Tag: Pedro Almodovar

  • 10 Grandes Filmes do Cinema LGBTQ+

    10 Grandes Filmes do Cinema LGBTQ+

    “Eles nunca terminam em final feliz.”, é o que mais se ouve dessa temática que quando atinge o interesse do grande público, como no caso de Azul é a Cor Mais Quente, não pela qualidade do filme mas pela polêmica que provocou no festival de Cannes, em 2013, é algo bem raro. Os festivais o adoram, mas o cinema mainstream tem medo dele, sempre procurando a segurança de um beijo hétero para garantir uma ampla identificação lucrativa. Mas no cinema também há espaço para a figura lésbica, gay, bissexual, transexual, queer, ontem e hoje, a favor da representação e da visibilidade de quem foge dos padrões normativos. Talvez, um dia, um blockbuster com uma super-heroína drag queen alcance um bilhão nas bilheterias, e enquanto isso não vira realidade, por isso, o Vortex Cultural separou dez títulos para (re)assistirmos e celebrar a diversidade.

    Juventude Transviada (Nicholas Ray, 1955)

    O melhor filme LGBTQ+ sem ser um filme LGBTQ+. A relação de Jim Stark (a lenda James Dean) com o garoto John, interpretado por Sal Mineo, invoca um sentido dúbio que, se não claramente romântico, é ultra sugestivo a algo a mais que uma amizade masculina. Dos olhares ás intenções no filme do mestre Nicholas Ray (“Posso ficar na sua casa hoje, Jim?”), o clássico que usa as cores e o brilho do cinemascope de forma revolucionária evita a todo custo ser o Brokeback Mountain de meio século atrás, mas para bom entendedor, meia intenção já basta.

    Chá e Simpatia (Vincente Minnelli, 1956)

    Retrato do que era o bullying nos anos 50 antes de ser chamado de bullying, quando um jovem de classe média enfrenta todo tipo de dificuldade por fugir dos arquétipos padrões; por sua sexualidade cada vez mais aparente e controversa a dos seus “amigos” da escola, contando assim com o apoio de uma mulher mais velha e que acaba mudando sua vida. Apesar do absurdo final heteronormativo ao contexto mais ousado da história, Chá e Simpatia representa com perfeição, muita sutileza e um tanto além do seu tempo o quão difícil é ser diferente, ao invés de se tentar ser diferente, como ainda se julga, em uma sociedade intolerante.

    Tabu (Nagisa Oshima, 1999)

    Dois samurais, símbolos da masculinidade (seja lá o que isso quer dizer), interessados cada vez mais um pelo outro a cada cena que passa. A sabedoria do grande cineasta japonês Nagisa Oshima pode ser medida em pequenos detalhes conforme o tempo avança, como na tensão sexual metaforizada pela câmera tremida, nas reviravoltas e no suspense geral que verte dessa tensão que domina as cores, movimento e o ritmo da produção, como um todo. Um dos grandes romances da década de noventa.

    Má Educação (Pedro Almodóvar, 2004)

    No drama em torno de dois meninos separados na infância pela igreja católica, e no seu reencontro a partir de circunstâncias completamente diferentes na vida adulta, a narrativa que Pedro Almodóvar cria ao redor dos fatos verídicos e às vezes enganosos dessa história de reconciliação, e interesses dos mais variados é fantástica, fluindo um delicioso e instigante clima de imprevisibilidade, e mistério. Um filme corajoso por sua temática e inteligente na sua condução, possivelmente sendo o melhor do realizador espanhol.

    Mal dos Trópicos (Apichatpong Weerasethakul, 2004)

    O homem entregue sem limites para o desconhecido dos seus instintos. Para onde isso nos levaria num cenário propício e inconsequente para isso? Mal dos Trópicos é uma odisseia por essa possibilidade com o foco na atração passional entre dois filipinos, jovens e encarando com a maior naturalidade do mundo a sua paixão mútua, culminando na surrealista metamorfose de um deles em um animal e deixando a natureza decidir por eles o que é certo, e o que é errado. Clássico contemporâneo do impronunciável diretor asiático Apichatpong Weerasethakul. Eu falei.

    Como Diz a Bíblia (Daniel G. Karslake, 2007)

    O documentário que melhor explora no Cinema os dois lados da mesma moeda: O atacado e quem ataca, e o que melhor deixa claro o quanto esses dois valores se “enfrentam” com medo mútuo, além ou aquém do respeito pela humanidade do próximo. Surfando através de momentos e depoimentos emocionantes a respeito de igualdade, conservadorismo, liberdade, ignorância, respeito, família e aceitação, se muitos acham os filmes de Michael Moore grandes exercícios de investigação, Como Diz a Bíblia por pouco não os faz parecer amadores. Algo intensamente verdadeiro, provocador, reflexivo, chocante às vezes e sempre honesto.

    Além da Fronteira (Michael Mayer, 2012)

    Entre Romeu e Julieta havia um conflito, e entre Nimer e Roy também. Dois amantes separados por um impasse ideológico praticamente inextrincável – um é palestino, o outro israelense. Ambos tentando se enganar e viver da melhor forma possível o que sentem, à medida que a realidade que existe entre as fronteiras começa a cobrar um preço mais do que alto. O desafio era grande, e o drama é invariavelmente pesado para nos fazer sentir pelo menos 1% da dificuldade da situação. Diferente de todos os títulos dessa lista, Além da Fronteira nos lembra que não há amor sem as suas doses de dor, e sacrifício. Não neste mundo.

    Azul é a Cor Mais Quente (Abdellatif Kechiche, 2013)

    A partir de um encontro desencontrado de Adéle com Emma numa faixa de pedestres movimentada de Paris, o filme sela dois compromissos com a gente, um simples e um nada fácil: Responder a razão da cor da maioria das calças jeans no mundo merecer ser admirada (e desejada) como a mais efervescente que há, e como as paixões adolescentes podem ser adaptadas para o Cinema com toda a potência que elas nascem e porventura se mantém, e de uma forma ainda nunca vista até então, com o universo explodindo para isso em prazer, risos, lágrimas e matizes de ciano até o fim.

    Carol (Todd Haynes, 2015)

    Eleito o melhor filme LGBTQ+ pelo Instituto Britânico de Cinema, em 2015, Carol é uma grande homenagem aos grandes romances do passado, atemporais, revitalizados aqui por duas divas da Hollywood atual, Cate Blanchett e Rooney Mara, e pela visão magnifica do diretor Todd Haynes, sempre esnobado pelo Oscar. Defendendo a ideia de que arte é amor, e que amor é arte, e um não existe sem o outro, Haynes conjurou um filme-poesia numa das mais respeitosas obras cinematográficas desse século.

    Moonlight: Sob a Luz do Luar (Barry Jenkins, 2016)

    A jornada de Chiron, negro, pobre e gay pelas fases da sua vida dura é um triunfo semi obtido de tornar Cinema, por simples gestos minimalistas ou olhares de sensibilidade abismal, inúmeras noções e verdades inconvenientes ironicamente minoritárias dentro do que a sociedade já inferioriza, ou ignora. Moonlight é silencioso e todo contido em si, não poderia deixar de ser, e carrega consigo um gosto muito bom de ineditismo e de sucesso representativo oriundos de um autor tão novato, quanto Barry Jenkins.

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  • Cinema 2006 | Uma Década Depois

    Cinema 2006 | Uma Década Depois

    Talentos ascenderam, carreiras acabaram, os prodígios tiveram seu tempo e, quem sobreviveu, viu os holofotes virar sobre febres e tendências corriqueiras, aqui, dez anos depois. Tudo mudou mesmo? A seguir, dez filmes cuja qualidade permanece inalterada, talvez até mesmo elevada após suas revisões, contudo, muito além do tempo que nos rege.

    Zodíaco, de David FincherÉ possível quase tocar na rede de suspense que vai se fechando ao longo do filme, traçada tal degradé de pintura num jeito cirúrgico só pra ser desconstruída, e revirada num ponto, e reconstruída constantemente na excelência da projeção. David Fincher realizou um dos mais icônicos filmes americanos dos anos 90, e aqui não fica pra trás.

    O Labirinto do Fauno, de Guillermo Del ToroTodo mundo queria pelo menos uma vez na vida escapar da realidade. Guillermo Del Toro, no auge de sua criatividade, nos dá essa chance com esse filme, driblando a linha tênue de quando acaba e começa tais dimensões, apelando para uma pretensão irresistível, típica e solidária à sua filmografia e indiscutivelmente própria – e linda.

    Cartas de Iwo Jima, de Clint Eastwood

    Melhor e melhor a cada revisão, sem dúvida é um dos melhores já dirigidos pelo Clint cineasta. As cores do mundo projetadas pelo artista estimulam ainda mais a essência de uma história quiçá necessária no que tange os dois lados de uma guerra. Uma procura artística tão ambiciosa e impecável quanto lúcida em sentido.

    Volver, de Pedro AlmodóvarO filme definitivo sobre as mulheres, as divas, os arquétipos de Pedro Almodóvar projetados em suas Atenas de cenário quente e alma feminina. Nunca o cineasta encontrou um hibridismo tão forte e saudável entre história e filme, intenção e encenação, com limites inexistentes no caos das relações humanas. A linguagem de Almodóvar no ápice.

    Miami Vice, de Michael MannUma dupla história de amor invariavelmente trágica e impossível, caçada em êxito na tela por imagens digitais belíssimas que capturam e expandem nossa fascinação pelo todo; uma desculpa para o cineasta de Fogo contra Fogo retratar os absurdos, incoerências e as alienações impregnadas numa realidade, enfim, real. Dos melhores do seu ano.

    Medos Privados em Lugares Públicos, de Alain ResnaisMuitos podem dizer que é, e acusam o filme, de fato, sobre ser apelativo, mas sem a sua elevada carga emocional seria superficial, e com certeza, não seria a obra-prima sobre os fundamentos e as reflexões de uma sociedade que é. Ambicioso e singelo na medida certa, tanto se apropria do mundo para convertê-lo em drama, trama e fantasia, quanto para provocar e estender nosso fascínio pela enorme e singela abertura crítica que o filme carrega; mais um filmaço para a conta de Alan Resnais, mestre francês morto em 2014 e vivo em seu legado de proporção gigantesca.

    O Hospedeiro, de Joon-ho BongNotem que os clássicos sempre reinventam a roda e sempre de maneira diferente; aqui, um “filme de monstro” datado pelo uso do objeto de terror, jamais pelo abuso do mesmo. Estilizado, quase cult, numa história que se apropria do drama de uma família para retratar a força da instituição, da união, e da natureza enfim do próprio cinema, fadado ao combate eterno entre o realismo e o surrealismo artísticos inerentes à forma. Eis o filme mais cinematográfico de 2006.

    O Céu de Suely, de Karim AïnouzO desejo de representar a solidez de um universo brasileiro esquecido por Deus e lembrado pelo Cinema encapsula a angústia e a agressividade árida do cosmos das Suelys, dos Josés e seus cães Baleias. À quem e sobre quem é resultado de um terceiro mundo implacável, numa perícia audiovisual cuja improvisação no método da representação torna o filme poderoso. Um Brasil sem condição para escolher lado político e visto pela ótica do real que não merece ser fábula.

    Filhos da Esperança, de Alfonso CuarónNum projeto desses, o esforço de um cineasta ganancioso (no bom sentido) tal Alfonso Cuarón – ímpeto incerto até o ponto-chave que sucumbimos no universo distópico onde ninguém mais engravida – é o de conseguir extrair o caos de uma situação como essa, e convertê-lo numa nova e possível esperança. É o triunfo concretizado de um artista no domínio da essência científica de uma ficção justificada por cada imagem construída.

    Borat: O Segundo Melhor Repórter do Glorioso País Cazaquistão Viaja à América, de Larry CharlesA comédia da década, adiantando vícios culturais do novo milênio que, em 2006, ainda não estavam tão em voga assim. Borat é o puro suco do mamilo verde em termos do humor globalizado de hoje em dia: Explícito, polêmico, hiper-crítico consigo mesmo e sem pudores no estilo doa a quem doer, numa escala ainda mais impressionante devido ao talento descomunal dos humoristas envolvidos. High Five!

  • Crítica | Julieta

    Crítica | Julieta

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    O diretor espanhol Pedro Almodóvar é um autor admirado pela sua filmografia. No entendimento de uma parcela do seu público, Volver foi seu último grande filme, sendo seus filmes subsequentes uma tentativa de encontrar uma nova identidade para contar histórias. A Pele Que Habito e Os Amantes Passageiros são exemplares de uma abordagem completamente distinta entre si, e Julieta segue da mesma forma que os seus dois filmes anteriores.

    O texto é baseado em três contos de Alice Munro, começando com a personagem-título vivida por Emma Suárez, uma mulher de meia-idade, bonita, que ao se encontrar com uma jovem de seu passado decide mudar todo o rumo de sua vida para continuar em Madrid, a fim de encontrar Antía, sua filha. O argumento passa então a mostrar o passado da mulher, que é interpretada em sua juventude por Adriana Ugarte, e a qual, por sua vez, encontra o pai da menina, Xoan (Gabriel Grao), um homem cuja intimidade envolve um sem número de traumas amorosos.

    A construção do roteiro do filme é curioso e toma emprestados elementos retirados de Tudo Sobre Minha Mãe, além de conter em si referências óbvias a Alfred Hitchcock em relação a uma das fortes personagens femininas, vivida por Rossy de Palma. O modo como Almodóvar expõe o comportamento masculino é peculiar, mostrando os homens como seres aproveitadores e até, de certa forma, desalmados, por não haver neles a necessidade ética de justificar sua sede sexual em detrimento da incapacidade de seus pares em viver de modo plenamente saudável, uma vez que o arquétipo da esposa moribunda é usada mais de uma vez, e em gerações diferentes, e se torna ainda mais curioso que tal repulsa não faz de Julieta imune a esses mesmos encantos, retratando uma faceta fálica do destino, que teima em reproduzir essa maldição hereditária.

    O mise-en-scène de Almodóvar segue afiado, seja na escolha dos tons vermelhos, como também nas figuras esculturais trabalhadas por Ava (Inma Cuesta), de homens decepados (quase sempre cabeça e genitália), servindo novamente de argumento dúbio em relação ao caráter masculino. A duplicidade está presente em quase todas as tramas e sub-tramas do filme, desde a escalada de insanidade pela qual passa Julieta – pontuada por uma estranha transição das duas atrizes no papel – quanto na origem do afastamento ocorrido entre mãe e filha.

    O cineasta preenche seu roteiro com incertezas em relação a fidelidade, tanto argumentativa dos pares quanto em relação a romances e bissexualidade. O mistério em relação ao presente de Antía soa cansativo algumas vezes, mas condiz com a abordagem escolhida para o filme, que se foca em Julieta, mostrando que a fragilidade sentimental e carência não necessariamente suprimem a capacidade e força do ser feminino.

    Apesar de cauteloso, Julieta ainda é um produto interessante, emocional e poderoso no montante de seus dramas. As informações sonegadas de certa forma ajudam na composição da obra, que mistura um drama novelesco e uma estética comum à narrativa policial clássica, servindo mais uma vez de ode à mulher.

  • 10 Filmes com Personagens Femininas Marcantes

    10 Filmes com Personagens Femininas Marcantes

    Em 1857, operárias nova-iorquinas levantaram uma grande greve em busca de melhores condições de trabalho, uma das razões que deram origem ao Dia Internacional da Mulher. As garotas do Vortex Cultural listaram 10 filmes cujas personagens femininas principais trouxeram alguma discussão sobre o gênero, além de mostrar as lutas pessoais das mulheres, como o preconceito e a violência física e psicológica que ainda sofrem, seja no ambiente profissional, seja em relações amorosas. A ficção, neste sentido, transporta para a mídia cinematográfica conceitos já vividos por muitas de nós, que só possuímos o direito de votar e trabalhar graças às demandas promovidas pelas operárias, militantes feministas e pensadoras dos séculos XIX e XX.

    (confira também nossa lista de Filmes com Temáticas Feministas (Pouco Lembrados))

    Volver (Pedro Almodóvar, 2006) — Por Cristine Tellier

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    Filmes de Almodóvar e filmes com personagens femininas fortes são praticamente sinônimos. Não há como pensar em um sem pensar no outro. Seus filmes focam quase exclusivamente o universo feminino e, o que é ainda mais interessante, sob um ponto de vista feminino. Voltando a ele após tê-lo deixado um pouco de lado em Fale com Ela e Má Educação, Volver centra sua história em um grupo de personagens femininas, cada uma forte à sua maneira, em que os homens são meros coadjuvantes. Admito que minha escolha não seguiu um critério muito racional. Foi o primeiro filme que me veio à mente e mesmo pensando em outros depois – Kika, A Flor do Meu Desejo, De Salto Alto – ainda assim me pareceu a melhor escolha. É, por vários motivos, um dos meus top 5 favoritos de Almodóvar. Seja pela referência à Hitchcock, pelo humor negro, pela leveza (beirando a comicidade) com que a morte é tratada, seja pela fotografia cuidadosa.

    O Silêncio dos Inocentes (Jonathan Demme, 1991) — Por Karina Audi

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    O Silêncio dos Inocentes é um dos thrillers policiais mais marcantes não só por ter um enredo bem construído, uma atmosfera sombria e ótimas atuações – de Jodie Foster, no papel de Clarice Starling, e de Anthony Hopkins como o dr. Hannibal Lecter, rendendo-lhes, respectivamente, um Oscar de Melhor Atriz e de Melhor Ator por esta obra –, mas também por ser um dos primeiros filmes a mostrar uma policial mulher como detetive principal designada para um importante caso, e que em sua própria jornada também salva outra mulher. Jodie Foster, em entrevista, disse que se interessou de imediato pelo papel principalmente porque acreditava que este argumento era quase inédito na história do cinema. Em meio a seu percurso heroico, Starling, ainda em formação pelo FBI, não é acreditada pelos colegas e por dr. Chilton, do instituto psiquiátrico onde Lecter está confinado – inclusive sofrendo assédio sexual do personagem, e humilhada por mais um paciente do local –, encontrando respeito e compreensão, paradoxalmente, na figura de Hannibal. Os dois personagens formam o par mais icônico, e cabe a Starling o título de personagem policial feminina mais importante do cinema.

    Kill Bill: Volume 1 e 2 (Quentin Tarantino, 2003 e 2004) — por Larissa Tinoco

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    Uma Thurman é uma noiva assassina em busca de vingança após ter sua família assassinada no dia de seu casamento. O enredo seria batido se fosse um homem nesse papel, mas o que vemos é um roteiro incomum e cheio de personagens fortes. Além da noiva, a lista de inimigas não deixa a desejar no quesito Girl Power. Temos Vernita Green, uma ex-assassina de aluguel e agora mãe de uma menina; Elle Driver, que perdeu um olho após desafiar seu mestre de kung fu; Oren Ishi, uma guerreira mafiosa que viu sua família ser massacrada quando era criança; e Gogo, uma adolescente que não deixa ser intimidada pela força da noiva atrás de vingança. Kill Bill foi um dos primeiros filmes do Tarantino a abordar o tema do empoderamento feminino, seguido de À Prova de Morte e Bastardos Inglórios.

    Ninfomaníaca (volumes 1 e 2) (Lars Von Trier, 2013) — Por Carolina Esperança

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    Espancada e jogada em um beco sujo e escuro, a personagem Joe (Charlotte Gainsbourg/Stacy Martin) demonstra fisicamente as condições de sua própria consciência, vitimada pela ausência de sentimentos e busca interminável pelo prazer. Após ser retirada desse cenário caótico, ela narra os acontecimentos pregressos ao seu compreensivo interlocutor, que não se abala, escandaliza e tampouco julga essa mulher. Para ele, sua compulsão pelo sexo é inata, o ponto de vista pelo qual seu mundo realmente faz sentido, em que ela escolhe o que, como e por quem sentir; simplesmente, não a vê como alguém que precise de uma cura, e sim de compreensão de seu modo de vida. Fora do padrão de boa moça, a personagem expõe uma realidade difícil de aceitar, por conta de conceitos ultrapassados ainda vigentes em tempos atuais, onde a sexualidade feminina causa desconforto. O segundo volume torna a discussão muito mais aprofundada, com Joe assumindo sua compulsão, enclausurando-se em uma vida aparentemente perfeita, onde finalmente pode ser aceita. Felizmente, agora, podemos debater a respeito da temática sexual.

    Livre (Jean-Marc Vallée, 2014) — Por Mariana Guarilha

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    Livre conta a história de Cheryl Strayed (Reese Witherspoon), uma americana que decidiu percorrer toda a costa oeste dos Estados Unidos, completando a chamada “Pacific Crest Trail” numa jornada para se livrar de vícios e expurgar memórias. Uma mulher atravessar um país caminhando sozinha é uma ideia que me encanta, talvez porque, desde os tempos de menina, todas nós temos ouvido que isso está fora de nosso alcance. Junta-se a isso uma personagem extremamente carismática, um cenário de tirar o fôlego e um formato simples: entre relatos de contratempos da caminhada, as bolhas no pé, animais peçonhentos, a falta de material adequado, são apresentados flashbacks que nos entregam que a protagonista já esteve em uma situação bem mais precária. Livre é um grande filme por não recorrer a fórmulas fáceis, mostrando-nos que não existem grandes heróis para salvar a protagonista dos perigos: ela é sua própria heroína.

    Millennium: Os Homens que Não Amavam as Mulheres (David Fincher, 2011) — Por Cristine Tellier

    Ok, o protagonista da história é Mikael Blomkvist (Daniel Craig). Todavia, é incontestável que a personagem mais marcante seja Lisbeth Sallander (Rooney Mara), uma hacker de inteligência acima da média. Não apenas por sua aparência – que confirma o gosto de David Fincher por personagens misóginos – mas também por sua atitude. Mara faz o tipo mignon, e é o contraste entre essa aparente fragilidade e a intensidade de sua atitude que torna a personagem tão sedutora e envolvente. E aqui, ser frágil está longe de significar ser indefesa. Há um contraponto extremamente sutil entre a “mensagem” passada por suas tatuagens, piercings, penteados, vestimentas e o que se pode apreender de sua postura, de ombros constantemente encolhidos, e de seu olhar fugidio que evita encarar seus interlocutores. Interessante notar que, ao interagir com Blomkvist de igual para igual, ao ver nele características que valoriza em si própria, vai deixando de lado aos poucos a ideia de que para sobreviver é necessário mimetizar as atitudes masculinas e tomar o lugar dos homens.

    Mulan (Tony Bancroft e Barry Cook, 1998) — Por Karina Audi

    Mulan

    Lançada em 1999, Mulan foi uma das últimas animações da chamada “era do renascimento” dos estúdios Disney. Retomando um milenar conto chinês que tem Hua Mulan como heroína real, a protagonista, ao ver seu doente pai ser chamado para a guerra contra o exército dos Hunos, coloca-se em seu lugar vestindo-se como soldado, uma ideia que contraria os preceitos da época, em que as mulheres não podiam exercer a carreira militar. Opondo-se ao papel imposto às mulheres, o de se dedicar exclusivamente ao casamento e ao homem, a heroína, assim, rompe os paradigmas das princesas Disney, as quais geralmente necessitam de um fator externo para a mudança de suas vidas – o amor de um príncipe ou o mundo que desconhecem –, mas que em Mulan reside no amor que sente pela figura paterna, sentimento tido como o mais grandioso em razão do grande laço sentimental formado na relação entre pai e filha. Mulan é uma bonita peça que foge dos estereótipos de animações “princesa espera príncipe e os dois vivem felizes para sempre”, e mostra uma personagem feminina dona de seu próprio destino.

    Preciosa: Uma História de Esperança (Lee Daniels, 2009) — Por Larissa Tinoco

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    Vencedor de dois prêmios no Oscar, Preciosa – Uma História de Esperança nos mostra um fragmento social que infelizmente está longe de (como na maioria dos filmes) ter um final feliz. Claireece “Preciosa” Jones (Gabourey Sidibe) é uma adolescente de 16 anos com uma vida repleta de dificuldades infinitamente piores do que as de qualquer adolescente comum. Abusada por sua mãe, estuprada pelo seu pai, obesa, pobre e analfabeta, Preciosa não vê motivos (e com razão) para pensar que a vida é bela. O filme mostra de forma realista a vida de pessoas que sofrem violência dentro de seu próprio lar, e como o sistema de proteção (em geral, a pessoas do sexo feminino) é falho em perceber quando há algo de errado. É praticamente impossível acompanhar algumas cenas sem ter os olhos cheios de lágrimas. E é incrível a força que a protagonista tem em continuar lutando por um futuro melhor, mesmo que sua condição de vida seja tão precária. Um dos filmes mais marcantes sobre o assunto que eu já vi, e, sem dúvida, uma lição de vida.

    Erin Brockovich: Uma Mulher de Talento (Steven Soderbergh, 2000) — por Carolina Esperança

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    Responsável por um processo judicial desacreditado, a Erin Brockovich de Julia Roberts conta com seu carisma, e por que não dizer, também com seus atributos físicos, para torná-lo possível, como, por exemplo, persuadindo um empregado da companhia de águas a deixá-la vasculhar documentos, que comprovem a contaminação da água da cidade. Também vale ressaltar que sua eloquência e sentimentalismo a fazem entrar constantemente em conflito com seu chefe, Ed (Albert Finney), que por sua vez a relembra dos números, de perdas e ganhos, envolvidos nesses casos. Os fatos reais nos quais o filme se baseia reforçam que sua protagonista representa diferentes personas: a mãe solteira, a divorciada, a desempregada, alguém com pouca escolaridade; a mulher à procura do amor, mas que teme ser deixada outra vez; a que teme, em nome dele, deixar seus sonhos para trás. Erin tenta conciliar seu trabalho, filhos e um relacionamento com o novo vizinho, George (Aaron Eckhart), e todos estes núcleos a cobram maciçamente, e mesmo que as expectativas gerais não se concretizem, ela aparenta controle e discernimento sobre tudo o que acontece à sua volta. O processo, ao final, é ganho, e Erin tem seu esforço recompensado. Ela representa a mulher da vida real, que sofre as mesmas cobranças, sem possibilidade de errar ou de não realizar suas ações.

    Dirty Dancing: Ritmo Quente (Emile Ardolino, 1987) — Por Mariana Guarilha

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    O filme de 1987 conta a história de Frances “Baby” Houseman (Jennifer Grey), uma garota que, ao se hospedar com a família em um resort, vive uma paixão proibida pelo professor de dança. Porém, apesar do filme já se mostrar um tanto quanto progressista, e colocar uma mocinha não tão passiva assim, o que torna a obra digna de nota é a forma desprendida com que trata a questão do aborto. A parceira de dança de Johnny (Patrick Swayze) fica grávida e não pode continuar trabalhando se prosseguir com a gravidez. Sua melhor opção acaba sendo um aborto clandestino, que a teria matado se não fosse a ajuda da protagonista Baby. Além disso, as duas demonstram cumplicidade e não ficam se digladiando por causa do protagonista.

    (Bonus Track) A Mãe (Vsevolod Pudovkin, 1926) — Indicação de Flávio Vieira

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    O filme mudo de 1926 narra a história de uma mãe que vê o filho ser preso, e posteriormente morto em uma fuga, pelo exército da monarquia czarista. Revoltada com a situação, cuja imagem mais emblemática são seus olhos marejados em lágrimas, em razão da situação desesperadora de perder o filho para um governo que mantém a população miserável, a personagem conscientiza-se de sua condição, questionando o horror imposto pelo regime e empenhando-se nas causas políticas do filho. A Mãe foi baseado no romance homônimo de Máximo Górki, escritor russo que, assim como outros artistas da URSS, logo no início da instauração do poder socialista procurou retratar a população soviética e o Estado a partir de uma consciência revolucionária. A obra traz à luz um momento marcante da história e como uma mulher, sozinha, se fez ouvir.

  • Agenda Cultural 54 | Zumbis Cubanos, Mutantes Imortais e Robôs Gigantes

    Agenda Cultural 54 | Zumbis Cubanos, Mutantes Imortais e Robôs Gigantes

    agenda54

    Depois de um loooooongo inverno… Bem vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira), Rafael Moreira (@_rmc), Filipe Pereira, Jackson Good (@jacksgood) e Carlos Brito se reúnem para comentar dos recentíssimos lançamentos do cinema. Nesta edição conheçam um pouco sobre os mortos-vivos da ilha do Fidel, mutantes imortais, fisiculturistas assaltantes, robôs gigantes (o filme, não o podcast sem graça) e outras merdas. Aproveitem enquanto ainda temos saco pra isso e deixem seus comentários =D

    Duração: 84 min.
    Edição: Flávio Vieira
    Trilha Sonora: Rafael Moreira
    Arte do Banner: 
    Bruno Gaspar

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    Comentados na Edição

    Cinema

    Crítica Juan dos Mortos
    A Aventura de Kon Tiki
    Crítica Wolverine Imortal
    Crítica Tese Sobre um Homicídio
    Crítica Círculo de Fogo
    Crítica Amantes Passageiros
    Percy Jackson e o Mar de Monstros
    Crítica Amor Pleno
    Crítica Sem Dor, Sem Ganho

  • Crítica | Os Amantes Passageiros

    Crítica | Os Amantes Passageiros

    os amantes passageiros - poster

    Dentro de um avião fora de controle, um grupo de personagens excêntricos acredita estar vivendo suas últimas horas de vida. A partir dessa premissa, o espectador testemunha a volta de Pedro Almodóvar ao tipo de filme que o consagrou: a comédia. Desde Kika (1993) que o diretor havia deixado de lado esse estilo. E retorna a ele da forma mais escrachada possível. Mas, afinal, é Almodóvar, e de que outro modo ele o faria?

    Para o espectador saudoso dos primeiros filmes do diretor, com seus cenários de cores fortes, personagens extremos em situações extremas, figurinos extravagantes, diálogos disparados em velocidades alucinantes, está tudo de volta. E isso talvez dê a impressão de que o diretor está referenciando ou mesmo parodiando a si próprio. É difícil não relembrar de Mulheres à beira de um ataque de nervos que, assim como este, passa-se praticamente em um único cenário – um apartamento – e há uma personagem que deixa de ser virgem durante a estória. Além disso, há várias cenas marcantes – chocantes ou engraçadas – envolvendo drogas, sexo ou ambos.

    O rol de personagens, uma fauna bastante diversificada, inclui três comissários de bordo homossexuais – um que bebe, Joserra (Javier Cámara), um que consome drogas ilícitas, Ulloa (Raúl Arévalo) e um que abraçou a religião para se livrar dos vícios, Fajas (Carlos Areces); um piloto bissexual, Álex Acero (Antonio de la Torre), cujo amante é Joserra; um co-piloto “saindo do armário”, Benito Morón (Hugo Silva), por quem Ulloa tem uma queda; uma vidente, a virgem que deixa de ser, Bruna (Lola Dueñas); uma cafetina de luxo, Norma (Cecilia Roth); um empresário corrupto; um ator, Ricardo Galán (Guillermo Toledo); um agente de segurança; um casal em viagem de núpcias. Os personagens são estereotipados? Ao extremo, são quase caricaturas. Seus trejeitos e neuras são exagerados? Sem dúvida. Mas boa parte do humor e da crítica ácida deve-se justamente a esses fatores.

    Enquanto o roteiro se atém às ações e reações dos personagens dentro do avião, a trama se sustenta. Contudo perde força ao sair do ambiente confinado e mostrar uma subtrama, em que uma moça andando de bicicleta atende um telefonema do ex-namorado (o ator) num celular que “caiu do céu”, ou mais precisamente, das mãos de uma suicida que também conhece Galán. Apesar de interessante, principalmente aos que têm sua atenção atraída pela beleza da moça, Ruth (Blanca Suárez), a sequência não é muito relevante, e poderia ser encurtada ou mesmo suprimida sem qualquer prejuízo.

    O título em inglês, I’m so excited, é o nome da música utilizada como trilha sonora para um número de dança protagonizado pelos comissários a fim de entreter os passageiros – apenas os da primeira classe, pois os da classe econômica estão dormindo, todos foram dopados assim que a tripulação descobriu a pane. A partir daí pode-se ter uma ideia nítida do quão non-sense, exagerado e, ao mesmo tempo, sarcástico é o filme. Esse tom exagerado se vale ainda das cores fortes do cenário e da fotografia, com enquadramentos que lembram programas de tv – principalmente na hora do “show”.

    Não se pode afirmar com veemência que Almodóvar tenha perdido a mão. É possível que sua intenção fosse mesmo fazer uma paródia de suas melhores comédias. De qualquer modo, não deixa de ser um filme menor. Mas, levando-se em conta que Almodóvar é um autor – em oposição ao conceito de artesão, ou diretor por encomenda -, vale a máxima defendida por Truffaut na revista Cahiers de Cinéma: “Um cineasta que tenha feito grandes filmes no passado pode cometer erros, mas os erros que ele cometer têm toda a probabilidade, a priori, de ser mais apaixonantes que os êxitos de um ‘artesão’”.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.