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  • Crítica | Pecados Antigos, Longas Sombras

    Crítica | Pecados Antigos, Longas Sombras

    Pecados Antigos, Longas Sombras

    Vencedor de dez Prêmios Goya em 2015 (incluindo Melhor Filme e Melhor Diretor), a produção Pecados Antigos, Longas Sombras chega ao país como uma boa narrativa policial que destaca uma trama fundamental para seu desenvolvimento e explora com qualidade sua ambientação.

    Dirigido por Alberto Rodriguez, a história se desenvolve em 1980, na Espanha, em uma pequena cidade sulista. Uma série de crimes brutais envolvendo adolescentes une dois detetives díspares, convocados da central de homicídios, para assumir o caso. Mesmo sem uma recepção positiva no local e o evidente desconforto dos investigadores com a conduta de cada um, as personagem reconhecem na cidade um ambiente que parece mais esconder a verdade do que tentar desvendá-la.

    Sem nenhuma glamourarização das investigações policiais, a história é conduzida de maneira realista e pautada em uma investigação tradicional, com cada policial entrevistando possíveis testemunhas e lidando com a burocracia local que parece impedir a resolução do crime. Juntos, os detetives estabelecem a dupla investigativa que deixa de lado as diferenças para focar em um eixo comum na resolução de tais crimes.

    A ambientação em um local rural intensifica a mística ao redor dos crimes, e Rodriguez explora as locações com qualidade em bonitas tomadas aéreas da natureza, demonstrando um local ainda não-urbanizado e solitário, possível de potencializar a ocultação de um crime, destacando a ação da natureza sobrepondo as ações das personagem (uma das grandes cenas se desenvolve em um intenso temporal). Ainda que a trama seja linear, as cenas de suspense surgem no momento certo, ampliando a apreensão do espectador assim como a dos personagens centrais, estrangeiros no local e que compartilham da dúvida dos policiais sobre o crime: deseja-se saber quem foram os responsáveis por tais mortes. Destoando entre si, os policiais parecem rir da ironia da morte, acostumados com a perspectiva de que sempre está diante dela, reconhecendo que, apesar de eventuais soluções dos crimes, a morte parece sempre aleatória e sem significado.

    Executado em uma bela ambientação, indo ao cerne do conflito básico entre crime e investigação, Passados Antigos, Longas Sombras se revela denso pela dualidade de suas personagens centrais e as marcas deixadas por um crime que, ressaltado pelo título brasileiro, são uma espécie de escuridão que retorna ao espaço primitivo do homem.

  • Crítica | Os Amantes Passageiros

    Crítica | Os Amantes Passageiros

    os amantes passageiros - poster

    Dentro de um avião fora de controle, um grupo de personagens excêntricos acredita estar vivendo suas últimas horas de vida. A partir dessa premissa, o espectador testemunha a volta de Pedro Almodóvar ao tipo de filme que o consagrou: a comédia. Desde Kika (1993) que o diretor havia deixado de lado esse estilo. E retorna a ele da forma mais escrachada possível. Mas, afinal, é Almodóvar, e de que outro modo ele o faria?

    Para o espectador saudoso dos primeiros filmes do diretor, com seus cenários de cores fortes, personagens extremos em situações extremas, figurinos extravagantes, diálogos disparados em velocidades alucinantes, está tudo de volta. E isso talvez dê a impressão de que o diretor está referenciando ou mesmo parodiando a si próprio. É difícil não relembrar de Mulheres à beira de um ataque de nervos que, assim como este, passa-se praticamente em um único cenário – um apartamento – e há uma personagem que deixa de ser virgem durante a estória. Além disso, há várias cenas marcantes – chocantes ou engraçadas – envolvendo drogas, sexo ou ambos.

    O rol de personagens, uma fauna bastante diversificada, inclui três comissários de bordo homossexuais – um que bebe, Joserra (Javier Cámara), um que consome drogas ilícitas, Ulloa (Raúl Arévalo) e um que abraçou a religião para se livrar dos vícios, Fajas (Carlos Areces); um piloto bissexual, Álex Acero (Antonio de la Torre), cujo amante é Joserra; um co-piloto “saindo do armário”, Benito Morón (Hugo Silva), por quem Ulloa tem uma queda; uma vidente, a virgem que deixa de ser, Bruna (Lola Dueñas); uma cafetina de luxo, Norma (Cecilia Roth); um empresário corrupto; um ator, Ricardo Galán (Guillermo Toledo); um agente de segurança; um casal em viagem de núpcias. Os personagens são estereotipados? Ao extremo, são quase caricaturas. Seus trejeitos e neuras são exagerados? Sem dúvida. Mas boa parte do humor e da crítica ácida deve-se justamente a esses fatores.

    Enquanto o roteiro se atém às ações e reações dos personagens dentro do avião, a trama se sustenta. Contudo perde força ao sair do ambiente confinado e mostrar uma subtrama, em que uma moça andando de bicicleta atende um telefonema do ex-namorado (o ator) num celular que “caiu do céu”, ou mais precisamente, das mãos de uma suicida que também conhece Galán. Apesar de interessante, principalmente aos que têm sua atenção atraída pela beleza da moça, Ruth (Blanca Suárez), a sequência não é muito relevante, e poderia ser encurtada ou mesmo suprimida sem qualquer prejuízo.

    O título em inglês, I’m so excited, é o nome da música utilizada como trilha sonora para um número de dança protagonizado pelos comissários a fim de entreter os passageiros – apenas os da primeira classe, pois os da classe econômica estão dormindo, todos foram dopados assim que a tripulação descobriu a pane. A partir daí pode-se ter uma ideia nítida do quão non-sense, exagerado e, ao mesmo tempo, sarcástico é o filme. Esse tom exagerado se vale ainda das cores fortes do cenário e da fotografia, com enquadramentos que lembram programas de tv – principalmente na hora do “show”.

    Não se pode afirmar com veemência que Almodóvar tenha perdido a mão. É possível que sua intenção fosse mesmo fazer uma paródia de suas melhores comédias. De qualquer modo, não deixa de ser um filme menor. Mas, levando-se em conta que Almodóvar é um autor – em oposição ao conceito de artesão, ou diretor por encomenda -, vale a máxima defendida por Truffaut na revista Cahiers de Cinéma: “Um cineasta que tenha feito grandes filmes no passado pode cometer erros, mas os erros que ele cometer têm toda a probabilidade, a priori, de ser mais apaixonantes que os êxitos de um ‘artesão’”.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.