Tag: Leonardo Sbaraglia

  • Crítica | Neve Negra

    Crítica | Neve Negra

    Neve Negra estreou em 2017 com expectativa por ser um dos filmes argentinos mais bem criticados do ano, além é claro de ser estrelado por Ricardo Darin.

    Marcos e sua esposa Laura retornam à Patagônia para enterrar as cinzas do pai na propriedade da família administrada pelo irmão mais velho, o sinistro Salvador, e um segredo do passado ressurge no meio da discussão sobre a venda da propriedade.

    O roteiro escrito pelo diretor Martin Hodara e Leonel D’Agostino tenta discutir a brutalidade humana. A Patagônia fascina o imaginário popular mundial por ser um lugar selvagem, mas na Argentina, que se orgulha tanto do seu viés civilizatório perante os vizinhos sul-americanos, como se dá essa relação? O choque entre o selvagem, o bruto e a emoção contra o civilizado, o refinado e a razão permeiam a premissa do roteiro ao colocar Marcos, o único de quatro filhos que conseguiu sair de lá, em choque com Salvador, o primogênito e único filho que ficou para administrar as terras da família, já que a irmã foi internada e o caçula morreu na infância.

    A discussão a cerca da venda da propriedade milionária se torna um reflexo do trauma do passado. Marcos se sente culpado ao pedir que o irmão mais velho aceite vender o lugar que ele cuidou por anos como se o próprio Marcos não tivesse direito, já que no passado Salvador foi responsabilizado pelo pai por conta da morte do caçula.

    O sempre bom Ricardo Darin dá vida ao sombrio Salvador. Com poucos diálogos e ações contidas, a sua construção denota um personagem ainda mais ameaçador do que descrito nos diálogos entre os outros personagens. Laia Costa está bem como Laura, uma esposa preocupada, mas que tem a sua própria visão dos fatos. Leonardo Sbaraglia poderia ter se saído melhor como um culpado Marcos, já que seus vacilos destoam das demais atuações, soando em certo momentos um tanto canastrão.

    A direção de Hodara busca os tempos mortos o tempo todo em uma tentativa forçada de mostrar o bruto enquanto estado natural, seja da passagem do tempo com as ações completas dos personagens ou as carcaças de bichos mortos no meio da neve. A opção estética de mostrar as cenas do passado em paralelo poderiam ter sido melhor trabalhadas e não tem o impacto que se pretendia. Se a edição de Alejandro Carrillo Penovi não tivesse tantos tempos mortos, o filme ganharia em fluidez. Assim como, a fotografia naturalista de Arnau Valls Colomer poderia ter um toque diferenciado nas cenas do passado, uma dose onírica traria ainda mais drama e peso ao filme.

    Neve Negra deve agradar aos fãs do cinema argentino e de Darin, mas pode cansar devido ao problemático ritmo do filme.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

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  • Crítica | O Silêncio do Céu

    Crítica | O Silêncio do Céu

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    Uma das verdades absolutas do mundo globalizado, especialmente nos centros urbanos, é que a violência está por todos os lados. Não a vemos, não sentimos os tiros, ou o sangue escorrendo, mas há sempre o beco escuro e há sempre o mal-encarado e há sempre o risco; tudo presente em nossas ansiosas cabeças produtoras em série de medos e fobias. Entretanto, a materialização desse pressentimento em algo é outra coisa: é o ato. Não é uma ideia. E entre essas duas há aquele que espreita e há a vítima; o que esconde e o que anseia. Um momento de silêncio em que nada se espera e nada se diz.

    O Silêncio do Céu é um filme de Marco Dutra (Quando Eu Era Vivo, Trabalhar Cansa), baseado no livro de Sergio Bizzio (também roteirista do filme), e roteirizado por Caetano Gotardo (O Que Se Move) e Lucía Puenzo (XXY). A obra trata da vida de Mario (Leonardo Sbaraglia), um roteirista, e Diana (Carolina Dieckmann), uma estilista, após a mulher sofrer um estupro e o marido o presenciar. Diana decide não falar sobre, o que causa estranhamento em Mario. O silêncio desencadeia uma espiral de dúvida e desenvolve o desejo de vingança que fundamenta o filme de suspense.

    O que eu não entendo é como uma mulher que foi estuprada pode não falar uma palavra sobre isso.

    Mario é um homem ansioso e cheio de fobias, o típico “homem moderno”. Aquele que muito pensa sobre como lidar com tudo que conhece ou pode vir a conhecer, fazer. E, sendo roteirista, carrega as questões de construções de personagem para suas próprias reflexões, tanto sobre si mesmo quanto sobre Diana. Aquela que ele se refere como a única que consegue lê-lo. Que vê através de seu “preparo”, até mesmo brincando com isso. A personagem de Dieckmann, por outro lado, não apresenta tamanho desenvolvimento, e o que se vê é muitas vezes demonstrado com pressa.

    O Silêncio do Céu logo destrói as expectativas de que iria tratar do estupro profundamente. Ao invés disso, o tema é utilizado como base para outra reflexão, que diz respeito a relação de Mario e Diana, o verdadeiro foco. As cores e a composição do filme, por exemplo, trabalham a distância e posições das personagens, e como em suas diferenças se complementam. Para Mario há o medo, a ansiedade, enquanto Diana lida com o trauma; fatores que o diretor diversas vezes nivela como uma forma de equipará-los. Conversas pelo espelho, barreiras físicas; a dicotomia entre o azul e o laranja. O isolamento se faz tanto em níveis físicos em tela quanto em níveis introspectivos. Há domínio da linguagem visual, ainda que muitas vezes nada sutil, o que garante uma boa nuance na mistura do drama com o gênero de suspense.

    No que diz respeito a trama de vingança, há o desejo por vilões que sejam mais ameaçadores do que só mal-encarados, sejam desenvolvidos. O que é diferente de como Marco Dutra trata os lugares, já que esses sim apresentam uma carga poderosa tanto no desenvolvimento do suspense quanto dos personagens. Há também o auxílio da trilha sonora industrial, urbana, dos irmãos Garbato, que trabalha exatamente a ansiedade e outros fatores ensurdecedores do bem estar das personagens.

    O Silêncio do Céu não é o grande filme sobre estupro que muitos esperavam, mas isso não é realmente um defeito. Através de um tema específico como esse, retira-se o fator universal: o medo. E entre o anseio, a ideia, e o ato há o silêncio, a omissão. A omissão que protege nossas fragilidades daqueles ao nosso redor; a omissão por uma automática apatia; a omissão por feridas que não podemos lidar; a omissão entre as tragédias e as compreensões. Uma estranha linguagem que só aqueles que passaram pelos becos escuros de suas conturbadas mentes modernas podem entender, e ao compreendê-la se unem para sempre em um momento de silêncio em que nada se espera e nada se diz, aceita-se.

    Texto de autoria de Leonardo Amaral.

  • Crítica | O Que Os Homens Falam

    Crítica | O Que Os Homens Falam

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    A sutileza narrativa presente em diversas produções de língua espanhola sempre produz dúvida quanto ao gênero pertencente ao filme. Se a história de O Que Os Homens Falam fosse produzida por um grande estúdio americano, com elenco de estrelas e de estética perfeita, haveria a possibilidade da trama reduzir-se a uma série de cenas cômicas, entrecortadas por um roteiro que não alcança o drama desejado.

    A linha cômica que atravessa a produção dirigida por Cesc Gay não produz o riso fácil, mas corrói pela ironia que desperta no desencontro do homem adulto e contemporâneo, através de seis pequenas histórias que recortam as mesma metrópoles.

    No filme, homens na casa dos 40 anos que há muito perderam o viço da juventude e a credulidade de uma vida madura mantida com estabilidade. Vivem a crise do homem da meia-idade que se descobre imaturo e sozinho. Os diálogos travados em cena são francos. Amigos que se encontram por acaso e que, em razão da antiga intimidade, abrem seu coração. Desaguam mágoas contidas por esposas que foram embora, por traições, e, pouco a pouco, destroem a imagem viril do homem contemporâneo capaz de dominar a própria vida.

    Sem nomes estabelecidos na película, os personagens se despem emocionalmente sem vergonha de suas próprias desgraças. Nas primeira cenas, o personagem vivido por Leonardo Sbaraglia sai da terapia às lágrimas e encontra-se com um antigo colega (Eduard Fernández). Os amigos demonstram um carinho afetuoso um pelo outro mas, com o passar de suas histórias de vida, parecem desencantar-se com a própria trajetória. São homens que tiveram planos e falharam. Retornam a um momento anterior em que tentam se reconstruir, mesmo que de volta à casa da mãe. Unidos por um passado em comum, tentam resgatar a amizade, mesmo sem revelar explicitamente que ela está morta.

    A sinceridade em cena espanta por sua naturalidade. Javier Cámara interpreta um ex-marido que, ao levar o filho para a casa da antiga esposa, deseja reatar com ela. Através da porta de um banheiro, declara seu amor. Assume os erros pela traição mas, ainda assim, sente que uma chama permanece. Pouco se sabe sobre a relação do casal, exceto o término e a sensação de um homem ainda entorpecido pelo erro. Desesperado para reconstruir a própria história.

    A traição é vista sob a ótica, oposta na história, do personagem de Ricardo Darín, obcecado em frente a um apartamento que sabe ser o do amante da esposa. “Ela nunca soube mentir”, diz para um amigo que ele reconhece na praça onde está situado. De maneira franca, sem o julgamento violento de um homem traído, procura compreender a esposa, suas razões para traí-lo, e se a conduta dela foi errônea.

    Em outra trama, focando o ambiente de trabalho, Eduardo Noriega é um homem interessado em uma colega. Após anos trabalhando juntos sem trocarem uma palavra, estão preparados para um diálogo afiado entre atração física e sexual. São histórias de indivíduos à margem de si mesmos, ainda que sem o próprio reconhecimento. Possuem uma vida a qual não imaginaram no passado. O desgaste do papel masculino revela toda a fragilidade do homem contemporâneo.

    A última história reúne quatro personagens em dois diálogos que se espelham. Há uma simbólica troca de casais em cena. Enquanto A. e Maria se encontram ao acaso e decidem ir juntos de carro a uma festa, seus respectivos cônjuges, Sara e M., estão em um mercado comprando bebidas para a festa em questão.

    A intimidade demonstra o desgaste das relações e o desconforto de ambas as esposas com a falsa virilidade criada por seus maridos, e a dificuldade de fazerem-nos aceitar os próprios problemas para modificá-los. São homens vivendo a negação consigo mesmos mas ainda dispostos a dar conselhos e ajudar o próximo, como se fossem invencíveis.

    O título brasileiro da produção apoia-se na frase do pôster original: o que pensam os homens quando não estão conosco? Uma frase que parece aproximar-se de uma comédia machista cujo enfoque seria o homem em seu estado mais bruto. Porém, resulta em uma sensível narrativa onde o cômico é patético, centrando em homens que perderam as próprias amarras e estão à deriva.

    O excelente elenco sustenta cada uma das seis histórias de maneira talentosa. O onipresente Ricardo Darín tem destaque maior tanto no cartaz brasileiro quanto no espanhol. Porém, sua presença em cena é a mesma de outras personagens, ainda que sua figura como ator seja sempre um atrativo aos olhos do público, o que explica sua projeção um pouco mais acima nas imagens de divulgação.

    Um drama irônico sobre a imagem do homem viril em contraposição ao seu frágil interior. O Que Os Homens Falam é uma dessas pequenas histórias cotidianas que conquistam pelo bom elenco e pela relação sincrônica com o contemporâneo.