A popularização massificada que o personagem Pantera Negra encontrou nos anos 2010, atingindo seu ápice no filme-evento da Disney em 2018, deu-se principalmente ao fato de que, a partir dos anos 2000, a representação negra e feminina tornou-se muito importante para garantir que todos os membros de uma plateia se sintam notados, respeitados, e celebrados – exceto, até o momento, o público LGBT, ainda restrito a produtos de um nicho específico. Essa celebração alegórica da figura negra e feminina, juntamente da branca e masculina de sempre, vem recebendo uma ampla aceitação da massa (ocidental, e oriental) que consome produtos culturais que a divertem, a fazem pensar, e mostram novas possibilidades de entretenimento sem desvalorizar nenhuma raça (Pantera Negra), etnia (Mulan), gênero (Mulher-Maravilha) ou credo (O Código da Vinci) – desta forma, todos ficam felizes, as empresas lucram, e o sol brilha para todos.
Essa vem sendo uma história de sucesso na cultura pop bastante recente, mas cujas raízes raciais existem há muito, muito tempo na editora Marvel. Em 1966, Stan Lee e Jack Kirby, dois deuses da nona-arte, inseriram num gibi do Quarteto Fantástico o icônico Pantera Negra, trazendo pela primeira vez nas HQ’s um herói negro e africano que não serviria apenas de coadjuvante, mas tão importante quanto outros ícones da editora, junto de Thor, Aranha e Capitão América. Deram-lhe Wakanda como seu país próprio, e fictício, e uma riqueza que supera a do Batman e Homem de Ferro. Muito antes de Eddie Murphy cair em Nova York com suas roupas de realeza, em 1988, a Marvel já fazia de um negro o rei mais poderoso da Terra, algo totalmente inédito, na época e ainda muito pouco difundido, nas histórias do século XXI. Quantos reis e rainhas europeus já vimos e lemos a respeito? Uma infinidade, com certeza. E quantos exemplos de figuras africanas com belas coroas na cabeça já ouvimos falar, em grandes editoras e filmes de Hollywood? Certamente, o número caberia apenas em uma mão.
Em 2014, talvez como uma prévia do filme que já estava em desenvolvimento na Marvel, nos cinemas, surge esse encadernado Quem é o Pantera Negra?, apresentando então uma visão nostálgica e inventiva sobre o clássico personagem, em sua terra natal. Desta vez, T’Challa precisa impedir que forasteiros americanos e europeus saqueiem suas terras do reino, em busca dos incríveis recursos naturais que só Wakanda provém. Na história inspirada que Reginald Hudlin escreve, e John Romita Jr. desenha, nota-se que o conceito de “resistência” ronda os habitantes de Wakanda, com suas lutas e conflitos internos tal um espectro que tanto assombra as comunidades negras, mundo afora. A crítica aqui é subjetiva, mas latente e universal: mesmo dentro de casa, o negro muitos vezes não tem paz e harmonia, nem mesmo aliados, sendo que nada é capaz de tirar sua majestade e beleza tão típicas da raça que resiste diante de tudo, tal o inevitável sol do amanhecer que faz brilhar sua divina melanina.
Ao combinar o contraste de uma tecnologia extremamente avançada, dando o tom e ditando o futuro e as batalhas de um país africano, vulgo de terceiro-mundo graças ao imaginário popular miserável que temos da África, Hudlin cria uma trama bem elaborada cuja superfície fantástica, cheia de explosões e correria, revela aos poucos a temática política e sócio-política que leitores mais adultos com certeza não deixam de notar. Com o filme de 2018, já foi possível notar a enorme relevância cultural da criação de Lee e Kirby, uma vez que o cinema impacta muito mais que as páginas de um livro. Agora, junto desta impecável publicação da editora Salvat, no Brasil, através de sua coleção de Graphic Novels da Marvel, não há dúvidas de que o Pantera Negra é um raríssimo caso no qual, cinquenta anos depois de sua criação, sua fascinação decorrente de sua importância além da arte continua cada vez mais potente, em um mundo de crescente globalização e diversidades sociais buscando respeito e igualdade, por razões muito mais nobres que um mero escapismo midiático.