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  • Melhores Leituras de 2015

    Melhores Leituras de 2015

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    Devido ao maior tempo dedicado a uma leitura do que assistir a um filme ou a episódios seriados de uma temporada, é natural que uma lista de Melhores Leituras seja um tanto anacrônica aos lançamentos. A isso soma-se o fato de que, ao encerrar 2014, planejei a leitura de alguns autores que desejava conhecer ou me aprofundar em suas obras, e assim chegamos às edições selecionadas abaixo como as melhores leituras do ano passado.

    Como não havia número suficiente para formatar uma única lista de livros, decidi pela abordagem mista ao introduzir e pontuar os bons quadrinhos lidos no ano. Neste aspecto, é evidente que foquei as leituras no eixo tradicional da Marvel/DC Comics, um aspecto que pretendo evitar este ano, realizando a leitura de outras obras mais autorais (possivelmente veremos esse impacto em uma futura lista deste ano, a ser publicada em 2017).

    Explicitando a falta de sincronia com lançamentos e formatos, a lista nem mesmo se ajusta à tradicional recomendação de dez itens selecionados. Mas sim doze obras, seis livros e seis HQs, para que nenhuma das boas leituras ficasse de fora. Algumas dessas indicações também foram analisadas no site logo após a leitura, dessa forma peço desculpas aos leitores por eventuais repetições de abordagem.

    Manual de Pintura e Caligrafia – José Saramago (Companhia das Letras)

    Manual de Pintura e Caligrafia - Saramago

    Narrativa de estreia do lusitano José Saramago – posteriormente, uma obra anterior seria lançada após sua morte – Manual de Pintura e Caligrafia é um vigoroso romance de estreia. O autor inverte a lógica sobre a carreira e descreve sua proposta literária logo no primeiro lançamento, contrariando manuais tradicionais de autores que sempre, em um estágio avançado da carreira, versam sobre o ofício. Misturando duas narrativas, a personagem atravessa a arte da pintura rumo à escrita, uma transição feita pelo próprio autor, transformando esta obra em um misto de metalinguagem e tese literária, ainda que os elementos narrativos que o consagraram ainda não estivessem presentes.

    Demolidor – Fim Dos Dias (Panini Comics)

    Demolidor - Fim dos Dias

    Inserido na série O Fim da Marvel Comics, Fim dos Dias é uma clara homenagem à trajetória do Homem Sem Medo. Sob a batuta de Brian Michael Bendis, a história leva Ben Ulrich a uma última reportagem quando os heróis perderam sua força como defensores. A equipe de primeira linha desenvolve uma história sem igual, simultaneamente apresentando grandes momentos e figuras de Demolidor ao mesmo tempo em que se configura como mais uma grande história de um dos personagens mais coesos do estúdio.

    Romeu e Julieta – William Shakespeare (Saraiva de Bolso, tradução de Bárbara Heliodora)

    Romeu e Julieta - Shakespeare

    Casal mais conhecido da dramaturgia de William Shakespeare, Romeu e Julieta são símbolo de amor universal, representado, transcrito e transformado em um amor perfeito. A peça considerada uma das mais líricas do autor é fundamental para destruir o conceito das personagens através dos tempos, evidenciando que o amor de dois adolescentes termina de maneira trágica devido ao frenesi impulsivo e a imaturidade. Versando com qualidade sobre a agressividade desse amor, o casal permanece no imaginário coletivo em uma bonita história trágica.

    Pantera Negra – Quem é o Pantera Negra? (Salvat / Panini Comics)

    Pantera Negra - John Romita Jr - destaque

    Anterior a modificações estruturais de personagens representativos de uma causa, a Marvel fundamentou, dois anos após a nova lei de direitos civis nos Estados Unidos, um personagem negro com uma bela mitologia. Erigido como um deus no coração de um país futurista na África, local que nunca cedeu a colonizadores, a concepção do Pantera Negra atinge versão definitiva na narrativa de Reginald Hudlin. Retomando conceitos de tradições africanas, T’Challa adquire simultaneamente uma história coesa e uma tradição tribal forte, tornando-se um importante e imponente personagem político no cenário da editora.

    O Silêncio do Túmulo – Arnaldur Indridason (Companhia das Letras)

    O Silêncio do Tumulo - Arnaldur Indridason

    Impressiona que em uma literatura normalmente considerada formulaica como a narrativa policial se possam desenvolver tantos estilos diferentes e histórias genuinamente interessantes a partir de um crime. Arnaldur Indridason compõe sua narrativa a partir de dois focos: a investigação de um esqueleto encontrado nas imediações da Reykjavík, Islândia e uma trama familiar sobre um pai abusivo. O leitor reconhece de imediato que as narrativas iram se entrecruzar e, mesmo enfocando tais tramas de modo diferente, o autor é capaz de mantê-las em um mesmo tom que, quando chega em seu ápice, desvenda o crime e revela um aspecto crítico sobre a condição social e psicológica que fomentou o assassinato. É a partir desta obra que Indridason alcança sua melhor forma.

    Gotham DPGC: No Cumprimento do Dever (Panini Comics)

    Gotham GPGC

    Ed Brubaker e Greg Rucka partiram de uma premissa interessante ao indagar como seria o contingente policial de Gotham City vivendo à sombra do Homem-Morcego. O resultado é uma revista que destaca personagens comuns vivendo em um cotidiano padrão, no qual a figura de Batman é vista com mística, sem explorar a personagem interiormente como em suas revistas mensais. A partir de dramas pessoais em meio a atentados e crimes de grandes vilões e bandidos comuns, a equipe de crimes hediondos de Gotham sobrevive diariamente nesta pesada rotina criminal. Com uma vertente narrativa genuína de histórias policiais, a equipe apresenta uma visão diferente deste universo tão explorado e querido do público.

    Here, There And Everywhere: Minha Vida Gravando os Beatles – Geoff Emerick e Howard Massey (Novo Século)

    Here There Everywhere - Minha vida gravando os beatles

    Na vasta bibliografia sobre The Beatles, dividida entre obras de jornalistas experientes, críticos renomados e personagens que pontualmente passaram pela carreira da banda, a biografia de Geoff Emerick é fundamental como uma figura de autoridade intrinsecamente ligada à banda. Responsável pela formatação da fase mais prolífica da carreira do quarteto, Emerick narra brevemente sua trajetória até conhecer a banda e nos brindar com informações daquilo que fizeram dos Beatles a banda por excelência: sua qualidade musical. Detalhes técnicos, informações e curiosidades são costuradas em uma prosa suave que nos coloca ao lado da intimidade do Fab Four sob a visão daquele que esteve acompanhando a progressão a cada ensaio e moldando o som da banda. A obra é prazerosa e nos aguça a ouvir de maneira diferente a discografia do quarteto.

    Superman – A Queda de Camelot (Panini Comics)

    Superman - A Queda de Camelot

    Publicada simultaneamente a outra grande saga de Superman, O Último Filho, esta Queda de Camelot é um longo épico dividido em duas partes. Conduzida por Kurt Busiek, um dos responsáveis pelas revistas do herói ao lado de Geoff Johns na época pós Crise Infinita no projeto Um Ano Depois. Trabalhando em linhas temporais de passado, presente e futuro, o autor cria uma história provável sobre um futuro apocalíptico ao mesmo tempo em que desenvolve o passado do vilão Arion e as crescentes ameaças do presente conhecido. O tamanho da série cria uma narrativa aventureira cíclica, composta de diversos ganchos e conduzida pela aventura, dando sequência à explícita homenagem a Era de Prata desenvolvida desde o primeiro arco de Um Ano Depois. Se O Último Filho é uma reflexão pretensiosa e fabular sobre passado e descendência, A Queda de Camelot faz da aventura o fio condutor.

    Dragão Vermelho – Thomas Harris (Record)

    Dragão Vermelho - Thomas Harris

    Um dos grandes vilões do cinema, Hannibal Lecter inicia sua trajetória nesta narrativa escrita em 1988. Thomas Harris explora com eficiência a psicologia de seu assassino e compõe um interessante laço entre o investigador Will Graham e o psicanalista canibal, o qual colabora no caso. Em um thriller psicológico aclamado por James Ellroy como um dos grandes livros do gênero, a história é pautada no desenvolvimento do caso e no suspense, demonstrando talento na composição narrativa ao criar densos personagens bizarros, inovando ao introduzir com esmero a mente criminosa em cena. Mais impressionante que esta trama é o fato do autor, após a sequência O Silêncio dos Inocentes, ter produzido duas obras sobre a personagem sem nenhum apelo e vigor equivalentes a esta obra inicial. Mesmo com uma carreira desequilibrada, Dragão Vermelho é uma narrativa impecável.

    Os Vingadores – O Mundo Dos Vingadores (Panini Comics)

    Vingadores - n 1 - Avengers World

    Responsável por assumir duas revistas dos Vingadores após oito anos sob comando de Brian Michael Bendis, Jonathan Hickman iniciava um novo ponto de partida para os Heróis Mais Poderosos da Terra, reconfigurando a equipe em sintonia com o novo processo editorial intitulado Nova Marvel. O Mundo dos Vingadores alinha novos e antigos personagens em uma renovada formação da equipe, ao mesmo tempo em que introduz novos vilões que seriam fundamentais para futuras sagas da editora. Sem medo da sombra do sucesso da passagem de Bendis, o arco é simultaneamente uma boa história como também funciona como um início para novos leitores.

    A Ditadura Envergonhada – Elio Gaspari (Intrínseca)

    Ditadura Envergonhada - Elio Gaspari

    Com intensa pesquisa em fontes diversas e uma prosa ensaística de primeira qualidade, Elio Gaspari produz uma das obras definitivas sobre a ditadura militar brasileira. Indo além da formalidade dos fatos, o autor insere um estilo narrativo próprio que aviva a época e os dramas dos conflitos vividos e seus delicados detalhes. Traçando um panorama da sociedade, observando tanto o movimento militar como os levantes contra o golpe, este é o primeiro volume de uma vasta obra sobre o período que, ainda este ano, ganha o último e definitivo desfecho.

    Batman: Cidade Castigada (Panini Comics)

    Batman - Cidade Castigada

    A saga Silêncio, anterior a Cidade Castigada, talvez tenha eclipsado a atenção voltada a esta história escrita por dois grandes parceiros: Brian Azzarello e Eduardo Risso. Se a anterior pretendia ser um grande épico em doze partes, apresentando diversões heróis e a galeria de vilões do Morcego, Cidade Castigada enfoca o Batman investigador em uma história mais eficiente e coesa que a de Jim Lee e Jeph Loeb. Gotham adquire contornos noir entre poesia e corrupção enquanto o roteiro foge de uma tradicional narrativa feita pelo morcego, acrescentando tanto uma reflexão erudita sobre a cidade quanto ampliando a limitação física do herói, sem contar uma improvável cena em que Bruce Wayne faz seu próprio jantar, desmitificando, com certo humor sem perder o tom sério da narrativa, os fatos cotidianos que o personagem, como um reflexo de um ser humano normal, executa todos os dias.

    Cidades de Papel - John GreenMenção Honrosa: Cidades de Papel – John Green. Considerando o público-alvo de sua narrativa, Green surpreende com uma história pontual sobre a transição entre a adolescência e o mundo adulto e uma percepção madura de um grupo de amigos. Um romance de formação que tem potencial para se tornar significativo no crescimento do leitor jovem.

  • Resenha | Here, There And Everywhere: Minha Vida Gravando Os Beatles – Geoff Emerick e Howard Massey

    Resenha | Here, There And Everywhere: Minha Vida Gravando Os Beatles – Geoff Emerick e Howard Massey

    here, the and everywhere

    A potência musical da banda The Beatles é uma afirmativa constante mantida pelo tempo. Naturalmente, aliados à sua excelência, há a força como produto cultural que movimenta o mercado. Mesmo após mais de 40 anos do final da banda, ainda há consumidores de informações sobre o grupo lançadas em obras fonográficas de releitura, shows comemorativos e lançamentos literários que apresentam a história do quarteto de Liverpool sob diferentes pontos de vista. Um fato impressionante sobre a potência da música em si.

    Lançado pela Novo Século, Here, There and Everywhere – Minha Vida Gravando os Beatles poderia ser mais um relato jornalístico de pesquisa formal com entrevista e depoimentos sobre a banda. Não fosse seu autor, Geoff Emerick, um dos profissionais que acompanharam boa parte da trajetória musical do FabFour e ainda foi responsável por intensificar a gama sonora produzida em diversos álbuns da banda.

    Em 480 páginas, o livro feito em parceria com o jornalista Howard Massey apresenta ao leitor uma breve biografia de Emerick e seu primeiro contato com a música através de uma coleção de vinis de música clássica e de como, aos 15 anos, já apaixonado por sonoridades, conseguiu um emprego na EMI como assistente de engenheiro de som, um cargo conhecido popularmente como aquele responsável por mexer os botões (oficialmente, é quem ajuda o engenheiro a calibrar o som para as gravações). Os primeiros capítulos pontuam seu amor pela música para compreendermos parte de sua criatividade quando, promovido a engenheiro de som dos Beatles, ele mergulha na função e vai além da sonoridade da época, sendo um precursor de novas texturas musicais.

    Geoff foi convocado oficialmente para trabalhar como engenheiro de som da banda no álbum Revolver. No prefácio da obra, o autor desenvolve uma cena de impacto nos apresentando, de supetão, a primeira vez que John Lennon lhe pediu uma sonoridade específica. Criativo e técnico, o engenheiro conseguiu desenvolver um sistema para dar ao cantor a voz profunda e distante da canção Tomorrow Never Knows.

    A maneira pela qual vê os Beatles é dividida entre o misticismo conhecido pelo público e a convivência nas gravações, que aos poucos proporciona a quebra deste símbolo apresentando as personalidades de cada um. Lennon impaciente e irônico; Ringo Starr tranquilo em seu canto; George Harrison inicialmente incomodado por não ser considerado um membro à altura dos outros; e um Paul McCartney amigável, o músico com o qual Geoff trabalharia em momentos futuros pós-banda.

    Na década de 1960, a captação sonora para um disco era um processo bem diferente do atual. Com poucos recursos na pós-produção, a sonoridade era definida durante as gravações, desde o uso de amplificadores em cada música até a configuração da mesa de som. A genialidade da banda se mantém, mas também o trabalho coletivo feito arduamente – e muitas vezes não aceito por todos – era parte primordial do processo. Muitos dos sons que o engenheiro gravou com a banda eram configurações que, oficialmente, o estúdio proibida. Demonstra-se, assim, a necessidade de quebrar regras ou paradigmas quando há a vontade de ir além, buscar algo a mais. Procurando alternativas e caminhos sonoros, como aproximar microfones mais perto dos aparelhos, microfoná-los em mais de um local, Emerick desenvolveu uma sonoridade própria para os Beatles que, naquele ponto da carreira, além de desejar mais autonomia, desejava experimentar tudo o que fosse possível. Não à toa, muito se questiona hoje sobre a qualidade intrínseca dos músicos, afinal, há uma gama de recursos e programas que transformam qualquer um em uma banda de sucesso.

    Como testemunha ativa da parte histórica que define o grupo, é impossível ouvir as canções após a leitura com a mesma objetividade. O autor comenta o humor interno do estúdio de diversas gravações, as propostas possíveis que foram descartadas, e nos presenteia com detalhes bobos como sons que vazaram despropositadamente e ainda são perceptíveis para ouvidos apurados.

    A edição lançada no país, com tradução de Renato Rezende, traz um prefácio de Elvis Costello, o qual trabalhou com Geoff em um álbum que redefiniu e aprimorou seu som. A linda capa brasileira é diferente da versão original, que possui uma foto dos Beatles em um fundo preto. A escolha de uma foto aérea com o nome do livro em diversos locais não é só condizente com seu título como deixa implícito um personagem oculto que, mesmo distante dos olhos do público, foi parte fundamental na construção das canções que conhecemos bem. O trabalho de Geoff foi premiado com um Grammy técnico por Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, e o engenheiro trabalhou com a banda até o último álbum, Abbey Road. Na década de 1990, também foi responsável por masterizar o material que gerou os três álbuns do Anthology, quando a banda abriu seu baú de takes alternativos e gravou, a partir de fitas de Lennon, duas novas canções.

    Diante da popularidade da banda e da procura sobre informações sobre esta incrível banda, a obra de Geoff, escrita décadas após seu convívio com o grupo, é riquíssima em informação e vai além de uma mera biografia. Talvez carregue a impressão de que seja uma obra somente para iniciados, porém é impossível encontrar um amante da música que negue a importância dos Beatles como banda. Mesmo que haja quem negue, sem dúvida as bandas preferidas desse alguém foram, direta ou indiretamente, influenciadas por Paul, John, George e Ringo.

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    Geoff Emerick