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  • Crítica | 45 Anos

    Crítica | 45 Anos

    45 Anos - poster

    As relações amorosas e a convivência diária são comumente associadas em uma equação paradoxal. O tempo sempre é citado como aquele que desgasta a base das relações e, salvo a possibilidade de uma renovação constante, é natural que afetividades se arruínem. Se a maturidade possível do crescimento carrega uma maior carga de sabedoria, a qual se imagina certo manejo ao lidar com adversidades, nem sempre o equilíbrio entre a razão e o lado emotivo é funcional. A dúvida atinge a todos, independente da idade, ainda que na maturidade a trajetória do casal seja significativa para eclipsar qualquer armadilha sentimental.

    Baseado em um conto, Another Country do escritor britânico David Constantine, 45 Anos apresenta em cena um casal maduro formado pelos competentes Tom Courtenay e Charlotte Rampling. Prestes a completar 45 anos de casado, o marido recebe uma carta da Alemanha informando que o corpo de sua paixão juvenil, Katya, morta em um acidente nas montanhas, foi encontrado por bombeiros e, devido ao gelo, está preservado como se o tempo fosse inexistente. A partir deste acontecimento e da reação excessiva de Geoff, a esposa Kate coloca em perspectiva sua longa relação sobre a dúvida de ter sido amada de fato ou se viveu à sombra desta paixão anterior.

    A história foi baseada em um acontecimento real na França sobre um pai desaparecido na década de 30. Ao ser encontrado anos depois com o corpo intacto, o filho, que nunca conhecera o pai, teve um choque psicológico traumático irrecuperável. Constantine move o mesmo impacto para uma relação amorosa, espaço mais passível de efeito dramático pela ausência de um laço sanguíneo.

    O roteiro de Andrew Haigh, que também dirige a produção, focaliza um recorte de uma semana na trajetória desse casal, uma semana anterior à comemoração das bodas de platina. Contrapondo um espaço de tempo ruim, despertado pela revelação do corpo, há um casamento duradouro que, no início da história, é inferido como bem-sucedido. A contraposição é delicada e parece executada para gerar uma discussão sobre o desgaste das relações e a desconstrução que a memória nostálgica é capaz de realizar.

    A narrativa conduz o público aos conflitos internos da mulher, denotando, assim, uma maior ênfase em sua defesa. Em nenhum momento se conhece os sentimentos do velho Geoff em relação a este fatos. A interpretação contida dos atores abre espaço para esta discussão. É presumível que um casal que permanece tanto tempo unido possui laços fortes. Em cena, porém, fica claro que o tempo, acrescido de fatos que naturalmente promovem um choque momentâneo, causa rupturas.

    A falta de comunicação entre o casal reside nas entrelinhas. O homem chocado com a informação recebida age de maneira indelicada com a parceira; ela, por outro lado, mergulha em um medo interno e se torna incapaz de compreender o quão impactante a notícia foi para o marido. A trama aponta afirmativas universais sobre uma relação como a impossibilidade de conhecer por completo o ser amado, bem como o incômodo do passado, principalmente aquele nostálgico e afetivo, causa impacto mesmo em uma relação vivida intensamente. A discussão é deixada ao público para ponderar se a relação das personagens foi ou não sustentável. Apesar de uma semana parecer incapaz de abarcar toda a relação de quase 50 anos, o longa suscita a fragilidade de cada um diante de seus lugares escuros e a incompletude de que qualquer casal será vítima.

    Sutil como uma boa prosa narrativa, cujo tema está em suas entrelinhas, 45 Anos trabalha com qualidade os dramas das personagens, os quais se elevam graças às intensas interpretações de seus atores, não à toa indicados e premiados em diversas premiações por estes personagens.

  • Crítica | O Quarteto

    Crítica | O Quarteto

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    O Quarteto é o primeiro filme dirigido por Dustin Hoffman – excluindo o não creditado Straight Time de 1978 – e toma a 3ª idade e a velhice como cenário e ambientação para sua história. O lugar comum é um asilo especial para músicos e cantores aposentados e mostra o seu cotidiano, a rotina dos artistas com suas carreiras findadas.

    O quarteto de protagonistas: Tom Courtenay (Reginald Paget) Maggie Smith (Jean Horton) Billy Connolly (Wilf Bond) Pauline Collins (Cissy Robson) – concentra quase a maior parte das atenções emocionais do filme, e mesmo neste núcleo, mostra que Quartet tem lados opostos e distintos, que variam de abordagem, caráter e clima. Enquanto em um lado há uma postura de abordar-se a fragilidade, outro é quase todo cômico.

    Maggie Smith e sua Jean Horton mostram uma artista que não lida bem com as agruras da idade, e os problemas consequentes disso – principalmente a derrocada pela qual passou com a chegada da velhice. Em determinado momento ela diz a um serviçal: Tome cuidado com ela (uma de suas malas de bagagem), ela é frágil – o objeto era um símbolo de sua mudança para a casa de repouso, e serve de signo para a sua situação em que vivia, ela se sentia mal e decadente.

    Já para Wilf Bond, tudo é motivo para fazer gracejos ou comentários de cunho sexual – segundo o personagem, é isso que o faz ter ânimo para acordar de manhã. Billy Connolly é impagável e sua personagem é a coisa mais espirituosa da obra, possui as melhores tiradas e é ridiculamente engraçado e hilário – assim como a maioria dos outros residentes do Asilo, que encaram a velhice não como um fardo. São exploradas inúmeras variações de senilidade, e na maioria dos casos não se apela para a misericórdia, pena ou dó, tais coisas são só retratados como percalços rotineiros, fatos inexoravelmente inevitáveis aos seres humanos.

    Reggie também é um personagem riquíssimo – o que denota um padrão, Hoffman consegue retirar o melhor de seu elenco. O cantor é retratado como alguém antiquado, mas ao ministrar uma aula a uma classe predominantemente jovem, traça um paralelo entre o Rap e a Opera, mostrando que – guardadas as devidas proporções – não há tanta distância entre uma e outra.

    O roteiro de Ronald Harwood é repleto de mensagens reflexivas (é até natural que isso aconteça, devido ao tema), mas uma das mais fortes é a que, com o passar dos anos e com a velhice chegando, a reputação e memória dos tempos áureos ficam cada vez menos importantes, em detrimento do prazer e do pouco tempo de vida que ainda sobra – tal discurso é professado pelo inspirado Wilf Bond.

    A reconciliação que ocorre no final é um pouco forçada, mas não estraga o todo. O Quarteto é tocante e belíssimo, retrata um final de vida digno para artesões e artistas, que poderiam ser solitários e esquecidos, mas que mesmo nesse derradeiro momento, são figuras memoráveis, e esse acima de tudo é o caráter deste filme, muito bem realizado por Dustin Hoffman.