Crítica | Harry Potter e o Cálice de Fogo
Harry Potter e o Cálice de Fogo tinha tudo pra ser o melhor filme das adaptações de J.K. Rowling. Não apenas por se basear num dos melhores livros da série, mas também por abordar temas mais apropriados a evolução dos personagens e com maior intensidade, como a chegada definitiva da adolescência e a afloração dos hormônios, mais especificamente, a atração pelo sexo oposto. Este também é o que marca um dos maiores acontecimentos da saga: o retorno de Lord Voldemort.
Quem lê assim, logo pensa que achei o filme ruim, não é? Pelo contrário, o filme está bem longe disso. Mike Newell (Quatro Casamentos e Um Funeral), que substitui Alfonso Cuarón no comando de um longa da série, faz um trabalho excelente, cria um filme divertido, repleto de cenas eletrizantes, e um visual belíssimo. Mas falta sutileza no próprio estilo de Newell, entre uns e outros exageros, que veremos mais adiante.
O Cálice de Fogo foi uma das adaptações mais difíceis da série. Não apenas o número de personagens é maior, como também a existência de detalhes que seriam essenciais não apenas para o entendimento da trama, mas para a compreensão de muitos fatos que iriam se seguir nos próximos filmes. A preocupação com a produção era tanta que o roteirista Steve Kloves chegou a cogitar que o livro fosse dividido em duas películas, ação que não aconteceu graças ao dedo de Mike Newell, que exigiu que os cortes fossem feitos, a fim de que tudo coubesse em um só filme. Não surpreendentemente, as reclamações dos fãs caíram em cima de Newell.
Mas se existe algo em que a compreensão seja essencial, é de que os cortes sempre existirão, sendo eles pequenos ou não. O que importa é se tais modificações irão ajudar a melhorar a qualidade do que iremos ver, e Newell fez isso muito bem. Jogando seus holofotes em apenas dois temas (a chegada da adolescência e o retorno de Voldemort), o diretor não apenas manteve o que já havia sido iniciado em Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban, como soube manter uma única linha narrativa, mantendo o filme distante de outras discussões inúteis.
Harry Potter e o Cálice de Fogo é um filme que marca a chegada da maturidade, e sendo assim, Newell aproveita para tornar a produção bem mais evoluída em outros aspectos, e o maior exemplo é no nível de violência. Nossos protagonistas não são mais crianças, e sabendo disso, o diretor aproveita isso para investir em cenas de ação mais sangrentas e um clima muito mais sombrio: é aqui que os personagens tem seu primeiro contato com a morte. Tanto que quando lançado, o filme recebeu, nos EUA, a classificação PG-13, ou seja, menores de 13 anos só poderiam assistir ao filme acompanhados dos pais ou de um responsável.
Mas o filme não é apenas feito de violência. Com os hormônios em ebulição, temos boas pitadas de romance, paqueras, choros e ciúmes. É o típico momento em que o adolescente começa a se descobrir, é o momento em que os garotos, por exemplo, precisam descobrir o melhor jeito de convidar uma garota para o baile. E aqui se encontra um dos maiores acertos, mas também um dos maiores erros de Newell. Aproveitando todo esse clima tenso entre os adolescentes, o diretor opta por levar quase tudo para o lado cômico, gerando momentos cujo único objetivo é fazer rir. O diretor até consegue, existem momentos verdadeiramente hilários, mas Newell poderia ter sido menos duro com os sentimentos dos personagens. A impressão é que ele deixou toda a sua sutileza e discrição para trás, talvez no objetivo de deixar o filme mais leve. Não precisava de tanto.
O roteirista Steve Kloves também comete alguns outros deslizes, como o envolvimento da platéia com o mistério do filme: se Potter tem apenas 14 anos, como o nome dele surgiu do cálice de fogo? Alguém pôs o nome dele lá? Se foi, quem teria sido? Potter nunca pensa no porquê de tantas coisas misteriosas acontecerem, e o resultado é que tais indagações são quase que completamente esquecidas durante a projeção, deixando o laço entre os temas irregular.
E quem também sofre com esses problemas são os personagens coadjuvantes, a maioria deles mal trabalhados pelo roteiro de Kloves. Alan Rickman, Maggie Smith e Robbie Coltrane possuem apenas uma ou duas curtas cenas. Mas nada é mais decepcionante do que ver Sirius Black, personagem de importante adição em Prisioneiro de Azkaban, ser relegado a apenas uma única cena, onde nem em sua forma física ele aparece. A única ressalva é que Michael Gambom, intérprete de Dumbledore, ganha mais espaço e importância do que nas aventuras anteriores, numa composição de personagem claramente mais adequada que a de Richard Harris.
Para compensar estes deslizes, o filme nos brinda com um visual de encher os olhos. O desenhista de produção Stuart Craig cria cenários grandiosos e fiéis a descrição do livro, como é o caso do impressionante estádio de Quadribol e o Salão Principal no dia do Baile de Inverno. O diretor de fotografia Roger Pratt ressalta o clima sombrio dos cenários com uma fotografia escura e suja, mas sem que agrida os olhos do espectador. Patrick Doyle, que substitui o compositor John Williams, que trabalhou nos três filmes anteriores, faz um trabalho competente e de momentos interessantes, mas nunca chegando aos pés do veterano Williams. Os efeitos especiais encantam, assim como o visual dos seres mágicos do filme, como o surpreendente dragão e os estonteantes Sereianos.
Mas é nas cenas de ação que o filme encontra seu ponto alto. É impressionante o domínio que Newell possui sobre sua câmera, levando-a de um lado para o outro, e conferindo maior dinamismo às cenas. Todo o clímax é de um domínio impressionante de clima e ambientação.
Divertido, sombrio, engraçado (em excesso) e eletrizante, O Cálice de Fogo acaba ficando um passo abaixo do filme de Cuarón, devido aos excessos na direção de Newell e no roteiro de Kloves. Mas é fato que é um filme que capta a essência da trama, desenvolve-a muito bem e leva a série a um grau de qualidade mais elevado.
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Texto de autoria de Rafael W. Oliveira.