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  • Crítica | Filhos da Esperança

    Crítica | Filhos da Esperança

    Um futuro perturbador marcado pela infertilidade da espécie é a ficção que melhor representa o presente.

    Repressão que parte do estado, violência entre a própria população, uso exagerado de drogas, imigrantes presos em jaulas. São assuntos difíceis de tratar e muitas vezes negligenciados, porém, não é preciso muito se atentar a essas situações, ainda que de forma velada em nosso cotidiano. Filhos da Esperança parte dessa ideia.

    No futuro, em 2027, a humanidade está próxima do colapso porque nessa distopia as mulheres não conseguem mais gerar filhos. O controle de imigração também é severo e opressivo. Esse é o cenário em que Theo (Clive Owen), um herói moldado pela ocasião,se encontra.Ele vive inerte a realidade das ruas como empregado do governo e após ser sequestrado por um grupo ativista, reencontra laços com o passado em Julian (Julianne Moore), sua ex-esposa. Theo precisa conduzir a primeira gestante em anos para os cuidados de uma organização interessada no bem-estar e futuro da humanidade. Kee precisa ser cuidada, já que é uma imigrante ilegal e as autoridades se aproveitariam de alguma forma da sua gestação.

    A indiferença do protagonista com o mundo é um ponto determinante para o desenrolar da trama. O título brasileiro do filme entrega a esperança como força motriz da trama, e de fato o é. Não é ocasional que pessoas se aglutinam em torno de veículos midiáticos, nem que o barco do projeto humanista, colocado como destino final para Theo é nomeado “O Amanhã”. Em meio ao caos absoluto, a esperança é o que resta e sua ausência também seria ausência de vida. Sem razão para seguir em frente e uma catástrofe iminente, o fim já está decretado.

    A construção narrativa de Filhos da Esperança se dá pelo estado de desequilíbrio instituído. Há conflitos gerais, mas sobre tudo humanitária. A câmera acompanha Theo, mas constantemente se desloca para revelar a distopia instaurada. São muitas as cenas que lembram os campos de concentração nazistas no constante desejo do diretor de enquadrar o caos e até mesmo a morte.É um trabalho em que Cuarón repete este recurso, já usado antes em E Sua Mãe Também (2001), é um artífice para contrastar a história de seus personagens com o plano de fundo daquele universo. Uma esfera maior.

    Há mais uma razão para a liberdade exercida pela câmera nos enquadramentos do filme.Essas tomadas perfeitamente orquestradas por Jim Klay, Geoffrey Kirkland (Direção de Arte) e Emmanuel Lubezki (Fotografia), levam o espectador à vertigem imposta aos personagens.Isso é essencial para que o público desperte a ideia de que a camada principal é fruto da conjunção angustiante e sufocante em que se segue o entrecho.

    É interessante pensar que treze anos após seu lançamento, Filhos da Esperança esteja em tamanha sintonia com a realidade. A crise humanitária de 2006, poucos anos após o 11 de setembro persiste ainda hoje e ainda centrada na figura do presidente norte-americano. Naquela época a política de imigração se encontrava em estado austero pelas guerras impostas pelos Estados Unidos aos países do centro da Ásia. No atual contexto, é o México onde nasceu Alfonso Cuarón e outros países latino-americanos que estão em debate e no gritos reacionários dos gringos.

    As experiências quais somos submetidos todos os dias no século XXI se fazem claustrofóbicas porque também atravessamos tempos de inquietude e violência. Em confronto com Filhos da Esperança, há que se atentar a luta necessária para manter a sanidade, para prosseguir com a vida mesmo rodeado pelo caos. As circunstâncias dão razões para desconfiança generalizada, nas pessoas, nas instituições e enquanto indivíduo, é muito fácil internalizar esse conflito onipresente e extravasá-lo de maneira bastante perigosa. Em seu filme, Cuarón encontra no próximo, na confiança e cooperação humana a ponte para a esperança. A mensagem do diretor acerta em cheio nosso presente quando aponta nossa falta de humanidade e incapacidade de lidar com a vida.Isso só será reparado quando for entendido que nenhum ser humano é ilegal e que se o respeito para com as pessoas e suas histórias deve reavisto.Essa geração está mesmo comprometida e a esperança nasce todos os dias com uma nova aurora.

    Texto de autoria de Gabriel Caetano.

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  • Crítica | Roma (2)

    Crítica | Roma (2)

    Roma, novo filme de Alfonso Cuaron foi cercado de polêmicas  desde sua concepção, alguma delas bem vazias, como ser uma produção da Netflix (como se isso fosse um pecado mortal) e outras um pouco mais relevantes, especialmente as que tocam as questões classistas que o roteiro abrange. De qualquer forma, essas tais questões não impediram o filme de ser premiado no Festival de Veneza, sagrando-se lá vencedor do principal prêmio. No Rio de Janeiro e em São Paulo a empresa de streaming promoveu sessões em cinemas, e de fato a experiência em ver um produto tão grandioso e pensado do jeito que foi é muito melhor apreciado em tela grande, onde o ambiente e tamanho do ecrã faz toda a diferença.

    Esse talvez seja o filme mais artesanal e pessoal de Cuaron dos últimos anos, sendo bastante personalista, uma vez que ele faz não só roteiro e direção, mas também montagem e fotografia. Durante os créditos iniciais em que a água invade o chão da garagem do principal cenário do filme, a casa de uma família de classe média mexicana que é cuidada por Cleodaguiria Gutierrez  (Yalitza Aparicio), mas que quase sempre é chamada de Cleo. Curiosamente, ela é a única entre as personagens principais que tem sua nomeação completa proferida, basicamente porque é ela a personagem mais humanizada e mais suscetível a toda sorte de infortúnios, como membra da classe trabalhadora e nada abastada.

    Cuaron demora a colocar falas dentro do seu filme, primeiro ele ambienta o espectador na casa, indo e voltando com sua câmera pelos cômodos que Cleo arruma e cuida, estabelecendo um belo cenário e paisagem interna. A escolha por fazer o filme sem cores poderia soar errada mas aqui funciona até dramaticamente, uma vez que as aflições da personagem principal parecem pela ausência do artifício que normalmente evoca alegria. Sem cores, é mais fácil estabelecer a angústia como status quo.

    Cleo não é uma moça que já aparece sofrendo, ao contrário, ela tem sua rotina, envolvendo as crianças que cuida, e para cada uma delas há uma afeição diferente, o mesmo se diz sobre o cachorro da família e a idosa que lá mora. As únicas pessoas dentro da casa que não são  exatamente próximas dela são os patrões, as pessoas que a empregam, o casal Antonio  (Fernando Grediaga) e Sofia (Marina de Tavira) que claramente estão em crise, ainda que esse plot demore um pouco para ser explorado, pois o foco narrativo é na vivência da moça que os serve.

    Boa parte das cenas silenciosas se passam na garagem, a mesma que está no começo e a mesma onde Borras o cachorro vive e faz suas necessidades. É ali que se estabelece talvez a maior mostra da diferente entre classes dos núcleos de Cleo e Sofia/Antonio, pois o homem vive reclamando das fezes do animal, que geralmente não são limpas e sujam os pneus de seu carro já velho, uma máquina potente, mas claramente pequena demais para aquela garagem, assim como é o ego do personagem, grande demais para ser dividido com uma família que tem esposa, avó e quatro filhos infantes.

    No entanto, esse não é um filme sobre Antonio, e sim sobre Cleo e logo a rotina da moça é retomada, com ela descobrindo tardiamente sua sexualidade, se envolvendo com o primo de um conhecido, que mais tarde, a abandona quando ela mais precisa. De certa forma, a maldição que paira sobre a sua patroa também paira sobre si e esse é um dos poucos momentos em que a jornada de ambas se encontra e coincide episodicamente.

    A reação de Cleo é uma, de receio em ser despedida por ter engravidado, enquanto Sofia se torna amargurada, insensível a maioria dos eventos de seus filhos e anestesiada emocionalmente de uma forma que até aparenta cinismo. A grande exceção a essa regra é a boa recepção que ela dá a sua criada, quando ela assume que está esperando um bebê. Ela tenta auxiliar Cleo, fazer todo o processo de pré natal, não deixando ela desamparada e visto que o filme se passa entre 1970-71, isso é até um grande avanço, visto que boa parte das empregadas domésticas só tem direitos de fato de alguns anos para cá, e a realidade mundial é essa. No entanto, o texto de Cuaron não aplaca nada, há uma situação hierárquica posta e jamais transposta, quando pode, Sofia humilha a mulher que em alguns momentos chama de sua família. Por mais que a solidariedade seja grande, não há uma relação de igualdade ali, tampouco de conciliação e quem enxerga isso prestou pouca ou nenhuma atenção nessa relação em particular.

    A rotina da família é muito bem exemplificada, sobretudo no que toca as viagens, sejam as de festas de fim de ano, ou simplesmente de férias, onde levam Cleo para ou servi-los ou para que ela também descanse. Na primeira viagem que fazem, há uma demonstração cabal da diferenças entre Sofia e Cleo, enquanto Sofia fica com os parentes bêbados, dentro da casa repleto de cães vivos e de cabeças empalhadas dos cachorros que serviram o sítio, enquanto a protagonista visita os subúrbios, onde os empregados se embriagam com bebidas baratas e copos sem luxo, nos arredores dos grandes locais. A união entre esses dois micro universos só acontece quando o fogo toma a mata, pois o incêndio claramente não descrimina raça, credo ou classe social.

    As curvas finais do longa ganham muita emoção, em eventos que deveriam ser usuais mas que são cortados pela entropia. Após perceber que o sujeito que a engravidou não arcaria com a responsabilidade paternal, Cleo vai a uma loja comprar um berço para o  seu bebê, e nas ruas estoura uma briga, entre revolucionários e contra revolucionários. Dentro da loja de varejo ela se depara com uma inesperada surpresa, que aparentemente colabora para que sua bolsa rompa e ela entre em trabalho de parto.

    Já no hospital toda a sequência pela sobrevivência da criança passa a ser pesada. A forma como Cuaron mostra a frieza dos médicos diante do parto e a interação entre Cleo e sua recém nascida filha varia entre a impotência e a depressão aguda. As sensações dos personagens são facilmente passadas ao espectador, a falta de poder de reação dos personagens é acompanhada normalmente por lágrimas e soluços de quem assiste e essa sensação prevista no ambiente do cinema certamente não tem igual situação a ver de maneira individual em um domicilio individual.

    Apesar de haver uma naturalização de boa parte dos eventos cotidianos, como as brigas da família, os destratos muito comuns entre patrões e empregados, a bandinha militar que passa pela rua sempre naquele período de fim de ano, há sempre uma sensação de incômodo, não só por parte de Cleo, mas também de toda a família. Nem mesmo as crianças parecem sentir-se pertencendo aquele lugar ou situação. Obviamente que é é a mepregada que mais sente isso, afinal seu trauma e abandono são mais recentes que os de Sofia e as crianças. Sua mudez não é só fruto do evento traumático que sofreu, mas também uma manifestação em forma de voto de silêncio pelo segredo que guarda. Claramente queria ela sentir a mesma anestesia que Sofia, mas não consegue, e em um momento de catarse, no final quando estão na praia e ela se supera para salvar as crianças, finalmente ela e Sofia desabam juntas, uma por alivio de finalmente conseguir verbalizar o desejo que tinha e outra por alivio e agradecimento por não ter tido ainda mais perdas naquele momento.

    Roma registra emocionalmente como é a trajetória da classe operária, resultando em uma série de relações fracassadas repletas de altos e baixos sentimentais, onde mesmo após heroísmos, ainda se joga o mesmo jogo de sobrevivência estabelecido no capitalismo, onde os privilégios passam por cima inclusive dos laços afetivos. Cuaron é certeiro em seu comentário social e na exposição visceral dos relacionamentos, sem aplacar nenhuma relação de poder escusa e sem livrar os personagens proletários da luta diária que é a sobrevivência em uma zona urbana da América Latina, mostrando que mesmo após uma gravidez cujo fim foi terrível, não há como resguardar a mãe que acabou de sofrer tudo aquilo, obrigando-o a cuidar de todas as outras crianças da casa e subir escadas que não deveriam ser escaladas nessa condição, sendo essa só uma das pequenas mostras que o filme dá do quão cheia de agruras é vida da moça.

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  • Crítica | Roma

    Crítica | Roma

    Sempre explorando novos caminhos, o cineasta mexicano Alfonso Cuarón entrega esse ano pela Netflix o seu trabalho mais pessoal, Roma é um filme de resgate de memórias numa espécie de carta ao passado. Na intimidade de uma casa de classe média da Cidade do México no início da década de 1970, Alfonso nos apresenta Cleo, uma empregada jovem e bondosa, que trabalha para a família de Sofia.

    Sofia é casada com Antonio e juntos eles têm 4 filhos, porém problemas no relacionamento dos dois vai mudando as relações da casa enquanto Cleo precisa lidar com uma nova descoberta. A personagem criada pela estreante Yalitza Aparicio é de uma sensibilidade rara, sua Cleo é silenciosa mas fala muito só com o movimento de seus lábios nas tantas vezes que sorri.

    Como a narrativa, ela é delicada e absolutamente amável, suas feições comunicam de maneira sutil e por isso em momentos mais dramáticos ela se sai tão bem, é como presenciar um momento cru e real. E Roma caminha bem com sua protagonista tanto em clima quanto estética, Cuarón dispensa a parceria de sucesso com o fotógrafo Emmanuel Libezki e faz ele mesmo a fotografia do longa, além de também co-editar. E ele não poderia se sair melhor.

    O preto e branco cai com uma luva em cenários cheios e ostentadores, contrastes e silhuetas realçam uma atmosfera nostálgica encantadora e a câmera se movimenta ressignificando espaços e ações, sabendo muito bem balancear com planos estáticos de muito impacto narrativo. O longa mesmo que linear e sem pressa para revelar um grande plot, entrega momentos pontuais de pura carga emocional que ecoam na mente do espectador, cenas marcantes e que nascem clássicas na frente de nossos olhos.

    Roma é de fato uma obra muito especial, além de carregar entrelinhas questões sociais como relações trabalhistas e divergências de classe que nunca parecem gratuitas, mas sim naturais, o filme traz um dos retratos mais fortes sobre as circunstâncias de ser mãe e mulher. Cuarón cuida de memórias nessa sua nova empreitada e consegue enraizar sua narrativa em imagens contemplativas e de significâncias das mais abstratas. Uma bela experiência, daquelas que se agradece por acontecer.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

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  • Cinema 2006 | Uma Década Depois

    Cinema 2006 | Uma Década Depois

    Talentos ascenderam, carreiras acabaram, os prodígios tiveram seu tempo e, quem sobreviveu, viu os holofotes virar sobre febres e tendências corriqueiras, aqui, dez anos depois. Tudo mudou mesmo? A seguir, dez filmes cuja qualidade permanece inalterada, talvez até mesmo elevada após suas revisões, contudo, muito além do tempo que nos rege.

    Zodíaco, de David FincherÉ possível quase tocar na rede de suspense que vai se fechando ao longo do filme, traçada tal degradé de pintura num jeito cirúrgico só pra ser desconstruída, e revirada num ponto, e reconstruída constantemente na excelência da projeção. David Fincher realizou um dos mais icônicos filmes americanos dos anos 90, e aqui não fica pra trás.

    O Labirinto do Fauno, de Guillermo Del ToroTodo mundo queria pelo menos uma vez na vida escapar da realidade. Guillermo Del Toro, no auge de sua criatividade, nos dá essa chance com esse filme, driblando a linha tênue de quando acaba e começa tais dimensões, apelando para uma pretensão irresistível, típica e solidária à sua filmografia e indiscutivelmente própria – e linda.

    Cartas de Iwo Jima, de Clint Eastwood

    Melhor e melhor a cada revisão, sem dúvida é um dos melhores já dirigidos pelo Clint cineasta. As cores do mundo projetadas pelo artista estimulam ainda mais a essência de uma história quiçá necessária no que tange os dois lados de uma guerra. Uma procura artística tão ambiciosa e impecável quanto lúcida em sentido.

    Volver, de Pedro AlmodóvarO filme definitivo sobre as mulheres, as divas, os arquétipos de Pedro Almodóvar projetados em suas Atenas de cenário quente e alma feminina. Nunca o cineasta encontrou um hibridismo tão forte e saudável entre história e filme, intenção e encenação, com limites inexistentes no caos das relações humanas. A linguagem de Almodóvar no ápice.

    Miami Vice, de Michael MannUma dupla história de amor invariavelmente trágica e impossível, caçada em êxito na tela por imagens digitais belíssimas que capturam e expandem nossa fascinação pelo todo; uma desculpa para o cineasta de Fogo contra Fogo retratar os absurdos, incoerências e as alienações impregnadas numa realidade, enfim, real. Dos melhores do seu ano.

    Medos Privados em Lugares Públicos, de Alain ResnaisMuitos podem dizer que é, e acusam o filme, de fato, sobre ser apelativo, mas sem a sua elevada carga emocional seria superficial, e com certeza, não seria a obra-prima sobre os fundamentos e as reflexões de uma sociedade que é. Ambicioso e singelo na medida certa, tanto se apropria do mundo para convertê-lo em drama, trama e fantasia, quanto para provocar e estender nosso fascínio pela enorme e singela abertura crítica que o filme carrega; mais um filmaço para a conta de Alan Resnais, mestre francês morto em 2014 e vivo em seu legado de proporção gigantesca.

    O Hospedeiro, de Joon-ho BongNotem que os clássicos sempre reinventam a roda e sempre de maneira diferente; aqui, um “filme de monstro” datado pelo uso do objeto de terror, jamais pelo abuso do mesmo. Estilizado, quase cult, numa história que se apropria do drama de uma família para retratar a força da instituição, da união, e da natureza enfim do próprio cinema, fadado ao combate eterno entre o realismo e o surrealismo artísticos inerentes à forma. Eis o filme mais cinematográfico de 2006.

    O Céu de Suely, de Karim AïnouzO desejo de representar a solidez de um universo brasileiro esquecido por Deus e lembrado pelo Cinema encapsula a angústia e a agressividade árida do cosmos das Suelys, dos Josés e seus cães Baleias. À quem e sobre quem é resultado de um terceiro mundo implacável, numa perícia audiovisual cuja improvisação no método da representação torna o filme poderoso. Um Brasil sem condição para escolher lado político e visto pela ótica do real que não merece ser fábula.

    Filhos da Esperança, de Alfonso CuarónNum projeto desses, o esforço de um cineasta ganancioso (no bom sentido) tal Alfonso Cuarón – ímpeto incerto até o ponto-chave que sucumbimos no universo distópico onde ninguém mais engravida – é o de conseguir extrair o caos de uma situação como essa, e convertê-lo numa nova e possível esperança. É o triunfo concretizado de um artista no domínio da essência científica de uma ficção justificada por cada imagem construída.

    Borat: O Segundo Melhor Repórter do Glorioso País Cazaquistão Viaja à América, de Larry CharlesA comédia da década, adiantando vícios culturais do novo milênio que, em 2006, ainda não estavam tão em voga assim. Borat é o puro suco do mamilo verde em termos do humor globalizado de hoje em dia: Explícito, polêmico, hiper-crítico consigo mesmo e sem pudores no estilo doa a quem doer, numa escala ainda mais impressionante devido ao talento descomunal dos humoristas envolvidos. High Five!

  • Crítica | Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban

    Crítica | Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban

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    Terceiro episódio da franquia, Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban representa uma evolução no conjunto de linguagens apresentadas na saga e na dramaticidade da trama que, agora, ganha contornos mais sombrios que preparam o espectador para passagens mais densas da história do menino bruxo. Nessa sequência, Sirius Black, um famoso bruxo, escapa da prisão de segurança máxima de Azkaban imbuído do desejo por terminar aquilo que Lorde Voldemort começou: assassinar Harry Potter.

    Após dirigir os dois primeiros filmes da octologia, o americano Chris Columbus cedeu a cadeira de diretor para o mexicano Alfonso Cuáron (Gravidade). É significativamente perceptível as diferenças de perspectiva da mesma obra por parte dos dois diretores. Cuáron aposta em uma proposta mais soturnas, com soluções que flertam com um universo mais adulto. Existe uma clara evolução nos enquadramentos, no jogo de câmera, na lente aberta, na fotografia e montagem do longa-metragem. Aliás, talvez sejam montagem e roteiro os principais diferencias aqui. A saga abandona um roteiro simples e linear e ganha uma time line mais flexível, que exige um pouco mais da percepção dos espectadores.

    Outra mudança interessante está no figurino que deixa para trás os tradicionais uniformes da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts e investe em trajes “trouxas”, o que facilita a avatarização do público na trama. A ambientação outdoor também ajuda a transmitir a ideia de que finalmente reconhecemos o terreno que pavimenta a saga e agora temos os detalhes em função da trama central e não oposto, como visto nos dois primeiros episódios.

    Pela primeira vez é possível vislumbrar os contornos de uma excelente atuação entregue por Emma Watson que, mais tarde, viria a se tornar uma estrela internacional. Aliás, a única do trio protagonista que conseguiu transcender sua personagem, Hermione Granger. Rupert Grint e Daniel Radcliffe também entregam boas atuações, mas são absolutamente ofuscados por um elenco que conta com nomes como Maggie Smith, Gary Oldman e a supracitada Emma Watson.

    Ainda falando sobre o elenco, temos Michael Gambon substituindo o falecido Richard Harris – falecido meses antes – no papel de Albus Dumbledore. Embora Harris tenha desempenhado uma excelente atuação, Michael dinamiza o famoso diretor de Hogwarts. Claramente mais jovem, o ator empresta esse frescor ao personagem que aqui parece mais acessível e mais complexo que outrora.

    Embora tenha basicamente a mesma duração que os seus antecessores, Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban oferece ao espectador uma experiência bem mais agradável em função de toda mudança de rota promovida pelo diretor. Um dos episódios mais adorados pelo público – embora não seja muito fiel ao seu livro de origem – Azkaban é um interessante e bem executado ponto de ignição para a batalha entre o menino que sobreviveu e ‘aquele que não deve ser nomeado’.

    Texto de autoria Marlon Eduardo Faria.

  • Review | Believe – 1ª Temporada

    Review | Believe – 1ª Temporada

    believe-posterBelieve é um seriado criado pelo vencedor do Oscar 2014, Alfonso Cuarón, junto a Mark Friedman e com direção executiva de J. J. Abrams. A trama acompanha Bo Adams (Johnny Sequoyah), uma menina com habilidades de difícil compreensão, entendimento e controle, como levitação, controle da natureza e premonição. Um grupo de pessoas interessadas nesses poderes persegue a menina, protegida até completar dez anos de idade. O único capaz de defendê-la é William Tate (Jake McLaughlin), um homem que está preso por um crime que não cometeu. Relutante, ele aceita o pedido dos que criaram a menina, para acompanhá-la e protegê-la dos que a caçam, contando com a ajuda do grupo liderado por Milton Winter (Delroy Lindo) e auxiliado por Channing (Jamie Chung).

    No piloto, a câmera de Cuarón é muito diversa da costumeira produção de seriados televisivos, e a impressão de cinema na tela pequena é a sua melhor definição. A linguagem faz toda a diferença: não há muita preocupação em explicar todos os pormenores; a história começa a partir do mistério episódico; não há tantas restrições à violência; a fotografia é soturna; e a câmera objeta ângulos de difícil execução para os padrões do seu canal de exibição, a NBC. A trama contém muito de espionagem e o velho jogo de gato e rato, onde um grupo caça e o outro tenta proteger a pequena menina dos olhos.

    A ligação entre Tate e Bo contém algo de misterioso até para os pares, e é muito curioso como ambos vão se lapidando. A garota, apesar da perseguição costumeira que sofre, se vê capaz de sonhar e de fantasiar como uma menina de sua idade, longe da ganância de “dominação global” de seus antagonistas. Até a puerilidade das motivações dos antagonistas é justificada, registrada, no início, através dos olhos da infante. No segundo episódio, Origins, a agente do FBI Elizabeth Ferrel (Trieste Kelly Dunn) é introduzida. A investigadora policial é encarregada no caso de “sequestro” e percebe que Bo é fruto de experimentos impostos pelas forças governamentais americanas. A personagem é inserida presenciando a ação de um dos outros experimentos paranormais em humanos. Um de seus superiores é Roman Skouras (Kyle MacLachlan), um dos elementos que tenta cooptar Bo – o que abre uma enorme gama de discussões a respeito do maniqueísmo presente nas ações dos opositores de Milton, inclusive sobre as intenções dele.

    Com o desenrolar dos fatos, é evidenciado que a disputa entre Roman e Milton não é tão maniqueísta quanto o grupo de proteção quer demonstrar no começo. Os dois rivais sentam-se calmamente em um café e quase não fazem menção a sua rivalidade pessoal, somente discutem a importância da menina e a possível exploração de suas habilidades únicas. O idealismo de mudar o mundo era compartilhado por ambos quando ainda trabalhavam juntos no caso de Nina Adams (Ella Rae Peck), a ex-vidente que teria dado à luz a Bo e que, desde antes de sua morte – consequência do uso excessivo de seus poderes paranormais -, precisava deixar a herdeira aos cuidados de terceiros.

    Os poderes de Bo se manifestam de modo parecido com o que ocorria com Nina, materializando-se de modo mais visível quando a menina está sob pressão ou sofrendo de ansiedade. Por isso o jogo de gato e rato a faz estar mais propensa em utilizar suas habilidades de modo pouco seguro – algo que claramente incomoda os dois lados interessados. O desenrolar da perseguição é prolongado demasiadamente, de modo a tornar algumas sequências um tanto enfadonho e desnecessário.

    A Orchestra, organização encabeçada por Roman Skouras, acha-se no direito de reaver Bo, não por considerá-la um objeto de exploração, mas para tentar adequá-la, uma vez que foi o grupo que a ajudou a desenvolver seus poderes. Com o desenvolvimento da trama, Milton faz seu antigo parceiro perceber que não são a única organização com o intuito de capturar os indivíduos com habilidades sobre-humanas. O nível de paranoia dentro do grupo de Skouras aumenta de modo vertiginoso, fazendo com que o líder acredite que há sabotagem e vazamento de informações por parte de Zoe Boyle (Kerry Condon) para Winter.

    Próximo do final, surge uma variação de Bo, Daniella Sullivan (Mia Vallet), uma versão mais velha e ressentida da menina que guarda consigo a vontade de destruir a criança, a Orchestra e tudo o que envolve os experimentos com os superdotados. A tentativa da perturbada mulher é apagar todo e qualquer rastro do que fizeram a ela, muito por causa de seu passado, que envolve o assassinato de seu irmão John em um evento acidental, demonstrando que seu destempero emocional é um fator perigoso para alguém desequilibrado emocionalmente possuir os poderes que as duas mulheres especiais carregam.

    A ingenuidade de Daniella é equivalente a de sua contraparte juvenil, ainda que a mulher seja movida pelo ódio discriminado àqueles que a fizeram ser o que é. Sua sede por destruição faz com que Roman procure Milton para conseguir alcançar novamente a menina. Graças a informações vazadas pelo próprio mandante da Orchestra, Bo parte finalmente com Tate, que é a única pessoa em quem ela confia, retornando para aquele com quem tem laços sanguíneos. Se para Bo a confiança é que a move, Daniella relaciona sua mente e seus problemas à carência e até aos ciúmes de Bo, por esta ser a “preferida” de Skouras. Sua vontade de provar ser única torna-se uma obsessão. Uma das muitas mostras que ela faz de sua perturbada e torta noção da realidade torna-se mais flagrante diante da postura da menina, que tenciona ajudar a traumatizada antagonista motivada pelo contato com sua finada mãe.

    O milagre que Bo Adams pratica envolve a motivação daqueles que a cercam. A inspiração de procurar o melhor dentro de si, apesar da premissa piegas analisada num primeiro momento, caracteriza-se por uma mensagem carregada de simbolismo, simples, mas, em momento algum, simplória. O pirotécnico embate final entre as duas criaturas poderosas carece de efeitos especiais mais aprimorados, fruto, claro, de um orçamento não tão pomposo quanto as de outras produções de Cuarón, no entanto condiz com a mensagem de renovação exposta através dos doze episódios da série. O preceito do seriado envolve um axioma muito otimista, utilizando-se da vitória sobre o lugar-comum e os obstáculos seculares como modo de lidar com a perda. O que Friedman e Cuarón entregam é uma produção de cunho emocional belo e fantasioso, que, apesar de todas as dificuldades, se mostra competente ao que propõe, ficando um pouquinho acima da linha de mediocridade.

  • Crítica | Gravidade

    Crítica | Gravidade

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    A primeira coisa que chama atenção na carreira de Alfonso Cuarón é sua diversidade: constam em seu currículo de diretor um filme infantil, uma adaptação moderna de clássico da literatura, um indie filmado no México (seu país natal), um Harry Potter e duas ficções científicas. Embora competente em todos esses filmes, Cuarón nunca destacou-se como diretor, mesmo em E Sua Mãe Também, seu longa mais aclamado, os méritos pareciam ser do roteiro e das atuações, não exatamente do talento do cineasta para decupagens e cortes, e é por isso que a excelência técnica de Gravidade vem como uma surpresa que é quase um choque.

    O roteiro é quase nada: após um acidente com um satélite russo, dois astronautas se veem à deriva no espaço, mas, como Ridley Scott já ensinou, no espaço ninguém pode te ouvir gritar. A referência não é a toa, Alien é uma influência que transparece em Gravidade, a começar pela ideia de fazer no espaço um filme cujo foco não é exatamente o espaço. Alien era um filme de terror, Gravidade é um drama, o espaço é o cenário que permite a premissa narrativa, mas a tecnologia envolvida nunca é o ponto central da trama.

    O ponto central da trama de Cuarón é Ryan Stone e está aí o maior fraco do filme. A personagem não passa de um amontoado de clichês: cientista solitária, perdeu a filha pequena em um acidente estúpido pelo qual ela obviamente se culpa, está no espaço para fugir dos seus demônios terrestres. Clichês tornam-se clichês por um motivo bastante simples: eles funcionam. Mas nem sempre. Um dos fatores que sempre deixou Cuarón a alguns passos de ser um grande diretor é que, para alguém que parece gostar muito de clichês, ele não sabe usa-los a seu favor. O personagem de George Clooney também é um clichê, mas o ator consegue encarna-lo com leveza, humor e charme que o tornam uma caricatura plausível, alguém que talvez pudesse carregar um filme de 90 minutos nas costas. Mas Sandra Bullock não pode. Stone é má construída, mas poderia funcionar nas mãos de uma atriz mais competente. Bullock não é terrível, mas certamente não tem os recursos necessários para sustentar um filme em que ela é a única personagem em tela por 90% do tempo. Sua atuação é sem sal e morna, toda a dimensão de tensão e pavor colocados no filme nem passam por seu rosto.

    Se existe tensão, e existe muita, o mérito é todo do diretor. Cuarón constrói planos belíssimos, precisos e ao mesmo tempo inesperados, a insignificância do homem perto ao tamanho da Terra e, mais ainda, do universo se coloca como opressora e inescapável nos grandes planos abertos  de um céu repleto de estrelas. Gravidade demonstra por imagens o como somos realmente poeira de estrelas e assim transforma o objetivo de sua protagonista em uma missão impossível. Stone precisa vencer absolutamente todas as estatísticas, sua vida é uma chance em mil e a metáfora final, comparando a chegada da cientista a Terra com a existência da vida parece adequada.

    As metáforas de morte, renascimento e evolução estão presentes por todo o longa, mas funcionam como um guia de composição de imagens, um bônus do diretor. Está ali e é possível ver, mas também está ali uma história bem contada, um filme tenso e bem amarrado. Há um mérito enorme nessa escolha: uma ficção científica com metáforas existenciais, mas que não permite que essas metáforas roubem a cena é o que o próprio Scott deveria ter feito em Prometheus, mas não conseguiu. Porque Gravidade é essencialmente isso: um filme clássico que conta uma história, deixa o espectador tenso ou emocionado nas horas certas, obedece um arco determinado e tem um final feliz, reflete sobre questões mais profundas, mas não busca ser nenhum tipo de filme filosófico ou reflexivo. Gravidade está bem mais perto de Alien do que 2001: Uma Odisseia no Espaço ou Solaris.

    Além de composições excelentes, Cuarón conduz seu público através do som, enfatizando o silêncio opressor do espaço. O uso do silêncio, e não da trilha, é o verdadeiro trabalho nesse filme e o principal responsável pela criação de atmosferas e sensações. Porque no final, Gravidade é isso: um filme de atmosferas e sensações. A tensão engendrada não vem por nós de roteiro, mas porque o espectador consegue imaginar a sensação terrível de se estar à deriva no espaço. Funcionaria melhor com uma personagem mais bem construída, em alguns momentos o filme me perdeu como espectadora simplesmente porque não me importava se Stone morresse de algum jeito terrivelmente dolorido no espaço, criar um personagem empático é essencial para a tensão.

    Gravidade prova que Alfonso Cuarón pode ser um grande diretor, a composição de planos do filme e o uso da linguagem é algo tão preciso que apenas Aleksander Sokurov faz algo comparável hoje em dia (mas em um “nicho” bem diferente do mercado). Contudo, como em todos os seus filmes, Cuarón fica um passo atrás de seu próprio potencial, uma escolha errada aquém de um filme perfeito.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Gravidade

    Crítica | Gravidade

    Gravidade - Pôster Teaser

    O novo filme do diretor mexicano Alfonso Cuarón já era considerado um dos melhores do ano  mesmo antes de ser lançado, e tamanha expectativa geralmente não dá bons resultados, ainda mais quando seu trabalho anterior, o excelente Children of Men (Filhos da Esperança) atingiu um sucesso enorme de crítica. Porém, ao contrário de outros diretores estrangeiros em Hollywood, Cuarón parece ter encontrado um equilíbrio essencial entre uma narrativa clássica, mas com uma técnica precisa, que fornece elementos, metáforas e que se comunica com praticamente todo tipo de público.

    A história do filme gira em torno dos astronautas Matt Kowalski (George Clooney) e Ryan Stone (Sandra Bullock). Ambos estão em uma missão de conserto ao telescópio Hubble quando são surpreendidos por uma chuva de destroços decorrente da destruição de um satélite por um míssil russo, que os joga no espaço, sem comunicação e auxílio da NASA. A partir de então, eles precisam encontrar um meio de sobreviver naquele ambiente.

    Com uma premissa interessante, e um trailer de tirar o folego (e que ganha pontos por não contar absolutamente nada da história), Gravidade atraiu um grande público aos cinemas do mundo, público este que geralmente não iria ver um filme com temática espacial. Por sua imensa qualidade técnica, tanto no manejo da câmera e no uso milimétrico de plano-sequencia quanto na intensidade e profundidade do som, Gravidade garante uma imersão completa na urgência e no perigo do espaço, que assusta qualquer pessoa com sua imensidão, vazio, frio e principalmente, sem oxigênio.

    Essa imersão é essencial justamente para acompanharmos o desenrolar dos eventos de Matt e Stone em busca da vitória contra cada uma das adversidades em seu caminho, que apesar de não serem totalmente verossímeis aos especialistas da área, garante um grau de realismo suficiente para o espectador confiar em tudo o que está vendo e acreditar que tudo realmente pudesse ser daquela forma. Só por causar debates nesse sentido, o filme já tem um imenso mérito.

    O longa oferece vários tipos de metáfora que flertam com o nascimento humano, a luta pela sobrevivência e principalmente a superação de dificuldades, de onde precisamos sair de uma zona de conforto aprisionante em busca de uma custosa, porém, engrandecedora liberdade. A cena final representa isso, ao se acostuma com a falta de gravidade, Stone se sente feliz ao não conseguir andar de primeira, e está grata por ter aquele peso da vida nas costas ao contrário da sufocante leveza do espaço.

    Porém, um ponto fraco do filme é justamente a falta de profundidade e a busca limitada de razões para seus signos. Se Gravidade está sendo tão comparado a obras clássicas como “2001 – Uma Odisseia no Espaço”, deveria ter tamanho peso quanto Kubrick imprimiu em sua obra, que também está repleta de elementos técnicos aditivos a uma narrativa complexa, porém, bela, que foge do simples “entendimento” para a pura “interpretação”, que toda obra de arte deve ter, e nisso, Gravidade mira aquém do que poderia. Talvez pela época e pela fase atual da indústria do cinema, mas por toda sua qualidade, falta uma empatia maior pelos personagens, que por vezes são caricatos demais, como Matt, ou não muito convincentes de seu drama pessoal, como Stone.

    Difícil dizer se o filme irá sobreviver ao frenesi e entrará no hall de produções como 2001, Solaris ou Contato, porque o debate em torno destes vai além das qualidades técnicas, e sim das questões e aflições humanas ali retratadas. O que dá pra dizermos agora é que o público nunca se cansará de produções boas e de cineastas com algo a dizer, e sempre irá consumir produtos com qualidade. O sucesso de Gravidade prova isso. Que venham outros tão audaciosos quanto.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Filmes sobre o Fim do Mundo

    Filmes sobre o Fim do Mundo

    melhores filmes sobre o fim do mundo

    O medo sempre esteve presente dentro de cada um de nós, para alguns isso se transmuta em uma possível data onde o fim dos tempos chegará. Não são poucas as pessoas que propagam essa política de medo, algumas vezes exercidas através de governos autoritários de forma indireta, ou agindo abertamente por meio de religiões e seitas extremistas. O fato é que essas movimentações que ocorrem de tempos em tempos, seja com a Guerra Fria e o perigo iminente de um guerra nuclear, ou com a virada do milênio e calendários maias, o cinema sempre esteve presente retratando o fim do mundo, muitas vezes abrindo os olhos do espectador para o problema real, seja de forma irônica, lírica ou chocante. Portanto, segue abaixo uma lista de 10 filmes, com a visão de 10 grandes diretores (nada de Michael Bay e Roland Emmerich) sobre o epilogo de nossas vidas.

    A Última Esperança da Terra (Boris Sagal, 1971)

    Baseado na obra de Richard Matheson (existem três versões da história), A Última Esperança da Terra foi estrelado por Charlton Heston e mostra um pouco da paranoia causada pela guerra nuclear. O personagem de Heston vive em uma metropóle completamente dizimada por uma guerra e aparentemente só. O filme traz uma postura antibelicista, além de explorar vários pontos do fanatismo religioso.

    Fonte da Vida (Darren Aronofsky, 2006)

    Apesar de não seguir o padrão dos filmes de “fim do mundo”, Fonte da Vida é uma grande história sobre amor e morte, ciência e espiritualidade, e claro, o início e o fim de tudo. De maneira delicada, duas tramas contidas no filme se entrelaçam e culminam em um última, onde o personagem de Hugh Jackman, completamente só na imensidão, consegue a resposta de sua existência.

    Dr. Fantástico (Stanley Kubrick, 1964)

    Kubrick aproveita o auge da Guerra Fria para fazer uma comédia repleta de ironia sobre os temores da humanidade de uma possível guerra nuclear. Destaque para a interpretação de 3 personagens por Peter Sellers. Simplesmente genial. Dr. Fantástico é um manifesto antiguerra, tudo isso numa das mais mordazes sátiras da história do cinema

    A Estrada (John Hillcoat, 2009)

    A jornada de um pai e seu filho em um mundo pós-guerra nuclear. Hillcoat deixa a sutileza para as atuações do elenco, já que o roteiro e a direção do filme não dão espaço pra isso, apenas para um mundo sem vida e grotesco de pai e filho, onde a esperança se esvai a cada passo. Grande filme.

    A Noite dos Mortos Vivos (George Romero, 1968)

    A Noite dos Mortos Vivos é um paradigma para o cinema como um todo. O primeiro trabalho de Romero é consolidado como uma das produções independentes mais bem sucedidas do cinema, serviu como base para o estabelecimento dos zumbis como conhecemos hoje e influência para o modo de fazer cinema, além de ter um dos finais mais surpreendentes da história.

    Os 12 Macacos (Terry Gilliam, 1995)

    Os 12 Macacos traz uma visão pós-apocalíptica de um futuro onde um vírus dizimou boa parte da população mundial e a única solução da Terra é enviar alguém para o passado para consertar o que motivou esse futuro. Gilliam constrói um senso de urgência e angústia à todo momento. O filme traz ainda uma forte mensagem de voltarmos nossos olhos para o presente e a valorização do que temos hoje.

    Melancolia (Lars Von Trier, 2011)

    Melancolia trata da história de um planeta (Melancolia) que irá colidir com a Terra. Nesse cenário apocalíptico somos apresentados para os conflitos internos, medos e distúrbios de cada personagem e como isso afeta cada um deles. Lars Von Trier utiliza a temática de filmes catástrofe para um estudo sobre o ser humano e sua finitude. 

    Limite de Segurança (Sidney Lumet, 1964)

    O principal problema de Limite de Segurança foi ter sido lançado alguns meses depois do seu co-irmão (e já mencionado aqui), Dr. Fantástico. Diferente do filme do Kubrick, que se tornou cult, Limite de Segurança já não é tão conhecido, sendo revisado pela maioria dos críticas muito tempo depois. Ambos os filmes retratam o mesmo tema, contudo, Lumet opta por uma visão densa e mais politizada que Kubrick e acerta em cheio.

    Filhos da Esperança (Alfonso Cuaron, 2006)

    Cuarón traz uma visão futurista bastante aterradora. Há quase 20 anos não nascem mais bebês, a humanidade está a beira da extinção e o mundo se tornou um caos completo. A construção de personagem de Clive Owen, com seu cinismo e onipresença em tela. É impressionante como a visão de mundo futurista do diretor é atual. O futuro de Filhos da Esperança já chegou e nós não nos demos conta.

    Vampiros de Almas (Don Siegel, 1956)

    Apesar de várias outras refilmagens, algumas mais interessantes que outras, nenhuma supera a versão do diretor Don Siegel. O cineasta dá uma aula de cinema em Invasor de Almas, construindo uma visão apocalíptica de forma tensa, ágil e econômica. A trama conta a história onde as pessoas não são mais as mesmas, apesar da aparência física e das lembranças. Siegel retrata o período de paranoia que os EUA viveu durante a caça às bruxas promovida pelo senador Joseph McCarthy, ou indo mais longe, dando sua visão de um mundo sem emoções.

    Menção honrosa a vários outros títulos que tiveram de ficar de fora mas vale uma conferida: O Fim do Mundo, 4:44 – Último Dia na Terra, Wall-E, Mad Max, Planeta dos Macacos, A Máquina do Tempo, O Menino e seu Cachorro, Donnie Darko, Akira, O Dia em que a Terra Parou, Sunshine, Procura-se um Amigo para o Fim do Mundo, A Sétima Profecia, Extermínio, O Abrigo, O Sacrifício, Guerra dos Mundos, Marte Ataca, Exterminador do Futuro, entre tantos outros.