o diretor Tom McCarthy conduz o filme de forma segura e brilhante, conseguindo grandes atuações de todo o elenco, principalmente de Mark Ruffalo. Spotlight é um filme que se preocupa em contar bem uma história, mas é nas relações humanas em que se destaca. Todos os personagens tem nuances próprias e fogem dos arquétipos do gênero. Mais que isso, não há nenhuma forma de maniqueísmo. Executado de forma simples e direta, Spotlight é um excelente longa que fez por merecer a estatueta de melhor filme.

    4. A Bruxa (Robert Eggers, 2015) – Por Flávio Vieira

    O gênero de Terror parece ter se reinventado na última década, ainda que essa reinvenção seja questionável, já que a maioria dos bons filmes que têm saído nesses últimos anos ainda utilize seus principais nomes como referência, entre eles, William Friedkin, John Carpenter, Wes Craven, Tobe Hooper, entre outros. A Bruxa, de Robert Eggers, vai além do momento fértil que o cinema de terror vive e sabe como trabalhar suas influências e transmitir medo.

    Na cena de abertura, acompanhamos o chefe de uma família sendo levado perante um conselho de seus concidadãos, sendo acusado e sentenciado ao banimento da colônia, tendo de sair com sua família e todas as suas posses para a floresta. Não sabemos qual o crime cometido, mas segundo o pai “ele apenas praticou o evangelho do Senhor”. O deserto e a escuridão os espera, como uma forma de provação, assim como Jesus foi provado. Os resultados não serão os mesmos, aqui remetem muito mais ao destino de Caim, após ser expulso do Éden. Um horror que não pode ser diminuído aguarda por cada membro da família, e esse horror, de maneira psicológica, é transmitido aos telespectadores.

    A Bruxa relembra até mesmo os incrédulos que há momentos onde a racionalidade não tem lugar, neste momento não se pode varrer as cinzas ou apaziguar a maldade que existe dentro de cada um de nós.

    3. Elle (Paul Verhoeven, 2015) – Por Rafael W. Oliveira

    Se o cinema de Paul Verhoeven é marcado por subversões, satirizações, sensualidade desmedida e uma visão bastante ampla em suas particularidades sobre a análise de temas corriqueiros do cotidiano, Elle pode ser uma síntese tanto quanto foi Instinto Selvagem, RoboCop, Tropas Estelares ou Showgirls. E é nisso que olhamos para um destes filmes e dizemos: é puro Verhoeven. O “puro” define um cineasta cujo cinema sempre fora recebido com tamanho carinho pelo próprio, mesmo em seus projetos mais revistos por estúdios. Elle, lançado tanto tempo após o último longa de Verhoeven, é mais uma obra de sensibilidade singular sobre a banalidade das discussões em temas corriqueiros do cotidiano. E também sobre a força que o Cinema têm de nos fazer desafiar e reavaliar nossas próprias questões de moralidade.

    Pois enquanto Elle faz uma sátira impiedosa sobre uma gama de tempos, em uma experiência extremamente prazerosa ao senti-los no decorrer da narrativa, Verhoeven também chega diante do caos do mundo e nos entrega um filme sobre o controle, podendo isso ser entendido como quisermos. E em uma Isabelle Huppert sólida, magnética e dona de uma presença de imposição assombrosa, o diretor encontra sua nova catarse sobre o cotidiano, o mundano, o banal, o sujo e o amoral. E levando-o a uma definição banal e ainda pouco representativa para tal, Elle é uma obra-prima.

    2. Creed: Nascido Para Lutar (Ryan Coogler, 2015) – Por Rafael Moreira

    Creed: Nascido Para Lutar é a retomada em grande estilo de uma das maiores mitologias do cinema. Continuando com Rocky passando o bastão de protagonista para o filho de seu grande amigo dos tempos áureos, Apolo Creed. Depois de uma boa retomada da franquia em Rocky Balboa que tirou o gosto amargo que o quinto filme tinha deixado com os fãs, Creed nos leva de volta a origem da série. Tanto em qualidade como nas próprias metáforas para a vida que o Sly sempre faz questão de colocar.  Além disso, seja por mérito do diretor ou do próprio Stallone, essa é possivelmente sua melhor atuação.

    Enfim, Creed é a história de uma vida. De um ator. De um lutador. Seja no ringue ou fora dele. Que luta tanto por si próprio quanto por quem está a sua volta. Podemos dizer que Creed é a materialização em forma de arte da melhor frase do cinema brucutu. “Não importa o quanto você bate. Mas sim o quanto aguenta apanhar e continuar. O quanto pode suportar e seguir em frente. É assim que se ganha”. Ah, Rocky. Que saudades que estávamos de você.

    1. A Chegada (Denis Villeneuve, 2016) – Por Thiago Augusto Corrêa

    Dennis Villeneuve se mantém como um dos diretores mais interessantes na ativa. Suas obras são capazes de integrar o roteiro e a imagem sem medo que a narrativa se torne parcialmente subjetiva. Baseado no conto de Ted Chiang, A Chegada mantém o estilo do diretor em uma potente história apoiada na tradição da ficção científica para destacar a falta de comunicação entre as comunidades. A transmissão da linguagem se transforma no conectivo de compreensão entre os povos, retomando simbolicamente o necessário uso da expressão e da palavra como transmissor de conhecimento.

    A ficção científica na história marca o desconhecido, potencializa a mensagem principal da produção em um roteiro reflexivo que exige do público uma parcela de análise e comprensão, tanto em sua mensagem quanto no paradoxo exibido em cena. Enquanto outros diretores cedem ao caminho mais fácil, Villeneuve mantém a confiança no público para que seus filmes adquiram um significado completo.

    Confira também nossa lista dos Piores Filmes de 2016.

    Participaram desta votação: Flávio Vieira, Rafael Moreira, Thiago Augusto Corrêa, Filipe Pereira, Amilton Brandão, Jackson Good, André Kirano, Pablo Grilo, Bernardo Mazzei, David Matheus, Douglas Olive, Marcos Paulo Oliveira, Fábio Candioto, Halan Everson, Dan Cruz, Leonardo Amaral, Cristine Tellier, Marlon Faria e Rafael W. Oliveira.

  • Crítica | Carol

    Crítica | Carol

    696f16f4gw1evwwr5vw06j21k92bcx6p

    Carol se tornou um dos filmes mais aguardados de 2015 por causa do retorno de Todd Haynes à direção desde Não Estou Lá, além de ser baseado no famoso livro de Patricia Highsmith, a mesma criadora de O Talentoso Ripley.

    O bom roteiro de Phyllis Nagy (amiga de Patricia Highsmith e que lutou mais de 20 anos para a história ser produzida) baseado no livro de mesmo nome (do original The Price of Salt) é pontual no seu recorte: a narrativa pretende discutir a pureza do amor. Como é amar alguém? Mais importante, do que é feito o amor? De um olhar, de um gesto, de um contato físico, da convivência, da doação de uma pessoa à outra ou de tudo junto?

    Por mais que enfrentem as resistências diversas de uma sociedade machista e moralista dos anos 50 que dá mais valor a convenções sociais, o roteiro não vai pelo caminho fácil do melodrama e muito menos pelo maniqueísmo. Ele acertadamente humaniza todos os personagens inclusive os mais rasos, como o marido vingativo amargurado pelo divórcio ou o namorado que não aguenta a rejeição.

    Em tempos de intensa militância virtual, o filme foi acusado de abordar a homofobia de forma superficial. No entanto, parte da premissa do roteiro reside justamente no fato de que a homofobia é um dos grandes obstáculos para um relacionamento homoafetivo, mas não é o único ou o maior deles. Primeiro cada uma das partes precisa estar em sintonia, cada uma delas precisa querer. Desta forma, a história nos mostra que as dificuldades para um relacionamento maduro se encontram em todos os lugares e assim o roteiro consegue ser universal e atemporal.

    Uma das cenas mais bonitas do filme

    A direção de Todd Haynes é muito interessante. A sua escolha por ângulos inusitados em boa parte do filme pretende mostrar ao espectador o quão única é aquela narrativa e aqueles personagens. Ao mostrar os detalhes em cada plano fechado e nos closes, Haynes mostra do que o seu cinema é feito: dos pequenos gestos. O diretor nos dá a grande metáfora da sua obra, na curta cena do trem de montar: ela representa as chegadas e partidas de um relacionamento, os encontros entre as duas, como também os desencontros.

    Hábil como poucos, Todd Haynes também consegue extrair o melhor do seu elenco. As interpretações não são canastronas ou excessivas; mesmo nos momentos mais tensos, elas são contidas e soam críveis. As atuações em Carol vêm do detalhe, como dito acima.

    Cate Blanchett e Rooney Mara entregam uma das maiores atuações de suas carreiras. Impressiona a forma como as duas executam com destreza cada gesto, seja através de como andam, da forma como colocam um casaco, de um sorriso e principalmente de um olhar. Não é exagero dizer que a entrega das duas para este filme chegou perto do sublime. Destaque ainda para Sarah Paulson e Kyle Chandler, que acrescentam o filme nas poucas cenas em que aparecem.

    A boa edição de Affonso Gonçalves manteve a uniformidade da obra, ela está invisível na maioria do filme e se destaca nos detalhes da cena do trem de montar além das cenas íntimas entre as protagonistas.

    A ótima fotografia de Edward Lachmann, que também foi diretor de fotografia do bom Longe do Paraíso, além de ser tecnicamente impecável, a influência das pinturas de Edward Hopper e das fotografias urbanas de Vivian Maier é nítida. A escolha pela paleta de cores amarelo, laranja e marrom, além da falta de saturação, ajuda a ressaltar o intimismo e a melancolia que poucos conseguiram alcançar. Ela se destaca também na cena do trem.

    tumblr_o0y0lhe73l1smp3mko1_1280 1927-edward-hopper-automat

    Exemplos das referências de Hopper

    Outro grande destaque do filme é a direção de arte na composição da locação e dos cenários, além da maquiagem e figurino. O trabalho competente de Jesse Rosenthal, Sandy Powell e Heather Loeffer conseguiu não somente ambientar os anos 50, mas dar personalidade a cada um dos personagens e ressaltar o conflito interno das duas protagonistas.

    Carol vale a pena por ser um daqueles filmes que marcam o espectador, seja através de boas atuações, de um roteiro bem escrito, ótima direção ou de uma melhores trilhas sonoras dos últimos anos. Isso tudo combinado faz da obra um dos filmes norte-americanos mais bonitos dos últimos 20 anos, desde As Pontes de Madison.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.