Tag: Rachel McAdams

  • Critica | Festival Eurovision da Canção: A Saga de Sigrit e Lars

    Critica | Festival Eurovision da Canção: A Saga de Sigrit e Lars

    A trama de Festival Eurovision da Canção: A Saga de Sigrit e Lars começa em Husavik, na Islândia, no ano de 1974, onde uma família celebra alegremente uma reunião familiar, enquanto o pequeno Lars se sente sozinho, por conta da ausência de sua mãe. Aos poucos é mostrado que ele é um sujeito menosprezado pelos seus, exceção feita a jovem Sigrit. Aqui, se percebem rusgas com Erick Ericksson (Pierce Brosnan), seu pai, além do desejo de ser levado a sério e vencer a competição Eurovision Song Contest.

    O longa de David Dobkin é mais uma produção onde Will Ferrell vive seu personagem clássico, o homem ingênuo e subestimado que tenta ganhar notoriedade. Com menos de dez minutos se estabelecem os sonhos de grandeza e glamour do protagonista, além de uma parceria (e amor platônico) junto a bela e talentosa Sigrit, de Rachel McAdams, e como de costume, somos apresentados ao fracasso que ele é.

    O choque geracional é muito presente, Lars e Erick seguem tendo atritos quando adultos, muito por conta da natureza turrona da figura paterna, um homem simples, pescador, que tira seu sustento do trabalho duro, enquanto seu filho é mole e tenta seguir o sonho artístico juvenil que jamais foi rentável. A chance que a banda de Lars tem seria vencer o festival para que seu país fosse sede no ano seguinte.

    Dobkin junta sua experiência em conduzir comédias como Bater ou Correr Em Londres e Penetras Bons de Bico, além da tradição que tem como realizador de videoclipes para empregar um humor pastelão, preocupado em dar voz às minorias unido a elementos típico dos musicais.

    Toda a trajetória da dupla de protagonistas passa por percalços, desde o receio em ser encarados como piada, até a escolha de Lars pelo celibato por conta da dedicação à música. Mesmo que o filme não se leve a sério existe um número considerável de mensagens de aceitação e tolerância que não soam deslocadas do resto da obra.

    Há no filme um caráter semelhante a Zoolander, em especial no que toca a sexualidade de alguns personagens, como o Alexander Lemtov (Dan Stevens), o cantor russo que atravessa o caminho do quase casal Lars e Sigrit. Toda a cor, o glamour e as luzes denotam o quanto a dupla estava certa em insistir no sonho que nutriam ao longo da vida, apesar de todas as circunstâncias e bom gosto bradarem contra isso. Ferrell normalmente faz filmes bobos e toscos, e esse é mais um deles, mas ainda assim possui um diferencial, algo mais lúdico e mágico. O roteiro de Ferrell e Andrew Steele consegue variar bem entre a comédia rasgada e os momentos de celebração e aceitação soando como uma celebração dos frágeis e excluídos.

    https://www.youtube.com/watch?v=Dq30kOAJzzI

  • Crítica | Desobediência

    Crítica | Desobediência

    Sebastián Lelio chamou a atenção do mundo todo no ano de 2017 com o seu importante Uma Mulher Fantástica, o filme ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e faz história até hoje. Agora, o cineasta estreia em Hollywood com outro olhar acerca da sexualidade em Desobediência, um filme brilhantemente fiel a seu título.

    Ronit (Rachel Weisz) é fotógrafa em Nova York e precisa retornar a sua cidade natal depois da morte de seu pai, um rabino, mas Esti (Rachel McAdams) uma amiga do passado e que agora está casada com Dovid (Alessandro Nivola) desperta um romance antigo entre as duas e as regras dessa família judaica ortodoxa passam a ser enfrentadas.

    É clara a importância que o diretor dá às suas personagens, os planos geralmente fechados e silenciosos criam conexões muito íntimas com o elenco, esse que parece muito afiado com a direção de Lelio que prioriza gestos e demarcações físicas a seus diálogos, o que faz com que todos os sentimentos retidos e proibidos pelas personagens tenham protagonismo, tanto quando não aparecem e sabemos que estão lá, quanto aparecem e reconhecemos a força deles.

    O filme também se prova complexo na decisão de fazer de Desobediência não apenas um filme sobre romance proibido. Não é tão simples assim. As personagens têm um passado e ele se justifica pelo desenvolvimento de todo o enredo, principalmente dentro do contexto religioso que se passa a história. O papel de Nivola é o responsável por trazer esta nova camada, o local onde seu personagem se encontra é muito propício para narrativas já conhecidas, como um marido babaca, por exemplo, mas não, sua trajetória é muito mais proveitosa e significativa do que isso, sua relação direta e quase contrária a de Ronit com o falecido pai, bastante forte e chave para a temática do longa.

    Já Weisz e McAdams têm uma química belíssima, a crescente que leva à explosão da paixão das duas é muito delicada e crível, assim como quando o filme nos lembra o quão grandiosas são as decisões tomadas em um ambiente tão conservador, isso traz individualidade às personagens, fazendo presente a dureza de suas escolhas, tanto passadas quanto do presente. E como o filme se mostra muito mais sobre as desobediências do passado do que àquelas que ocorrem em tela. Um retrato quase subjetivo.

    Lelio fala sobre família, as que a vida nos permite escolher e as que nos são naturais; sobre as regras cotidianas e quais deveríamos quebrar; sobre religião e o quanto ela pode ser genuinamente o pilar de nossas vidas, mas quando devemos esquecê-la. E falando sobre tudo isso, o longa fala acima de tudo sobre amor, o amor de duas mulheres e o que veio e vem junto dele.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

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  • Crítica | A Noite do Jogo

    Crítica | A Noite do Jogo

    Se há um gênero capaz de gerar discussão no cinema, esse gênero é a comédia. Humor é algo complicadíssimo de ser feito. O que é engraçado pra um, é chato para outro. Faça uma reflexão: quantas vezes você já contou uma piada que parecia ser engraçadíssima, mas que ninguém acabou rindo? Pois é. Agora aplique essa reflexão para o cinema. Pois é justamente no mais melindroso dos gêneros que A Noite do Jogo se aventura. E verdade seja dita: o resultado dessa viagem é dos mais divertidos.

    No filme escrito por Mark Perez e dirigido pela dupla de John Francis Daley e Jonathan Goldstein (roteiristas do ótimo Quero Matar Meu Chefe e do péssimo reboot de Férias Frustradas), somos apresentados ao casal Max (Jason Bateman) e Annie (Rachel McAdams). Extremamente competitivos, os dois se conhecem durante um quiz em um bar e se apaixonam perdidamente. Após se casarem, Max e Annie se tornam anfitriões de noites semanais de jogos onde reúnem os amigos para se divertirem e competirem entre si. Porém, numa dessas noites de jogos, o irmão mais velho (e babaca) de Max aparece repentinamente e as coisas já começam a desandar. Após tirar muita onda com a cara do caçula, Brooks (vivido por Kyle Chandler) desafia os amigos para uma noite de jogos definitiva: reunidos em sua mansão, terão que resolver um mistério que envolve um sequestro e um assassinato, tudo orquestrado por uma empresa de jogos, tal e qual o ótimo suspense Vidas em Jogo (dirigido por David Fincher e estrelado por Michael Douglas e Sean Penn). Porém, as coisas não vão ser tão simples assim.

    Qualquer coisa que eu disser a mais sobre a trama pode vir a estragar alguma surpresa ou circunstância engraçada do filme. O roteiro de Mark Perez é muito bem amarrado e equilibra suspense, comédia e ação nas doses corretas. É muito interessante observar que o humor negro que permeia a trama não parece forçado em nenhum momento. Outro ponto interessante é a forma como o filme arranca boas risadas de algumas situações bem peculiares, tais como remoção de uma bala do braço de um personagem e os constrangedores diálogos entre o casal de protagonistas e o sinistro vizinho policial vivido por Jesse Plemons. Aliás, é na casa desse vizinho uma das sequências mais engraçadas envolvendo Max, um cachorro e um memorial para uma pessoa falecida. Entretanto, o roteiro não é tão simples como pode parecer. Pelo contrário, a trama vai se desdobrando e apresentando novas e mirabolantes situações que poderiam tornar o filme confuso à medida que fosse avançando. O que ocorre aqui é exatamente o oposto. Tudo é solucionado de forma natural, ainda que de forma mais ou menos mirabolante.

    A direção inspirada de John Francis Daley e Jonathan Goldstein ajuda na fluidez do desenrolar da trama. Geralmente, um roteiro com tantos desdobramentos como o de A Noite do Jogo acaba sendo nocivo até mesmo para um diretor experiente. No caso da dupla, esse é apenas o segundo longa metragem que dirigem, mas Daley e Goldstein mostram maturidade de veteranos. O ritmo frenético que imprimem prega o espectador na poltrona, pois as sequências de ação muito bem orquestradas, com destaque especial para um jogo de “bobinho” que ocorre dentro de uma mansão e com um Ovo Fabergé. Destaca-se ainda, algumas transições de cenas que são feitas de forma a emular um jogo de tabuleiro. Já na parte cômica, o timing dos diretores é certeiro em vários momentos. A dupla ainda consegue arrancar atuações inspiradíssimas do elenco, com um destaque todo especial para Jesse Plemons (de Black Mirror). Sua interpretação para o vizinho policial viúvo atormentado é ao mesmo tempo engraçadíssima e perturbadora.

    Grata surpresa de 2018 até o momento, A Noite do Jogo acerta em cheio ao equilibrar na dose certa humor negro, suspense e ação. Indo mais adiante, creio que já temos um forte candidato ao melhor filme de comédia do ano.

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  • Crítica | Doutor Estranho

    Crítica | Doutor Estranho

    doutor-estranho

    A popularidade da Marvel nos cinemas é tanto que as abordagens dos heróis dentro do MCU  não necessariamente passam pelos personagens mais populares. Ao mesmo tempo em que o Hulk parece não ter perspectivas de mais uma aventura solo, Guardiões das Galáxias foi um sucesso e terá uma continuação em breve. O Doutor Estranho que em breve estreará é um caso curioso, por morar em dois limbos, sendo o primeiro entre a grande importância que o personagem no background da editora ao passo que não é tão popular quanto Thor, Capitão América e companhia, e o segundo por estar este presente na face mágica dessa nova versão em audiovisual da Casa das Ideias.

    O longa começa com um epílogo mostrando um pouco do novo cenário a ser explorado estabelecendo a rivalidade entre a figura a Anciã vivida por Tilda Swinton ( papel que originalmente era de um sujeito oriental envelhecido) e um mago das trevas Kaecillius (Mads Mikkelsen), que lidera por sua vez um grupo de magos transgressores. Logo as tramas se cruzam, com um Benedict Cumberbatch que vive um exímio neuro cirurgião, falastrão, egocêntrico, vaidoso e egoísta. Ciente dos seus dotes, o comportamento dele é por vezes é mais arrogante do que brilhante, fator que faz afastar seu par, a bela doutora Christine Palmer (Rachel McAdams), até que algo terrível acontece.

    O acidente que faz o personagem perder seu ofício o obriga a tentar se reinventar e essa virada poderia ter tornado o filme em algo épico por completo, mas isso não chega a alcançar um êxito indiscutível. Stephen Strange passa por muitos problemas, perde sua fortuna, seu respeito próprio e passa a acreditar até em possibilidades não pragmáticas, mas essa jornada de redução de expectativas e reconstrução de caráter não faz dele o candidato ideal para uma missão tão grandiosa, ao menos não de maneira tão categórica como mostra o argumento.

    Scott Derrickson pega emprestado alguns efeitos especiais de A Origem de Christopher Nolan, em especial no início e na demonstração de poder da Anciã. Isso deixa de ser um problema no decorrer do filme. Alguns visuais de personagens soam meio bobos, variando entre uma versão mais cara e melhor colocada de Mortal Kombat, além de tentar capturar também os aficionados por Assassins Creed, utilizando algumas vezes o figurino de capuzes e lutas rápidas, usando e abusando da técnica parkour.

    A salvação do longa-metragem certamente é a presença de espírito de seu personagem principal. A personalidade de Strange nos quadrinhos se assemelha demais ao que Robert Downey Junior fez em Homem de Ferro, e Cumberbatch consegue equilibrar algumas dessas características canônicas com novas, tendo um senso de humor fino e direto. O deslumbre visual faz o filme crescer muito em conceito. Há muitos problemas de incongruência, desde elementos Deus Ex Machina até coincidências que poderiam facilmente ser podadas, mas nada que avilte tanto quanto havia ocorrido na filmografia recente de Derrickson. Doutor Estranho consegue usar muito da fórmula da Marvel Studios, sendo ainda um filme de origem competente, carismático e memorável ao ponto de fazer seu espectador achar divertido mas não indispensável.

  • Crítica | Spotlight: Segredos Revelados

    Crítica | Spotlight: Segredos Revelados

    Spotlight 2

    A preocupação de Tom McCarthy em emular Alan J. Pakula em Todos Os Homens do Presidente é tamanho que todo o visual da redação do Boston Globe faz lembrar os clássicos momentos em que os repórteres setentistas desvelaram o Watergate. Nada à toa, mas os esforços de Spotlight Segredos Revelados são bem maiores do que uma simples cópia, apesar da clara aproximação dramática entre a fita de 1976 e esta.

    O plot se inicia com a aposentadoria anunciada de Walter Robby Robinson (Michael Keaton), e segue a partir dos seus últimos esforços enquanto chefe de um pequeno grupo de jornalistas, tendo como base uma acusação de corrupção envolvendo uma das instituições mais tradicionais no país, tocando em pecados graves e tradicionalmente associados ao catolicismo romano moderno. A manutenção do tabu é exatamente o inverso do ideário dos homens e mulheres que formam a equipe de Robby, e um extensivo trabalho conjunto se inicia já nos primeiros minutos de fita.

    O grupo de jornalistas, não necessariamente subordinados ou diretamente ligados a Robinson, formado por Ben Bradlee Jr. (John Slattery), Marty Baron (Liev Schreiber), Michael Rezendes (Mark Ruffalo), Matt Carroll (Brian d’Arcy James) e Sacha Pfeiffer (Rachel McAdams) é muito bem desenvolvido, com momentos únicos de brilho para cada personagem e intérprete. É no desenrolar dos depoimentos das vítimas que mora a maior emoção do roteiro baseado em fatos de McCarthy e John Singer (Quinto Poder), já que nas declarações dos antigos infantes abusados mora não só o trauma pelo temível abuso, bem como a morte de sua fé em uma crença maior, tirada de seu imaginário sem qualquer possibilidade de escolha ou refuto.

    Há um cuidado em registrar nuances e diferenciações básicas no comportamento dos entrevistados, mostrando como tais violências podem afetar homens e mulheres adultos, marcados tão fortemente em uma fase em que o ethos e a sexualidade não foram desenvolvidos. Desde sujeitos absolutamente inseguros e retraídos, até homens broncos, passivos, ativos, agressivos e mais dóceis, todos são marcados na alma. Os detalhes incluem até jogos de falsidade em níveis de aceitação e falácias por parte dos abusadores que visavam aproveitar-se da carência de meninos, incluindo os comumente excluídos por identificarem cedo a homossexualidade latente, e que viam nos sacerdotes o primeiro sinal positivo para sua orientação sexual, claro, pautados no engano mesquinho.

    A gravidade da situação faz unir dois comunicólogos de perfis diferentes, uma vez que Rezendes procura Mitchell Garabedian (Stanley Tucci) para ajudar a popularizar a causa através dos meios de comunicação por rádio. O impressionante dentro do proceder dos atores, em especial de Schreiber e Tucci, é a discrição e silêncio que produzem, gerando gama de emoções de modo comedido e nada histriônico. A contenção da indignação é algo comum também às personagens de McAdams e Ruffalo especialmente, já que a distância para o estourar da repulsa com a ética da apuração dos fatos é um aspecto em que a passionalidade deve, ao menos em tese, não fazer parte do conjunto de fatores que compõem a denúncia.

    Spotlight 3

    Alguns dos investigados demonstram uma atitude estranha, por vezes assumindo a responsabilidade por seus atos, mas sem conseguir expressar culpa, já que a rede de agressão é antiga, passando de geração a geração e  causando um impacto de normalização assustador, aspecto tão amedrontador quanto a letargia paralisação anestésica apresentada por alguns ex-padres, que em sua senilidade não conseguiam enxergar a extensão de suas graves transgressões, que atingiam tanto a Deus quanto aos homens criados à imagem e semelhança do primeiro.

    Há um mérito enorme na direção econômica de McCarthy, já que o realizador sabe dosar um roteiro que se desembrulha de modo gradativo e pontual, além de equilibrar como poucos um elenco tão multi talentoso e de perfis tão diferenciados. Conduzir um Michael Keaton pós Birdman e em um papel completamente diferente, mas igualmente exigente, não deve ter sido uma tarefa das mas fáceis, e o ator só brilha graças a toda a base que a fita lhe dedica, bem como Ruffalo só consegue exercer seu repórter inquieto graças à urgência de um assunto bem conduzido.

    A duração do filme faz o texto e abordagem amadurecerem ainda mais, fazendo um eco narrativo com as atitudes de seu protagonista, que nos primeiros dois terços permite aos seus subalternos fascinarem o público, com a procura e as descobertas dos sujos segredos sagrados. O arremate é inteiro de Walter, que se torna cada vez mais agressivo em sua abordagem, servindo como o canto de um cisne, a despedida silenciosa de toda uma carreira bem combatida. A composição da comparação metalinguística é tão cabível que se torna um crime achar que tais fatores casam por coincidência e não planejamento, já que Robinson e Keaton se misturam em uma intimidade muito maior do que a simplicidade de personagem e intérprete.

    A condução é elegante e correta, faz deslanchar uma história repleta de terríveis acontecimentos trazidos à luz em um momento de crise externa no país. Spotlight mostra parafilias terríveis de pessoas ditas normais, e que são comumente protegidas por um verniz social terrível. A cena final na redação da Boston Globe encerra o ciclo de trabalho e negligência de modo redentório, emocional e denunciativo, sob equilíbrio distante demais do comum a obras laureadas.

  • Crítica | Tudo Vai Ficar Bem

    Crítica | Tudo Vai Ficar Bem

    Tudo Vai Ficar Bem - poster

    O único motivo por sermos tão apegados as memórias é que, por mais que as pessoas tenham mudado, elas não mudam, e é dessa lógica que parte Tudo Vai Ficar Bem, novo filme do aclamado diretor Wim Wenders.

    Na trama, James Franco interpreta Tomas Eldan, um escritor com bloqueio criativo que tem sua vida transtornada repentinamente após atropelar um garoto. Ao longo da década pela qual a situação, direta e indiretamente, se estende, Eldan enfrenta um relacionamento em crise, uma profunda depressão e uma mãe em luto. O elenco ainda é composto por Charlotte Gainsbourg, Marie-Josée Croze, Rachel McAdams e Peter Stormare.

    A consolidação de Wim Wenders no cenário internacional se deu pela sua ousadia ao experimentar estilos e gêneros completamente diferentes um do outro. Anti-naturalista que é, alivia todo tipo de sentimentalismo hiperbólico, sempre construindo um tipo de romance em tela, ideia enfatizada pelo talento único no posicionamento das câmeras, captando uma poesia visual do cotidiano.

    Aqui, porém, a estrutura não alcança um resultado satisfatório, mesmo com uma narrativa “em diálogo”, iludindo o interno do personagem com a realidade em si, e explicitando o conceito através do uso exagerado que faz da luz do sol, sendo essa uma passagem entre as ideias do “romance” na cabeça do protagonista e os acontecimentos em si. E são essas passagens que, ao passo que dão uma composição deslumbrante ao visual estético do filme, tiram parte de sua consistência, espaçando momentos gloriosos com cenas desnecessariamente longas que morrem em fades negros.

    Porém, mesmo mantendo um tom pesado e melancólico, o filme acaba por se tornar uma sequência de reviravoltas condensadas, semelhantes a uma encenação teatral forçada. Falta fluidez para que a história se desenvolva sem cair em conflitos previsíveis. Conflitos esses que se resolvem de maneira exageradamente rápida e nada palatável.

    Mesmo com uma metáfora alusiva implícita, o estudo e a reflexão sobre a passagem do tempo e das lutas diárias para conviver consigo mesmo se apresentam de forma rasa e simplista demais, conceituando alguns gatilhos para, de forma pretensiosa, alcançar a total cumplicidade do espectador, evitando todo e qualquer tipo de questionamento que não seja o apresentado.

    Texto de autoria de Matheus Mota.

  • Crítica | Nocaute

    Crítica | Nocaute

    Nocaute 1

    A consequente trajetória do inconsequente e metido lutador poderia render um enredo e uma construção de personagem interessante, que fugiria aos estereótipos já vistos em Rocky e Jake LaMotta. O ponto triste é que eu não gosto de usar esta probabilidade, mas poderia.

    Nocaute narra a história de Billy Hope (Jake Gylenhaal), um exímio e feroz lutador de boxe já consolidado no circuito mundial, mas que demonstra irresponsabilidade e displicência, tanto no ringue quanto fora dele. Ele é casado com Maureen (Rachel McAdams), que poderia ter maior tempo no filme, já que seu papel é morto justamente para trazer o aditivo emocional e o ponto principal para a contextualização de Billy. Ambos possuem uma filha, Leila (Oona Laurence), que aos poucos no filme vai entendendo a questão do pai ser violento e irresponsável consigo mesmo. A partir da morte de Maureen, é iniciada a derrocada de Billy em sua vida pessoal e profissionalmente.

    Neste instante, o roteiro e o enredo começam a ficar pautados por clichês de filmes do clássico lutador que busca motivações, redenção e se recolocar no papel de pai, irmão, filho, seja lá qual for o grau parentesco/familiar que é apresentado. A direção do Antoine Fuqua é muito boa. Um diretor que tem uma boa estética noturna e urbana, sabe usar controle de câmeras, o que além de intensificar a emoção e o sentimento da cena em si traz uma movimentação bem presente, que te coloca numa posição boa nos momentos de clímax e nas lutas. A atuação de Gylenhaal é, mais uma vez, espetacular. Mesmo seu personagem não trazendo características novas ou algum drama peculiar que talvez lhe escapasse da identificação casual, ele sustenta bem e se entrega não só fisicamente, mas também com cargas dramáticas bem impostas.

    Sua relação com a filha é impressionante, talvez o ponto principal do filme. A atuação da Oona é brilhante, destaca um talento bem natural. As cenas de diálogo e principalmente de revolta com o pai fluem muito bem, são orgânicas e tensas. Há uma cena entre eles, que marca a transgressão do 3º ao 4º quarto, que visceralmente choca por ela não ser boba e ter uma construção e capacidade de percepção que surpreende até mesmo Billy. A participação de Forest Whitaker, como treinador Tick Wills, potencializa o filme, no entanto a história fica mais uma vez presa em arquétipos já analisados e vistos em outros filmes que possuem essa fórmula na semântica da motivação e redenção.

    Fuqua é um diretor bem cotado em filmes de ação mais independentes. Lágrimas do Sol e até o interessante O Protetor dá a credibilidade de alguém que surpreendeu a academia por trazer uma comunicação mais urbana e concentrada em ideologias e universos periféricos em Dia de Treinamento. Ele perdeu acentualmente ao calcar os personagens em cima do já caricato lutador renegado em busca de redenção, mas compensou ao humanizar mais esse universo que é perceptivelmente frio, assim como é a atuação do rapper 50 Cent.

    Texto de autoria de Adolfo Molina Neto.

  • Review | True Detective – 2ª Temporada

    Review | True Detective – 2ª Temporada

    true-detective-2a-temporadaEm julho do ano passado, após o término da primeira temporada de True Detective, o reconhecimento em torno da série de Nic Pizzolatto atingiu seu ápice. A obra foi avaliada com qualidade, e seu trabalho foi potencializado ao máximo. Conforme apareciam anúncios sobre o segundo ano da série, surgia o tradicional questionamento sobre a possibilidade da nova história superar a primeira, ainda que houvesse nesta equação um novo fator inexistente na história de Marty e Rust: a expectativa do público. Em meio a este questionamento sobre a qualidade da obra, a abordagem dos fãs se modificou naturalmente. A série não era mais um produto inédito.

    Composta como uma antologia policial, é natural que esta nova trama fosse diferente da primeira. A única constante é a vertente policial desenvolvida pelos roteiros de Pizzolatto; qualquer outra semelhança não é possível de ser definida a longo prazo. Antes do lançamento da segunda temporada, foi divulgada a sinopse baseada numa narrativa urbana, focada em quatro personagens que trabalham o conflito existencial em cena, dessa vez simbolizado pelo contraste entre conduta moral e o mundo merecido pelos homens (em contraposição à bestialidade dos seres da outra história).

    Como na trama anterior, a história é apresentada em oito episódios, mantendo a brevidade narrativa em contraste com as séries com vinte episódios, em média, da televisão aberta. O autor segue a tradição dramática, fundamentada desde a Grécia Antiga, ao dividir sua história em três atos distintos, sendo comumente definidos por: 1. Exposição das personagens e informações para o público situar-se; 2. Desfecho ou clímax, com parte do conflito sendo resolvido; e 3. Desenlace – o final do conflito, normalmente previsto pelo público devido à antecipação do desfecho ou clímax, sendo o primeiro ato apresentado nos quatro primeiros episódios, e o segundo e terceiro ato com dois episódios cada. Esta conceitualização é fundamental para compreender a base de sua história e os recursos narrativos desenvolvidos em cena – e também um fato primordial para o desfecho.

    Além da divisão em atos, a estrutura narrativa policial segue como cerne da história. Mesmo de maneira modificada, adequando-se à linguagem cinematográfica, cada temporada da série se desenvolve como um espécie de romance narrativo, contendo as estruturas de um romance policial. Motivo pelo qual uma análise pontual de um episódio pode evidenciar aspectos distintos de outro. Cada ato narrativo se apoia em um enfoque diferente.

    O primeiro e maior ato se estrutura, portanto, como uma apresentação, introduzindo personagens e suas histórias internas, além de marcar o primeiro acontecimento que será a base para o desfecho: um assassinato político. Neste início, o público compreende a essência de cada personagem para que no segundo ato – quando a investigação, de fato, transcorre – saibamos quem é cada um deles no falso jogo de confiança que o autor desenvolve, fazendo-nos ter simpatia maior ou menor por certas personagens. Não à toa, estamos à meia-luz, sem saber se as figuras retratadas são boas ou más. Como um romance, a obra cresce aos poucos, sendo natural a demora para atingir pontos máximos, um conceito coerente com a vertente da narrativa noir: o crime não é necessariamente o centro, mas sim o universo à sua volta e as personagens que o investigam.

    A veia política pulsa fortemente ao posicionar o crime como centro unificador de personagens com camadas diferentes. É a morte que explicita a intriga e constrói a investigação no segundo ato (após um primeiro ato finalizado de maneira brilhante, com um intenso tiroteio). A sociedade que cerca tais personagens reflete a ganância humana. Neste aspecto, a pequena cidade de Vinci é um literal reduto de podridão sustentada pelo desenvolvimento industrial e comercial. Ao ambientar a trama em um local inteiramente dominado pela paisagem metálica, Pizzolatto conduz o público a compartilhar sua visão. Eis uma cidade reunindo o pior de nós, parece nos dizer.

    O segundo ano situa-se após um salto temporal, com as consequências do bem filmado tiroteio, mas mantém qualquer esclarecimento no vazio. A urbanização substitui o misticismo rural. Nesta construção, o inimigo não é aparente, mas sim uma massa anômala formada por invisíveis homens corruptos. A visão niilista permanece, porém, em vez de um personagem, é desenvolvida dentro de uma ambientação desoladora. Um paradoxo delicado quando, para desvendar um crime, um grupo de policiais deve agir como uma equipe secreta, evitando vazamentos. Os supostos heróis permanecem ocultos, enquanto o império do crime segue ativo.

    Como o engano faz parte fundamental da história, observamos com mais clareza o caráter das quatro personagens centrais neste segundo momento: em maior ou menor grau, homens com leves desvios, mas que ainda se mantêm opostos ao faminto ambiente corrupto. Os vícios em drogas, sexo ou na violência moldada pela vida são a parcela humana destes heróis, um recurso que os aprofunda em camadas – gerando identificação do público –  ao mesmo tempo que revela a escolha de um caminho alternativo. O terceiro ato representa o desenlace dessas escolhas.

    Mesmo que cada personagem principal seja formado por uma trajetória específica, todos possuem o mesmo padrão comum: são vítimas de uma culpa anterior que desejam exterminar. Velcoro se modifica após o crime que não deveria ter cometido; Bezzerides vive à sombra de um trauma da infância, destacando o fato de não ter tido medo do acontecido; Woodrugh nega sua homossexualidade; enquanto Frank, o mais socialmente errático deles, com um passado miserável deixado para trás, com ambição e violência, pune-se por não ver a ruína de seu império. Momentos anteriores e decisivos na vida de cada um que moldaram o caráter. São homens tentando equilibrar a balança da vida, tentando o caminho do que consideram bem diante do que fizeram de mal anteriormente, mesmo que cada conflito interno seja dúbio.

    O desfecho condiz com a visão devastadora do mundo: ninguém se salva, exceto os corruptos e o crime. Novamente, representa uma tragédia contemporânea no sentido mais literal da palavra, próxima do conceito grego de tragédias clássicas. A morte é constante como destino final neste tipo de drama, porém sempre deixa um sobrevivente para contar a história, função denotada a Bezzerides, que simultaneamente carrega o símbolo de esperança, com o nascimento do filho, e de mensageira. No entanto, tais signos são apenas um alívio diante de um pesado desengano. Mesmo poupada da morte, a tragédia permanece em seu destino como representação deste mundo revirado. Bezzerides é condicionada a viver em fuga, fora de seu país natal.

    Os outros três personagens perecem diante de um mal maior do que eles. Em um mundo estruturado conforme nosso merecimento, a existência de três personagens parcialmente bons é errática e desigual. A morte os coloca de volta a inércia, anula sua trajetória heroica enterrando-os sobre a amorfa selva de concreto. A linearidade narrativa é coerente com seu estilo. Não há conspiração, nenhum homem responsável por todo o mal. A mensagem é amarga, com poucos sinais de esperança. Uma guerra perdida.

    A antologia narrativa chega ao seu segundo arco mais madura, transitando em um polo diferente do primeiro ano. Sem o chocante impacto de Carcosa, ainda mantém a densidade e a força de uma grande série contemporânea.  Ainda que não saibamos como será a próxima história de Pizzolatto, é certo que a visão de um universo desencantado estará presente.

  • Crítica | Sob o Mesmo Céu

    Crítica | Sob o Mesmo Céu

    SOB O MESMO CÉU 1

    O começo da nova obra de Cameron Crowe, Sob o Mesmo Céu, remete a cenas gravadas por cinegrafistas amadores, revelando momentos de descontração na ilha do Havaí no descanso de férias, bem como a interação dos nativos com o belo lugar. O efeito seria de comoção e nostalgia, não fosse o tom exageradamente caricato piorado em muitos níveis pela narração intrepidamente óbvia, que discorre sobre a tardia corrida espacial dos anos 2010.

    O roteiro de Crowe apresenta uma quantidade enorme de clichês, desde a construção dos personagens até as situações comuns que vivem. Bradley Cooper vive o oficial Carson Welch, que vive sua rotina medíocre vendendo um estilo de vida essencialmente capitalista, negociando possíveis localidades para testes espaciais e já em uma fase decadente de sua carreira. Designada para “vigiar” Welch, a Capitã Ng (Emma Stone) exibe sua feminilidade jovial, escondida sob uma capa de militarismo poser, falsa em cada mínimo aspecto. Inicia-se, assim, uma interação romântica na qual a falta de química prevalece.

    A chegada à ilha paradisíaca faz lembrar o drama vivido em Os Descendentes, reprisando inclusive a questão da vivência dramática em um lugar onde memórias boas são geradas por turistas. Carson reencontra um grande amor, e se vê em uma posição espinhosa, mas toda a problemática sentimental apresentada é pobre e sem conteúdo, mesmo que a atmosfera construída seja a de um lar de rancores, tristezas, abandonos e ressentimentos. Falta alma e verve ao roteiro, que destoa de todo o panorama mostrado em tela, diferenciando-se até da bela fotografia de Eric Gautier, que consegue ser bela apesar da paleta de cores completamente tresloucada.

    Toda a questão ideológica relacionada ao engano aos nativos e os argumentos pró-armamentistas impulsionados por bilionários ficam em um plano subalterno para explorar o rocambole novelesco do trio (quarteto, se contar a personagem de Stone) entre Carson, Tracy (Rachel McAdams) e o atual marido desta, Woody (John Krasinski). Este último, curiosamente, é a personagem mais bem trabalhada e com nuances: não possuindo muitas falas, sua comunicação quase sempre é realizada através de gestos e olhares. Mesmo com todo o aspecto curioso, as situações são bastante frívolas e sem substância. Uma mensagem democrata barata, que acaba sendo apenas ideologicamente banal. Até se destacam momentos nobres, como a luta contra o avanço imperialista, mas estes se perdem por completo diante da barata tentativa de redenção moral de Sob o Mesmo Céu.

  • Crítica | O Homem Mais Procurado

    Crítica | O Homem Mais Procurado

    A narrativa investigativa de espionagem necessita de uma percepção histórica e realista para ser funcional. Não que seja impossível realizar uma trama em um mundo ficcional. Porém, há maior coerência em inserir uma ficção em um contexto real, principalmente para que o leitor compreenda as nuances envolvidas além da narrativa.

    Desta maneira, escritores de thrillers políticos exercem uma manipulação histórica para inserir seus personagens. A obra de estreia de Ken Follett, O Buraco da Agulha, utiliza a tensão da Segunda Guerra Mundial para acompanharmos um espião alemão infiltrado. Além da narrativa conduzida com cuidado, parte da força da trama deve-se ao fato de compreendermos este embate. John Le Carré, autor de O Homem Mais Procurado e de outras obras adaptadas recentemente aos cinemas, como O Jardineiro Fiel e O Espião Que Sabia Demais, acompanhou movimentos históricos durante suas obras e analisou diversas tensões políticas no decorrer do tempo, demostrando-se capaz de realizar romances contemporâneos de espionagem.

    O Homem Mais Procurado, dirigido por Anton Corbijn, se passa após os ataques de 11 de setembro desferidos contra os Estados Unidos. A trama desenvolve-se na Alemanha e demonstra o olho vigilante das agências governamentais a respeito de qualquer cidadão do Oriente Médio que adentre o país. Imigrante de origem chechena, Issa Karpov entra ilegalmente no país após ser torturado na Rússia em razão de informações terroristas das quais provavelmente tinha posse. Sua intenção é resgatar uma herança deixada pelo pai em um tradicional banco alemão. Ao ser identificado por agentes de espionagem, sua presença é considerada um alerta como um potencial terrorista.

    Realizar uma investigação é um processo lento. É uma tentativa de construir uma narrativa com bases em pistas e pequenos elementos. Requer observação, análise e uma percepção de imaginário forte o suficiente para pressupor uma trama maior do que simples acontecimentos podem mostrar. Além de exigir recursos financeiros e uma equipe capaz para realizar um bom serviço.

    Interpretado por Philip Seymour Hoffman, em um de seus últimos papéis para o cinema, Günther Bachmann é o principal investigador de possíveis terroristas em solo alemão. Cabe a ele recolher provas que justifiquem a prisão de indivíduos ou conduzi-los a acordos para descobrir terroristas com maior graduação na cadeia de comando. Entre as tensões governamentais, mantém a responsabilidade em operações sigilosas de investigação. A trama possui uma referência real de um caso de um turco preso pelos Estados Unidos e levado à prisão de Guantánamo. Porém, mesmo se o argumento fosse ficcional, representaria de maneira apropriada a visão governamental acerca do terrorismo. Um cerco agressivo e interventivo em diversos países do Oriente Médio, batizado pelos americanos como guerra ao terror, como se não houvesse nenhum denominador específico por trás desta cruzada.

    A percepção realista da história se expande além da investigação, focando três núcleos interligados: a investigação governamental que transforma Karpov em um provável terrorista; uma organização não governamental liderada pela advogada Annabel Richter (Rachel McAdams), que luta a favor dos diretos do imigrante; e o banqueiro Thomas Brue (Willem Dafoe), dono da instituição em que o pai da personagem acumulou sua poupança.

    Representar três personagens com objetivos e visões diferentes inseridos em um mesmo sistema dá maior profundidade à trama. Além da investigação taxativa, conhecemos como a prevenção investigativa pode julgar equivocadamente grupos e etnias e de como, para a maioria de grupos mundiais, ilegais ou não, é necessário o investimento de capital, por isso a necessidade de grandes empresários ou banqueiros que trabalhem no fronte como financiadores. Elementos que equilibram a trama, que ainda consegue analisar a figura do investigador central.

    A interpretação de Hoffman é ponderada, sem extremos de tradicionais espiões cinematográficos. Estressado com políticas internas e a tensão de ser bem-sucedido em sua missão, a personagem vive à beira de um colapso. O roteiro de Andrew Bovell apresenta a competência do espião, como também mostra sua dedicação ao trabalho, sem uma vida social além dele. Um estilo depressivo que o ator sempre soube explorar muito bem em sua carreira em interpretações carregadas de vazios e silêncios. A capacidade de  Günther em alcançar seus objetivos e usar os recursos que possui entrelaça as personagens. Como parte de um jogo maior, todos tornam-se peças de um tabuleiro em que o jogador oponente é um ser invisível, um sistema de governo apoiado em interesses próprios.

    Duas linhas narrativas, com pontos de partidas contrários: o drama microscópio do espião e o processo geral de governos e nações para eclodirem em um excelente ponto de equilíbrio capaz de representar em uma história uma vertente do sistema político em que tudo pode ser considerado um ponto de observação e, possivelmente, descartado após uso.

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  • Crítica | Questão de Tempo

    Crítica | Questão de Tempo

    questão de tempo

    A nova comédia romântica de Richard Curtis (Simplesmente Amor) chega sem muito alarde no circuito cultural, e felizmente surpreende até mesmo os mais cínicos, grupo este em que me incluo. Em seu novo filme, Curtis consegue encantar o espectador ao longo de duas horas prazerosas de duração.

    A visão de mundo de Curtis se reflete em seus filmes. O tom otimista do cineasta suaviza boa parte dos golpes que a vida nos aplica. Seu cinema não busca grandes reflexões, é apenas um modo para oferecer algumas desculpas que servem como estopim para encontros entre casais e fazer com que estes lidem com algum tema, na maioria das vezes de maneira superficial.  Já vimos isso em Simplesmente Amor, Um Lugar Chamado Nothing Hill, Quatro Casamentos e Um Funeral, no entanto, verdade seja dita, o diretor sabe fazer isso muito bem, e Questão de Tempo é, sem dúvida, o ponto alto de sua filmografia.

    O longa conta a história de Tim Lake (Domhnal Gleeson), que, aos 21 anos de idade, é informado por seu pai (Bill Nighy) de que todos os homens de sua família têm o poder de viajar no tempo, desde que observadas algumas regras. Esse é o mote para que a história se desenvolva, no entanto não estamos nos referindo a um filme sobre viagens no tempo, visto que serve apenas como recurso narrativo para que se conte a história, propondo algumas discussões. Alguns irão falar de supostos furos de roteiro por não se observar lógica temporal, além de outras bobagens, porém não é sobre isso que o filme quer tratar. O paradoxo espaço-tempo é um mero recurso com pitadas de realismo fantástico.

    Tim é um jovem ingênuo e romântico que, ao saber do seu novo “dom”, faz com que o primeiro passo seja manipular seu amor de infância a se apaixonar por ele. Essa é sua primeira lição: nenhuma viagem no tempo faz alguém amar você. Após seu primeiro fracasso, Tim parte para Londres, onde conhece Mary (Rachel McAdams) e a história dos dois se desenvolve.

    Primeiro ponto a ser observado na filmografia de Curtis é como ele mesmo procurou brincar com os clichês da comédia romântica em Questão de Tempo, das típicas declarações de amor a cenas de casamento. O diretor arruma tempo inclusive para auto-referenciar alguns de seus trabalhos, seja de maneira cômica ou buscando outros fins narrativos.

    Interessante notar como o sentimentalismo excessivo de Curtis é deixado um pouco de lado. O grande interesse de seu protagonista é o amor como um todo, não apenas a afeição romântica entre duas pessoas. O personagem pode parecer antiquado e fora de tempo, e talvez até seja, mas o sentimento apresentado soa extremamente sincero e repleto de sutilezas, tanto pelo texto delicado do roteirista quanto pela excelente interpretação de todo o elenco.

    Domhnall Gleeson, após um grande trabalho de atuação em Anna Karenina, repete o feito em Questão de Tempo. Se nas comédias românticas anteriores de Curtis tínhamos Hugh Grant, agora o cineasta parece querer deixar essa faceta de lado e mostrar o homem comum, tão bem interpretado por Gleeson. O veterano Bill Nighy faz um trabalho impecável de pai e amigo de Tim, roubando a cena sempre que está em cena.

    Richard Curtis perseguiu o tema ao longo dos anos, tentou fazer uma versão definitiva em Simplesmente Amor em 2003, mas apenas dez anos depois, de maneira despretensiosa, conseguiu se fazer ouvido. Contagiante.

  • Crítica | Amor Pleno

    Crítica | Amor Pleno

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    A filmografia de Terrence Malick prima por uma caraterização visual ímpar, na maioria das vezes com poucos diálogos e recheada de imagens belas, oníricas, grandiosas e magnânimas. Foi assim em seu Árvore da Vida – vencedor da Palma de Ouro em Cannes, em 2011 – em que o realizador usa imagens de uma Natureza exuberante para apequenar o homem diante do Divino. Em Amor Pleno, Malick se usa dessa técnica novamente, mas muda a ótica e o enfoque.

    To The Wonder pode gerar inúmeras interpretações, até por seu caráter pouco comercial. Não segue os padrões hollywoodianos, mas ainda assim é bem mais palatável ao espectador pouco acostumado do que o seu anterior. Um de seus focos é nas relações entre os personagens, principalmente o amor e como a vida é construída baseada nesse sentimento.

    A relação entre Marina – feita pela inexoravelmente apaixonante Olga Kurylenko – e Neil – com um Ben Affleck muito comedido – passar por quase todos os estágios da Perspectiva da Morte, como negação, isolamento, raiva, depressão, o que faz muito sentido principalmente quando se analisa o papel de Marina. O passado da protagonista não é mostrado ou comentado diretamente, seu background é construído baseado nos seus relatos poetizados – que constituem um dos pontos fortes do filme – não são óbvios, são tocantes e belíssimos.

    A fragilidade do estado emocional de Marina é exposta inúmeras vezes através de signos visuais, como nas pegadas na areia cinzenta, ou na procura por uma resposta na figura religiosa – que tem como avatar o personagem de Javier Bardem. Os ângulos precisos, hora por baixo – detalhe nos pés – às vezes pelo alto – por cima das cabeças – verbalizam através da imagem o estado de espírito dela e de outros personagens. Quase sempre que é enquadrado, Ben Affleck é cortado (especialmente acima da cabeça). A câmera treme o tempo todo, e se mostra confusa, assim como a ótica de Marina em relação ao seu amado e a própria vida.

    As atuações constituem um dos melhores pontos do filme, é impossível não se afeiçoar a Olga Kurylenko, bela e talentosa demais, o espectador se vê obrigado a acreditar em seu drama. Bardem faz mais do mesmo, o que é sempre bom em seu caso. Rachel McAdams e sua Jane também emprestam veracidade à trama, a postura de sua personagem ajuda a evidenciar que os problemas da relação entre o casal de protagonistas, não passava pelo desdém de Neil, ao contrário da fala de Marina: “Pessoas fracas não conseguem terminar as coisas, elas esperam que os outros terminem por elas”. Jane se vê completamente refém do amor que Neil transfere a ela, sentimento este que deveria ser entregue a Marina.

    O deslumbre visual, ao contrário do produto anterior de Terrence Malick, é focado em imagens de coisas ordinárias e cotidianas, que reforçam a ideia da dificuldade em manter o relacionamento vivo. O cineasta gosta de colocar a Divindade como um alvo importante e até inalcançável para os seus personagens. Amor Pleno é uma experiência única, e deve ser vista como tal, causa fascínio no receptor e o torna testemunha das maravilhas mostradas na tela.

  • Crítica | Passion

    Crítica | Passion

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    Brian De Palma é um diretor com carreira de sucesso indiscutível. Fruto de uma geração talentosíssima – formada por Scorsese, Coppolla etc –  não filmava desde Guerra sem Cortes. Este Passion é a sua versão para o suspense  Crime D’Amour, do francês Alain Corneau.

    Seu começo é lento, lotado de cenas contemplativas nos quartos das suas personagens principais, Christine (Rachel McAdams) e Isabelle (Noomi Rapace). Tais pedaços demonstram alguns dos conflitos que serão futuramente explorados, como a solidão, a luxúria etc.

    O roteiro brinca com alguns distúrbios psicológicos sérios, mas vai expondo tudo de forma gradual. Há uma mini-rede de influência entre as personagens principais e outros membros do grupo corporativo onde estas trabalham, em que imperam basicamente a sedução por meio do sexo, posse e poder, além da traição ética e carnal. Aparentemente há um enfoque no Narcisismo por parte de um dos personagens, mas com o desenrolar da história, nota-se que esse é um problema comum a quase todas as pessoas retratadas em cena.

    A trilha sonora, assinada por Pino Donaggi – que já trabalhara com o diretor em Carrie, Dublê de Corpo e Vestida para Matar – é sensacional e ajuda a compor o quadro de angústia vivenciado por Isabelle. A pressão psicológica e a agressão à sua auto-estima vão aumentando com o decorrer da película. Mais uma vez De Palma utiliza-se da sua filmagem competente, deixando sua câmera em ângulos tortos em meio a ambientes pouco iluminados, mostrando a instabilidade de seus personagens e o incômodo pelos quais eles passam, sem revelar de forma óbvia quais são as suas intenções, o realizador ainda se apropria de elementos tipicamente hitchcockianos, como Macguffins. O repertório narrativo e visual de Passion lembra em muitos momentos algumas das últimas obras de Alfred Hitchcock, como Topázio e Frenesi.

    A obsessão é retratada em alguns momentos com uma docilidade ímpar: a admiração torna-se paixão, evolui para fixação, quando se soma a rejeição causa traição, frustração e humilhação. O destino final é a vingança, logo acompanhada de uma reticente confissão. A priori, a história parece ser sobre paixões não correspondidas, mas é muito mais que isso. Há distúrbios de comportamento como stalkers se valendo da tecnologia para praticar chantagens morais e subornos sentimentais entre outras anomalias de comportamento. Não há personagem que não tenha algum interesse escuso.

    Com o decorrer do filme, a atuação de Noomi Rapace vai evoluindo, de caricata a bastante realista, o que empresta muito caráter ao lado dramático e misterioso do filme. O final e as reações de Isabelle deixam em aberto algumas questões. Os fatos mostrados na tela podem ter ou não ter ocorrido, total ou parcialmente, é posto em dúvida se alguns dos personagens são ou não reais – o que põe a prova o testemunho da personagem, assim como contesta sua sanidade mental. Um suspense num ritmo clássico, que apela bastante para a sexualidade, mas sem vulgarizar.