Tag: Yoko Ono

  • Crítica | Os Estados Unidos x John Lennon

    Crítica | Os Estados Unidos x John Lennon

    Se você algum dia já precisou remar contra a maré, conforme bem se refere essa expressão antiga ao fato de algumas vezes não podermos ser cordiais com algo predominante, seja lá o que for, você com certeza sabe o que John Lennon e Yoko Ono sentiram aos serem perseguidos pelo FBI, durante a conturbada década americana de 60. Aos mais desavisados, foi nesses idos que qualquer um que ousasse gritar “Não faça guerra, faça amor!”, nas terras governadas por Richard Nixon, não era bem-vindo por lá – de acordo com as palavras do próprio diretor do Escritório Federal de Investigações dos EUA, o polêmico J. Edgar Hoover. Nada mais atual.

    O medo nacional (lê-se: governamental) de perder a guerra do Vietnã era iminente, e o comitê político de Nixon não fazia questão alguma de esconder isso. O pânico institucional de ter vozes populares dentro do país incitando a população a não apoiar a guerra, e sim a harmonia na consciência civil do país e nas suas relações internacionais com o mundo todo era gigantesco, pois enfraqueceria as verdades do governo, revelando a mentira escondida em sua encenação de voz grossa, e pronunciamentos acalorados. A América não estava apenas contra o compositor da doce canção ‘Imagine’; a América estava numa guerra explícita com qualquer tipo de passividade que pudesse brotar naquela terra.

    Os Estados Unidos x John Lennon, de David Leaf e John Scheinfeld, é extremamente revelador e debatível não apenas sobre aquele cenário contraditório dos valores de um homem e sua voz, em paralelo à imoralidade de um desgoverno que quer jogar sua nação em choque com outros hinos, mas como essa lógica separatista e conflituosa em nada perdeu sua intensidade hoje em dia, e em nada ganhou elucidação sobre os malefícios de manipular a opinião pública sem escrúpulos algum em nome da soberania de uma causa política, ou partidária. Esse foi o egoísmo e a vilania de Nixon, repetido por Trump desde 2016 em terras americanas e nas suas relações destrutivas com o México e, praticamente, com qualquer outro país que não tenha inglês como sua língua mãe.

    Através de depoimentos e entrevistas inestimáveis, nota-se o quanto o espírito de Lennon seria necessário hoje em dia, principalmente nos EUA. Perseguido, examinado e pressionado direta e indiretamente para sair do país (“A América não precisa de almas tímidas que acreditam na paz!”, segundo uma declaração do próprio Hoover), o músico e sua eterna companheira protagonizaram e personificaram, sempre juntos e incansáveis, apesar de temorosos como qualquer um na situação deles, a resistência diante de um caos que eles se sentiram responsáveis e poderosos o bastante para desconstruírem com as bandeiras do amor, da união, da esperança, da fraternidade. Mais do que nunca, esse ideias foram revolucionárias e precisavam ressuscitar, e o documentário as elenca de forma divertida, e amplamente enriquecedora, tanto acerca da irresistível personalidade de Lennon e Ono, quanto á uma faceta bem sombria da história desse governo.

    Felizmente, o povo começou a perceber as mensagens ativistas a ecoar como símbolos de emergência, logo acima do desespero crescente dos chefes eleitos da nação. Entre mil encontros do mais famoso casal da música com jornalistas e outros grandes artistas da época, essa alma de esperança política começou a contornar intensamente a violência do governo não só externa, mas cada vez mais assolando o espaço interno dos Estados Unidos, criando revoltas e gerando, claro, mais retaliação. Os Estados Unidos x John Lennon explora com propriedade a filosofia de uma paz construtiva e muito mais poderosa que qualquer manipulação que venha do Estado possa ter, e traça um panorama bastante honesto sobre a real importância de um cidadão numa sociedade regida por leões que só pensam, ontem e hoje, no bem-estar da sua própria jaula.

    Facebook – Página e Grupo | Twitter Instagram.

  • Resenha | Here, There And Everywhere: Minha Vida Gravando Os Beatles – Geoff Emerick e Howard Massey

    Resenha | Here, There And Everywhere: Minha Vida Gravando Os Beatles – Geoff Emerick e Howard Massey

    here, the and everywhere

    A potência musical da banda The Beatles é uma afirmativa constante mantida pelo tempo. Naturalmente, aliados à sua excelência, há a força como produto cultural que movimenta o mercado. Mesmo após mais de 40 anos do final da banda, ainda há consumidores de informações sobre o grupo lançadas em obras fonográficas de releitura, shows comemorativos e lançamentos literários que apresentam a história do quarteto de Liverpool sob diferentes pontos de vista. Um fato impressionante sobre a potência da música em si.

    Lançado pela Novo Século, Here, There and Everywhere – Minha Vida Gravando os Beatles poderia ser mais um relato jornalístico de pesquisa formal com entrevista e depoimentos sobre a banda. Não fosse seu autor, Geoff Emerick, um dos profissionais que acompanharam boa parte da trajetória musical do FabFour e ainda foi responsável por intensificar a gama sonora produzida em diversos álbuns da banda.

    Em 480 páginas, o livro feito em parceria com o jornalista Howard Massey apresenta ao leitor uma breve biografia de Emerick e seu primeiro contato com a música através de uma coleção de vinis de música clássica e de como, aos 15 anos, já apaixonado por sonoridades, conseguiu um emprego na EMI como assistente de engenheiro de som, um cargo conhecido popularmente como aquele responsável por mexer os botões (oficialmente, é quem ajuda o engenheiro a calibrar o som para as gravações). Os primeiros capítulos pontuam seu amor pela música para compreendermos parte de sua criatividade quando, promovido a engenheiro de som dos Beatles, ele mergulha na função e vai além da sonoridade da época, sendo um precursor de novas texturas musicais.

    Geoff foi convocado oficialmente para trabalhar como engenheiro de som da banda no álbum Revolver. No prefácio da obra, o autor desenvolve uma cena de impacto nos apresentando, de supetão, a primeira vez que John Lennon lhe pediu uma sonoridade específica. Criativo e técnico, o engenheiro conseguiu desenvolver um sistema para dar ao cantor a voz profunda e distante da canção Tomorrow Never Knows.

    A maneira pela qual vê os Beatles é dividida entre o misticismo conhecido pelo público e a convivência nas gravações, que aos poucos proporciona a quebra deste símbolo apresentando as personalidades de cada um. Lennon impaciente e irônico; Ringo Starr tranquilo em seu canto; George Harrison inicialmente incomodado por não ser considerado um membro à altura dos outros; e um Paul McCartney amigável, o músico com o qual Geoff trabalharia em momentos futuros pós-banda.

    Na década de 1960, a captação sonora para um disco era um processo bem diferente do atual. Com poucos recursos na pós-produção, a sonoridade era definida durante as gravações, desde o uso de amplificadores em cada música até a configuração da mesa de som. A genialidade da banda se mantém, mas também o trabalho coletivo feito arduamente – e muitas vezes não aceito por todos – era parte primordial do processo. Muitos dos sons que o engenheiro gravou com a banda eram configurações que, oficialmente, o estúdio proibida. Demonstra-se, assim, a necessidade de quebrar regras ou paradigmas quando há a vontade de ir além, buscar algo a mais. Procurando alternativas e caminhos sonoros, como aproximar microfones mais perto dos aparelhos, microfoná-los em mais de um local, Emerick desenvolveu uma sonoridade própria para os Beatles que, naquele ponto da carreira, além de desejar mais autonomia, desejava experimentar tudo o que fosse possível. Não à toa, muito se questiona hoje sobre a qualidade intrínseca dos músicos, afinal, há uma gama de recursos e programas que transformam qualquer um em uma banda de sucesso.

    Como testemunha ativa da parte histórica que define o grupo, é impossível ouvir as canções após a leitura com a mesma objetividade. O autor comenta o humor interno do estúdio de diversas gravações, as propostas possíveis que foram descartadas, e nos presenteia com detalhes bobos como sons que vazaram despropositadamente e ainda são perceptíveis para ouvidos apurados.

    A edição lançada no país, com tradução de Renato Rezende, traz um prefácio de Elvis Costello, o qual trabalhou com Geoff em um álbum que redefiniu e aprimorou seu som. A linda capa brasileira é diferente da versão original, que possui uma foto dos Beatles em um fundo preto. A escolha de uma foto aérea com o nome do livro em diversos locais não é só condizente com seu título como deixa implícito um personagem oculto que, mesmo distante dos olhos do público, foi parte fundamental na construção das canções que conhecemos bem. O trabalho de Geoff foi premiado com um Grammy técnico por Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, e o engenheiro trabalhou com a banda até o último álbum, Abbey Road. Na década de 1990, também foi responsável por masterizar o material que gerou os três álbuns do Anthology, quando a banda abriu seu baú de takes alternativos e gravou, a partir de fitas de Lennon, duas novas canções.

    Diante da popularidade da banda e da procura sobre informações sobre esta incrível banda, a obra de Geoff, escrita décadas após seu convívio com o grupo, é riquíssima em informação e vai além de uma mera biografia. Talvez carregue a impressão de que seja uma obra somente para iniciados, porém é impossível encontrar um amante da música que negue a importância dos Beatles como banda. Mesmo que haja quem negue, sem dúvida as bandas preferidas desse alguém foram, direta ou indiretamente, influenciadas por Paul, John, George e Ringo.

    Compre: Here, There and Everywhere – Minha Vida Gravando os Beatles

    Geoff Emerick