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  • Review | Morte Súbita

    Review | Morte Súbita

    morte-subitaA minissérie de três episódios, produzida pela BBC One, é uma adaptação do livro homônimo de J.K.Rowling, publicado em 2012. Antes de continuar, é bom esclarecer que não li o livro. Assim sendo, não tenho como tecer comparações entre um e outro, por mais incoerente que seja comparar duas mídias diferentes. Mas sempre se espera que ao menos a essência da história seja preservada. Ao assistir à série, tinha apenas conhecimento do plot do livro: a morte de um membro do conselho paroquial (ou algo assim) abre uma vaga que é bastante disputada entre os habitantes da pequena cidade de Pagford, na Inglaterra.

    Por mais que se tente desvencilhar as obras literárias posteriores de J.K.Rowling do mega sucesso que foi a coleção Harry Potter, há sempre aquela pontinha de desconfiança de que, não sendo um Young Adult, a qualidade não se mantenha. Posso afirmar que escrevendo sob pseudônimo – Robert Galbraith, “autor” de O Chamado do Cuco – J.K.Rowling não decepcionou. E, mesmo que que não tenha cumprido as expectativas de muitos leitores, a história de Morte Súbita tem elementos bons o bastante para sustentar uma série televisiva. E, bem, para os saudosos de Harry Potter, um dos personagens principais nada mais é que Dumbledore, ou melhor, Michael Gambon, como Howard Mollison, outro membro do conselho paroquial.

    A própria Rowling afirmou que a série não seria exatamente uma adaptação do livro, o que talvez decepcione ou desagrade alguns dos leitores. Acredito que, para os que não leram o livro, a série funciona muito bem. Os personagens são bem construídos e as tramas secundárias se encaixam à principal de forma bem verossímil, sem furos aparentes.

    Barry Fairbrother, o ótimo Greg Kinnear (o primeiro-ministro britânico no episódio 1 de Black Mirror), é o protagonista e o narrador da história. É um dos habitantes mais queridos e respeitados do vilarejo – exceto por seu meio-irmão Simon Price (Richard Glover). Sua morte súbita deixa vaga uma posição no conselho, que passa a ser disputada ferrenhamente por três candidatos: Simon, Miles Mollison (Rufus Jones) – filho de Howard – e Colin Wall (Simon McBurney) -, diretor da escola local.

    O primeiro episódio é, obviamente, introdutório. Apresenta ao público a maioria dos personagens, mas foca principalmente em Barry, mostrando sua posição no conselho e seu relacionamento com os habitantes de Pagford.

    No segundo episódio, após a morte de Barry, os plots vão se desenrolando e os jogos de interesses começam a vir à tona, deixando a trama mais interessante e complexa. O espectador mais atento começa a perceber pistas sobre atividades e comportamentos dos personagens, ainda não explicitados totalmente. Apesar de, ao final, algumas pistas se mostrarem bastante óbvias, é sempre interessante ir seguindo as migalhas que os roteiristas – e, provavelmente, a autora – deixam à medida que a história avança.

    No terceiro episódio, finalmente ocorre a eleição do novo membro do conselho. Com um dos candidatos desacreditado pelo “fantasma” de Barry, a disputa entre os outros dois é bastante acirrada. E a vitória de um deles dá-se por um evento quase cômico, apesar de previsível. O que se segue, a exemplo de desfechos de novelas, é uma série de revelações (algumas nem tão surpreendentes assim) que selam o destino das personagens da pequena vila.

    O elenco tem uma atuação excepcional, com destaque especial para o núcleo adolescente, que tem papel bastante importante na trama. A fotografia não tem nada de excepcional, mas cumpre bem a missão de acompanhar o clima de história de forma a fazer o espectador se sentir morando em Pagford.

    Não sei dizer se o livro é melhor, pior, ou se apenas diferente. Mas a série, que consegue em meio ao drama encaixar ótimos momentos de humor negro (às vezes nem tão negro), vale as quase três horas passadas em frente à TV.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Review | Sherlock S03 E03 – His Last Vow

    Review | Sherlock S03 E03 – His Last Vow

    sherlock-his-last-vowO episódio derradeiro do terceiro ano, dirigido por Nick Hurran (do filme Coisas de Meninos e Meninas e de Doctor Who), faz referência óbvia ao conto denominado O Último Adeus de Sherlock Holmes, onde o Detetive contaria o seu último caso cronológico, ao menos até a data do lançamento. Como uma lente sem foco, o espécime começa mostrando um interrogado sem seus óculos, tal sujeito já havia aparecido em sua silhueta em momentos anteriores deste ano. Sua figura finalmente ganha contornos reais e ele faz uso de alta tecnologia para praticar seus “atos”.

    Mister Charles Magnussen, interpretado pelo dinamarquês Lars Mikkelsen é um sujeito frio, calculista, e sedutor, a sua maneira, que tem poderes enormes no campo das chantagens, mantendo-se acima de qualquer trivialidade humana, em suspenso, como um inatingível vilão e que só poderia ser vencido por um adversário tão altivo quanto ele, que seria, claro, o detetive de Baker Street, que consegue não ser enquadrado até completar-se mais de dez minutos de sua série homônima.

    Encontrado por Watson (Martin Freeman) em um ninho de drogados, Sherlock (Benedict Cumberbatch) dá um sentido gonzo às inserções em seus casos, se drogando e levando broncas dos membros do laboratório onde trabalhava, especialmente Molly (Louise Brealey). Curiosamente, após todo esse imbróglio ele é alocado para o caso insolúvel de Magnussen, passando por cima do membro mais importante da família e antigo nome pelo qual respondia o governo britânico, a inversão de papéis obviamente irrita Mycroft (Mark Gatiss), mas o que mais surpreende é a adição de Janine (Yasmine Akram) à rotina de Sherlock, como parceira sexual. A persona de Holmes ainda guarda muitos mistérios.

    Assim como na história primária, a trama do guião envolve a segurança internacional e a grande possibilidade de uma guerra de proporções catastróficas. O elegante nêmese se mostra um rival muito próximo do que chegou a ser Jim Moriarty, mas sem o seu carisma, sem a personalidade magnética. Sua capacidade de dedução chega a superar a de Sherlock, ainda que ele lance mão de itens tenológicos que elevam as suas já grandes capacidades de detecção, simbolizadas pelos óculos, um objeto comum aos homens a séculos e utilizado por qualquer um que necessite corrigir uma falha orgânica referente a um sentido básico. O cuidado do roteiro com seus signos permanece afiadíssimo e se aprimora cada vez mais. No entanto, o maior paradigma da série prossegue, pois Holmes trabalha seus casos em cima da falha humana.

    O cérebro do Detetive é tão absurdamente bem desenvolvido que ele é capaz de analisar tudo a sua volta de modo muito veloz, e até retardar o que seria um ferimento fatal, tudo para prosseguir desvendando o mistério deveras incomum que se apresenta a ele. A viagem do protagonista ao porão de sua alma, simbolizado por uma sala acolchoada onde habita o seu rival falecido é uma das melhores sacadas de roteiro do seriado. É a preocupação com seu velho amigo que o faz lutar para não morrer, que ocasiona seu retorno ao mundo dos vivos.

    Para o leitor atento ao estudos do cânone de Conan Doyle deve lembrar da teoria de que John Watson teria tido uma segunda esposa, após Mary Morstan ter falecido – tal teoria é subvertida para algo maior, mais dramático e penoso, envolvendo a nova senhora Watson (Amanda Abbington) como parte integrante da misteriosa teia de crimes investigada pelo detetive consultor. Tudo fica mais pessoal, mais íntimo, até o ponto em que tudo que significa algo para a dupla torna-se frio e absolutamente calculado, o que era pessoal torna-se impessoal a partir daí.

    O vilão volta com ainda mais força, demonstrando uma onipotência incômoda para alguém que ocupa o cargo de “quarto poder”. O conhecimento vasto de Magnussen se mostra intransponível, até para Sherlock, e diferente dos contos canônicos, dessa vez o protagonista não está acima da trama, mas sim inserido nela, ele não consegue mais desmontar o esquema como antes fazia, ele é falho, como todos os humanos que ele tanto renegou e para vencer teve de descer ao nível dos outros seres e cometer o ato mau mais mundano e comum ao homem – o assassinato. Na triste partida de Sherlock ao exílio, ele dá o seu adeus a Watson dizendo que o jogo nunca acaba, e o que muda são os jogadores, mas antes que ele pudesse finalmente se ausentar, há uma reaparição do maior dos ardis de Holmes, aumentando e muito as expectativas para a quarta temporada, que somente será exibida em 2016.

  • Review | Sherlock S03 E02 – The Sign of Three

    Review | Sherlock S03 E02 – The Sign of Three

    sherlock-s03-e02-the-sign-of-threeO prólogo do segundo episódio exibido em 2014 inicia-se com a companhia de Lestrade (Rupert Graves) tentando pegar uma quadrilha que costuma meter a mão em milhões de libras, até que o inspetor de polícia é interrompido pelo chamado de Sherlock (Benedict Cumberbatch), que o pede para ajudá-lo a contar uma piada a respeito de Watson (Martin Freeman), já que ele é o padrinho do médico em seu casamento – invenção interessante, uma vez que O Signo dos Quatro, é o romance em que John conhece Mary Morstan (Amanda Abbington), que viria a ser sua esposa, na versão moderna, o seu casamento encaixa muito bem na adequação das intenções do cortejante, sem falar que é uma oportunidade ímpar de brincar mais uma vez com a inadequação de Holmes diante de outros humanos.

    O conflito mais interessante de Sherlock, até então é com o infante Archie, filho de uma das madrinhas, que o Detetive fez questão de investigar, visto que há nele uma curiosidade grande com relação ao background de seu parceiro. Incrível como alguém que parecia conhecer tão bem seja um completo mistério em nível pessoal. A mudança do número na alcunha do episódio representa bem o ápice do nervosismo de Sherlock, por ter de conviver com a situação de estar em uma relação a três.

    Logo é mostrado que Sherlock tem dificuldades em realizar discursos, falar para um público grande e, claro, demonstrar sentimentos. Ao invés de fazer de uma vez a oração que preparou, ele faz um preâmbulo, descrevendo os momentos posteriores ao anúncio de que seria o “best-man”, e a sua maneira condescendente e cínica, ele se declara ao amigo, rasgando os elogios que seriam possíveis a uma alma tão perturbada quanto a sua. Ele chega a tirar lágrimas sinceras da plateia antes de começar a fazer os comentários engraçados, baseados claro em seus posts de blogs.

    Toda a argumentação é eufemística, busca fingir que Sherlock não sente que a rotina piorará após o casamento entre Watson e Morstan, e a noiva, preocupada com bem-estar do consultor fala para seu futuro cônjuge achar logo um caso que ocupe a mente do preocupado solitário. Logo a dupla se vê no rastro do Major James Sholto (Alistair Petrie) antigo comandante de John no Afeganistão, que tem uma mancha no passado demasiado espinhosa. Ao se meter numa clandestina procura, metendo ele e seu amigo veterano de guerra em um estranho caso de agressão no interior de um prédio militar, que parecia um suicídio. A partir daí, ele conta a história do tal soldado, unicamente para mostrar o valor do homem que subia ao altar, e que salvou a vida do sujeito, mesmo que ele não poupe o público de detalhes mórbidos da história.

    A fala de Sherlock é tão apreciada, que ele começa a contar outro caso, um em que ele e John se entorpecem de álcool e acabam entrando em uma investigação que envolve algo pseudo-espiritual, que se prova uma história de infidelidade, algo pouco aconselhável para se contar em meio a celebração de um sagrado matrimônio, mas que não é contado por mera coincidência. A direção de Colm McCarthy ajuda a grafar todo esse caos instaurado.

    Como se espera, Sherlock acaba deixando de lado sua oração para resolver a questão que permaneceu em aberto todo esse tempo, não resolvendo o caso antes de se declarar novamente ao seu amigo, mostrando o quão válido é para ele ser um homem importante na vida do noivo, valorizando os amigos de Watson no passado. Após revelar o temível vilão, ele volta as suas atenções para o cerimonial, tocando uma de suas composições no violino, numa das poucas demonstrações de carinho e afeto que foi capaz de fazer em toda a extensão de sua vida. A mensagem final do episódio é de despedida dupla – na verdade tripla, já que este é o número preponderante do episódio, tal tônica corre todos os episódios da temporada, contrastando com a ideia de retorno do desaparecido.

  • Review | Sherlock S03 E01 – The Empty Hearse

    Review | Sherlock S03 E01 – The Empty Hearse

    sherlock-s03-e01-the-empty-hearseApós o já previsto hiato de dois anos – quase o mesmo tempo do cânone – e após uma introdução pautada na comédia (Manny Happy Returns), onde seria o personagem de Jonathan Aris, Anderson, seria completamente remodelado, um sujeito crédulo, que procurava avidamente rastros de Sherlock pelo mundo – além disto, o prólogo contém uma mensagem em video-tape, contendo um desejo de feliz aniversário ao nobre médico, além de uma promessa de retorno. O início do episódio em si repete os aflitos minutos finais da segunda temporada, ainda que de modo diferenciado, com um forte teor de teoria da conspiração, de cumprimento inverossímil, mas deveras significativo e engraçado pelo deboche com que é feito.

    O foco do programa é obviamente no retorno do Detetive (Benedict Cumberbatch), que permanece tendo a moralidade de suas “ações” discutida. A série de Steven Moffat retorna com direção de Jeremy Lovering. John Watson (Martin Freeman) parece abatido, deixou um bigode crescer, talvez para tentar se equiparar em velhice a sua contra-parte literária. Ele claramente sente muitíssima falta de seu parceiro, e esqueceu tudo e todos, inclusive sendo relapso com a governanta, senhora Hudson (Una Stubbs).

    Sua primeira fala espirituosa é a declaração de sua heterossexualidade, ao afirmar que casará – é incrível como essa piada segue engraçadíssima. A edição segue frenética e video-clíptica, garantindo mais ótimos momentos de humor absoluto, como a cena em que Holmes finalmente encontra Watson, bem quando este pedirá a mão de sua noiva em casamento. O reencontro, quando acontece é súbito e emocionante, tão indelicado e sem tato quanto as investigações sherloquianas, mas o clima fúnebre é quebrado por mais uma série de tiradas cômicas. O tempo demasiado gasto nas explicações e teorias é tão extenso quanto no conto, A Casa Vazia, publicado na Strand Magazine em outubro de 1903.

    Após uma trama não muito complicada, envolvendo o sequestro de seu amigo, Sherlock se lança desesperado ao encontro do perigo, para ver seu companheiro em segurança mais uma vez, trama esta que daria lugar a uma ainda maior. Antes dessa apresentação formal, há um breve momento de reencontro entre o investigador profissional e seus idosos pais, em mais um momentos cujo humor ácido (e até inconsequente) predomina.

    O antagonista, Coronel Moran é substituído nesta versão por um Lord, um importante membro do parlamento, maximizando assim sua capacidade destrutiva, dando um significado ainda mais político aos seus atos e aumentando a importância de seus malfeitos, ainda que eles permaneçam tão destrutivos e explosivos quanto no original. A chegada da iminente morte, os dois parceiros se veem sem mais nada além da companhia um do outro, e a mágoa pelo abandono escorre pelas palavras do médico, para logo depois vir o perdão. Após o emocionante “epitáfio” o drama da morte é explicitado, mostrando uma teia de ações complicadas, que apesar de friamente arquitetada, contém muito simbolismo emocional, e claro uma teatralidade que faz toda a explicação mostrada por último ser discutível em relação a veracidade e conteúdo conspiratório.

    As postagens de Watson continuam incomodando o sociopata funcional, tanto por seu caráter fantástico, quanto pelo ludismo excepcional, presente na distância entre os relatos romantizados e a realidade factual. O roteiro de Steven Moffat e Mark Gatiss consegue angariar todo o sentimento de alívio que o público sentiu ao ver seu herói retornar as páginas de seus contos, e a transferência desta expectativa para o episódio da TV é feito em grande estilo, superando as expectativas de todo o público que consome a programação da BBC One e elevando o nível das produções televisivas britânicas, fazendo desta algo que em nada deve aos sub-produtos da HBO.