Tag: Javier Cámara

  • Crítica | Truman

    Crítica | Truman

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    Simples, sensível e tocante, Truman é mais uma típica comédia argentina, que se vale da sutileza e do talento/carisma de Ricardo Darín para dar liga ao roteiro. A direção de Cesc Gay oferece ainda mais sentido ao drama leve, a exemplo de seu mais recente filme, O Que Os Homens Falam. O argumento sabe tratar do campo sentimental, mas sem apelar para a gratuidade emocional.

    Darín dá vida a Julian, um ator de meia-idade que recebe a isita misteriosa de Tomás (Javier Cámara). Viajando do Canadá a Madri, a trama se inicia envolvendo uma gama de viagens e muitos gastos da parte do resignado e calado homem. Logo se revela o real motivo da viagem, que seria a escolhe de Julian por não executar a quimioterapia, desistindo de salvar-se do câncer. A epopeia acontece na tentativa de achar pessoas ideais para a adoção do cão do moribundo, alcunhado de Truman em homenagem a Capote.

    Truman 3

    A trajetória dos amigos envolve uma busca ao passado, com despedidas e viagens intensas. Julian e Tomás se vêem em situações nas quais o choro trava em suas gargantas e olhos, em que um mundo é segurado em meio aos personagens. Vivem comunicados, lembranças e reencontros com os seus. Apesar da acidez na amizade, nota-se uma cumplicidade que começa velada e, aos poucos, se demonstra mais evidente. A recusa em mudar a postura da possível eutanásica envolve os antigos amantes de Julian, bem como seus herdeiros e sua prima, Paula (vivida pela bela Dolores Fonzi de O Crítico), a pessoa mais próxima do ator em terras espanholas.

    O processo de cuidar do amigo causa um misto de riso e choro, o que faz discutir o gênero de comédia do longa. O roteiro foge do apelo à pobreza e cafonice, mesmo ao retratar a decadência da saúde do artista, que se vê cada vez mais distante dos holofotes, bem como do domínio de suas funções motoras mais básicas. Até os desastres emocionais são conduzidos de modo sutil, deixando ao público se emocionar no nível que seu próprio estado de espírito permite. Truman é sensível e fecha o ciclo de modo sincero e bonito, arrematando de modo justo tanto o nome do filme quanto a ponte de amizade de Tomás e Julian, justificando o sentimento de irmandade sempre fortificado pelo redondo argumento.

  • Crítica | Viver É Fácil Com Os Olhos Fechados

    Crítica | Viver É Fácil Com Os Olhos Fechados

    viverOs road-movie nos conquistam pelo seu desprendimento e sua falta de responsabilidade com narrativas lineares que desconstroem a coerência de fórmulas extintas ou incongruentes para a atualidade, de um Cinema leve e solto como Paris/Texas ou Além da Estrada tão bem representam, e o fazem a olhos nus. A estrada nos oferece salvação, danação, nos oferece um esquecer, mesmo que breve, dos problemas que tentamos deixar para trás, nos oferece perigo e nos blinda da rotina da qual escapamos a cada quilômetro rodado. Foi com Corrida Sem Fim, do genial Monte Hellman, em 1971, que uma geração inteira ganhou representação através da rebeldia e do desejo de libertação dos dogmas do passado, tudo filmado à base de asfalto e cheiro de gasolina (O passado não mais existe, e o futuro está sempre além da próxima curva). É claro que depois vieram Godard, Miller, Rocha, Lynch e Spielberg, todos se aventurando pela estrada, até chegarmos a 2013, até o momento presente, o futuro que ninguém se interessou.

    Todavia, Viver É Fácil Com Os Olhos Fechados merece destaque no subgênero de estradas e horizontes por apresentar como protagonista-mote um professor, numa clara analogia ao aprendizado que o tempo nos traz, na exuberância de situações feel-good ou conflitantes que a estrada acarreta a quem se aventura por suas veredas. O tempo da película é calcado em leveza e numa moral da história que, por combinar com a essência do filme inteiro, mantida num bom fluxo e ritmo de digressões positivas e propositais, torna a obra uma experiência completa em suas pretensões, sendo essas reforçadas pelas músicas dos Beatles, banda reverenciada o tempo todo e que condiz, totalmente, com os elos emocionais que o filme deseja traçar com o espectador.

    Acontece que nos anos 60, o emotivo e impulsivo Antonio (Javier Cámara, um dos musos de Almodóvar) atravessa a Espanha para encontrar seu grande ídolo, John Lennon, e no meio do trajeto conhece a moça Belém e o garoto Juanjo, típicos personagens de road-movie em típicas situações de pássaros livres, sem teto ou destino traçados. Contudo, é nos clichês que o filme aposta ao reciclá-los de maneira tão jovial e descompromissada, até mesmo divertida, tendo na persona dos três protagonistas o poder de compor um filme triplo, dentro de um só. Quando o protagonismo coletivo conta uma história, feito os recentes Spotlight e Branco Sai, Preto Fica, o resultado quase sempre é melhor, e neste caso, com certeza o é, deixa o filme ainda mais adorável, seja exibido numa iminente sessão ao ar livre, seja com toda a família.

    Só pra fechar, nota-se como é curioso, em especial e demasia, assistir a como o cinema nos quatro cantos do mundo está se aventurando cada vez mais em gêneros, e subgêneros, que só expandem as possibilidades de experimentação artística. Seja no Brasil, no Irã ou na Suécia, são menos previsíveis os estereótipos dos Cinemas desses países. Não se espera mais apenas filmes de deserto do Irã, ou os mesmos dramas repetitivos da Suécia, ou só filmes carnavalescos de técnica fraca da América Latina. Outros contornos parecem se desenvolver, e outros tipos de cinema procuram se reinventar no decorrer das rodovias do tempo. E é nesse meio tempo, como já acontece, que vamos começar a apreciar cada vez mais e melhor outros gêneros, formas e ensejos que, inevitavelmente, surgirão prontos a debulhar mundo afora e adentro das telinhas e das telonas por onde não deixamos de nos aventurar.

  • Crítica | O Que Os Homens Falam

    Crítica | O Que Os Homens Falam

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    A sutileza narrativa presente em diversas produções de língua espanhola sempre produz dúvida quanto ao gênero pertencente ao filme. Se a história de O Que Os Homens Falam fosse produzida por um grande estúdio americano, com elenco de estrelas e de estética perfeita, haveria a possibilidade da trama reduzir-se a uma série de cenas cômicas, entrecortadas por um roteiro que não alcança o drama desejado.

    A linha cômica que atravessa a produção dirigida por Cesc Gay não produz o riso fácil, mas corrói pela ironia que desperta no desencontro do homem adulto e contemporâneo, através de seis pequenas histórias que recortam as mesma metrópoles.

    No filme, homens na casa dos 40 anos que há muito perderam o viço da juventude e a credulidade de uma vida madura mantida com estabilidade. Vivem a crise do homem da meia-idade que se descobre imaturo e sozinho. Os diálogos travados em cena são francos. Amigos que se encontram por acaso e que, em razão da antiga intimidade, abrem seu coração. Desaguam mágoas contidas por esposas que foram embora, por traições, e, pouco a pouco, destroem a imagem viril do homem contemporâneo capaz de dominar a própria vida.

    Sem nomes estabelecidos na película, os personagens se despem emocionalmente sem vergonha de suas próprias desgraças. Nas primeira cenas, o personagem vivido por Leonardo Sbaraglia sai da terapia às lágrimas e encontra-se com um antigo colega (Eduard Fernández). Os amigos demonstram um carinho afetuoso um pelo outro mas, com o passar de suas histórias de vida, parecem desencantar-se com a própria trajetória. São homens que tiveram planos e falharam. Retornam a um momento anterior em que tentam se reconstruir, mesmo que de volta à casa da mãe. Unidos por um passado em comum, tentam resgatar a amizade, mesmo sem revelar explicitamente que ela está morta.

    A sinceridade em cena espanta por sua naturalidade. Javier Cámara interpreta um ex-marido que, ao levar o filho para a casa da antiga esposa, deseja reatar com ela. Através da porta de um banheiro, declara seu amor. Assume os erros pela traição mas, ainda assim, sente que uma chama permanece. Pouco se sabe sobre a relação do casal, exceto o término e a sensação de um homem ainda entorpecido pelo erro. Desesperado para reconstruir a própria história.

    A traição é vista sob a ótica, oposta na história, do personagem de Ricardo Darín, obcecado em frente a um apartamento que sabe ser o do amante da esposa. “Ela nunca soube mentir”, diz para um amigo que ele reconhece na praça onde está situado. De maneira franca, sem o julgamento violento de um homem traído, procura compreender a esposa, suas razões para traí-lo, e se a conduta dela foi errônea.

    Em outra trama, focando o ambiente de trabalho, Eduardo Noriega é um homem interessado em uma colega. Após anos trabalhando juntos sem trocarem uma palavra, estão preparados para um diálogo afiado entre atração física e sexual. São histórias de indivíduos à margem de si mesmos, ainda que sem o próprio reconhecimento. Possuem uma vida a qual não imaginaram no passado. O desgaste do papel masculino revela toda a fragilidade do homem contemporâneo.

    A última história reúne quatro personagens em dois diálogos que se espelham. Há uma simbólica troca de casais em cena. Enquanto A. e Maria se encontram ao acaso e decidem ir juntos de carro a uma festa, seus respectivos cônjuges, Sara e M., estão em um mercado comprando bebidas para a festa em questão.

    A intimidade demonstra o desgaste das relações e o desconforto de ambas as esposas com a falsa virilidade criada por seus maridos, e a dificuldade de fazerem-nos aceitar os próprios problemas para modificá-los. São homens vivendo a negação consigo mesmos mas ainda dispostos a dar conselhos e ajudar o próximo, como se fossem invencíveis.

    O título brasileiro da produção apoia-se na frase do pôster original: o que pensam os homens quando não estão conosco? Uma frase que parece aproximar-se de uma comédia machista cujo enfoque seria o homem em seu estado mais bruto. Porém, resulta em uma sensível narrativa onde o cômico é patético, centrando em homens que perderam as próprias amarras e estão à deriva.

    O excelente elenco sustenta cada uma das seis histórias de maneira talentosa. O onipresente Ricardo Darín tem destaque maior tanto no cartaz brasileiro quanto no espanhol. Porém, sua presença em cena é a mesma de outras personagens, ainda que sua figura como ator seja sempre um atrativo aos olhos do público, o que explica sua projeção um pouco mais acima nas imagens de divulgação.

    Um drama irônico sobre a imagem do homem viril em contraposição ao seu frágil interior. O Que Os Homens Falam é uma dessas pequenas histórias cotidianas que conquistam pelo bom elenco e pela relação sincrônica com o contemporâneo.

  • Crítica | Os Amantes Passageiros

    Crítica | Os Amantes Passageiros

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    Dentro de um avião fora de controle, um grupo de personagens excêntricos acredita estar vivendo suas últimas horas de vida. A partir dessa premissa, o espectador testemunha a volta de Pedro Almodóvar ao tipo de filme que o consagrou: a comédia. Desde Kika (1993) que o diretor havia deixado de lado esse estilo. E retorna a ele da forma mais escrachada possível. Mas, afinal, é Almodóvar, e de que outro modo ele o faria?

    Para o espectador saudoso dos primeiros filmes do diretor, com seus cenários de cores fortes, personagens extremos em situações extremas, figurinos extravagantes, diálogos disparados em velocidades alucinantes, está tudo de volta. E isso talvez dê a impressão de que o diretor está referenciando ou mesmo parodiando a si próprio. É difícil não relembrar de Mulheres à beira de um ataque de nervos que, assim como este, passa-se praticamente em um único cenário – um apartamento – e há uma personagem que deixa de ser virgem durante a estória. Além disso, há várias cenas marcantes – chocantes ou engraçadas – envolvendo drogas, sexo ou ambos.

    O rol de personagens, uma fauna bastante diversificada, inclui três comissários de bordo homossexuais – um que bebe, Joserra (Javier Cámara), um que consome drogas ilícitas, Ulloa (Raúl Arévalo) e um que abraçou a religião para se livrar dos vícios, Fajas (Carlos Areces); um piloto bissexual, Álex Acero (Antonio de la Torre), cujo amante é Joserra; um co-piloto “saindo do armário”, Benito Morón (Hugo Silva), por quem Ulloa tem uma queda; uma vidente, a virgem que deixa de ser, Bruna (Lola Dueñas); uma cafetina de luxo, Norma (Cecilia Roth); um empresário corrupto; um ator, Ricardo Galán (Guillermo Toledo); um agente de segurança; um casal em viagem de núpcias. Os personagens são estereotipados? Ao extremo, são quase caricaturas. Seus trejeitos e neuras são exagerados? Sem dúvida. Mas boa parte do humor e da crítica ácida deve-se justamente a esses fatores.

    Enquanto o roteiro se atém às ações e reações dos personagens dentro do avião, a trama se sustenta. Contudo perde força ao sair do ambiente confinado e mostrar uma subtrama, em que uma moça andando de bicicleta atende um telefonema do ex-namorado (o ator) num celular que “caiu do céu”, ou mais precisamente, das mãos de uma suicida que também conhece Galán. Apesar de interessante, principalmente aos que têm sua atenção atraída pela beleza da moça, Ruth (Blanca Suárez), a sequência não é muito relevante, e poderia ser encurtada ou mesmo suprimida sem qualquer prejuízo.

    O título em inglês, I’m so excited, é o nome da música utilizada como trilha sonora para um número de dança protagonizado pelos comissários a fim de entreter os passageiros – apenas os da primeira classe, pois os da classe econômica estão dormindo, todos foram dopados assim que a tripulação descobriu a pane. A partir daí pode-se ter uma ideia nítida do quão non-sense, exagerado e, ao mesmo tempo, sarcástico é o filme. Esse tom exagerado se vale ainda das cores fortes do cenário e da fotografia, com enquadramentos que lembram programas de tv – principalmente na hora do “show”.

    Não se pode afirmar com veemência que Almodóvar tenha perdido a mão. É possível que sua intenção fosse mesmo fazer uma paródia de suas melhores comédias. De qualquer modo, não deixa de ser um filme menor. Mas, levando-se em conta que Almodóvar é um autor – em oposição ao conceito de artesão, ou diretor por encomenda -, vale a máxima defendida por Truffaut na revista Cahiers de Cinéma: “Um cineasta que tenha feito grandes filmes no passado pode cometer erros, mas os erros que ele cometer têm toda a probabilidade, a priori, de ser mais apaixonantes que os êxitos de um ‘artesão’”.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.