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  • Resenha | Pantera Negra: Quem é o Pantera Negra?

    Resenha | Pantera Negra: Quem é o Pantera Negra?

    A popularização massificada que o personagem Pantera Negra encontrou nos anos 2010, atingindo seu ápice no filme-evento da Disney em 2018, deu-se principalmente ao fato de que, a partir dos anos 2000, a representação negra e feminina tornou-se muito importante para garantir que todos os membros de uma plateia se sintam notados, respeitados, e celebrados – exceto, até o momento, o público LGBT, ainda restrito a produtos de um nicho específico. Essa celebração alegórica da figura negra e feminina, juntamente da branca e masculina de sempre, vem recebendo uma ampla aceitação da massa (ocidental, e oriental) que consome produtos culturais que a divertem, a fazem pensar, e mostram novas possibilidades de entretenimento sem desvalorizar nenhuma raça (Pantera Negra), etnia (Mulan), gênero (Mulher-Maravilha) ou credo (O Código da Vinci) – desta forma, todos ficam felizes, as empresas lucram, e o sol brilha para todos.

    Essa vem sendo uma história de sucesso na cultura pop bastante recente, mas cujas raízes raciais existem há muito, muito tempo na editora Marvel. Em 1966, Stan Lee e Jack Kirby, dois deuses da nona-arte, inseriram num gibi do Quarteto Fantástico o icônico Pantera Negra, trazendo pela primeira vez nas HQ’s um herói negro e africano que não serviria apenas de coadjuvante, mas tão importante quanto outros ícones da editora, junto de Thor, Aranha e Capitão América. Deram-lhe Wakanda como seu país próprio, e fictício, e uma riqueza que supera a do Batman e Homem de Ferro. Muito antes de Eddie Murphy cair em Nova York com suas roupas de realeza, em 1988, a Marvel já fazia de um negro o rei mais poderoso da Terra, algo totalmente inédito, na época e ainda muito pouco difundido, nas histórias do século XXI. Quantos reis e rainhas europeus já vimos e lemos a respeito? Uma infinidade, com certeza. E quantos exemplos de figuras africanas com belas coroas na cabeça já ouvimos falar, em grandes editoras e filmes de Hollywood? Certamente, o número caberia apenas em uma mão.

    Em 2014, talvez como uma prévia do filme que já estava em desenvolvimento na Marvel, nos cinemas, surge esse encadernado Quem é o Pantera Negra?, apresentando então uma visão nostálgica e inventiva sobre o clássico personagem, em sua terra natal. Desta vez, T’Challa precisa impedir que forasteiros americanos e europeus saqueiem suas terras do reino, em busca dos incríveis recursos naturais que só Wakanda provém. Na história inspirada que Reginald Hudlin escreve, e John Romita Jr. desenha, nota-se que o conceito de “resistência” ronda os habitantes de Wakanda, com suas lutas e conflitos internos tal um espectro que tanto assombra as comunidades negras, mundo afora. A crítica aqui é subjetiva, mas latente e universal: mesmo dentro de casa, o negro muitos vezes não tem paz e harmonia, nem mesmo aliados, sendo que nada é capaz de tirar sua majestade e beleza tão típicas da raça que resiste diante de tudo, tal o inevitável sol do amanhecer que faz brilhar sua divina melanina.

    Ao combinar o contraste de uma tecnologia extremamente avançada, dando o tom e ditando o futuro e as batalhas de um país africano, vulgo de terceiro-mundo graças ao imaginário popular miserável que temos da África, Hudlin cria uma trama bem elaborada cuja superfície fantástica, cheia de explosões e correria, revela aos poucos a temática política e sócio-política que leitores mais adultos com certeza não deixam de notar. Com o filme de 2018, já foi possível notar a enorme relevância cultural da criação de Lee e Kirby, uma vez que o cinema impacta muito mais que as páginas de um livro. Agora, junto desta impecável publicação da editora Salvat, no Brasil, através de sua coleção de Graphic Novels da Marvel, não há dúvidas de que o Pantera Negra é um raríssimo caso no qual, cinquenta anos depois de sua criação, sua fascinação decorrente de sua importância além da arte continua cada vez mais potente, em um mundo de crescente globalização e diversidades sociais buscando respeito e igualdade, por razões muito mais nobres que um mero escapismo midiático.

  • Resenha | Tex Gold: O Profeta Indígena

    Resenha | Tex Gold: O Profeta Indígena

    A minha experiência como leitor de quadrinhos começou numa banca perto da minha casa. Todo domingo a minha mãe me dava o direito a um gibi, mas a tarefa de escolher nunca foi assim tão simples. Eu sempre acabava com alguma edição nova do Homem-Aranha ou do Batman, mas sempre tive uma coceira de entender um dos títulos que ficava nas partes mais altas, já que parecia mais um dos filmes de faroeste da coleção do meu tio Marcos que um quadrinho. A curiosidade sempre fazia folhear uma, mas tudo parecia muito mais adulto, e menos colorido, do que eu conseguiria entender. Uns vinte anos depois eu tenho contato com o número 1 de Tex Gold, coleção lançada pela editora Salvat.

    A edição é bem diferente das minhas memórias de infância, além de vir num formato americano e com capa dura, as histórias são todas coloridas. Quando criança, parte da impressão de que as histórias vinham de outra época era pela falta de colorização das páginas, que deixavam as coisas mais próximas de Na Pista do Traidor do que com Três Homens em Conflito, ao menos na minha cabeça. E os próprios temas e personagens de Gian Luigi Bonelli são algo entre os dois filmes, entre a pureza dos filmes mais clássicos de faroeste ao desencanto do western spaghetti.

    A primeira edição da série traz a história O Profeta Indígena, roteirizada por Claudio Nizzi e desenhada por Corrado Mastantuono. A discussão de temas como o fanatismo religioso e a indução de um povo ao conflito através dessa arma é mais atual do que nunca. Há uma esforço em não demonizar os povos indígenas que é bastante atual, mas que às vezes perde um pouco a mão e os caracteriza como “ingênuos”, revivendo um pouco a perspectiva do “bom selvagem” e um racismo ainda enraizado ao se representar esses povos. Quanto a arte, tanto o traço quanto as cores revivem ainda mais a ideia de que estamos lendo algo trazido do passado. O estilo é uma releitura do utilizado pelo criador do Tex, Aurelio Galleppini, trazendo o realismo tanto nos cenários quanto nos personagens. Isso significa que vamos ter um uso de sombras e hachuras que pode incomodar quem está acostumado com os quadrinhos mais novos, mas que cumpre o seu papel perfeitamente.

    Ler Tex é como pegar aquele filme de faroeste clássico, às vezes você alguma memória gostosa, às vezes apenas uma curiosidade muito grande, mas que dificilmente o decepciona. E de quebra sai com com a tradicional música do Ennio Morricone tocando na cabeça, querendo um duelo ao meio-dia no centro da cidade.

    Compre: Tex Gold: O Profeta Indígena.

    Texto de autoria de Caio Amorim.

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  • Resenha | Capitão América: O Novo Pacto

    Resenha | Capitão América: O Novo Pacto

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    A estrutura do universo Marvel se sustenta como uma projeção paralela da Terra em que super-heróis habitam nosso cotidiano. Direta ou indiretamente, a editora sempre refletiu acontecimentos mundiais como parte de suas narrativas. Quando em 2001, o ataque terrorista em solo americano deflagrou a destruição do World Trade Center, em Nova York,  uma revista em homenagem às vítimas foi lançada. Inserindo os heróis no mutirão de apoio e ajuda como reflexo da sensação americana na época.

    Diante deste fatos, diversas representações artísticas em frontes variáveis surgiram. No cenário realista desenvolvido pelo estúdio, havia a delicada questão de como abordar o tema de maneira plausível para que a existência de heróis mundiais possibilitasse um ataque como este, desenvolvendo a reação de seus personagens sem descaracterizá-los. Coube a John Ney Rieber e John Cassaday realinhar o Capitão América após onze de setembro.

    Lançado no país na revista Marvel 2002 na época, e compilado recentemente na Coleção Graphic Novels Marvel da Salvat, O Novo Pacto se divide em dois momentos narrativos. A primeira história apresenta uma análise metafórica sobre os fatos, com Steve Rogers refletindo o acontecimento. De maneira poética, a trama evidencia o Capitão como um homem comum, um cidadão americano como outro qualquer que, heroísmo à parte, compartilha a dor, o luto e o sentimento de impotência perante o fato. Em meio a cores carregadas de tons cinzas, o herói lamenta o acontecimento, explicitando a força de seu ideal como um símbolo de liberdade. Esta primeira parte da história funciona como metáfora para a o mote da trama, envolvendo uma pequena cidade sofrendo um concentrado ataque terrorista.

    A forte vertente realista posiciona a personagem de maneira emocional diante de um cenário que parece repetir o fato real. Expiando a raiva contida, Rogers assume um papel ativo além de seu símbolo, promovendo uma cisão entre Capitão América e o homem por trás desta figura. Como soldado, Rogers falhou em proteger a nação. A dor simbolizada como uma batalha perdida desenvolve a reflexão sobre a necessidade da guerra, pontuando as motivações de ambos os lados. Rogers e o Capitão adquirem ideais divididos. Enquanto o símbolo permanece indelével, o homem se mostra em dúvida sobre sua trajetória.

    O roteiro é preciso ao estabelecer a metáfora sobre a guerra, pontuando que o lado terrorista também possui motivações e uma coerência interna nos atos. Mas falha ao desenvolver uma ação pontual que expande a trama além da reflexão natural. Como primeira história após tais acontecimentos, é uma bonita homenagem mas, a cada edição concentrando-se mais no desenvolvimento de ação, percebe-se um desequilíbrio. A dupla acerta na vertente mais delicada, falha na execução simples de uma boa história com a personagem. Talvez preocupados em excesso em situar o Capitão América neste novo tempo, a trama em si permaneceu em segundo plano.

    O Novo Pacto se mantém como homenagem maior que a narrativa. Marcando uma transição comentada na época mas que, em futuro próximo, tornou-se fundamental à personagem, quando o homem por trás do símbolo adquiria contornos gerais focados na liberdade, sem nenhuma ideologia como bandeira.
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  • Resenha | Capitão América: O Ódio Se Chama Sangue

    Resenha | Capitão América: O Ódio Se Chama Sangue

    Capitao América - O Odio se chama sangue

    A longevidade de uma equipe assinando um título, comumente, marca uma continuidade elogiada por considerarmos que o tempo também denota sucesso, e ainda fornece espaço suficiente para que um roteirista e um desenhista desenvolvam seu estilo. Em contrapartida, há passagens que são marcadas por sua brevidade destacada, pela alta qualidade que causaram impacto em seu lançamento e permaneceram no cânone. Um exemplo desta afirmativa é a breve fase em nove edições de Roger Stern e John Byrne à frente de Capitão América, resultando em, ao menos, duas memoráveis histórias.

    Como era costume nos quadrinhos antigamente, as tramas não possuíam nomes específicos como as sagas que são lançadas progressivamente hoje. A passagem da dupla por Captain America nunca ganhou um título oficial. Nos Estados Unidos, um encadernado lançado em 2007 intitula-a como Captain America: War & Remembrance. No Brasil, a fase já foi lançada pela Panini Comics no volume único de Maiores Clássicos do Capitão América, sem nenhum nome formal. Recentemente, a Salvat lançou os números em sua coleção vermelha sob o nome O Ódio Se Chama Sangue, referência mantida neste título. De qualquer maneira, o público conhece esta edição como aquela que contém a história de Capitão América como presidente dos Estados Unidos.

    As nove edições acompanham quatro histórias distintas, duas delas focadas no lado aventureiro da personagem e duas em uma vertente mais subjetiva, analisando o significado de sua figura heroica. A primeira trama, À primeira luz da aurora!, é a mais fraca delas, com um vilão computadorizado que, como os tradicionais vilões quadrinescos, deseja destruir o Capitão América. A segunda trama nesta abordagem, com uma equipe mais entrosada, tem maior carga de efeito e, explorando uma vertente que hoje não está presente nas tramas do estúdio, compõe uma boa aventura.

    A edição mais conhecida é aquela que coloca o herói como um possível candidato à presidência do país. Capitão Para Presidente! é um interessante olhar sobre a figura do Capitão América a partir da ótica pessoal de Steve Rogers, que analisa como as virtudes de uma única pessoa se confundem na composição de um líder natural e, por consequência, um candidato supostamente ideal como representante máximo dos Estados Unidos. A trama versa sobre a força da personagem como um símbolo que demonstra um ideal americano puro mas que, não necessariamente, se posta como força política. Saindo do contexto da época, a história ainda é potencialmente forte, ainda mais se contrapormos a composição atual da personagem, que tangencia parte do american way of life para ser um maior símbolo de liberdade, explicitando-a como um direito inerente ao homem, e não apenas a um conjunto de regras e leis americanas.

    Após essa reflexão, a trama retoma a vertente aventuresca inserindo Stever Rogers em uma incursão pela Inglaterra, ajudando um antigo amigo, na época em que fez parte da brigada britânica. Mesmo neste lado mais aventureiro e simples, a personagem e a tônica da história funcionam pela boa composição narrativa. Por fim, a passagem de Byrne e Stern encerra com uma aventura que explora a tradicional e repetida vertente da origem, além de comemorar os 40 anos da personagem. Um processo que se tornou natural na evolução dos quadrinhos para que a biografia do herói sempre esteja conectada com o estilo vigente da narrativa.

    As transições de estilo dentro destas nove histórias provam a versatilidade do roteirista, bem como a composição desse clássico herói pode ser formatada para diferentes abordagens que enriquecem sua trajetória. Mesmo criado como um ideário americano, Capitão América conseguiu se expandir para além de uma propaganda de uma cultura hegemônica.

    Capito Amrica O dio Se Chama Sangue - 01

  • Resenha | Homem-Aranha: Azul

    Resenha | Homem-Aranha: Azul

    Homem Aranha - Azul

    Um ano após a bela história de Demolidor: Amarelo, a dupla Tim Sale e Jeph Loeb davam sequência a sua trilogia de cores na Marvel Comics, enfocando novamente o passado de um grande personagem da casa. Diferentemente da primeira história que partia de um acontecimento traumático recente, em Homem-Aranha: Azul – lançado na época pela Panini Comics e relançado em capa dura na Coleção Graphic Novels Marvel da Salvat – é o aniversário da morte de Gwen Stacy que motiva Peter Parker a relembrar os fatos.

    Em estilo semelhante ao anterior, o aracnídeo também dialoga diretamente com uma personagem que saiu de cena. Porém, a carta da primeira história escrita para Karen Page é substituída por um registro oral feito através de um antigo toca-fitas encontrado no sótão no Dia dos Namorados. É neste cenário que Peter narra sua relação com Stacy, o interesse amoroso por Mary Jane e diversos vilões que se apresentam nestes acontecimentos.

    A trama é desenvolvida de maneira mais linear sem enfocar aspectos diversos da personagem. O roteiro se baseou nas tramas de The Amazing Spider Man #40 a #48 e #63, inserindo diversos ataques de vilões que seriam orquestrados por Kraven, o Caçador. A reformulação destas histórias causou excesso de personagens e, mesmo que simbolize a difícil vida de Peter Parker como herói e alter-ego, o conflito amoroso entre as duas mulheres de sua vida seria forte o suficiente. Diante de muitas cenas de ação, a vertente sensível se perde e chega a quebrar o ritmo deste recordatório. A arte também se apoia em traços anteriores da personagem, em uma clara homenagem a John Romita Sr., pontuando a composição imagética de sua época em uma lembrança que serve para a recordação do leitor desta fase.

    Conforme a ação cede para um maior aprofundamento no embate amoroso vivido entre o triângulo de personagens centrais, a história cresce em sua metade. O enfoque sentimental ganha mais força no luto de Parker e demonstra a intenção dessa releitura e a importância que Gwen Stacy teve para o jovem, tanto como primeiro laço amoroso de sua trajetória como em relação ao peso de se sentir responsável pela sua morte, provocada pelo Duende Verde.

    Mesmo dando sequência a um interessante projeto, baseado nos primórdios de seus heróis, a inevitável comparação de Homem-Aranha: Azul com o primeiro e intocável trabalho se sobrepõe naturalmente. A história se mantém equilibrada, ainda que a homenagem e o enfoque simultâneo no enlace amoroso e nos vilões tenham diminuído o impacto sensível da trama, resultando em uma edição não tão definitiva quanto a anterior.

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  • Resenha | Deadpool: A Guerra de Wade Wilson

    Resenha | Deadpool: A Guerra de Wade Wilson

    Deadpool - A Guerra de Wade Wilson

    Desenvolvido como uma paródia do perfil tradicional de um herói, a carreira de Deadpool como personagem se iniciou em minisséries especiais até conquistar uma edição mensal. Desde sua primeira aparição, o Mercenário Tagarela teve três revistas com seu nome, além de uma ao lado de outro personagem de Rob Liefield, Cable. Em simultâneo a estas edições, estrelou diversas aventuras fechadas, normalmente com histórias que ganhavam mais liberdade ao fugirem de qualquer cronologia.

    O sucesso da produção cinematográfica consequentemente alinhou relançamentos em sintonia com a recepção do público. Além do primeiro encadernado da Nova Marvel, Meus Queridos Presidentes, a Panini Comics lançou Deadpool Clássico – Volume 1 com o início de suas aventuras, e a Coleção Graphic Novels Marvel, distribuída pela Salvat, republicou A Guerra de Wade Wilson, na expansão da coleção.

    Composta por quatro edições, a história já havia sido publicada em Deadpool 5 lançada pela Panini em maio de 2014, uma revista bimestral que inicialmente compilou a fase de Daniel Way e, em seguida, lançou material anterior a esta fase mas ainda inédito no país. Apesar da brevidade da trama, o roteiro de Duane Swierczynski e arte de Jason Pearson são um eficiente representativo da personagem e de seu conceito básico.

    A trama tem início com uma investigação do governo à procura de responsáveis por um sangrento massacre no México com um único sobrevivente: Deadpool. Depondo em uma corte sobre os acontecimentos, apresentando sua visão dos fatos sobre a missão, a narrativa retoma a origem do herói criado a partir de experiências da Arma X ao mesmo tempo que desenvolve uma história paralela sobre a ilegalidade do grupo.

    Como o próprio Wade Wilson desenvolve os acontecimentos, a realidade possível é permeada por suas manias: o excesso de ironia, a visão egocêntrica de si mesmo e o exagero característico ao narrar seus feitos. Como único personagem histriônico da história, os demais personagens geram um equilíbrio incrédulo, reconhecendo que os acontecimentos foram provavelmente distorcidos por sua mente e produzindo comicidade pelo espanto. Como sua insanidade confunde realidade com imaginação, a dúvida no leitor permanece sobre o que, de fato, ocorreu.

    Membro integrante do projeto Arma X, Wade e sua equipe integrada por Silver Sable, Dominó e Mercenário seriam um tipo de grupo de elite trabalhando às escondidas nas piores missões possíveis. Um grupo de mercenários que aceita qualquer missão, desde que seja bem paga. A brevidade da história em quatro partes traz uma trama enxuta em que não há espaço para ganchos desnecessários, representando com qualidade a personagem e fazendo um resumo breve sobre sua origem, bem como demonstrando como o conceito metalinguístico pode ser bem utilizado e equilibrado dentro da história. A trama se encerra com uma provocação sobre a própria lucidez da personagem e se mantém com qualidade, ainda mais se comparado a outro recente relançamento do Tagarela, o equivocado primeiro arco da Nova Marvel.

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  • Resenha | Demolidor: O Homem Sem Medo

    Resenha | Demolidor: O Homem Sem Medo

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    A fase de Frank Miller à frente do título do Demolidor é um clássico indiscutível na jornada do vigilante, exemplificado nos recentes volumes um e dois por Klaus Janson e pelo próprio Miller. Após um exitoso retorno, em Queda de Murdock, houve uma demandada por um novo enfoque do personagem, o que ocorreu através de um retorno às origens ao estilo do que a DC Comics já havia feito em Batman: Ano Um, também com outro artista nos desenhos, cabendo a John Romita Jr. o lápis de O Homem Sem Medo, lançado em 1993.

    Matt Murdock ainda é um menino, que assiste a Cozinha do Inferno de um lugar privilegiado, acima das cabeças das pessoas. Sua rotina inclui pequenas contravenções, como interferência no trabalho de policiais de rua, com pequenos furtos de cassetetes em plena luz do dia, munido com uma máscara preta que protege sua identidade. Seu lugar preferido é o ginásio onde seu pai Jack Murdock treinava, nos tempos áureos como lutador de boxe.

    O garoto já tem contato direto com a extorsão e criminalidade, uma vez que seu pai é obrigado sob ameaça a trabalhar para o Arranjador, após ter ameaçado sua vida e a de seu filho. Esse fator serve para quebrar o maniqueísmo normalmente encarado pelos heróis paladinos, mostrando que o embrião do Demolidor tem muito mais relação com o lado sujo de Nova York e o caráter humano do que qualquer discurso adocicado a respeito do vigilantismo.

    Neste início, o fator mais interessante certamente é a construção em volta de Jack Murdock, que prima pela simplicidade e pela sinceridade. O drama do pai solitário é de fácil identificação e todos os seus pecados são explicáveis, uma vez que sua motivação é proteger a criança que está sob seus cuidados. Sua bebedeira é o artifício covarde tomado para esquecer seus momentos inglórios, e o soco que desfere no filho é a reação ao asco que tem por si, e que amaldiçoadamente está sendo seguido por seu herdeiro. O desejo de que Matt tenha outro rumo de vida faz o boxer se cegar até para o bom senso, fazendo-o agir com uma violência instintiva até em seu lugar de conforto, em casa.

    A mostra do incidente que cegou o garoto é conduzido por um modo bastante emocional, desde os pequenos detalhes, a respeito da matéria radioativa que acertou o proto-herói da Marvel, até a origem do evento, quando o jovem salva um idoso cego de ser atropelado. A inserção de Stick é providencial, servindo de contraponto a autocomiseração que o infante sente, dando mostras de sua evolução, de um lutador em início de carreira para se tornar também um acrobata.

    Os últimos momentos de Jack são melancólicos, mas vitoriosos, reprisados no filme do Demolidor de 2003, ainda que na revista o momento seja bem menos melodramático, assim como as ações que seguem o evento. Matt inverte o paradigma de seu pai e começa a ir atrás dos malfeitores para fazer justiça com as próprias mãos. Apesar de comedida, a violência gráfica de Romita Jr. começa a ser mostrada de maneira interessante, aplacada um pouco pela arte-final de Art Williamson. A agressividade tem um preço alto e justifica, entre outros fatores, o asco do personagem pelo homicídio, além de amarrar a origem de seu mestre aos futuros opositores.

    A transição para a fase adulta é rápida, assim como a introdução ao curso de Direito e a amizade com Foggy Nelson. O sentimentalismo é dedicado à apresentação de Elektra, que mistura sensualidade natural, feminilidade e nenhum receio de se apresentar de modo sexual. As origens do herói são muito bem amarradas às aparições dos vilões, de aliados e possíveis pares amorosos, em doses homeopáticas, gradualmente pontuando o cânone do personagem, incluindo a evolução de seu traje, o mesmo uniforme negro que inspirou a primeira temporada de Demolidor da Netflix, em 2015.

    A edição, repleta de extras, faz valorizar ainda mais os últimos momentos da revista, que por sua vez não são totalmente conclusivos, reforçando a ideia de prequence, que em sua essência acerta em quase todas as introduções. O enfoque no nome de Demolidor – no original Daredevil – é uma saída inteligente e emotiva, que se torna ainda mais simbólica com o mergulho no ar que o vigilante, já paramentado, executa e no valor às cores de Christie Scheele, também aludindo ao uniforme amarelado original, finalizando com o traje escarlate. A amálgama entre fúria da corrupção e justiça cega que se veem no ideal do Homem sem Medo.

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  • Resenha | Justiceiro: Bem-Vindo de Volta, Frank

    Resenha | Justiceiro: Bem-Vindo de Volta, Frank

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    O encontro com deuses e anjos em uma narrativa sobrenatural foram temas de The Punisher: Purgatory, uma mini-serie escrita por Christopher Golden e Thomas E. Sniegoski, a qual gerou uma recepção altamente negativa do público e o cancelamento de qualquer história envolvendo o Justiceiro. Por dois anos, a personagem permaneceu distante do público quando Garth Ennis apresentou a Marvel uma proposta de retomar a essência de Frank Castle, negando os últimos acontecimentos e explicitando a vertente urbana de um anti-heroi cuja missão sempre foi exterminar qualquer pessoa ruim do planeta, de acordo com sua percepção dos fatos.

    Publicado originalmente em 12 edições, Bem-Vindo de Volta, Frank foi lançado no país pela Panini Comics em um compilado em capa cartão e, recentemente, retornou as bancas em dois volumes em capa dura pela Coleção Graphic Novels Marvel da Salvat. Retomando a parceria com Steven Dillon, de Preacher, a série marca o início da longa passagem de Ennis pelo título da personagem, inicialmente pelo selo Marvel Knights, depois no Max, quando atinge o ápice narrativo nesta fase com planos de republicação no país pela editora.

    O enredo é ágil, focado em diversas cenas de ação, apresentando o retorno de Castle a cidade de Nova York ciente de que, em sua ausência, houve uma maior taxa de crimes. Assim, o Justiceiro foca sua cruzada contra Mamma Gnucci, a chefe de uma família mafiosa local. Destruindo seus principais membros, além de capangas e afiliados, transformando no principal inimigo da criminosa. Paralelamente, a polícia da cidade inicia uma força-tarefa para investigar a controvérsia personagem do vigilante, enquanto outros vigilantes surgem em bairros específicos em homenagem ao retorno do Justiceiro.

    Declaradamente averso a concepção de heróis como superseres, o roteirista evita ao máximo a participação de qualquer personagem do universo Marvel. No texto enviado para editora ao apresentar sua nova proposta narrativa, Ennis informava que, no máximo, ciente da necessidade de chamariz e vendas, inseriria a participação de algum personagem conhecido. Assim, coube a Demolidor uma participação especial em um dos volumes do arco, de qualquer maneira, sem perder o tom urbano e realista proposto na história. A ausência da comunidade heroica seria o primeiro passo para compor uma trama linear e paralela a qualquer evento da editora.

    Justiceiro - Bem Vindo de Volta Frank

    Ennis mantem um estilo misto de realismo e humor negro coerente com sua proposta, transformando os atos mais improváveis em boas cenas que representam o exagero de seus personagens. Frank Castle, além de um vigilante que utiliza da maneira mais agressiva para exterminar seus inimigos – uma violência visual que choca o leitor pela improbabilidade – esta ciente de seus atos hediondos e simultaneamente é gentil com aqueles que considera inocente. Reconhecendo ser um exército de um homem só, o vigilante sabe que sua potência não pode exterminar todo o crime, mas continua exercendo sua obsessão.

    Desenvolvendo sua trama principal em paralelo a subtramas menores, a narrativa reapresenta a personagem ao mesmo tempo em que desenvolve seus argumentos estruturais para o futuro com o azarado detetive Martin Soap escalado para a força-tarefa, ao lado da detetive Molly von Richthofen, para investigar os diversos assassinatos de Castle. Uma vertente que explora socialmente a personagem, demonstrando que embora exista uma obrigação de investigá-lo, grande parte da corporação admira o vigilante por sua eficiência.

    Os traços de Dillon se destacam nas cores de Chris Sotomayor e na arte-final de Jimmy Palmiotti. São econômicos nos detalhes de cenários mas suficientes para intensificar as diversas e improváveis cenas de ação. Além da afinidade natural com o roteirista, sem dúvida, o traço de seu Justiceiro se tornaria um dos mais conhecidos da personagem.

    Bem Vindo de Volta, Frank é uma estupenda reintrodução a um interessante personagem do estúdio que, a partir dessa história, ganhou novo alcance e uma versão definitiva em sua concepção. Ainda que existam antigas histórias eficientes, como a primeira aventura na mini-série Círculo de Sangue, Ennis expandiu a personagem além de sua função inicial como coadjuvante, inserindo-lhe uma trajetória própria mais detalhada, com conflitos internos e explicitando a força de sua violência.

    Compre: Bem Vindo de Volta, Frank (Vol 1. | Vol. 2)

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  • Resenha | Justiceiro: Círculo de Sangue

    Resenha | Justiceiro: Círculo de Sangue

    Justiceiro - Circulo de Sangue - capa

    Nos anos em que Stan Lee desenvolvia novos personagens para o Universo Marvel, uma vasta gama de novos heróis e vilões foram criados, oriundos de uma forma inédita de criação que explorava estilos, arquétipos e representações diferentes para produzir um universo próprio. Em anos posteriores, após o roteirista, ainda havia a produção de personagens diversos, hoje populares e reconhecidos pelo público.

    A criação do anti-herói vigilante Justiceiro teve inspiração em outros personagens vigilantes, representando uma voz contra o sistema. A intenção original era que Frank Castle aparecesse somente uma vez como vilão, em sua estreia na revista The Amazing Spiderman #129, quando foi contratado pelo Chacal como atirador para matar o aracnídeo amigão da vizinhança. Mesmo ainda voltado a uma faceta plana, havia uma base semelhante ao personagem atual. Um homem com alto treinamento de planos de ataque e que não gostava de ser enganado por ninguém. Diferente do estilo contemporâneo, ainda assim a história é significativa como uma primeira aparição.

    Um ano depois desta estreia, a personagem ganhou um contexto definitivo. Em One Shot Marvel Preview nº2,: Marvel Presents The Punisher a base para a transformação de Castle para Justiceiro é apresentada com a morte de sua família. A história de Gerry Conway desenvolvia a sólida origem e a motivação primordial da personagem. Dez anos se passaram com Justiceiro em breves aparições em outras revistas, quando uma nova minissérie foi lançada destacando-o. Justiceiro: Círculo de Sangue, também assinado pelo roteirista do especial anterior, retorna às bancas dentro da coleção Os Heróis Mais Poderosos da Marvel, da Salvat, apresentando também sua estreia na Marvel.

    No prefácio assinado pelo editor britânico da Marvel Panini Comics, Ed Hammond, é mencionado que o lançamento desta revista explorava ao máximo os limites da Comics Code Authority na exploração da violência para a época. A história tem início com o vigilante preso na Ilha Ryker, convidado para participar de uma fuga organizada por um mafioso. Ajudado a sair da prisão por um grupo denominado Cartel, um grupo secreto formado por membros da sociedade estabelecendo uma justiça paralela, o Justiceiro volta às ruas para executar um plano definitivo de destruir a máfia.

    Se contrapormos o Castle atual, considerando a partir do início de Garth Ennis até sua nova série na fase Totalmente Nova Marvel por Nathan Edmonston, vemos um personagem decidido mas ainda imaturo em seu plano de guerra, ainda que a filosofia de acabar com o crime esteja presente. Acompanhando diretamente os pensamentos do vigilante, suas dúvidas e a culpa são maiores do que atualmente, principalmente, quando o plano se transforma em uma guerra entre gangues, gerando mais violência e danos colaterais. Mesmo com a agressiva fama de assassino, sua humanidade é desenvolvida pelo erro, diferente da violência perfeita e centrada de alguém descrito hoje como invencível, tanto na batalha como na capacidade de se curar de qualquer luta corporal.

    Semelhante com a filosofia da personagem, o Cartel representa um grupo de homens apoiados no amplo conceito de desejar uma sociedade melhor, desenvolvendo um grupo de elite de exterminadores. Revelando suas intenções além daquelas apresentadas ao Justiceiro, Castle trata o grupo como inimigo e chega a sofrer lavagem cerebral para se tornar uma eficiente máquina mortal. Ainda que o vigilante nunca negue sua concepção e a maneira delicada como faz justiça, sempre assumiu o fardo somente para si próprio, aceitando sua condição diante das fatalidades da vida, mas ideologicamente o único capaz de realizar esta guerra contra o crime sem nenhuma traição.

    A violência extrema transborda na trama, ainda que não seja explícita e gráfica como a de edições atuais. Os traços de Ross Andru se mantêm coerentes com a época, ainda em cores claras sem tonalidades e uma visão mimética realista. De qualquer maneira, a ausência de uma ambientação carregada de cores escuras não retira o peso desta narrativa definitiva para marcar o modus operandi da personagem e elevá-la ao panteão de grandes personagens da Marvel. A partir dessa história, Justiceiro ganhou três revistas mensais que perderiam o fôlego somente na década de 90, histórias que foram além do escopo permitido por sua composição básica.

    Compre: Justiceiro (Coleção Heróis Mais Poderosos da Marvel – nº 24)

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  • Melhores Leituras de 2015

    Melhores Leituras de 2015

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    Devido ao maior tempo dedicado a uma leitura do que assistir a um filme ou a episódios seriados de uma temporada, é natural que uma lista de Melhores Leituras seja um tanto anacrônica aos lançamentos. A isso soma-se o fato de que, ao encerrar 2014, planejei a leitura de alguns autores que desejava conhecer ou me aprofundar em suas obras, e assim chegamos às edições selecionadas abaixo como as melhores leituras do ano passado.

    Como não havia número suficiente para formatar uma única lista de livros, decidi pela abordagem mista ao introduzir e pontuar os bons quadrinhos lidos no ano. Neste aspecto, é evidente que foquei as leituras no eixo tradicional da Marvel/DC Comics, um aspecto que pretendo evitar este ano, realizando a leitura de outras obras mais autorais (possivelmente veremos esse impacto em uma futura lista deste ano, a ser publicada em 2017).

    Explicitando a falta de sincronia com lançamentos e formatos, a lista nem mesmo se ajusta à tradicional recomendação de dez itens selecionados. Mas sim doze obras, seis livros e seis HQs, para que nenhuma das boas leituras ficasse de fora. Algumas dessas indicações também foram analisadas no site logo após a leitura, dessa forma peço desculpas aos leitores por eventuais repetições de abordagem.

    Manual de Pintura e Caligrafia – José Saramago (Companhia das Letras)

    Manual de Pintura e Caligrafia - Saramago

    Narrativa de estreia do lusitano José Saramago – posteriormente, uma obra anterior seria lançada após sua morte – Manual de Pintura e Caligrafia é um vigoroso romance de estreia. O autor inverte a lógica sobre a carreira e descreve sua proposta literária logo no primeiro lançamento, contrariando manuais tradicionais de autores que sempre, em um estágio avançado da carreira, versam sobre o ofício. Misturando duas narrativas, a personagem atravessa a arte da pintura rumo à escrita, uma transição feita pelo próprio autor, transformando esta obra em um misto de metalinguagem e tese literária, ainda que os elementos narrativos que o consagraram ainda não estivessem presentes.

    Demolidor – Fim Dos Dias (Panini Comics)

    Demolidor - Fim dos Dias

    Inserido na série O Fim da Marvel Comics, Fim dos Dias é uma clara homenagem à trajetória do Homem Sem Medo. Sob a batuta de Brian Michael Bendis, a história leva Ben Ulrich a uma última reportagem quando os heróis perderam sua força como defensores. A equipe de primeira linha desenvolve uma história sem igual, simultaneamente apresentando grandes momentos e figuras de Demolidor ao mesmo tempo em que se configura como mais uma grande história de um dos personagens mais coesos do estúdio.

    Romeu e Julieta – William Shakespeare (Saraiva de Bolso, tradução de Bárbara Heliodora)

    Romeu e Julieta - Shakespeare

    Casal mais conhecido da dramaturgia de William Shakespeare, Romeu e Julieta são símbolo de amor universal, representado, transcrito e transformado em um amor perfeito. A peça considerada uma das mais líricas do autor é fundamental para destruir o conceito das personagens através dos tempos, evidenciando que o amor de dois adolescentes termina de maneira trágica devido ao frenesi impulsivo e a imaturidade. Versando com qualidade sobre a agressividade desse amor, o casal permanece no imaginário coletivo em uma bonita história trágica.

    Pantera Negra – Quem é o Pantera Negra? (Salvat / Panini Comics)

    Pantera Negra - John Romita Jr - destaque

    Anterior a modificações estruturais de personagens representativos de uma causa, a Marvel fundamentou, dois anos após a nova lei de direitos civis nos Estados Unidos, um personagem negro com uma bela mitologia. Erigido como um deus no coração de um país futurista na África, local que nunca cedeu a colonizadores, a concepção do Pantera Negra atinge versão definitiva na narrativa de Reginald Hudlin. Retomando conceitos de tradições africanas, T’Challa adquire simultaneamente uma história coesa e uma tradição tribal forte, tornando-se um importante e imponente personagem político no cenário da editora.

    O Silêncio do Túmulo – Arnaldur Indridason (Companhia das Letras)

    O Silêncio do Tumulo - Arnaldur Indridason

    Impressiona que em uma literatura normalmente considerada formulaica como a narrativa policial se possam desenvolver tantos estilos diferentes e histórias genuinamente interessantes a partir de um crime. Arnaldur Indridason compõe sua narrativa a partir de dois focos: a investigação de um esqueleto encontrado nas imediações da Reykjavík, Islândia e uma trama familiar sobre um pai abusivo. O leitor reconhece de imediato que as narrativas iram se entrecruzar e, mesmo enfocando tais tramas de modo diferente, o autor é capaz de mantê-las em um mesmo tom que, quando chega em seu ápice, desvenda o crime e revela um aspecto crítico sobre a condição social e psicológica que fomentou o assassinato. É a partir desta obra que Indridason alcança sua melhor forma.

    Gotham DPGC: No Cumprimento do Dever (Panini Comics)

    Gotham GPGC

    Ed Brubaker e Greg Rucka partiram de uma premissa interessante ao indagar como seria o contingente policial de Gotham City vivendo à sombra do Homem-Morcego. O resultado é uma revista que destaca personagens comuns vivendo em um cotidiano padrão, no qual a figura de Batman é vista com mística, sem explorar a personagem interiormente como em suas revistas mensais. A partir de dramas pessoais em meio a atentados e crimes de grandes vilões e bandidos comuns, a equipe de crimes hediondos de Gotham sobrevive diariamente nesta pesada rotina criminal. Com uma vertente narrativa genuína de histórias policiais, a equipe apresenta uma visão diferente deste universo tão explorado e querido do público.

    Here, There And Everywhere: Minha Vida Gravando os Beatles – Geoff Emerick e Howard Massey (Novo Século)

    Here There Everywhere - Minha vida gravando os beatles

    Na vasta bibliografia sobre The Beatles, dividida entre obras de jornalistas experientes, críticos renomados e personagens que pontualmente passaram pela carreira da banda, a biografia de Geoff Emerick é fundamental como uma figura de autoridade intrinsecamente ligada à banda. Responsável pela formatação da fase mais prolífica da carreira do quarteto, Emerick narra brevemente sua trajetória até conhecer a banda e nos brindar com informações daquilo que fizeram dos Beatles a banda por excelência: sua qualidade musical. Detalhes técnicos, informações e curiosidades são costuradas em uma prosa suave que nos coloca ao lado da intimidade do Fab Four sob a visão daquele que esteve acompanhando a progressão a cada ensaio e moldando o som da banda. A obra é prazerosa e nos aguça a ouvir de maneira diferente a discografia do quarteto.

    Superman – A Queda de Camelot (Panini Comics)

    Superman - A Queda de Camelot

    Publicada simultaneamente a outra grande saga de Superman, O Último Filho, esta Queda de Camelot é um longo épico dividido em duas partes. Conduzida por Kurt Busiek, um dos responsáveis pelas revistas do herói ao lado de Geoff Johns na época pós Crise Infinita no projeto Um Ano Depois. Trabalhando em linhas temporais de passado, presente e futuro, o autor cria uma história provável sobre um futuro apocalíptico ao mesmo tempo em que desenvolve o passado do vilão Arion e as crescentes ameaças do presente conhecido. O tamanho da série cria uma narrativa aventureira cíclica, composta de diversos ganchos e conduzida pela aventura, dando sequência à explícita homenagem a Era de Prata desenvolvida desde o primeiro arco de Um Ano Depois. Se O Último Filho é uma reflexão pretensiosa e fabular sobre passado e descendência, A Queda de Camelot faz da aventura o fio condutor.

    Dragão Vermelho – Thomas Harris (Record)

    Dragão Vermelho - Thomas Harris

    Um dos grandes vilões do cinema, Hannibal Lecter inicia sua trajetória nesta narrativa escrita em 1988. Thomas Harris explora com eficiência a psicologia de seu assassino e compõe um interessante laço entre o investigador Will Graham e o psicanalista canibal, o qual colabora no caso. Em um thriller psicológico aclamado por James Ellroy como um dos grandes livros do gênero, a história é pautada no desenvolvimento do caso e no suspense, demonstrando talento na composição narrativa ao criar densos personagens bizarros, inovando ao introduzir com esmero a mente criminosa em cena. Mais impressionante que esta trama é o fato do autor, após a sequência O Silêncio dos Inocentes, ter produzido duas obras sobre a personagem sem nenhum apelo e vigor equivalentes a esta obra inicial. Mesmo com uma carreira desequilibrada, Dragão Vermelho é uma narrativa impecável.

    Os Vingadores – O Mundo Dos Vingadores (Panini Comics)

    Vingadores - n 1 - Avengers World

    Responsável por assumir duas revistas dos Vingadores após oito anos sob comando de Brian Michael Bendis, Jonathan Hickman iniciava um novo ponto de partida para os Heróis Mais Poderosos da Terra, reconfigurando a equipe em sintonia com o novo processo editorial intitulado Nova Marvel. O Mundo dos Vingadores alinha novos e antigos personagens em uma renovada formação da equipe, ao mesmo tempo em que introduz novos vilões que seriam fundamentais para futuras sagas da editora. Sem medo da sombra do sucesso da passagem de Bendis, o arco é simultaneamente uma boa história como também funciona como um início para novos leitores.

    A Ditadura Envergonhada – Elio Gaspari (Intrínseca)

    Ditadura Envergonhada - Elio Gaspari

    Com intensa pesquisa em fontes diversas e uma prosa ensaística de primeira qualidade, Elio Gaspari produz uma das obras definitivas sobre a ditadura militar brasileira. Indo além da formalidade dos fatos, o autor insere um estilo narrativo próprio que aviva a época e os dramas dos conflitos vividos e seus delicados detalhes. Traçando um panorama da sociedade, observando tanto o movimento militar como os levantes contra o golpe, este é o primeiro volume de uma vasta obra sobre o período que, ainda este ano, ganha o último e definitivo desfecho.

    Batman: Cidade Castigada (Panini Comics)

    Batman - Cidade Castigada

    A saga Silêncio, anterior a Cidade Castigada, talvez tenha eclipsado a atenção voltada a esta história escrita por dois grandes parceiros: Brian Azzarello e Eduardo Risso. Se a anterior pretendia ser um grande épico em doze partes, apresentando diversões heróis e a galeria de vilões do Morcego, Cidade Castigada enfoca o Batman investigador em uma história mais eficiente e coesa que a de Jim Lee e Jeph Loeb. Gotham adquire contornos noir entre poesia e corrupção enquanto o roteiro foge de uma tradicional narrativa feita pelo morcego, acrescentando tanto uma reflexão erudita sobre a cidade quanto ampliando a limitação física do herói, sem contar uma improvável cena em que Bruce Wayne faz seu próprio jantar, desmitificando, com certo humor sem perder o tom sério da narrativa, os fatos cotidianos que o personagem, como um reflexo de um ser humano normal, executa todos os dias.

    Cidades de Papel - John GreenMenção Honrosa: Cidades de Papel – John Green. Considerando o público-alvo de sua narrativa, Green surpreende com uma história pontual sobre a transição entre a adolescência e o mundo adulto e uma percepção madura de um grupo de amigos. Um romance de formação que tem potencial para se tornar significativo no crescimento do leitor jovem.

  • Resenha | Capitão América: A Escolha

    Resenha | Capitão América: A Escolha

    Capitão América - A Escolha - capa - Panini Comics

    Expandindo a cronologia oficial da Marvel Comics, o estúdio sempre imaginou vertentes possíveis em universo paralelos, possibilidades que modificariam acontecimentos e outras narrativas explorando ao máximo as personagens. A linha “O Fim” intenta apresentar a última história de cada herói. Famosos personagens da Casa como Wolverine, Quarteto Fantástico e Hulk estrearam tais recriações, uma espécie de salto cronológico para um futuro provável. Algumas dessas narrativas fugiram da marca nominal do fim devido a um tratamento diferenciado como chamativo aos leitores, caso de Potestade, a estranha história final de Homem-Aranha, a recente Fim Dos Dias sobre a morte de Demolidor e também esta, A Escolha, sobre Capitão América.

    Desde sua criação na década de 40, a personagem passou por mais de uma geração de leitores representando um herói com valores do estilo de vida americano. A personagem foi inserida no contexto real da Segunda Guerra Mundial, tornando-se uma espécie de símbolo da liberdade. Nos últimos tempos – precisamente desde a chegada de Brian Michael Bendis na revista dos Vingadores e de Ed Brubaker na mensal (vide resenha Capitão América – Tempo Esgotado) do personagem – Steve Rogers se expandiu para uma defesa maior da liberdade além da doutrina americana. A modificação foi uma das causas da saga Guerra Civil quando o herói entrou em conflito com o Homem de Ferro visto como um conservador a favor do registro de super-heróis. Desde esta história, a filosofia do Capitão América parece romper com qualquer sistema de leis para defender acima de tudo a justiça e outras virtudes inerentes ao bem, independentemente de qualquer conceito político. O Capitão América se manteria como símbolo mesmo sem Steve Rogers.

    Capitão América: A Escolha apresenta um possível fim definitivo da personagem se apoiando na morte física de Steve Rogers após o soro do super-soldado perder os efeitos gradativamente.  O corpo de Rogers envelheceu lentamente e surge a necessidade de procurar alguém para assumir o manto do Capitão. O enfoque é baseado na força de uma figura símbolo e na busca por alguém que sustente os mesmo ideais.

    Assinando o roteiro da trama está o escritor David Morrell, responsável pelo livro Rambo – First Blood, romance sobre o peso da guerra diante de um homem, transformado nas telas em um eficiente filme de ação com Sylvester Stallone. Nesta trama, o escritor retorna ao escopo da Guerra para acompanhar um soldado no Afeganistão que, em momentos de tensão e adrenalina, tem visões com o Capitão América, que lhe concede palavras de apoio para manter a coragem.

    O pano de fundo da guerra produz o aspecto realista da obra, inserindo uma guerra real e um soldado comum para destacar suas virtudes. Narrado pelo próprio soldado, observamos o conflito interno de um homem convocado para invadir outro país sem saber ao certo o sentido da guerra e se sua intervenção ajuda, de fato, a população. Assim, os ideais nobres de um ser heroico, sobrepujando o medo, ajudando seus companheiro em batalha, são os motivos que fazem o Capitão desejar que aquele homem assuma seu manto.

    Morell não estabelece uma crítica direta a intervenção americana, preferindo focar no sentimento desse indivíduo específico para que seus anseios e medos provoquem a reflexão. Demonstrando que fora do conceito heroico fundamentado pelos quadrinhos, existem naturais heróis na sociedade e que ambos carregariam as mesmas virtudes. A vertente narrativa foge dos quadrinhos tradicionais, explorando, a partir de um personagem consagrado, um conceito simbólico de heróis anônimos. A guerra como tema é suscetível para carregar indagações sobre este heroísmo, mas o roteiro é hábil em demonstrar que o enfoque é proposital, um exemplo da parte para demonstrar o todo em uma mensagem maior.

    Trata-se de uma história reflexiva que simboliza simultaneamente a força de um único homem – demonstrando a eficiência de Rogers como um símbolo de coragem – ao mesmo tempo em que concede o heroísmo a qualquer cidadão com estas mesmas virtudes, potencializando, assim, os heróis presentes no cotidiano. Ao evitar uma história heroica tradicional, A Escolha se destaca como interessante representação de como um personagem é capaz de ser uma figura motivadora dentro e fora de seu universo. Ainda que não seja brilhante, a primeira incursão do autor nas narrativas quadrinescas demonstra uma interessante vertente, um tanto inédita nas diversas recriações que sempre demonstram-se nada originais.

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    Capitão América - A Escolha - destaque

  • Resenha | Quarteto Fantástico: Ações Autoritárias

    Resenha | Quarteto Fantástico: Ações Autoritárias

    Quarteto Fantástico - Ações Autoritárias

    Sequência direta do arco anterior, Inconcebível, o encadernado de Ações Autoritárias – lançado também pela coleção Salvat – apresenta as consequências dos fatos em três arcos narrativos. Mark Waid mantém a escolha de inaugurar histórias de maneira concisa, evitando o erro de se estender além do necessário. As três histórias deste encadernado da coleção Salvat possuem o mesmo tema em comum retratando como cada membro do Quarteto lidou com a última investida de Doutor Destino.

    A primeira história enfoca o garoto Franklin Richards e seu trauma ao ser deixado no inferno. O aspecto familiar é ressaltado pela trama, além de ser um entreato calmo para a futura história, mais densa. O arco que intitula o compilado se passa na Latvéria, local em que o Quarteto Fantástico assumiu o poder – contrariando a ONU e Nick Fury – temendo que civis pudessem se apoderar do arsenal altamente tecnológico do vilão.

    Um devastado Reed Richards se afasta ainda mais de sua família, obcecado em desvendar o local e desenvolver um plano que respondesse à altura do inconcebível anterior. A imagem de Von Doom diante de seus súditos é o primeiro passo destrutivo que afasta a única imagem positiva de Destino. Conhecendo suas intenções malignas e um arsenal de destruição em massa, com direito a robôs torturadores, os latverianos encontram em Richards um possível recomeço para o local. A política entra em cena situando a equipe dentro do universo Marvel e sua projeção realista. Nick Fury participa como um intermediador entre Richards e a ONU, que considera a invasão do Quarteto um erro. Porém, a atitude é apenas parte do plano definitivo para controlar o vilão.

    A dicotomia entre herói e vilão nunca foi tão clara. Como a morte nunca é uma opção, a saída de Sr. Fantástico é heroica visando o bem maior de sua família. Um sacrifício que colocaria Destino e Reed em uma prisão localizada em uma realidade paralela. Como nada é fácil para a equipe, Destino foge deste universo, controla a equipe mentalmente e causa mais uma baixa no Quarteto: a morte de Ben Grimm.

    O público sabe que as mortes heroicas sempre terão um futuro retorno. Quando nada é definitivo, cabe à narrativa produzir um bom argumento para causar conflitos necessários e explicar, ao menos plausivelmente, o retorno da personagem. Iniciando seis meses após os eventos de Ações, Richards estuda o corpo de Grimm buscando um meio de trazê-lo de volta. Quando suas intenções falham, a personagem retoma um experimento de seu arqui-inimigo para desvendar um novo universo não explorado. Waid retorna à fundação do Quarteto, na origem de Destino, para fundamentar sua aventura. Tentando encontrar sua mãe no inferno, Vom Doom desenvolve um aparelho mágico-tecnológico e falha por não ouvir os conselhos de Richards. Dessa forma, a trama reflete sua própria trajetória e avança rumo ao céu, transformando a religiosidade em um universo como tantos outros explorados pela equipe. Sempre desenvolvendo ao máximo o argumento aventureiro, este recurso funciona pela coerência e o equilíbrio entre a ciência e a magia.

    O desfecho promove um mergulho metalinguístico promovendo um inusitado encontro entre Quarteto Fantástico e Deus. Mais especificamente, o deus das personagens em quadrinhos: seus autores. A escolha é ousada, porém, diante de uma progressão de acontecimentos cada vez mais impactantes, a escolha de Waid por um final grandioso que não caísse no clichê é bem-sucedida. E as aventuras da equipe até então dão a base necessária para que este encontro seja plausível. Pela linha da metalinguagem, a história se encerra analisando a própria criação desta arte, e corrige – em um ponto alto do famoso deus ex machina – a cicatriz que Richards ostentava desde o arco anterior. Finalizando com um interessante ápice, a primeira grande jornada da equipe pelas mãos de Waid é considerada ousada para uma narrativa de linha mensal.

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  • Resenha | Quarteto Fantástico: Inconcebível

    Resenha | Quarteto Fantástico: Inconcebível

    Quarteto Fantástico - Inconcebível

    Após um início apresentando breves histórias aventureiras do Quarteto Fantástico – compilado recentemente no país sob o título ImaginautasMark Waid produz a primeira saga sob sua assinatura, desenvolvendo uma trama rompendo estruturas familiares da equipe e resgatando o arqui-inimigo Doutor Destino.

    Inconcebível foi recentemente publicado na Coleção de Graphic Novels da Salvat (Nº 30, lançado em fevereiro de 2015), e havia sido anteriormente lançado pela Panini Comics no mix de O Incrível Hulk. A série inicia-se com um prólogo intitulado Sob Sua Pele – edição publicada também na revista Marvel + Aventura nº4 em setembro de 2011 – focando em Victor Von Doom e em sua busca mundial por Valéria, amor do passado juvenil na Latvéria. Única mulher que ele amou além da mãe, Valéria seria a representação de sua humanidade, porém a procura demonstra, em maior escala, sua vilania. A amada é entregue para demônios em troca de maiores poderes sobre a magia e, para isso, atacar novamente o Quarteto Fantástico.

    A edição da Salvat apresenta uma introdução com os acontecimentos prévios que situam o leitor sobre a relação de Von Doom e a filha mais nova do Quarteto, Valéria Richards. Inicialmente, a personagem era fruto de uma gravidez abortada de Sue e, posteriormente, tornou-se oriunda de um futuro alternativo. Em uma saga em que o irmão e a garota unem os poderes, Valéria retornou ao útero de Sue para, finalmente, nascer. Um reajuste da cronologia perante o absurdo da viagem temporal que não impediu conflitos no nascimento do bebê. Na ocasião, Reed Richards resolvia uma crise mundial e Johnny Storm pedia ao inimigo Doom a ajuda com o parto. Destino presta auxílio com uma condição: batizar a garota, o que explica o nome de sua amada dado à filha de Richards/Storm.

    O background é retomado nesta narrativa com Von Doom, estabelecendo um contato psíquico com a garota desde seu batismo, e roubando-a do seio da família, ao mesmo tempo que coloca o primogênito Franklin no inferno. Mesmo responsável pelos atos mais vis dentro do universo Marvel, arquitetando planos contra o quarteto e o mundo em geral, o ditador amplia sua maldade ao selecionar como alvo as crianças da família para destruí-la: a justificativa para o “inconcebível” que marca o título.

    A trama mistura a composição familiar exposta desde o compilado anterior e acrescenta o confronto direto com o grande vilão como um marco comemorativo das 500 edições da revista. O desafio destrói a família pelos elos mais fracos e acrescenta uma nova camada à inteligência de Senhor Fantástico, desafiado e preso por Von Doom em uma biblioteca com livros de magia, obrigado a aprender uma arte não-científica para ser capaz de salvar os parentes. Com a ajuda de Doutor Estranho, Richards tem de subjugar a visão científica, desenvolvida desde a infância, para assumir a existência de planos superiores impossíveis de serem controlados.

    Ainda que a magia seja um dos argumentos mais difíceis de plena justificativa em histórias em quadrinhos – por funcionar, muitas vezes, como uma muleta de roteiros ruins –, neste arco ela é utilizada com uma carta na manga inesperada, provando o intelecto superior de Richards em relação a Doom, principalmente sobre a força de vontade, afinal a personagem luta também pela segurança familiar. Reconhecendo a derrota prévia, Destino ainda marca o inimigo com uma queimadura no rosto, semelhante a sua, como lembrança de sua existência.

    Inconcebível inicia mais uma crise dentro do Quarteto e, simultaneamente, comemora o longevo título da primeira equipe da Marvel. Mas Waid e o desenhista Mike Wieringo dariam mais um passo rumo a uma trama memorável no desenrolar das ações desta história em Ações Autoritárias.

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  • Resenha | Os Novos Vingadores – Motim

    Resenha | Os Novos Vingadores – Motim

    Vingadores - Motim

    Após implodir a equipe dos Vingadores em A Queda, Brian Michael Bendis apresentou Os Novos Vingadores, um novo título que dá início ao seu projeto dos Heróis Mais Poderosos da Terra. Dividida em seis partes, a saga Motim se passa seis meses após os acontecimentos anteriores que encerraram o grupo.

    A trama tem início quando Matt Murdock e seu sócio, Foggy Nelson, visitam a prisão para uma consulta jurídica. Como nenhum civil pode entrar desacompanhado no local, Jessica Drew, a Mulher-Aranha, representando a S.H.I.E.L.D., acompanha-os ao lado de Luke Cage, contratado pelos advogados em caso de problemas. Quando um atentado liberta os prisioneiros, Homem-Aranha e o Capitão América, coincidentemente em uma viagem nos arredores, surgem para prestar apoio e ajudar na contenção.

    Como na primeira formação iniciada pela necessidade, Steve Rogers decide convocar oficialmente os heróis para uma nova organização dos Vingadores. Além de Capitão América, Homem de Ferro, Homem-Aranha, Mulher-Aranha e Luke Cage, dois outros membros são convocados: Wolverine e Sentinela, esse segundo em um momento posterior. A seleção de Bendis transita entre personagens da velha guarda, honorários ou não, e novos membros. Capitão América e Homem de Ferro representam a base que sustenta o histórico de aventuras. A inclusão do Homem-Aranha, além do natural apelo diante do público, compõe uma nova dimensão da personagem, que agora terá que interagir em equipe sem perder, claro, sua característica de falastrão. Trabalhando com a S. H. I. E. L. D., a Mulher-Aranha é o contato político para necessárias bases de apoio em missões. Luke Cage representa a força bruta, e Wolverine a violência pura. Um personagem selecionado para atitudes extremas mas que, sem dúvida, como o aracnídeo, foi selecionado para ser um atrativo popular.

    Observando a cronologia com o necessário espaço temporal, é perceptível que a queda dos Vingadores e sua nova organização eram apenas modificações necessárias para planos maiores. A participação de Peter Parker como membro ativo do grupo será responsável pela intimidade com outros heróis, determinando sua afinidade com Tony Stark – de quem ganha uma armadura futuramente – e um dos pontos chave de modificação de Guerra Civil. Os embates entre Stark e Rogers, por menor que sejam, como discordar em planos de ação ou demonstrar um leve descontentamento pela dissolução da equipe, são fundamentos para a eclosão dessa citada batalha.

    Esse primeiro arco de história desenvolve com cuidado a motivação necessária para trazer a equipe à tona ao mesmo tempo que cada edição recruta seus heróis para completar o grupo, culminando em uma viagem até a Ilha Selvagem, onde descobrem uma facção da S. H. I. E. L. D. O local habita a prática de escravizar locais no tráfico de vibranium, outra justificativa necessária para uma equipe de vigilantes. Novamente, é perceptível a intenção de ampliar a realidade do universo Marvel com camadas dramáticas que refletem parcialmente o contexto contemporâneo. A política é uma das camadas escolhidas para esta aproximação, desenvolvendo um viés que faz da equipe uma vigilante além das grandes batalhas com vilões superpoderosos.

    Em um primeiro momento, a corrupção da Superintendência é o contraponto que incomoda Steve Rogers, um personagem idealista que preza por uma política correta e o qual, mesmo trajando as cores da bandeira americana, demonstra que seu ideário é mais puro do que a maneira contemporânea de conduzir uma nação e seus trâmites políticos. Sem um apoio oficial do governo como anteriormente, a equipe permanece à margem da legalidade, e tem prestígio devido a seus integrantes de renome dentro do universo narrativo.

    A edição da Panini, lançada no selo Deluxe, compila o primeiro ano dos Novos Vingadores com doze edições, enquanto a edição da Salvat reúne apenas o primeiro arco. De qualquer maneira, Motim é um bom início, coerente com as modificações estruturais da Marvel, fundamentando com qualidade a necessidade de ter uma superequipe ativa em uma boa aventura.

    Vingadores - Motim - 2

  • Resenha | Os Vingadores: A Queda

    Resenha | Os Vingadores: A Queda

    Vingadores - A Queda

    Após compor a releitura de Homem-Aranha para a linha Ultimate da Marvel e assumir uma passagem duradoura e bem-sucedida em Demolidor ao lado de Alex Maleev, Brian Michael Bendis foi convidado a escrever Os Vingadores, um dos grandes títulos da Casa das Ideias e que estava prestes a completar 500 edições lançadas.

    Quando autores assumem novas revistas, é comum que estabeleçam pontos de partida selecionando qual material e quais personagens irão trabalhar em sua passagem pelo título, e raramente se preocupam em fechar cronologias anteriores. A escolha de Bendis foi ainda mais definitiva neste aspecto. Em sua estreia, promoveu a saga A Queda (publicado no país em Vingadores #21 a #24, em um encadernado especial, em 2008, e pela Coleção Graphic Novels da Salvat #34), implodindo a equipe em uma história de despedida e encerramento do título, o qual existia desde a década de 60.

    Publicado em quatro partes, três delas nos títulos de The Avengers e o final em uma edição especial (além da repercussão dos fatos em cada mensal específico), a trama acrescenta um pouco da textura realista que seria desenvolvida posteriormente em diversas revistas Marvel através de ações cujo ponto máximo é a megassaga Guerra Civil, que colocou em lados opostos herói contra herói. Em A Queda, Os Vingadores começam a sofrer uma série de ataques consecutivos de seus maiores inimigos e não conseguem estabelecer um motivo ou quem está por trás destas ações com Skrulls, diversos Ultron, entre outros. O vingador Valete-de-Copas, morto em ação em uma aventura no espaço, retorna à mansão dos Vingadores para explodir o local, deixando a equipe sem sua tradicional base de operações. Simultaneamente, Tony Stark sofre um surto psicológico em um discurso como embaixador dos Estados Unidos, e o apoio da nação à equipe é retirado.

    Enquanto recebem visitas de consolação da vasta comunidade de heróis, reconhecendo o status dos Vingadores como um dos grandes grupos, as pequenas fissuras internas da equipe, com base em ideologias diferentes, serve de atrito para o grupo. O embate entre Tony Stark e Capitão América se apresenta desde este momento. Perdendo milhões com a destruição da mansão e sem o cargo de embaixador, Homem de Ferro abandona o grupo e se transforma no algoz culpado pela falta de esperança em recomeçar. De maneira honesta, cada vingador expõe sua insatisfação e decide temporariamente abandonar o posto, deixando Steve Rogers como a única chama resistente. Além da representação pública de cada herói, observamos pessoas normais vivendo conflitos naturais devido à convivência diária e à rotina.

    Mesmo sem uma trama brilhante, justificável pelo fato do roteirista estar iniciando sua obra com cada personagem, a dramaticidade é interessante para demonstrar o interior de cada herói e ousada ao destruir um grande grupo para reconstruí-lo de outra maneira. O roteirista foi criticado na época por tais modificações e por usar os ganchos usuais para sagas de modificação, como a morte de personagens importantes. Visto com distanciamento, é perceptível o plano a longo prazo desenvolvido nas histórias tanto dos Vingadores quanto do universo Marvel como um todo, criando uma coesão temporal entre acontecimentos. Afinal, (spoiler na próxima linha) a mesma vilã responsável pela destruição da mansão e dos ataques sucessivos, a Feiticeira Escarlate, também é personagem central da Dinastia M quando modifica a realidade matando a maioria dos mutantes do mundo.

    Bendis foi corajoso em encerrar um título longevo para reconstituir a equipe em uma outra direção. Após 503 títulos, a editora lançava um edição final com a participação de diversos desenhistas e roteiristas, que passaram pelo título com suas personagens relembrando grandes acontecimentos dos Vingadores. Uma homenagem que observava o passado escrito até então para, enfim, começar uma nova fase na equipe.

    Vingadores - A Queda - Destaque

  • Resenha | Surpreendentes X-Men: Superdotados

    Resenha | Surpreendentes X-Men: Superdotados

    Astonishing_X-Men_Vol_3

    Após a fase de Grant Morrison à frente dos mutantes no gibi Novos X-Men, Joss Whedon e John Cassaday foram responsáveis pelo próximo passo da equipe, em um título que se tornou continuação direta da publicação pelo uso das mesmas personagens na equipe, porém com uma proposta diferente daquela abordada pelo escocês.

    Whedon resgata a vertente aventureira do X-Men como um grupo heroico realizando missões ao redor do globo, e traz de volta o uniforme clássico dos mutantes, modificado para o couro na época da primeira trilogia cinematográfica, um destes recursos para aproximar ambas as artes e demonstrar a influência de uma sobre a outra. Como a maioria de novas revistas ou de equipes criativas, este primeiro arco busca definir as estruturas para as próximas aventuras. Mesmo inserido na cronologia, Superdotados é um bom ponto de início de leitura e não à toa foi o segundo encadernado lançado pela Salvat para a coleção Graphic Novels (A coleção também publicou o arco seguinte, Perigoso e, até o momento, o primeiro da fase de Morrison).

    Kitty Pride retorna ao Instituto Xavier para tornar-se parte do corpo docente. Entre os problemas internos da equipe, Lince incomodada com Emma Frost no comando e Wolverine em brigas com Ciclope, uma geneticista anuncia uma cura mutante e defende o gene não como uma evolução natural do homem, mas sim como uma doença a ser destruída. Além disso, um novo vilão vindo do futuro surge com uma previsão apocalítica de que um mutante destruirá seu planeta natal. São estas as bases que sustentam esta nova fase dos mutantes, mostrando a união do grupo em meio aos meandros sociais de sua raça como um vírus a ser exterminado, enquanto, do lado mais aventureiro, o vilão tenta destruí-los.

    Com esta história de apresentação, Whedon desenvolve as bases necessárias para fundamentar sua visão narrativa sobre os mutantes ao mesmo tempo que produz um bom argumento aventureiro, criando um novo vilão para a equipe. Conhecido por realizar bons diálogos que trazem cenas cômicas e irônicas, o roteirista também pontua com precisão boas cenas de luta, tanto as com o vilão Ord, líder do Grimamundo, vindo do futuro, quanto as relativas a eventuais discussões acaloradas entre membros mutantes, em traços bem desenhados por Cassiday.

    A abordagem científica retoma o questionamento social, que desde a origem do grupo está presente nas histórias. Demonstra a intolerância mundial diante do diferente e, sem uma definição completa do que é o gene mutante, ora trata-o como uma evolução, ora como vírus ou doença, dilemas próximos da realidade vista no cotidiano mundial.

    Superdotados apresenta uma boa elogiada fase dos mutantes, que manteve por 24 edições a parceria entre Whedon e Cassiday até Warren Ellis e Phil Jimenez assumirem a criação.

    Compre aqui:

    Surpreendentes X-Men (Panini Comics) (Reunindo as edições #1 a #12)

    Astonishing X-Men Omnibus (edição gringa com toda a fase de Whedon /Cassiday)

    Supreendentes x-men 01

  • Resenha | Capitão América – Tempo Esgotado

    Resenha | Capitão América – Tempo Esgotado

    Capitão América - Tempo Esgotado

    Na quinta série de volumes de Capitão América, que estreou em Janeiro de 2005, Ed Brubaker faria os roteiros do que seria conhecido como uma das melhores fases do herói nacionalista americano (mas não propagandista do governo) e que seria responsável por uma das melhores reinvenções do canônico personagem, sem precisar rebootar para ser competente em seu papel de modernizar um herói. O Capitão América é bastante ligado a uma época, sofrendo por vezes da alcunha de ser datado, fato que perdura desde a sua estreia, pelos idos dos anos 40.

    A história começa introduzindo o maior vilão da galeria do capitão junto a um russo misterioso, num ar de conspiração condizente com a paranoia da Guerra Fria, ainda que esta tenha sido há muito “superada”. O traço de Steve Epting garante ao Caveira Vermelha um aspecto deveras assustador, que muitas vezes é esquecido por parte dos desenhistas da revista, aqui ele é um vilão cruel e sanguinário, seu semblante já transparece isso, ao contrário de qualquer aliteração do passado recente. Sua megalomania e enorme ego são mostrados com maestria, através de seu plano que envolve não só a dominação mas também a contumaz vingança junto ao seu rival através das décadas, visando uma humilhação pessoal, como também da sua figura.

    Steve Rogers se encontra num inferno astral, graças à morte do Gavião Arqueiro, que além de reabrir velhas feridas, inclusive sobre a morte de seu antigo parceiro Bucky, ainda ajudaram a firmar a ideia da dissolução dos Vingadores. Para piorar a sua situação, qualquer pessoa da Shield que venha entrevistá-lo ou intervir em seu trabalho o enxerga como uma lenda viva, exceção feita a Peggy Carter, uma agente já familiarizada com seu modus operandi. Uma boa alternativa da trama é mostrar a ação trôpega do Capitão através da bela sequência de ação pensada e executada por Epting, onde o experiente super soldado é mostrado como um homem precipitado e descauteloso.

    O nome original do arco é Out Of Time. A história varia bastante entre os registros temporais. Rogers ainda se martiriza pela morte de Bucky, ainda na Segunda Guerra Mundial. As cenas retratando este período, coloridas em preto e branco, resgatam o clima aventuresco de suas histórias sem deixar toda a dramaticidade intencionada – e nem sempre conseguida – dos primeiros arcos de Joe Simon e Jack Kirby, criadores do personagem. No entanto, o que se destaca na história é o clima de conspiração e de thriller de espionagem internacional.

    Um ponto interessante do roteiro de Brubaker é mostrar o verdadeiro papel de Bucky, que não seria só rivalizar com a juventude hitlerista e ser um sidekick do herói banderoso, seu papel era ser o “braço sujo” do Capitão, o lado sombrio dele, fazia o trabalho escuso que o símbolo máximo dos EUA não poderia fazer. Aliado a isto, há um justo resgate aos heróis primitivos da Marvel, à época Timely Comics, mostrando o Capitão América junto ao Namor, o princípe submarino e o Tocha Humana Original e Centelha, o seu ajudante.

    O clima próximo ao desfecho do arco é pesado, ao mostrar Steve Rogers voltando ao castelo onde o seu parceiro teria sido torturado, além de reviver o episódio da morte do ajudante. Aos poucos, Rogers percebe que o assassino por trás das mortes de alguns de seus antagonistas é um personagem marcante de seu passado, movido entre outras coisas pelo desejo de vingança do antigo herói mirim pela proteção falha do sentinela da liberdade.

    Antes da saga Soldado Invernal, há uma história de Brubaker desenhada por John Paul Leon, intitulada A Solitária Morte de Jack Monroe, onde se toca um pouco na origem do Renegado, um antigo colaborador do herói que empunha a bandeira dos EUA. Ao saber de seu estado de saúde precário, Jack Monroe ao invés de se lamuriar, prefere relembrar os bons momentos de sua vida, sendo o Bucky do Capitão América dos anos 1950, e trabalhando até ao lado do Capitão América original, sempre enxergando o manto azul com muita honraria e respeito e reverência sempre. Após rever tudo isto, ele chega a conclusão de que pouco fez e de que foi um zero a esquerda enquanto vigilante. Tal conclusão faz ele mover-se de modo diferente, caçando traficantes nos últimos momentos de sua vida e até pensando em reatar sua amizade com Rogers, para demonstrar apoio a ele pelo fim dos Vingadores. Pouco antes de perecer, ele tem devaneios a respeito do legado do manto de Bucky, e curiosamente tem uma sensação premonitória, de como seria o fim de sua vida, fazendo da história uma boa trama paralela à saga anterior.