Tag: Quentin Tarantino

  • VortCast 70 | Todo Mundo Gosta… Menos Eu!

    VortCast 70 | Todo Mundo Gosta… Menos Eu!

    Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira), Bernardo Mazzei, David Matheus Nunes (@david_matheus), Jackson Good (@jacksgood), Julio Assano Júnior (@Julio_Edita) e Filipe Pereira abrem o coração e revelam os filmes que são amados pelo público e crítica, menos por nós. Venha conosco nessa polêmica e compartilhe sua lista de filmes.

    Duração: 117 min.
    Edição: Julio Assano Júnior
    Trilha Sonora: Julio Assano Júnior
    Arte do Banner:
     Bruno Gaspar

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  • Crítica | Era Uma Vez Em… Hollywood

    Crítica | Era Uma Vez Em… Hollywood

    A filmografia de Quentin Tarantino é um objeto que merece estudo, dentro e fora das telas por inúmeros motivos, inclusive alguns que mal tocam a figura que o realizador tem para o cinema mundial. Odiado por cinéfilos mais alternativos (e chatos) e adulado por muita gente que conhece superficialmente a história de Hollywood (posers), ele costuma inflamar paixões demais com seus filmes, e a expectativa para que feche logo o décimo, e possivelmente, último filme seu causa frisson em muitos – talvez ele jamais cumpra a promessa de parar em dez, mas vá lá. Pois bem, Era Uma Vez em… Hollywood é sua nova obra, que prometia refletir sobre  a historia da Familia Manson e o assassinato brutal de Sharon Tate.

    Ao menos, essa era a promessa. O diretor e roteirista jamais escondeu que Alfred Hitchcock é uma de suas principais influências, tendo inclusive reproduzido um trecho de um filme dele em Bastardos Inglórios, e essa obra, usa muitos elementos do cinema hitchcokiano. No início do filme, são mostrados trailers fakes, de seriados e filmes, bem ao estilo Grindouse/Planeta Terror/À Prova de Morte, e logo, é mostrado a dupla de protagonista, a estrela decadente de seriados western Rick Dalton, e seu dublê Cliff Booth, feitos respectivamente por Leonardo DiCaprio e Brad Pitt.

    No início, o filme traz boa parte das marcas do diretor, há um foco especial nos pés das belas mulheres do elenco, cenas de dentro de carros, com a câmera registrando o ângulo de quem está sentado no banco de trás, no centro, além disso, há muitos diálogos que ajudam o espectador a entender o estado de espírito dos personagens, em especial a melancolia de Rick, que se sente mal sobre sua carreira, que aparentemente, não alcançou o que seu talento teria.

    Da parte de Cliff, a rotina do sujeito é bem diferente da que seu parceiro e camarada tem. Ele não tem dinheiro, ou luxos, vive em um humilde trailer, e faz todo tipo de serviço para sobreviver, sendo um faz tudo do ator de TV, além de obviamente fazer as cenas perigosas  em seus filmes e episódios. É engraçado que o longa seja um filme de outsiders e excluídos, e esse aspecto obviamente se vê mais na jornada de Booth do que de Dalton, mas ambos são páreas em suas funções, não tem trabalhos glamourosos, e o máximo de fama que tem, ocorre basicamente pelo fato de o mais abastado dos dois ser vizinho de Roman Polanski e Tate.

    O rooteiro é bastante linear dessa vez, até tem alguns flashbacks, e se permite fazer muitas pausas para mostrar o nível dos trabalhos dos personagens, com micro episódios hilários (ou não) da vida de Cliff, Rick e até de Sharon, que é magistralmente feita por Margot Robbie. É engraçado até como Tarantino não utiliza tanto a figura de Robbie como sexy simbol, pondo-a em momentos breves, dentro de festinhas comportadas. Mesmo quando estão em festas nas mansões da Playboy, as cenas são bem comportadas, as mulheres mais sexualizadas, são as que envolvem as membras do culto conhecido como a Família Manson.

    Tarantino faz uma ode ao cinema que sempre amou, mas especificamente o sub-gênero western spaghetti, inclusive desdenhando de quem desdenhava desses filmes italianos de ação, inclusive citando Sergio Corbucci (Django e Vamos Matar Companheiros), e além disso, ele brinca com mitos hollywoodianos, inclusive com ícones dos  filmes de artes marciais – em uma cena hilária, diga-se de passagem, envolvendo orgulho, vaidade e o sub mundo dos dublês – mas também humaniza demais os entes desse universo, pois os homens e mulheres que trabalham e vivem no backstage, mostrando esses como personagens mesquinhos, vaidosos, cujos passados são sombrios e cheios de boatos sujos.

    O texto brinca demais com a humanidade não só dos que estão sob as luzes da ribalta, mas sim com o todo envolvendo a indústria, o que de certa forma, conversa bastante com a montanha de polêmicas e crimes cometidos por Harvey Weinstein, antigo amigo de Tarantino e produtor da maioria esmagadora de seus filmes, evidentemente sem condenar por completo essas pessoas, mas também não suavizando a gravidade dos crimes cometidos.

    Era Uma Vez em.. Hollywood tem um humor negro muito forte, se utiliza bastante do gore no seu terço final, perverte fatos e biografias mais uma vez, em prol é claro de uma historia que Tarantino quer contar e consegue fazer isso louvando e debochando de inúmeros estereótipos do cinema norte-americano. O cineasta não tem receio de ofender qualquer grupo de fãs e só o fato de não ligar para possíveis reclames por parte de fãs mais intolerantes e xiitas já é um indício de tática ousada, e para variar ele revisiona a história, é reverencial com as vítimas da família Manson e desdenha dos membros desse culto, como também faz uma crítica fina às crenças religiosas da maioria das celebridades.

    A maior poesia desse texto reside em mostrar o quão frágil é o ego e psique de quem movimenta os sonhos de cinema do mundo, e faz isso com maestria e zero sutileza, apresentando um conto pervertido, pesado, com zero personagens inspiradores e ainda assim bem mais leve do que a realidade suja e tangível que Hollywood apresenta. O verniz que o cineasta apresenta aqui é sensacional e sensacionalista, eleva as estrelas ao seu devido lugar e não romantiza nada, desconstrói e reergue os pilares do cinema mais pomposo do mundo não conseguindo replicar ainda toda a podridão que reside ali na realidade, uma vez que nem toda ficção faz jus a realidade, e além disso, o filme ainda se vale pouco dos péssimos defeitos dos últimos produtos de Tarantino – em especial Django Livre e Os Oito Odiados – e mesmo tendo uma duração extensa, funciona de forma dinâmica, em especial na criação de toda atmosfera de estranheza e naturalidade necessária para que todo esse drama soe crível.

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  • Crítica | Grande Hotel

    Crítica | Grande Hotel

    Em 1995 a Miramax do produtor Lawrence Bender resolveu juntar quatro diretores para fazer um filme colaborativo onde Quentin Tarantino, Robert Rodriguez, Alexandre Rockwell e Allison Anders contariam cada um uma história curta, em Grande Hotel. A abertura animada talvez seja o ponto mais memorável do filme, normalmente esquecido por boa parte dos fãs dos cineastas dado seu caráter nada sério. A realidade é que boa parte dos segmentos não são inesquecíveis de fato, compondo assim histórias genéricas em sua maioria.

    The Missing Ingredient tenta soar transgressor, mas não consegue ir além de um humor pastelão misturado a pitadas de sensualidade da parte do elenco feminino que Anders conduz. O outro quadro, Wrong Man, de Rockwell, começa por um pedido de gelo de um dos quartos, que é na verdade feito pelo personagem do produtor, Lawrence Bender, mas acaba em um mal entendido com um casal que tem fantasias em fingir participar de um sequestro. As histórias são chatas e enfadonhas, sendo a segunda ligeiramente melhor.

    The Misbhavers é dirigido por Rodriguez e tem Antonio Banderas fazendo um pai nervoso, que obriga Ted a cuidar de seus dois filhos enquanto ele está fora. Aqui claramente o cineasta mexicano usufrui de alguns dos elementos que poria na franquia Pequenos Espiões, e apesar de alguns absurdos e surpresas do roteiro, não há muito diferencial. A última parte cabe a Tarantino, que estrela, dirige e escreve uma história sobre um cineasta hospedado no hotel que tem muitas exigências. Chester Rush é uma versão do próprio realizador de Pulp Fiction, em uma brincadeira onde ele revela sua vaidade, que o fez tentar durante um bom tempo emplacar uma carreira como ator. O grave problema é que The Man From Holywood é repleto de diálogos, mas nenhum tão inspirado quanto de costume.

    E assim termina Grande Hotel, um filme que pretendia ser uma alternativa despretensiosa a filmografia dos que estão ali envolvidos, mas que é tão desprendida de compromissos com histórias bem desenvolvidas que soa apenas como um pequeno filme onde cineastas famosos podem exercer alguns de seus caprichos em um micro-universo onde os personagens e situações se cruzam, mas que não tem qualquer significado ou qualidade ímpar.

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  • Crítica | A Balada do Pistoleiro

    Crítica | A Balada do Pistoleiro

    A Balada do Pistoleiro começa com Steve Buscemi entrando em um bar, sendo atendido por Cheech Marin. Buscemi fala para o bartender e para as demais pessoas que querem ouvir sobre a lenda de um pistoleiro careta, que bebia refrigerante e andava com uma case de violão, sendo como um anjo exterminador, capaz de matar todos que lá estão de maneira tão estilizada que parece ter saído de uma história em quadrinhos.

    O longa não é tão inventivo quanto seu antecessor, mas é carregado de charme e carisma, a começar por seu herói, vivido por Antonio Banderas, que é acompanhado em alguns momentos do primeiro Mariachi, Carlos Gallardo. Esta versão tem sua própria identidade e caráter, que prosseguem canastronas, mas de um jeito diferente. Se Rodriguez lançasse somente esse epílogo como um curta, certamente seria premiado, pois funciona muito bem como exemplar único. Aqui, Rodriguez abusa do poder de introduzir seu herói, mas as sequências iniciais são boas demais para serem descartadas, tendo todas elas o poder em reinventar o mito do pistoleiro musical.

    A história desta parte dois tem muitas semelhanças com a primeira, com Banderas fazendo as vezes do Mariachi e de Azul, as diferenças moram na preparação. O artista transferiu todo o seu talento em fazer música para o ofício de matar, uma vez que sua mão esquerda não mais tem firmeza para segurar as cordas do violão. Sua caixa não pode mais carregar um instrumento que embala a alegria das pessoas, restando espaço apenas para os armamentos. Mesmo com um texto simples, há espaço para a exploração de um lirismo típico das letras das baladas mexicanas, além é claro de semelhanças enormes do enredo com o estilo cinematográfico e teatral dos musicais, sem obviamente, ter as músicas, pois se tocadas, feririam o personagem principal, não só em suas mãos mas também em seu coração.

    A introdução do pistoleiro em ação finalmente acontece após uma cena com Quentin Tarantino, do tempo que o diretor achava que poderia se tornar ator, e é sensacional por não ter qualquer apego a realidade e ser escapista ao extremo, mostrando um Mariachi diferente e evoluído, que esconde suas armas dentro do corpo de um violão e nas mangas do seu terno, finalmente justificando o uso de roupas tão pesadas em um ambiente tão quente. Na jaqueta que o personagem principal usa, há um desenho com cores tão fracas que mal aparecem em sua totalidade. O escorpião lembra muito o do assassino vivido por Ryan Gosling em Drive, de Nicolas Widing Refn, e coincidentemente existe o uso dos mesmos simbolismo.

    Bucho, de Joaquim de Almeida é um vilão tão ou mais caricato quanto Moco, mas os capangas e demais assassinos são vilões carismáticos, como o Navajas de Danny Trejo, que tem um fim precoce por conta da covardia dos seus inimigos. No entanto, entre os coadjuvantes, quem rouba a cena é Carolina, feita por Salma Hayek no auge de sua beleza. Com ela e o pistoleiro juntos, acontecem cenas onde o imponderável é a tônica, acrobacias não soam irreais e as fugas das balas não parecem tão inverossímeis.

    As curvas finais tem uma dramaticidade, mas não tão bem construídas quanto as do primeiro filme. Mas no quesito ação Rodriguez evoluiu muito, mostrando a mesma linguagem cinematográfica sofisticada do primeiro filme, com um orçamento mais pomposo, que lhe dá liberdade para prestar reverência a Sam Peckinpah, Don Siegel e Clint Eastwood, alguns cineastas posteriores ao western spaghetti que também fizeram filmes dignos.

    As participações de Albert Michel jr. e Carlos Gallardo também são bem legais e pontuais, celebrando a memória do antigo filme que levou Rodriguez ao estrelato. Os momentos finais não tem tanto apelo quanto a batalha campal anterior, mas tem emoção de sobra, com confronto familiar e um pseudo-abandono da função de justiceiro, A Balada do Pistoleiro faz jus a história original, sendo uma continuação bastante digna, que expande bem o universo de aventura escapista.

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  • Crítica | Um Drink no Inferno

    Crítica | Um Drink no Inferno

    Uma viagem de loucos pelo deserto, cuja estrada por onde passam predomina o sangue das vítimas desses dos irmãos Gecko. Esse é o tom inicial de Um Drink no Inferno. De certa forma, a loucura em que se metem Seth e Richard tem eco na antiga parceria entre o diretor Robert RodriguezQuentin Tarantino, que adaptou um roteiro a partir do argumento de Robert Kurtzman, um sujeito muito mais acostumado a trabalhar no setor de maquiagem e efeitos especiais do que com roteiros.

    A primeira sequência do filme é inacreditável, mostrando o confronto dos personagens de Tarantino e George Clooney com o dono de um armazém/loja de conveniência. Em poucos minutos o espectador vê o assassinato de um policial, por meio de um assassino sangue frio e com claros distúrbios mentais. No caminho, os dois andam em um carro surrado pela areia, com uma mulher de meia-idade no porta-malas, ao som do clássico Dark Knight tocada por The Blaster, de certa forma prevendo o que ocorreria com os dois, no Titty Twist mais tarde.

    É impossível não pensar neste filme e não lembrar da Miramax, estúdio que ajudou a reunir Tarantino e Rodriguez. A realidade é que mesmo com os sucessos de Pulp Fiction, Cães de Aluguel, A Balada do Pistoleiro e El Mariachi, essa história envolvendo desajustados não teria sido finalizada e comercializada, já que o filme apesar de se pagar, não foi muito alem disso. O longa se tornou um dos muitos fenômenos de locadoras, sendo redescoberto no mercado de vídeo, só então ganhando o status de cult, além do trash que muitos já amputavam a si.

    Há dois dramas familiares na história, que na maioria das vezes não são explorados de maneira séria, mas que não deixam de soarem pesados. Pelos Geckos, há a preocupação de Seth com a sede assassina do caçula, feito por sua vez por um Tarantino que representa um completo desequilibrado. Da outra parte, existe a fé falida de Jacob Fuller, que viaja com seus filhos, Kate e Scott, a procura de se distrair após a morte da mãe da família. Harvey Keitel faz um ex-presbítero que diz não acreditar mais em Deus, pela perda que teve e ainda tem que lidar com a criação de dois adolescentes, sendo um deles interpretados por Juliette Lewis no auge da beleza, claramente sem idade para interpretar uma pessoa na puberdade.

    Há também duas ideias de moralidade bem distintas, uma adormecida, em Jacob que diante da situação limite de quase morte, não permite que seus filhos façam algumas coisas pequenas como beber em um bar latino de strip-tease, e outra a de Seth, que agride seu irmão após o mesmo estuprar e matar a senhora que era sua refém. Ainda que seja um ladrão, Seth tem alguns limites morais e éticos e é uma decepção que seu irmão não compartilhe desse pensamento. Obviamente que esse pensamento ético não o impede de fazer dos Fuller seus reféns, inclusive deixando a jovem Kate a mercê das fantasias e assédios de seu irmão.

    É curioso como o roteiro trata dessas questões de maneira leve, mas sem deixar de julgar tais fantasias e loucuras como algo nefasto. A questão do retardo de Richard deixa de ser uma opção teórica para se demonstrar factual, quando o irmão mais velho manda ele colocar seu aparelho dental, ele é um sujeito capaz de matar alguém mas não se lembra de cuidar de seus dentes, e precisa de outro “adulto” para tal. Dos 108 minutos de duração, quarenta e poucos são para construir a ideia de um filme policial clichê com dois bandidos inconsequentes em fuga.

    O grito do mestre de cerimônias, que é um dos três personagens de Cheech Marin é o resumo básico de como funciona o Titty Twister, um lugar onde as pessoas agem de forma libertina, e onde acontecem coisas tão bizarras que sequer parecem reais. Uma caricatura, onde mexicanos, americanos, motoqueiros e caminhoneiros brigam, bebem enquanto são servidos por mulheres seminuas. Além de acontecerem algumas brigas e um quase conflito entre Seth e os funcionários do bar, há um sem número de personagens engraçados e carismáticos, a banda Tito e Tarantula fazendo eles mesmos, o mestre de efeitos especiais Tom Savini fazendo o canastrão Sex Machine, o personagem de Fred Williamson Frost, que não tem seu nome citado nem por si e nem por ninguém, e claro, Satanio Pandemonium a dançarina que Salma Hayek encarna, que carrega o nome de um filme mexicano de horror de 1975, também conhecido como  Sexorcista, de Gilberto Martinez Solares, que foi lançado na esteira de O Exorcista.

    Tudo ocorre na mais perfeita ordem, até um trio de funcionários atacar Richard, agravando o ferimento de sua mão. Esta parte tem um mise-en-scène muito bem trabalhado. Os detalhes que Rodriguez utiliza neste momento são sutis inicialmente, para dali em diante se tornar ponto de virada onde até as poucas amarras com a realidade tangível são largadas para tornar-se este uma completa fantasia com momentos dignos das comedias pastelão.

    Começa uma guerra campal, onde corpos são guitarras e onde os monstros atacam e se alimentam das pessoas. Cabeças decepadas rodam pelo assoalho, e há milhares de móveis que podem imediatamente se tornarem armas contra essas criaturas da noite. O fato das regras inteligentes dos filmes de vampiro serem completamente ignoradas combinam perfeitamente com a aura irônica do longa, a prudência dos mortos-vivos inexiste, a dos vivos também, seja nas travadas de Satanico, que se gaba em frente a Seth, ou do próprio personagem de Clooney, que quase permite que seu irmão ande, mesmo já não tendo alma.

    Rodriguez resgata a aura dos filmes de monstros da Universal, e as perverte completamente, adicionando a isto a estética dos filmes de zumbi de George Romero com o gore dos giallos que Mario Bava e Dario Argento faziam na Itália. Uma marca de Tarantino no filme é a conversa entre sobreviventes que falam sobre teorias de como matar os vampiros, de suas fragilidades e das fraquezas que a cultura pop amputou a esse segmento, linhas de diálogos essas que jamais ocorreriam se não fizessem parte de um conto fantasioso com participação do próprio.

    Apesar de brincar com crenças sérias e de aludir ao cristianismo como fonte segura de defesa contra o mal, a graça de Um Drink no Inferno reside no total desprendimento da realidade ou das normas de um bom filme de gênero, ele é uma mistura de muitos elementos e uma ode ao cinema de Wes Craven, Tobe Hooper, John Carpenter e até alguns cineastas menores como Tom Holland (Brinquedo Assassino) e Mick Garris, temperado é claro com toda a iconografia do cinema e cultura do México aludindo a um oeste de Alejandro Jodorowsky e as comédias de humor negro, em uma mistura que tinha tudo para dar errado, mas que acertou em tom e que certamente entrou para história do cinema como um clássico do cinema escapista da década de noventa.

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  • Crítica | Friedkin Uncut

    Crítica | Friedkin Uncut

    Em 2017, durante o Festival do Rio pude assistir O Diabo e o Padre Amorth. Um ano depois, um novo documentário envolvendo o nome de William Friekin chegava em circuito, dessa vez comandado por Francesco Zippel, roteirista e documentarista que acompanhava o cineasta durante a produção do filme citado. Friedkin Uncut além de acompanhar o diretor, também reflete sobre sua obra e alma, de uma maneira bem íntima de direta.

    A trama não demora a falar da obsessão de William com o diabo e a  religião, e claro, se debruça bastante sobre O Exorcista. Logo começam as entrevistas com famosos, incluindo Wes Anderson, Quentin Tarantino, Walter Hill, Juno Temple, Phil Kaufman, Francis Ford Coppolla (que fez A Conversação com auxílio de Friedkin), Dario Argento e tantos outros. Uma das mais notórias é Ellen Burstin, uma das estrelas do clássico de terror, que dizia achar ter preparo para a experiência de filmar o longa que se tornaria um clássico, mas ao fazê-lo se surpreendeu com a dificuldade. Para ela, Friedkin não filosofa sobre o mal e sim o mostra, assim como acerta em ter alguma base na realidade, pois com isso assusta ainda mais o seu espectador.

    Entre as anedotas mais legais do filme estão as falas de Tarantino, que destaca que as filas dos cinemas eram enormes e o medo de sua mãe em deixá-lo assistir. Friedkin mesmo tendo origem judia se dedicava a analisar e ler o Novo Testamento, parte canônica da Bíblia que não está na Torá, e de certa forma ele passou isso aos que faziam o filme, na criação da atmosfera. O diretor era teimoso, e se não fosse por sua insistência Jason Miller não estaria no elenco, pois era pouco conhecido.

    Quando era mais novo ele vivia pregando peças nas pessoas, assustando-as só por ter prazer em ver a reação das pessoas, e isso conversa demais com um dos aspectos que compõem seu estilo de dirigir, sempre priorizando a primeira tomada que faz, por achar a reação do elenco mais genuína. Zippel acerta demais ao fazer o espectador se apaixonar pela figura analisada, pois o modo como ele conduz seus filmes é igualmente movido por sentimentos impulsivos e de paixão e isso de destaca na entrevista de Gina Gershon, que fez Killer Joe. Gershon o descreve como um diretor do método, por conta da aura criada no set. Ele a fazia se sentir um lixo, para encarnar bem o personagem – e em entrevistas na época, Linda Blair fala algo semelhante – tanto que em cenas de nudez ele também tirava a roupa, para que as atrizes não se constrangessem em serem as únicas nuas, para que ao menos algum pé de igualdade existisse ali.

    Friedkin filmava bastante de surpresa seus atores e também não se incomodava quando a câmera aparecia no corte final dos filmes, para ele, era óbvio que as pessoas entenderiam que é necessário esse tipo de equipamento para fazer a história que as entretém. Após assistir Cidadão Kane ele decidiu fazer cinema, pois se sentiu tocado com o quanto aquela obra tinha poder. O pensamento e palavras do cineasta são extremamente simples e ele até confessa uma dificuldade, a de dar nota aos filmes, pois para ele mensurar o quanto um filme é bom ou não através de números é algo errado e simplista demais, e ele obviamente tem sua razão.

    Logo o documentário volta a refletir sobre a filmografia do biografado, e Friedkin declara que acha seus filmes ruins, medíocres, mas ao menos, tem alguma importância. Seu documental The People vs Paul Crump, segundo ele, salvou a vida de Paul, que foi julgado inocente apesar do próprio artista achar que o filme em si não era muito bom. Já quando se  fala de Operação França, o quadro muda, apesar do gosto do sujeito não se alterar tanto. Friedkin diz que algumas cenas do corte final jamais poderiam ser feitas hoje, em especial as de perseguição pelas ruas do Brooklin, pois eram perigosas e viscerais demais, para Edgar Wrigth, os filmes do cineasta não envelhecem por expressarem bem a realidade. Há outra fala interessante, de Sonny Grosso que diz que algumas das histórias do filme ocorreram consigo, que trabalhava como policial infiltrado e com o diretor, que o acompanhou por alguns dias. Sua definição de cinema passava principalmente pela verdade.

    A proximidade do fim da vida o deixa o personagem central do filme inconsolável, indócil e melancólico. Talvez se já não tivesse uma idade avançada na época do filme (72 anos) ele não conseguiria ser tão franco e certeiro. O mesmo afirma que não se considera um artista e nem seus filmes com arte propriamente dita, ainda que valorize alguns exemplares de sua filmografia para além da aceitação de público e crítica, como Comboio do Medo, que segundo ele é é seu filme para entrar na memória. Ao falar sobre o que deu errado ali, ele diz que  o sucesso tem muitos pais mas o fracasso é órfão.

    Algumas das influências e cultos do diretor são revelados, ele elogia muito Buster Keaton, e diz que ninguém filma perseguições como ele. Também demonstra admiração por Fritz Lang, com quem conversou já no final da vida, para um filme que fez. Lang é descrito como um homem cheio de manias, genioso e engraçado, expressivo mesmo sem conseguir se locomover muito no final da vida. Entre as histórias, a de que Lang achava que seria morto quando Hitler subiu ao poder, por conta de seu filme Dr. Mabuse. Lang também não apreciava muito a própria filmografia e isso conversa bem com a visão sobre a própria obra que Friedkin guardava sobre si, não se sabe se por influência do diretor alemão, ou em concordância via acaso com o pensamente do seu ídolo.

    Friedkin considera que um cineasta precisa de três fatores principais, ambição sorte e graça divina. Em atenção a isso ele declarava que gosta muito de Damian Chazelle e Kathryn Bigelow dos que fazem cinema atualmente. Toda a discussão sobre Parceiros da Noite volta a ter Tarantino como centro das articulações. O rebuliço que ocorreu na imprensa e na comunidade gay não faz com que o realizador de Pulp Fiction diminuísse a sua admiração pela película. Ainda sobre os filmes, há uma historia curiosa sobre Viver e Morrer em Los Angeles, onde o dinheiro falso que eles fabricaram  foi extraviado e utilizado, segundo reza uma lenda. Aqui, Friedkin teria outra recepção ruim da crítica, basicamente por apostar em rostos desconhecidos, incluindo aí Willem Dafoe, e por perverter a regra de não matar seu protagonista.

    Não conseguir transcender a realidade é uma das reclamações constantes de Friedkin e uma das razões para ser tão crítico a seus trabalhos. No entanto, o que se vê são artistas e influenciadores de diferentes áreas se rendendo ao seu modo de ver cinema, e agradecendo por tudo o que fez. Matthew McConaughey mesmo diz que só conseguiu o papel de Rustin Cohle em True Detective por conta de Killer Joe. Zippel consegue inspirar demais em seu filme e mostra uma faceta emocional e encantadora de William Friedkin, prestando uma homenagem ainda em vida a sua obra e ao seu caráter, carregado de humor ácido e ironia, como é de praxe na carreira do diretor.

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  • Crítica | Bastardos Inglórios

    Crítica | Bastardos Inglórios

    Você já viu filmes de guerra, mas nunca viu a Guerra (Segunda Guerra Mundial) segundo os olhos de Quentin Tarantino. Essa frase estava presente nas propagandas de Bastardos Inglorios, filme do diretor de Cães de Aluguel e Pulp Fiction, lançado em 2009, após o insucesso de Grindhouse, participações no seriados CSI, e obviamente, as duas partes de Kill Bill. Como sempre, o realizador usa de sua sutileza ultra-violenta que já vinha empregando em inúmeros outros trabalhos, e de referencias ao grande cinema de Hollywood, como John Ford e companhia, para mostrar um pastiche do que era o confronto dos aliados contra o Eixo, através de um pequeno grupo de exterminadores de nazistas.

    Os primeiros momentos da história mostram uma burocrática conversa inquisidora, que mistura o tédio de um diálogo em inglês entre o coronel Hans Landa, de Christoph Waltz, e o fazendeiro Lapadite (Denis Menóchet), e a tensão de uma família judia, escondida embaixo do assoalho, ao ter um encontro ainda que indireto com o chamado Caçador de Judeus, um predador que se considera um falcão atrás dos ratos (ou como um rato que pensa como esses outros ratos…), mas que aos poucos se demonstra mais parecido com uma cobra venenosa e sorrateira, capaz de pegar suas presas, mas também enganadora, como a serpente do Éden, que ludibriou Eva e Adão para que traíssem o criador. O paralelo que o oficial nazista faz na verdade leva em conta um rato, mas toda sua descrição tem mais a ver com o caráter traiçoeiro de réptil, além é claro dele apresentar características camaleônicas de disfarce de seus ideais.

    Os dois comportamentos obviamente tem algo em comum. Landa manda metralhar a sangue frio as crianças judias que estão escondidas, da mesma forma que os Bastards – escritos errados na grafia original, como Basterds – espancam um soldado do Fuhrer com um taco de baseball, que é empunhado por Donwtiz (Eli Roth), o Urso Judeu, um soldado folclórico e com uma alcunha única, feita para diferencia-lo dos homens comuns. Tal rivalidade pode ser encarado – de maneira errônea – como duas faces da mesma moeda, dois lados ideológicos postos em contraponto como se tivessem o mesmo grau de desprendimento da civilidade. Isso não poderia ser mais errado e contrário a realidade, já que são violências que não se equivalem, uma vez que um desses grupos representa o povo oprimido, mas que busca revidar essa violência contra os próprios opressores.

    As razões que os fazem agir assim são extremas, porque claramente não se combate uma força extremada com pacifismos ou tolerância. É de fato uma briga ideológica, onde quem não mostrar força simplesmente perece. De certa forma em seu roteiro, Tarantino utiliza os atos soviéticos do exército de Josef Stalin para exemplificar qual era o modo ideal de aniquilar os inimigos preconceituosos e intolerantes. É quase como se a boina de Aldo The Apache Raine fosse um tenente soviete em meio aos americanos bonzinhos, colocando pólvora em suas cabeças, tornando estes figuras capazes de se defenderem sem depender de apoios táticos ou manobras militares, escondendo isso através do sotaque forçado e falso que Brad Pitt emprega ao longo de todo o filme.

    Há uma clara referência do roteiro a resistência antifascista até na escolha da trilha musical. A música de Ennio Morricone remixada não tem as mesmas características líricas de Bella Ciao, mas segue como canção que também serve como hino contra o extremismo fascista, apesar da freqüência musical ser em sentido bem diferente ao seu ritmo, e curiosamente The Surrender – ou La Resa – pára assim que Donowitz desfere o primeiro golpe de bastão na cabeça do oficial nazista e isso não é à toa, quando a violência pragmática ocorre, a música inspiradora pacifista já não tem mais espaço.

    Na hora que Aldo marca um soldado alemão com o ferimento que se tornaria a cicatriz da suástica na testa – hábito este que sempre acompanharia os mensageiros – o diretor simplesmente abre mão das sutilezas que vinha alimentando, mostrando pleno domínio de sua arte, dando-se ao luxo de provocar seu público com elementos tão diferentes e em tão pouco tempo, conseguindo a proeza de mesmo com essas condições, fazer tudo soar harmônico.

    Emanuelle Mimieux, a dona de um cinema francês é abordada por um sujeito chato, um soldado alemão, vivido por Daniel Bruhll, que parece interessado por sua beleza, e que a cerca de maneira infeliz e inconveniente, ao ponto de faze-la se encontrar com Joseph Goebbels (Sylvester Groth), de maneira coercitiva, mas aos olhos dele, nada havia de errado. O filme nas suas entrelinhas se torna quase didático, ao mostrar o modo de operar de organizações fascistas, a violência e truculência é normalizada.

    É irônico como recai exatamente a Sossanna, com outra identidade, a oportunidade de estar em seu cinema todo o crème de la crème das forças alemãs num espaço fechado e festivo a eles, tudo muito perfeito, até a chegada do terror da moça, Landa. Mélanie Laurent consegue reunir em uma pequena expressão, de levantar lentamente seu pescoço até o seu detrator como uma expressão sutil de seu medo, receio e instinto de sobrevivência que a faz tentar soar fria, mesmo que esse equilíbrio seja tão difícil, ainda mais diante de toda a dubiedade de caráter do personagem de Waltz.

    Os cinquenta e três minutos de filme permitem não só explorar a agressividade típica da guerra, mas também diversos de seus frontes. A introdução do major Dieter Hellstrom (August Diehl) é quase tão cruel quanto a demonstração de Landa, embora ele não seja tão dúbio, mas somente um soldado que não se furta em causar agouro aos seus opositores. Toda a sequência no porão, envolvendo o ainda desconhecido Michael Fassbender em um papel curto porém importante torna-se engraçada, apesar da quantidade exorbitantes de mortes ocorridas. O riso é uma válvula de escape diante do nonsense e da caricatura que Tarantino traça, ainda que leve às tramas de traição e espionagem a um nível sério, o desfecho desses destinos é tratada como uma piada.

    A história proposta é capitular, mas ganha ares teatrais, com uma última parte parecida com os atos de teatro onde absolutamente todos os acontecimentos são resolvidos de maneira dramática, tragicômica e exagerada. Laurent veste vermelho, como uma dama da morte se maquia de forma propositalmente militar, riscando as bochechas com linhas semelhantes as de camuflagem. Toda a sequência no cinema soa tão atrativa que é quase doce, e a versão do cineasta para o fim de Hitler não poderia ser mais fantasioso e irônico.

    Apesar de quebrar paradigmas, Bastardos Inglórios não deixa seu personagem mais rico sair impune, as marcas que Landa tem em sua pele fazem parte da retribuição de Aldo e dos outros bastardos a todo mal impingido não só a eles mas a todo povo judeu. Sua nova casa e seu acordo ainda valeriam, mas sua aparência estaria marcada para todo o sempre, e toda e qualquer pessoa saberia quem foi e o que ele cometeu. A ideia de Tarantino era de estabelecer uma ode contra o comportamento nazifascista, com elementos  de discussão bastante adultos, sem deixar de soar divertido em última análise.

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  • Melhores Filmes de  2016

    Melhores Filmes de 2016

    Ano passado fizemos nossa primeira lista coletiva de melhores filmes do ano, a partir da seleção pessoal de cada crítico do site. Uma lista que representava, mesmo que em um pequeno grupo, o melhor dos melhores. O sucesso nos fez repetir essa fórmula ainda que uma lista sempre tenha comentários a favor e contra.

    Nada mais junto se considerarmos uma equipe heterogênica, formada por diferentes estilos de crítica, cada um com uma tendência cinematográfica diferente. O resultado sempre é positivo, ainda que alguns leitores se perguntem porque este ou aquele filme não está presente.

    Em nossa lista dos melhor dos melhores, é perceptível que o grande filão atual de Hollywood, os filmes baseados em quadrinhos, vem sofrendo uma queda. Se as bilheterias ainda mantém uma fatia gorda do mercado, o mesmo não se pode dizer da qualidade, fator com que dividiu as produções de quadrinhos na lista dos piores e com apenas um representante na de melhores (particularmente, eu acrescentaria mais duas produções nessa lista, mas, apesar de estarem em minha lista pessoal, não foram bem pontuados na lista geral, desculpe Strange e Rogers).  A lista talvez não seja surpreendente ressaltando alguma grande obra ignorada pela crítica em geral, mas demonstra o quanto é possível realizar um bom cinema tanto em facetas autorais como no mais básico – e bacana – cinema pipoca de explosões, sangue e, se possível, quartas paredes quebradas.

    A lista, enfim.

    10. A Grande Aposta (Adam McKay, 2015) – Por Fábio Candioto

    A Grande Aposta apareceu nos cinemas de 2016 quase como uma surpresa. Adam McKay, responsável pelo filme, era mais conhecido pelos filmes de Ron Burgundy, como O Âncora, mas nesta produção indicada ao Oscar de melhor filme do ano passado, o passo dado adiante é gigantesco, ao contar a história de como alguns economistas americanos conseguiram observar e prever a crise imobiliária e financeira de 2008. Contando com grande elenco e um tom misturando comédia e sarcasmo (devido ao nível do absurdo de como as operações financeiras eram realizadas), A Grande Aposta traz um excelente e didático filme, que consegue entreter com seus personagens, diálogos e principalmente uma narrativa que poderia ser embromada e confusa devido ao tema, mas flui naturalmente tanto para interessados quanto para leigos no tema.

    9. Carol (Todd Haynes, 2015) – Por Filipe Pereira

    Todd Haynes executa um filme sucinto e tocante, que menciona temas de ternura e amor através de manifestações puras. O drama de Carol carrega semelhanças com outra produção de sua filmografia, Longe do Paraíso, ainda que que sejam diferentes em destalhes cruciais. Além de conter uma fotografia que faz abrilhantar ainda mais o incisivo roteiro, o filme ainda conta com uma atuação inspirada de Cate Blanchett, que faz uma mulher forte e decidida, que não se dobra diante da vontade masculina e conservadora que predomina no restante da humanidade. Rooney Mara executa também um trabalho brilhante que dialoga com perfeição ao de Blanchett, mesmo que seu personagem seja completamente diferente de Carol. As trocas de olhares falam muito e tornam a interação entre o casal principal em algo profundo e sentimental, denunciando a inevitabilidade do destino de ambas, explicitando o quão profundo era o laço emocional que as unia.

    8. Capitão Fantástico (Matt Ross, 2016) – Por Amilton Brandão

    Não é por acaso que o novato diretor Matt Ross inicia seu filme com um ritual de iniciação primitivo. O ritual tem sua valia tanto para Bo (George Mckay), filho primogênito de Ben (Viggo Mortensen) quanto para o espectador. A crueza e intensidade da cena serve como preparação para o conjunto de valores e idéias que serão apresentados e discutidos ao longo do filme.

    Ben vive com seus seis filhos em uma floresta reclusa, longe de praticamente todas influências da sociedade moderna como a conhecemos. Nesse pequeno refúgio eles cultivam uma vida de acordo com os valores da contracultura, onde discussões literárias ao redor da fogueira são casuais e incentivadas, assim como a música e artes em geral. Essa quebra do antiquíssimo modelo da família nuclear por si só traz uma reflexão necessária em tempos onde o moralismo e o conservadorismo ainda ameaçam qualquer vertente filosófica que desafie o status quo. Sempre entregando qualidade em sua atuação, Mortensen demonstra o quão difícil e conflituoso pode ser uma vida na qual um pai realmente têm que ouvir seus filhos argumentando e usando as ferramentas intelectuais que ele mesmo os ensinou para fazer valer suas próprias vontades.

    O roteiro demonstra maturidade ao deixar claro as vantagens e as desvantagens desse estilo de vida. Os filhos de Ben são poliglotas, versados em literatura clássica e até física avançada. Seu pai é o próprio responsável por grande parte dessa educação e o mesmo estimula seus filhos a realmente pensar, analisar, refletir e argumentar suas idéias. Quando uma de suas filhas tenta usar a palavra “interessante” para descrever o livro que estava lendo no momento (Lolita), Ben replica dizendo que isso é uma “não-palavra”’ e pede que ela analise e discorra sobre sua visão da obra. Até os mais jovens, são capazes de um questionamentos sócio-político sagaz. O filme nos apresenta essas situações de maneira criativa e descontraída, casando com o tom do primeiro ato. Ao mesmo tempo deixando claro que a ausência da mãe começa a pesar cada vez mais sobre toda a família.

    7. Os Oito Odiados (Quentin Tarantino, 2016) – Por Jackson Good

    Certa vez definiram Quentin Tarantino como “o mais cool dos cineastas cult” – seja lá o que isso signifique exatamente. O fato é que diretor sempre transita entre as alas de quem curte analisar sub-textos e metalinguagens e daqueles interessados simplesmente numa diversão sanguinolenta. Ainda que sua imagem de ídolo “alternativão” construída pré-Kill Bill venha sendo contestada a cada novo filme lançado, é gratificante vê-lo solto e despreocupado, fazendo claramente o que quer no seu último longa, intitulado Os Oito Odiados.

    Mais uma vez ambientando-se no Velho Oeste, assumidamente um dos seus gêneros preferidos, Tarantino naturalmente homenageia clássicos, começando pela trilha sonora do mito Enio Morricone. Há também espaço para auto-referências bastante claras, como uma releitura de Cães De Aluguel e o uso de seus atores-fetiche Kurt Russell, Tim Roth, Cristoph Waltz e Samuel L. Jackson (fantástico, aliás). Se você quiser dar pontos pela sátira/crítica à sociedade norte-americana e sua formação baseada em violência, misoginia, paranoia e imoralidades afins, tudo bem. Mas a impressão é de que o plot (diferentes personagens presos em uma estação de diligências durante uma nevasca, todos com segredos e interesses obscuros) é apenas uma desculpa para o velho Quentin se divertir com suas homenagens, cenas longas com diálogos expositivos onde os atores brilham, reviravoltas regadas a alguns litros de sangue, e outros de seus brinquedos habituais. E nem precisa de mais do que isso para ser um dos destaques do ano.

    6. Deadpool (Tim Miller, 2016) – Por David Matheus

    Se existe um exemplo de que a internet pode mover montanhas, esse exemplo é Deadpool. O filme solo do mercenário tagarela ficou anos no papel e só ganhou notoriedade graças à rede mundial de computadores. Há poucos anos, Hollywood tinha uma espécie de costume em que filmes para maiores de idade não faziam dinheiro algum, uma vez que se limitava a quantidade de público que iria ao cinema. Com isso, diversos personagens que mereciam ter suas histórias contadas de forma justa ganharam adaptações bizarras para as telonas para que todos as pessoas pudessem assistir. Wolverine é um caso recorrente e Deadpool, coitado, teve seu projeto enfiado debaixo dos tapetes após a bizarrice vista no filme solo do carcaju. Mas o astro Ryan Reynolds e o diretor Tim Miller seguiram em frente e gravaram apenas uma cena para convencer os executivos de que Deadpool merecia um filme à altura do personagem. “Não”, eles disseram. Então, porque não “vazar” a cena e ver o que o mundo acha? E o resultado foi estrondoso e a dupla Reynolds e Miller ganharam sinal verde para o que quisessem fazer, mas com um orçamento limitado. Deadpool não perdoa ninguém. Não perdoa o espectador, não perdoa o Lanterna Verde. Não perdoa a Marvel, não perdoa as celebridades e não perdoa nem a sua casa, a Fox, levando ao chão as super (e as vezes desastrosas) produções dos X-Men. O filme em si não é uma maravilha, mas está entre os melhores filmes do ano não por ser “violento e divertido” e trazer justiça para o personagem, mas sim por ser corajoso e por quebrar paradigmas e quartas paredes que foram levantadas ao longo dos anos em Hollywood.

    5. Spotlight: Segredos Revelados (Tom McCarthy, 2015) – Por Bernardo Mazzei

    Principal vencedor do Oscar do ano passado, Spotlight: Segredos Revelados poderia ter facilmente caído no melodrama barato ou no sensacionalismo, uma vez que lida com uma questão extremamente delicada. Entretanto, o diretor Tom McCarthy conduz o filme de forma segura e brilhante, conseguindo grandes atuações de todo o elenco, principalmente de Mark Ruffalo. Spotlight é um filme que se preocupa em contar bem uma história, mas é nas relações humanas em que se destaca. Todos os personagens tem nuances próprias e fogem dos arquétipos do gênero. Mais que isso, não há nenhuma forma de maniqueísmo. Executado de forma simples e direta, Spotlight é um excelente longa que fez por merecer a estatueta de melhor filme.

    4. A Bruxa (Robert Eggers, 2015) – Por Flávio Vieira

    O gênero de Terror parece ter se reinventado na última década, ainda que essa reinvenção seja questionável, já que a maioria dos bons filmes que têm saído nesses últimos anos ainda utilize seus principais nomes como referência, entre eles, William Friedkin, John Carpenter, Wes Craven, Tobe Hooper, entre outros. A Bruxa, de Robert Eggers, vai além do momento fértil que o cinema de terror vive e sabe como trabalhar suas influências e transmitir medo.

    Na cena de abertura, acompanhamos o chefe de uma família sendo levado perante um conselho de seus concidadãos, sendo acusado e sentenciado ao banimento da colônia, tendo de sair com sua família e todas as suas posses para a floresta. Não sabemos qual o crime cometido, mas segundo o pai “ele apenas praticou o evangelho do Senhor”. O deserto e a escuridão os espera, como uma forma de provação, assim como Jesus foi provado. Os resultados não serão os mesmos, aqui remetem muito mais ao destino de Caim, após ser expulso do Éden. Um horror que não pode ser diminuído aguarda por cada membro da família, e esse horror, de maneira psicológica, é transmitido aos telespectadores.

    A Bruxa relembra até mesmo os incrédulos que há momentos onde a racionalidade não tem lugar, neste momento não se pode varrer as cinzas ou apaziguar a maldade que existe dentro de cada um de nós.

    3. Elle (Paul Verhoeven, 2015) – Por Rafael W. Oliveira

    Se o cinema de Paul Verhoeven é marcado por subversões, satirizações, sensualidade desmedida e uma visão bastante ampla em suas particularidades sobre a análise de temas corriqueiros do cotidiano, Elle pode ser uma síntese tanto quanto foi Instinto Selvagem, RoboCop, Tropas Estelares ou Showgirls. E é nisso que olhamos para um destes filmes e dizemos: é puro Verhoeven. O “puro” define um cineasta cujo cinema sempre fora recebido com tamanho carinho pelo próprio, mesmo em seus projetos mais revistos por estúdios. Elle, lançado tanto tempo após o último longa de Verhoeven, é mais uma obra de sensibilidade singular sobre a banalidade das discussões em temas corriqueiros do cotidiano. E também sobre a força que o Cinema têm de nos fazer desafiar e reavaliar nossas próprias questões de moralidade.

    Pois enquanto Elle faz uma sátira impiedosa sobre uma gama de tempos, em uma experiência extremamente prazerosa ao senti-los no decorrer da narrativa, Verhoeven também chega diante do caos do mundo e nos entrega um filme sobre o controle, podendo isso ser entendido como quisermos. E em uma Isabelle Huppert sólida, magnética e dona de uma presença de imposição assombrosa, o diretor encontra sua nova catarse sobre o cotidiano, o mundano, o banal, o sujo e o amoral. E levando-o a uma definição banal e ainda pouco representativa para tal, Elle é uma obra-prima.

    2. Creed: Nascido Para Lutar (Ryan Coogler, 2015) – Por Rafael Moreira

    Creed: Nascido Para Lutar é a retomada em grande estilo de uma das maiores mitologias do cinema. Continuando com Rocky passando o bastão de protagonista para o filho de seu grande amigo dos tempos áureos, Apolo Creed. Depois de uma boa retomada da franquia em Rocky Balboa que tirou o gosto amargo que o quinto filme tinha deixado com os fãs, Creed nos leva de volta a origem da série. Tanto em qualidade como nas próprias metáforas para a vida que o Sly sempre faz questão de colocar.  Além disso, seja por mérito do diretor ou do próprio Stallone, essa é possivelmente sua melhor atuação.

    Enfim, Creed é a história de uma vida. De um ator. De um lutador. Seja no ringue ou fora dele. Que luta tanto por si próprio quanto por quem está a sua volta. Podemos dizer que Creed é a materialização em forma de arte da melhor frase do cinema brucutu. “Não importa o quanto você bate. Mas sim o quanto aguenta apanhar e continuar. O quanto pode suportar e seguir em frente. É assim que se ganha”. Ah, Rocky. Que saudades que estávamos de você.

    1. A Chegada (Denis Villeneuve, 2016) – Por Thiago Augusto Corrêa

    Dennis Villeneuve se mantém como um dos diretores mais interessantes na ativa. Suas obras são capazes de integrar o roteiro e a imagem sem medo que a narrativa se torne parcialmente subjetiva. Baseado no conto de Ted Chiang, A Chegada mantém o estilo do diretor em uma potente história apoiada na tradição da ficção científica para destacar a falta de comunicação entre as comunidades. A transmissão da linguagem se transforma no conectivo de compreensão entre os povos, retomando simbolicamente o necessário uso da expressão e da palavra como transmissor de conhecimento.

    A ficção científica na história marca o desconhecido, potencializa a mensagem principal da produção em um roteiro reflexivo que exige do público uma parcela de análise e comprensão, tanto em sua mensagem quanto no paradoxo exibido em cena. Enquanto outros diretores cedem ao caminho mais fácil, Villeneuve mantém a confiança no público para que seus filmes adquiram um significado completo.

    Confira também nossa lista dos Piores Filmes de 2016.

    Participaram desta votação: Flávio Vieira, Rafael Moreira, Thiago Augusto Corrêa, Filipe Pereira, Amilton Brandão, Jackson Good, André Kirano, Pablo Grilo, Bernardo Mazzei, David Matheus, Douglas Olive, Marcos Paulo Oliveira, Fábio Candioto, Halan Everson, Dan Cruz, Leonardo Amaral, Cristine Tellier, Marlon Faria e Rafael W. Oliveira.

  • Crítica | Os Oito Odiados

    Crítica | Os Oito Odiados

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    Após uma decepção que poderia ser resumida na vontade de um diretor em alcançar um público ainda maior, finalmente o sadismo, a visceralidade e a ultra violência de Quentin Tarantino retorna em Os Oito Odiados, sua versão do que seria a discussão sobre a Guerra Civil Americana. A trajetória do novo longa da filmografia tarantinesca retoma a mesma divisão capitular que ocorre desde os tempos de Kill Bill, o que faz fortificar a ideia de que o diretor tem trabalhado para desenvolver um estilo próprio, e até mesmo autorreferencial, ainda que sua marca seja claramente a de emular os seus muitos ídolos.

    O início se dá de forma bastante lenta, com uma diligência atravessando o deserto enevoado de Wyoming, em companhia da trilha original de Ennio Morricone. O trajeto, até então inóspito e tranquilo, é interrompido pela figura de um negro, no meio do caminho, sentado sob uma pilha de corpos. O sinal visual é intenso e simbólico, demonstrando a predileção do diretor em favorecer os negros como figuras passivo agressivas. A bordo da carruagem estão o caçador de recompensas John “Bob” Ruth (Kurt Russell), sua prisioneira Daisy Domergue (Jennifer Jason Leigh), que será enforcada assim que chegar na cidade, e  o cocheiro O.B. Jackson (James Parks). O negro se apresenta como Major Marquis Warren (Samuel L. Jackson), outro caçador de recompensas, e que tem o objetivo em comum de chegar até Red Rock para que também possa receber pela suas recompensas. Rapidamente um acordo é firmado e Warren se junta à diligência de Bob. A caravana ainda seria ocupada do pretenso xerife sulista e racista Chris Mannix (Walton Goggins).

    O chamado à aventura ocorre em uma pequena cabana à caminho de Red Rock, que servirá como abrigo para a nevasca que se aproxima. Lá dentro, uma gama de novas personagens são apresentadas, com o veterano sulista General Sanford Smithers (Bruce Dern), o responsável pela taberna Bob (Demián Bichir), o futuro carrasco de Red Rock Oswaldo Mobray (Tim Roth) e o misterioso Joe Gage (Michael Madsen). O ingresso na cabana ocorre sob a orquestra de Ennio Morricone, através de uma música misteriosa, remetendo aos filmes de terror giallo – gênero cinematógrafico italiano típico dos filmes de Mario Bava e Dario Argento, por exemplo -, denotando ao espectador a hostilidade do lugar onde a trama irá se desenvolver.

    A direção de Tarantino trabalha entre planos fechados e abertos, não mais os super closes ao estilo Sergio Leone, tal aspecto denota evolução no trato do diretor, e em lugar disto há planos  gerais, que contemplam toda a paisagem, curiosamente partindo a imagem de ambientes internos, fator que gera a sensação de um corte da imagem, referenciando ainda ao western spaghetti, e aos defeitos de reprodução dos filmes em território americano, com os cinemas não compatíveis a este tipo de formato.

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    O aspecto mais saudosista de Os Oito Odiados certamente é o uso indiscriminado da violência e dos limites do corpo humano, não só na exposição de tripas, vísceras e afins, mas também no castigo corporal aos aventureiros que tem de se expor à neve, com uma terrível tempestade. As cenas longas, mostrando o momento em que os personagens guardam os cavalos não está posta gratuitamente, serve de deboche a prática comum do cinema norte-americano com uma estética repleta de preciosismo, pecado este cometido até pelo próprio Tarantino, como visto em Django Livre.

    O estado mental de paranoia é normalmente associado aos norte-americanos nos períodos da Guerra Fria. A proposta de Tarantino é propagar essa sensação por toda a historiografia do país, através da já conturbada época do Oeste Selvagem, onde sequer o crime era organizado. A insegurança de Ruth se manifesta através do recolhimento das armas dos seus desconhecidos, mas passa principalmente pelas câmeras coladas no teto, no porão e nos lugares menos usuais para um ponto de vista pleno, antecipando visualmente até os plots que seriam revisitados em flashbacks.

    O argumento do filme é simples, quase simplório, propicia a mesma premissa de Kill Bill, unindo alguns dos elementos de fracasso criminoso visto em Cães de Aluguel. Basicamente há uma plataforma para que – novamente – Samuel L. Jackson possa brilhar em um exploitation repleto de sangue e restos mortais, podendo enfim liberar toda a violência acumulada e contida desde o mesmo volume dois da história de Beatrix Kiddo. É na tranquilidade de não tentar ousar demasiado que o texto vence.

    O desfecho chega a ser surpreendente, não pelos acontecimentos desencadeados, e sim pela forma como o nível de sangue vai subindo, ao ponto de quase afogar os personagens em meio aos restos mortais dos que não restaram. A crescente de adrenalina só faz o filme enriquecer, bem como sua filmagem em cinemascope, aspecto que embeleza demais as cenas. Tarantino finalmente retorna ao seu cinema habitual, encarando a violência como a mola motriz do seu universo, sem receio de parecer superficial e sem maiores preocupações em atingir um público que não é seu.

  • 10 Filmes com Personagens Femininas Marcantes

    10 Filmes com Personagens Femininas Marcantes

    Em 1857, operárias nova-iorquinas levantaram uma grande greve em busca de melhores condições de trabalho, uma das razões que deram origem ao Dia Internacional da Mulher. As garotas do Vortex Cultural listaram 10 filmes cujas personagens femininas principais trouxeram alguma discussão sobre o gênero, além de mostrar as lutas pessoais das mulheres, como o preconceito e a violência física e psicológica que ainda sofrem, seja no ambiente profissional, seja em relações amorosas. A ficção, neste sentido, transporta para a mídia cinematográfica conceitos já vividos por muitas de nós, que só possuímos o direito de votar e trabalhar graças às demandas promovidas pelas operárias, militantes feministas e pensadoras dos séculos XIX e XX.

    (confira também nossa lista de Filmes com Temáticas Feministas (Pouco Lembrados))

    Volver (Pedro Almodóvar, 2006) — Por Cristine Tellier

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    Filmes de Almodóvar e filmes com personagens femininas fortes são praticamente sinônimos. Não há como pensar em um sem pensar no outro. Seus filmes focam quase exclusivamente o universo feminino e, o que é ainda mais interessante, sob um ponto de vista feminino. Voltando a ele após tê-lo deixado um pouco de lado em Fale com Ela e Má Educação, Volver centra sua história em um grupo de personagens femininas, cada uma forte à sua maneira, em que os homens são meros coadjuvantes. Admito que minha escolha não seguiu um critério muito racional. Foi o primeiro filme que me veio à mente e mesmo pensando em outros depois – Kika, A Flor do Meu Desejo, De Salto Alto – ainda assim me pareceu a melhor escolha. É, por vários motivos, um dos meus top 5 favoritos de Almodóvar. Seja pela referência à Hitchcock, pelo humor negro, pela leveza (beirando a comicidade) com que a morte é tratada, seja pela fotografia cuidadosa.

    O Silêncio dos Inocentes (Jonathan Demme, 1991) — Por Karina Audi

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    O Silêncio dos Inocentes é um dos thrillers policiais mais marcantes não só por ter um enredo bem construído, uma atmosfera sombria e ótimas atuações – de Jodie Foster, no papel de Clarice Starling, e de Anthony Hopkins como o dr. Hannibal Lecter, rendendo-lhes, respectivamente, um Oscar de Melhor Atriz e de Melhor Ator por esta obra –, mas também por ser um dos primeiros filmes a mostrar uma policial mulher como detetive principal designada para um importante caso, e que em sua própria jornada também salva outra mulher. Jodie Foster, em entrevista, disse que se interessou de imediato pelo papel principalmente porque acreditava que este argumento era quase inédito na história do cinema. Em meio a seu percurso heroico, Starling, ainda em formação pelo FBI, não é acreditada pelos colegas e por dr. Chilton, do instituto psiquiátrico onde Lecter está confinado – inclusive sofrendo assédio sexual do personagem, e humilhada por mais um paciente do local –, encontrando respeito e compreensão, paradoxalmente, na figura de Hannibal. Os dois personagens formam o par mais icônico, e cabe a Starling o título de personagem policial feminina mais importante do cinema.

    Kill Bill: Volume 1 e 2 (Quentin Tarantino, 2003 e 2004) — por Larissa Tinoco

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    Uma Thurman é uma noiva assassina em busca de vingança após ter sua família assassinada no dia de seu casamento. O enredo seria batido se fosse um homem nesse papel, mas o que vemos é um roteiro incomum e cheio de personagens fortes. Além da noiva, a lista de inimigas não deixa a desejar no quesito Girl Power. Temos Vernita Green, uma ex-assassina de aluguel e agora mãe de uma menina; Elle Driver, que perdeu um olho após desafiar seu mestre de kung fu; Oren Ishi, uma guerreira mafiosa que viu sua família ser massacrada quando era criança; e Gogo, uma adolescente que não deixa ser intimidada pela força da noiva atrás de vingança. Kill Bill foi um dos primeiros filmes do Tarantino a abordar o tema do empoderamento feminino, seguido de À Prova de Morte e Bastardos Inglórios.

    Ninfomaníaca (volumes 1 e 2) (Lars Von Trier, 2013) — Por Carolina Esperança

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    Espancada e jogada em um beco sujo e escuro, a personagem Joe (Charlotte Gainsbourg/Stacy Martin) demonstra fisicamente as condições de sua própria consciência, vitimada pela ausência de sentimentos e busca interminável pelo prazer. Após ser retirada desse cenário caótico, ela narra os acontecimentos pregressos ao seu compreensivo interlocutor, que não se abala, escandaliza e tampouco julga essa mulher. Para ele, sua compulsão pelo sexo é inata, o ponto de vista pelo qual seu mundo realmente faz sentido, em que ela escolhe o que, como e por quem sentir; simplesmente, não a vê como alguém que precise de uma cura, e sim de compreensão de seu modo de vida. Fora do padrão de boa moça, a personagem expõe uma realidade difícil de aceitar, por conta de conceitos ultrapassados ainda vigentes em tempos atuais, onde a sexualidade feminina causa desconforto. O segundo volume torna a discussão muito mais aprofundada, com Joe assumindo sua compulsão, enclausurando-se em uma vida aparentemente perfeita, onde finalmente pode ser aceita. Felizmente, agora, podemos debater a respeito da temática sexual.

    Livre (Jean-Marc Vallée, 2014) — Por Mariana Guarilha

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    Livre conta a história de Cheryl Strayed (Reese Witherspoon), uma americana que decidiu percorrer toda a costa oeste dos Estados Unidos, completando a chamada “Pacific Crest Trail” numa jornada para se livrar de vícios e expurgar memórias. Uma mulher atravessar um país caminhando sozinha é uma ideia que me encanta, talvez porque, desde os tempos de menina, todas nós temos ouvido que isso está fora de nosso alcance. Junta-se a isso uma personagem extremamente carismática, um cenário de tirar o fôlego e um formato simples: entre relatos de contratempos da caminhada, as bolhas no pé, animais peçonhentos, a falta de material adequado, são apresentados flashbacks que nos entregam que a protagonista já esteve em uma situação bem mais precária. Livre é um grande filme por não recorrer a fórmulas fáceis, mostrando-nos que não existem grandes heróis para salvar a protagonista dos perigos: ela é sua própria heroína.

    Millennium: Os Homens que Não Amavam as Mulheres (David Fincher, 2011) — Por Cristine Tellier

    Ok, o protagonista da história é Mikael Blomkvist (Daniel Craig). Todavia, é incontestável que a personagem mais marcante seja Lisbeth Sallander (Rooney Mara), uma hacker de inteligência acima da média. Não apenas por sua aparência – que confirma o gosto de David Fincher por personagens misóginos – mas também por sua atitude. Mara faz o tipo mignon, e é o contraste entre essa aparente fragilidade e a intensidade de sua atitude que torna a personagem tão sedutora e envolvente. E aqui, ser frágil está longe de significar ser indefesa. Há um contraponto extremamente sutil entre a “mensagem” passada por suas tatuagens, piercings, penteados, vestimentas e o que se pode apreender de sua postura, de ombros constantemente encolhidos, e de seu olhar fugidio que evita encarar seus interlocutores. Interessante notar que, ao interagir com Blomkvist de igual para igual, ao ver nele características que valoriza em si própria, vai deixando de lado aos poucos a ideia de que para sobreviver é necessário mimetizar as atitudes masculinas e tomar o lugar dos homens.

    Mulan (Tony Bancroft e Barry Cook, 1998) — Por Karina Audi

    Mulan

    Lançada em 1999, Mulan foi uma das últimas animações da chamada “era do renascimento” dos estúdios Disney. Retomando um milenar conto chinês que tem Hua Mulan como heroína real, a protagonista, ao ver seu doente pai ser chamado para a guerra contra o exército dos Hunos, coloca-se em seu lugar vestindo-se como soldado, uma ideia que contraria os preceitos da época, em que as mulheres não podiam exercer a carreira militar. Opondo-se ao papel imposto às mulheres, o de se dedicar exclusivamente ao casamento e ao homem, a heroína, assim, rompe os paradigmas das princesas Disney, as quais geralmente necessitam de um fator externo para a mudança de suas vidas – o amor de um príncipe ou o mundo que desconhecem –, mas que em Mulan reside no amor que sente pela figura paterna, sentimento tido como o mais grandioso em razão do grande laço sentimental formado na relação entre pai e filha. Mulan é uma bonita peça que foge dos estereótipos de animações “princesa espera príncipe e os dois vivem felizes para sempre”, e mostra uma personagem feminina dona de seu próprio destino.

    Preciosa: Uma História de Esperança (Lee Daniels, 2009) — Por Larissa Tinoco

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    Vencedor de dois prêmios no Oscar, Preciosa – Uma História de Esperança nos mostra um fragmento social que infelizmente está longe de (como na maioria dos filmes) ter um final feliz. Claireece “Preciosa” Jones (Gabourey Sidibe) é uma adolescente de 16 anos com uma vida repleta de dificuldades infinitamente piores do que as de qualquer adolescente comum. Abusada por sua mãe, estuprada pelo seu pai, obesa, pobre e analfabeta, Preciosa não vê motivos (e com razão) para pensar que a vida é bela. O filme mostra de forma realista a vida de pessoas que sofrem violência dentro de seu próprio lar, e como o sistema de proteção (em geral, a pessoas do sexo feminino) é falho em perceber quando há algo de errado. É praticamente impossível acompanhar algumas cenas sem ter os olhos cheios de lágrimas. E é incrível a força que a protagonista tem em continuar lutando por um futuro melhor, mesmo que sua condição de vida seja tão precária. Um dos filmes mais marcantes sobre o assunto que eu já vi, e, sem dúvida, uma lição de vida.

    Erin Brockovich: Uma Mulher de Talento (Steven Soderbergh, 2000) — por Carolina Esperança

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    Responsável por um processo judicial desacreditado, a Erin Brockovich de Julia Roberts conta com seu carisma, e por que não dizer, também com seus atributos físicos, para torná-lo possível, como, por exemplo, persuadindo um empregado da companhia de águas a deixá-la vasculhar documentos, que comprovem a contaminação da água da cidade. Também vale ressaltar que sua eloquência e sentimentalismo a fazem entrar constantemente em conflito com seu chefe, Ed (Albert Finney), que por sua vez a relembra dos números, de perdas e ganhos, envolvidos nesses casos. Os fatos reais nos quais o filme se baseia reforçam que sua protagonista representa diferentes personas: a mãe solteira, a divorciada, a desempregada, alguém com pouca escolaridade; a mulher à procura do amor, mas que teme ser deixada outra vez; a que teme, em nome dele, deixar seus sonhos para trás. Erin tenta conciliar seu trabalho, filhos e um relacionamento com o novo vizinho, George (Aaron Eckhart), e todos estes núcleos a cobram maciçamente, e mesmo que as expectativas gerais não se concretizem, ela aparenta controle e discernimento sobre tudo o que acontece à sua volta. O processo, ao final, é ganho, e Erin tem seu esforço recompensado. Ela representa a mulher da vida real, que sofre as mesmas cobranças, sem possibilidade de errar ou de não realizar suas ações.

    Dirty Dancing: Ritmo Quente (Emile Ardolino, 1987) — Por Mariana Guarilha

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    O filme de 1987 conta a história de Frances “Baby” Houseman (Jennifer Grey), uma garota que, ao se hospedar com a família em um resort, vive uma paixão proibida pelo professor de dança. Porém, apesar do filme já se mostrar um tanto quanto progressista, e colocar uma mocinha não tão passiva assim, o que torna a obra digna de nota é a forma desprendida com que trata a questão do aborto. A parceira de dança de Johnny (Patrick Swayze) fica grávida e não pode continuar trabalhando se prosseguir com a gravidez. Sua melhor opção acaba sendo um aborto clandestino, que a teria matado se não fosse a ajuda da protagonista Baby. Além disso, as duas demonstram cumplicidade e não ficam se digladiando por causa do protagonista.

    (Bonus Track) A Mãe (Vsevolod Pudovkin, 1926) — Indicação de Flávio Vieira

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    O filme mudo de 1926 narra a história de uma mãe que vê o filho ser preso, e posteriormente morto em uma fuga, pelo exército da monarquia czarista. Revoltada com a situação, cuja imagem mais emblemática são seus olhos marejados em lágrimas, em razão da situação desesperadora de perder o filho para um governo que mantém a população miserável, a personagem conscientiza-se de sua condição, questionando o horror imposto pelo regime e empenhando-se nas causas políticas do filho. A Mãe foi baseado no romance homônimo de Máximo Górki, escritor russo que, assim como outros artistas da URSS, logo no início da instauração do poder socialista procurou retratar a população soviética e o Estado a partir de uma consciência revolucionária. A obra traz à luz um momento marcante da história e como uma mulher, sozinha, se fez ouvir.

  • Crítica | Hell Ride

    Crítica | Hell Ride

    Silencioso em seu início, Hell Ride é movido pela ilusão de uma musa que inebria o imaginário de Pistoleiro, personagem de Larry Bishop, ator que também dirige o filme. Logo no começo, ela é cortada, já que assim que abre a boca, termina com qualquer possibilidade de santidade na abordagem da fita. Em menos de quatro minutos de exibição, os signos visuais já demonstram a rotina do seu herói, ligada  – e muito –  a sexualidade e violência extremas.

    O arquétipo gráfico provindo dos filmes noventistas de Robert Rodriguez e Quentin Tarantino (produtor do filme) é notado de cara, ao mostrar um deserto repleto de sangue, chumbo, cadáveres e referências à figura diabólica, além de uma ode à pornografia em geral. A tentativa de emular os momentos de Um Drink no Inferno é válida, no entanto, o excesso de flashbacks e a linha temporal pouco afeita à normalidade são maneirismos que irritam o público logo no início, a despeito até da estética de “sexo, drogas e rock’n roll“.

    Ultrapassada essa excessiva transição temporal desmedida, é contada uma trajetória de vingança que remete a um infante que assiste à morte de uma índia cherokee inocente, resultado de uma inimizade entre duas gangues de motoqueiros que cobram um alto preço pela morte. Os dois lados opostos são os Victors, liderados na contemporaneidade pelo Pistoleiro, e os 666 Wings, afiliados a Billy Wings (Vinnie Jones), que com sua metralhadora/besta, impinge aço àqueles que se opõem a sua vontade e ao seu regime.

    A volúpia por repetir alguns dos elementos de ebriedade vistos em Sem Destino soa risível. Bishop filma momentos em que são manejadas drogas pesadas, causando na lente uma diminuição de velocidade, como se o mundo tentasse adequar-se à tontura causada pelo uso excessivo de entorpecentes. O artifício funcionou para os anos sessenta, mas em 2008 soa como um pastiche, como um conto caricatural sobre os elementos típicos do estilo de vida sob duas rodas.

    O elenco de coadjuvantes é estrelado pelas figuras carismáticas de Michael Madsen, David Carradine e Dennis Hopper, que tentam esconder a falta de capacidades dramáticas dos protagonistas, especialmente de Eric Balfour, que vive o novato Comanche dos Victors. Toda a curta duração do filme se encaminha para o embate entre Pistoleiro e Billy Wings. Uma vez alcançado, o entrave mostra-se truncado, mas com uma boa dose de violência extrema, qualidade que demora demasiadamente a ser explorada, mas que ainda assim é insuficiente para as expectativas ligadas a um filme B, como esse.

    Todo o sangue e depravação que vêm dos quase noventa minutos de duração do filme de Larry Bishop escondem uma mensagem de fraternidade e honra, que, no entanto, não é super explorada, uma vez que o roteiro se rende até aos clichês mais básicos como a tão repetida questão do amor imortal, tendo a justiça como o norte e objetivo a ser seguido. Em paralelo aos comentários sociais e anárquicos dos filmes que o inspiraram, Hell Ride não diz quase nada, serve apenas uma distração munida de elementos comuns aos produtos de mountain bike.

  • Crítica | Full Tilt Boogie

    Crítica | Full Tilt Boogie

    Full Tilt Boogie

    O documentário de Sarah Kelly começa com um pequeno spot, mostrando pedaços fundamentais de Um Drink No Inferno, para depois acompanhar a dupla de astros que anos mais tarde se tornariam diretores respeitadíssimos. Quentin Tarantino e George Clooney cortam os bastidores do estúdio ao som de Earth, Wind & Fire, num ritmo tão louco quanto o de seus personagens. A câmera de mão ajuda a preconizar o tom cômico, que acaba com os dois passando pela loja de conveniência que explodiria, mesclando ambas as películas.

    Full Tilt Boogie – jamais lançado no Brasil – conta com imagens raras de bastidores, mas não é um making off, até por seu clima ser demasiado artesanal. Ele mergulha nas influências de Robert Rodriguez (ainda acima do peso, se comparado à figura esguia atual) e de um ainda em início de carreira Tarantino, que explicam o seu intuito ao fazer o filme, o de brincar com clichês de filmes B, e claro, e o twist após uma hora de exibição. É interessante notar como ambos funcionam bem juntos já à época, assim como os dotes de composição de Robert Rodriguez.

    As filmagens cortam as semanas e mostram produtores como Lawrence Bender e a preparação do elenco, bem como os ensaios com os figurantes fantasiados de vampiros, bonecos mecatrônicos, além de cenas estendidas, muito mais violentas do que as mostradas na grande tela – esse trecho é mostrado primeiramente por Greg Nicotero. Em determinado ponto, mostra-se até um concurso para julgar a bunda mais bonita do set, sem revelar quem era o seu dono, e em um dos contestes quem vence é um dos contrarregras, que era homem.

    O documentário também foca o imbróglio econômico entre os estúdios e produtores Tarantino-Bender. A condição para que injetassem dinheiro era que uma série de exigências fosse cumprida, algumas delas por implicâncias a produtos anteriores de Bender, uma caça a pelos em ovos. A produção de Full Tilt Boogie tentou a todo custo realizar contatos com Lyle Trachtenberg, a pessoa que poderia responder às dúvidas deles, mas a simples menção ao nome de Quentin os fez serem recusados. Prevendo que sua fita poderia ser pasteurizada, os realizadores decidiram por as mãos na massa eles mesmos, arrumando meios próprios para a produção do filme.

    Os últimos momentos se dedicam às cenas externas, de maior dificuldade, não por acaso sendo gravadas por último, além de mostrar a contribuição de Richard Parks no texto de seu personagem, o que marcaria o ator para trabalhar em futuras produções de Tarantino e Rodriguez.

    O filme fecha com um tom leve, emulando o clima de toda a produção envolvendo o diretor, roteiristas e elenco. Há um bocado de camaradagem entre os iguais, sem qualquer forçação, mesmo que toda a docilidade mostrada tente contradizer isto. Os créditos finais mostram os profissionais analisados, não somente os atores, mas cada um dos expoentes da produção, pondo todos em pé de igualdade. Além das ótimas informações sobre as atividades do processo de realização do Cinema, há uma forte carga de memória emotiva, que reverbera de modo ainda mais singular quando vista por quem é fã de Um Drink No Inferno.

  • Crítica | Kill Bill

    Crítica | Kill Bill

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    Quentin Tarantino é, antes de revisionista ou mero imitador, um autor de remix: alguém que se apropria de características específicas de um gênero, chegando até mesmo a emula-las de modo literal, mas sempre ressignificando-as. Os filmes de gangster, o cinema black exploitation, os longas de guerra e os westerns já passaram pela lente única deste diretor que a cada novo trabalho endossa a construção de um legado que, nos termos de sua própria ambição, marcará a história da sétima arte. Dentre as obras de sua, até então, curta filmografia, apenas duas se debruçam sobre a mesma história: Kill Bill: Volume 1 e Kill Bill: Volume 2, que, a bem da verdade, compõem um único filme – condição na qual será tratado neste texto.

    Em uma grande homenagem aos filmes de artes marciais chineses e japoneses, com pitadas generosas de western spaghetti, Tarantino narra a história de Beatrix Kiddo, conhecida durante toda a primeira parte da saga somente como A Noiva, uma assassina que, após passar cinco anos em coma em razão da traição perpetuada por seu ex-afeto e mentor Bill, busca se vingar deste e dos outros quatro profissionais responsáveis pelo massacre que destruiu sua vida. Interpretada de forma altiva por Uma Thurman, a personagem protagoniza algo ímpar na carreira do realizador: não ostentando os longuíssimos e espirituosos diálogos que tornaram célebres seus primeiros trabalhos – não que estes inexistam por completo, uma vez que Tarantino não falha em entregar ao menos meia-dúzia de conversações marcantes ao longo da jornada –, Kill Bill é focado na ação sanguinolenta, propositalmente absurda e irreal, que se dá por lutas coreografadas de modo fluído e graficamente impactante.

    O impacto, aliás, revela-se como preocupação-mor do diretor no desenrolar dessa trama de vingança, na qual os eventos são apresentados em dez capítulos dispostos em ordem não cronológica, recurso empregado não para criar uma narrativa mais instigante, como ocorre em seus dois primeiros filmes, e sim para brincar com nossas expectativas, guardando as passagens mais espetaculares para os momentos mais oportunos, a fim de, justamente, causar o maior impacto possível. Essa escolha, longe de ser desonesta, funciona de modo ideal; a fuga de Beatrix da cova em que é enterrada viva não teria metade do efeito caso não fosse precedida pela icônica sequência de treinamento com Pai Mei, e o mesmo se pode dizer da introdução da Noiva, cena na qual, ao cometer um homicídio e, em seguida, conversar de modo afetuoso (sem, no entanto, demonstrar um pingo de remorso) com a filha de sua vítima, a personagem revela com precisão o caráter da assassina implacável, porém justa que acompanharemos durante as próximas horas.

    A violência exagerada, as técnicas sobre-humanas e os absurdos de toda espécie que permeiam a trama são também recursos utilizados no intuito de impactar o espectador, que a todo o momento se depara com decisões tomadas única e exclusivamente em função do estilo, dentre as quais se destacam uma sequência de combate em que são mostradas apenas silhuetas, e o flashback que entrega o passado da personagem O-Ren Ishii, no qual somos transportados para um anime excepcionalmente bem realizado pela equipe do Production I.G à época. Essa sequência em animação deixa patente a influência do entretenimento japonês na construção de Kill Bill, fato que, longe de ser segredo, é ainda referenciado por vezes sem conta, como percebemos na grande similaridade do roteiro com o de Lady Snowblood, filme de 1973 baseado no mangá homônimo – No Brasil, Yuki – Vingança na Neve –  de Kazuo Koike (mesmo autor de Lobo Solitário, obra também mencionada em um ponto avançado do filme), ou no uso demasiado de closes fechadíssimos nos olhos dos atores.

    Embalado por uma trilha sonora arrasadora, outra notória característica dos trabalhos de Quentin, a história caminha, ora esbarrando em belas canções como Bang Bang (My Baby Shot Me Down), de Nancy Sinatra, ora encontrando o som enérgico da banda japonesa The 5.6.7.8’s, para um desfecho que, propositalmente anti-climático, consegue ainda ser catártico, entregando o que promete o título. Tarantino se diverte ainda dando algumas pinceladas no que convém se chamar de seu universo, enfiando no roteiro uma participação do divertido xerife Earl McGraw, que morre no começo de Um Drinque no Inferno e dá as caras novamente em À Prova de Morte, ou colocando Samuel L. Jackson de modo misterioso na capela em que ocorre o massacre que motiva toda a vingança – o que muitos acreditam ser o trágico fim de Jules Winnfield, seu personagem em Pulp Fiction. Ousado e extremamente violento, na mesma medida em que é divertido, Kill Bill configura, enfim, um projeto ambicioso, que dificilmente será lembrando como um clássico, mas que, sem sombra de dúvida, será lembrado.

    Texto de autoria de Alexandre “Noots” Oliveira.

  • Crítica | Django Livre

    Crítica | Django Livre

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    Não é todo dia que vemos um filme de Quentin Tarantino no cinema. Nas duas últimas décadas, o estadunidense de 50 anos lançou apenas 8 filmes, e mandou bem em todos!

    O número de títulos assinados por Quentin é tão impressionante quanto seu aproveitamento: O filme mais fraco (minha opinião: Jackie Brown) não pode ser chamado de ruim, o casting de seus filmes sempre é incrivelmente estrelado e Hollywood sempre vê seus futuros projetos com bons olhos. Foi assim desde Cães de Aluguel, seu primeiro filme e que teve atores muito famosos se acotovelando para ocupar os poucos papéis disponíveis. Diretor novato, Tarantino conseguiu o que ninguém acreditava ser possível para um estreante: Ter o projeto aceito por um dos maiores nomes da época em Hollywood, o renomado Harvey Keitel. Além de Keitel, o primeiro filme de Quentin Tarantino, contava também com Steve Buscemi, Michael Madsen, Tim Roth e ele próprio, dentre outros.

    Assim como seus filmes, Tarantino possui várias marcas registradas que transbordam nas películas e fazem dele um diretor autoral com o nome gravado à ferro na história do cinema. Exímio diretor de câmera, abusa dos chamados long shots com cenas de até 10 minutos sem cortes. Seus roteiros, geralmente originais, trazem personagens de personalidade forte e a grande maioria das tramas tem uma dualidade muito evidente: Os personagens nunca são completamente vilões ou mocinhos. O grande trunfo dos filmes “tarantinescos” sempre foram os personagens e seus diálogos, muitas vezes surreais, sobre assuntos cotidianos.

    Os filmes dirigidos e roteirizados por Quentin tem, também, uma veia sanguinolenta e extremamente violenta que sempre se apresenta por grandes tiroteios, linguagem obscena e violência explicitada com litros e mais litros de sangue que transformam os cenários em retratos de chacinas fantasiosas, totalmente inverossímeis e exageradas. Todo filme dele é aguardado do anúncio à estreia com expectativas muito elevadas por parte da comunidade cinéfila, e Django Livre não foi exceção.

    O filme conta a história de Django (D-J-A-N-G-O, o “D” é mudo…), um escravo que é resgatado por um caçador de recompensas enquanto era transportado de sua fazenda de origem para um outro local. O caçador de recompensas, um alemão abolicionista conhecido como Doutor King Schultz, propõe a Django que o ajude a capturar (e matar) os três donos da fazenda em que ele trabalhava e em troca oferece sua liberdade e algum dinheiro para recomeçar sua vida. A principio relutante em aceitar a proposta, o escravo parte com o caçador em uma viagem em busca dos alvos.

    Depois de achar e matar os três irmãos e mais crédulo do discurso anti-escravagista do nobre Doutor Schultz, Django recebe a ajuda do caçador para reaver sua esposa, vendida para um fazendeiro de identidade até então desconhecida. Enquanto viajam lado-a-lado caçando procurados por todo o sul dos Estados Unidos, os dois se tornam amigos em busca do objetivo maior de Django: reunir-se novamente com sua esposa Broomhilda.

    O filme, vendido para mim como um thriller de ação e vingança se mostrou outra coisa durante a primeira uma hora. Esperei ver litros de sangue, tiroteios frenéticos e muitos personagens se interligando ao maior estilo Quentin Tarantino mesmo, mas essa primeira parte do filme não tem nada disso. Decepcionado? Nem um pouco!

    Esta primeira (e maior) parte do filme foca inteiramente na interação de Django (Jamie Foxx) e Schultz (Christoph Waltz). Tem diálogos impressionantemente bem feitos, ótimos momentos de humor e ação na medida certa para desenvolver os dois personagens. Durante esta primeira metade, Django e Schultz caçam dezenas de procurados enquanto o escravo aprende a técnica necessária para colocar seu plano em movimento. Quando finalmente descobrem o paradeiro de Broomhilda (Kerry Washington), as rédeas do filme passam para as mãos do protagonista-título da trama. Até este ponto de virada, Waltz leva o filme com a mesma maestria e atuação  que deu vida a Hans Landa (vivido por Waltz em Bastardos Inglórios, também de Tarantino). Impressionou-me bastante a forma como ele trabalha magistralmente bem junto de Quentin Tarantino, e o filme é levado por ele com uma atuação de gala que lhe rendeu, merecidamente, a indicação ao Oscar de melhor ator coadjuvante. Seu personagem alterna extremamente bem momentos de serenidade e bondade com sequências de implacável violência e inteligência na caça aos bandidos procurados.

    E por falar em atuações de gala, Samuel L. Jackson está tão solto e frenético em “Django Livre” quanto estava em Pulp Fiction (pra mim, o melhor filme de sua carreira). Aqui, ele vive o afetado Stephen, um escravo que trabalha há muito tempo para o personagem de Leonardo Dicaprio administrando sua fazenda e cuidando da casa. O inglês pronunciado com um incômodo sotaque texano e sua falta de educação nos diálogos rendem boas risadas nos últimos 40 minutos de filme. Sua atuação tira parte do brilho do personagem de Leonardo Dicaprio, que vive Calvin Candie, um dono de terras que negocia escravos negros para as lutas de “mandingos” e é o atual dono da esposa de Django. Interpreta bem, nos poucos momentos em que o roteiro o deixa em evidência, mas não faz nada extraordinário.

    Jaimie Foxx me surpreendeu bastante com sua atuação. Na verdade, era o único que eu não sabia o que esperar mas manda bem demais durante todo o filme. Django é um personagem complexo e ele pareceu entender bem qual era seu propósito no roteiro, sendo modesto quando necessário, violento e forte quando o roteiro assim o pede e, como já falei, tomando as rédeas do filme depois que o personagem de Waltz vai embora.

    E é só depois que o nobre Dr. Schultz se ausenta que o filme toma ares mais tarantinescos de verdade. Passa, apartir dalí, a se tornar um filme sobre vingança, com ritmo acelerado e, como não poderia faltar, baldes e mais baldes de sangue derramado na tela. A velocidade da câmera, as viradas no plot e a aparição modesta de Quentin na tela mudam completamente a pegada do filme e compõe, agora sim, o thriller frenético de ação e vingança que haviam me vendido. Não sei precisar qual das duas partes eu gosto mais, mas este é certamente um adendo favorável ao meu resumo da obra: Comprei um ingresso de cinema e acabei vendo dois excelentes filmes!

    A trilha sonora é simplesmente uma das mais fantásticas que eu já ouvi e ajuda demais a ditar o andamento das cenas. Misturando estilos, Tarantino traz para o filme uma série de artistas diferentes que vão desde as trilhas compostas por Ennio Morricone até uma música montada num remix incrivelmente bem feito que une as vozes de, acreditem, James Brown e Tupac Shakur!

    Que outro autor/diretor você conhece com moral suficiente para emplacar um Western ao som de Hip Hop?! E o melhor da trilha é que ela está disponível, gratuitamente, para ser ouvida neste link. Nele você encontra todas as trilhas empregadas e algumas citações tiradas do próprio filme. Abaixo, a música póstuma produzida pelo Rei do Soul e o Mestre do Rap:

    Com orçamento estimado em 100 milhões de dólares e faturamento de quase 350 milhões, “Django Livre” tornou-se o maior e mais bem sucedido filme da ainda curta (mas muito bem sucedida) filmografia de Quentin Tarantino. O filme chegou ao Brasil em 18 de janeiro, mas ainda está em exibição em algumas poucas salas do país. Tarantino, que já anunciou que não pretende ir muito além de 10 filmes em sua carreira, conseguiu um resultado excelente e acima do meu esperado ainda que tivesse grande expectativa para o filme. Como já é de praxe, fez dezenas de referências durante os 160 minutos de filme. Referências facilmente captadas, como o nome do personagem e trilha de abertura (retirada do filme “Django”, de Sergio Corbucci), diversas metáforas ao homem branco e à relação do negro com a liberdade e até uma crítica bem humorada à Ku Kux Klan. Um filme bastante fácil de compreender, divertidíssimo e nada cansativo, que merece ser visto por todos os fãs de cinema, menos o Spike Lee.

  • Crítica | Amor à Queima-Roupa

    Crítica | Amor à Queima-Roupa

    Amor à Queima-Roupa

    Em 1993, Tony Scott assinou seu nome na indústria do cinema ao dirigir Amor à Queima-Roupa, uma história de amor pra lá de distorcida, que contava com um elenco impecável e um roteiro original em mãos. O dono desse roteiro era um certo atendente de locadora, fascinado por cinema e aspirante a diretor. Quentin Tarantino.

    Tarantino já havia dirigido Cães de Aluguel em 1992, que não foi tão bem de bilheteria, mas muito bem aceito pela crítica e pelos astros de Hollywood, que ficaram impressionados com o trabalho do diretor e estavam ávidos para trabalhar com ele, deixando de lado até mesmo os cachês exorbitantes que recebiam, apenas para trabalhar com o homem.

    Porquê estou dizendo tudo isso? Porque o roteiro de “Amor à Queima-Roupa” proporcionou ao Tarantino filmar seus “Cães de Aluguel” e como dizem, o resto é história. O fato é que na época em que o roteiro foi vendido, ninguém deu muita importância para ele, até que acabou nas mãos do diretor de Top Gun.

    O filme conta a história de Clarence (Christian Slater), um vendedor solitário que mora em uma loja de quadrinhos e que sua rotina se resume a assistir filmes de artes marciais e passar a noite em lanchonetes. Em uma dessas noites, ele encontra Alabama – interpretada por Patricia Arquette (simplesmente linda) – em uma sessão de filme de Kung-Fu. Alabama é recém chegada na cidade, partiu do interior para conseguir um lugar ao sol na cidade grande.

    A intensidade do amor dos dois é tamanha que ambos decidem se casar no dia seguinte. Porém, Clarence fica incomodado com o passado da garota, que tinha se tornado prostituta a mando de Drexl (Gary Oldman), e Clarence seria seu primeiro cliente. O recém-noivo decide dar às caras ao antigo “patrão” de Alabama, e a coisa termina em massacre e uma mala cheia de cocaína para Clarence, que decide partir rumo a Hollywood para vender toda essa droga para algum grande astro do cinema. Só que essa cocaína tem dono, e são ninguém menos que a máfia italiana.

    Após esse pequeno resumo da trama do filme, é fácil notar o porque ele tem a assinatura de Tarantino. Amor à Queima-Roupa tem todos os elementos que veríamos em seus filmes futuros: Sua paixão por filmes asiáticos e western spaghetti, referências aos quadrinhos de super-heróis, violência desenfreada, diálogos marcantes e sua paixão quase adolescente pelo cinema. A princípio, o roteiro era fragmentado, outra característica típica do Tarantino, mas Tony Scott preferiu deixá-lo linear, o que funciona muito bem. As referências que Tarantino visitaria novamente são inúmeras.

    No longa ainda temos as participações de James Gandolfini, Dennis Hopper, Samuel L. Jackson, Val Kilmer, Brad Pitt, Christopher Walken, apenas para citar alguns. É fácil notar que todos estavam se doando para suas personagens e se divertindo muito com isso. As sequências de diálogos são memoráveis, entre o ponto forte está uma cena onde o pai de Clarence (Hopper) se encontra com o mafioso siciliano (Walken). Brilhante.

    É interessante notar que sempre que comentado sobre Amor à Queima-Roupa, muito se é falado sobre o roteiro de Tarantino e pouco sobre a direção de Tony Scott, porém, isso acaba desmerecendo o trabalho de Scott, que faz uma direção com grandes tomadas e um ótimo trabalho do elenco, é claro, que o roteiro ajuda muito, mas outro diretor poderia destruí-lo, o que não é o caso de Tony Scott.

    Obrigatório para quem quiser entender um pouco do Tarantino antes de ser aclamado pelo mundo como diretor e confirmar que a genialidade do cara, já estava ali desde sempre, repleto de referências que só ele mesmo saberia utilizar por muito tempo.

  • Agenda Cultural 14 | Tarantino e um Exílio Francês

    Agenda Cultural 14 | Tarantino e um Exílio Francês

    Agenda Cultural agora também dentro da vertente ‘moda’. Felipe Morcelli (@multiversodc) do site Multiverso DC se reúne a Flávio Vieira (@flaviopvieira) e Mario Abbade (@fanaticc) para discutir as tendências da moda que regem o mundo dos super heróis. De quebra você ganha uma aula sobre Tarantino e o ‘way of life’ dos Stones e seus excessos.

    Duração: 53 min.
    Edição: Flávio Vieira
    Trilha Sonora: Flávio Vieira

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