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  • Crítica | O Homem Mais Procurado

    Crítica | O Homem Mais Procurado

    A narrativa investigativa de espionagem necessita de uma percepção histórica e realista para ser funcional. Não que seja impossível realizar uma trama em um mundo ficcional. Porém, há maior coerência em inserir uma ficção em um contexto real, principalmente para que o leitor compreenda as nuances envolvidas além da narrativa.

    Desta maneira, escritores de thrillers políticos exercem uma manipulação histórica para inserir seus personagens. A obra de estreia de Ken Follett, O Buraco da Agulha, utiliza a tensão da Segunda Guerra Mundial para acompanharmos um espião alemão infiltrado. Além da narrativa conduzida com cuidado, parte da força da trama deve-se ao fato de compreendermos este embate. John Le Carré, autor de O Homem Mais Procurado e de outras obras adaptadas recentemente aos cinemas, como O Jardineiro Fiel e O Espião Que Sabia Demais, acompanhou movimentos históricos durante suas obras e analisou diversas tensões políticas no decorrer do tempo, demostrando-se capaz de realizar romances contemporâneos de espionagem.

    O Homem Mais Procurado, dirigido por Anton Corbijn, se passa após os ataques de 11 de setembro desferidos contra os Estados Unidos. A trama desenvolve-se na Alemanha e demonstra o olho vigilante das agências governamentais a respeito de qualquer cidadão do Oriente Médio que adentre o país. Imigrante de origem chechena, Issa Karpov entra ilegalmente no país após ser torturado na Rússia em razão de informações terroristas das quais provavelmente tinha posse. Sua intenção é resgatar uma herança deixada pelo pai em um tradicional banco alemão. Ao ser identificado por agentes de espionagem, sua presença é considerada um alerta como um potencial terrorista.

    Realizar uma investigação é um processo lento. É uma tentativa de construir uma narrativa com bases em pistas e pequenos elementos. Requer observação, análise e uma percepção de imaginário forte o suficiente para pressupor uma trama maior do que simples acontecimentos podem mostrar. Além de exigir recursos financeiros e uma equipe capaz para realizar um bom serviço.

    Interpretado por Philip Seymour Hoffman, em um de seus últimos papéis para o cinema, Günther Bachmann é o principal investigador de possíveis terroristas em solo alemão. Cabe a ele recolher provas que justifiquem a prisão de indivíduos ou conduzi-los a acordos para descobrir terroristas com maior graduação na cadeia de comando. Entre as tensões governamentais, mantém a responsabilidade em operações sigilosas de investigação. A trama possui uma referência real de um caso de um turco preso pelos Estados Unidos e levado à prisão de Guantánamo. Porém, mesmo se o argumento fosse ficcional, representaria de maneira apropriada a visão governamental acerca do terrorismo. Um cerco agressivo e interventivo em diversos países do Oriente Médio, batizado pelos americanos como guerra ao terror, como se não houvesse nenhum denominador específico por trás desta cruzada.

    A percepção realista da história se expande além da investigação, focando três núcleos interligados: a investigação governamental que transforma Karpov em um provável terrorista; uma organização não governamental liderada pela advogada Annabel Richter (Rachel McAdams), que luta a favor dos diretos do imigrante; e o banqueiro Thomas Brue (Willem Dafoe), dono da instituição em que o pai da personagem acumulou sua poupança.

    Representar três personagens com objetivos e visões diferentes inseridos em um mesmo sistema dá maior profundidade à trama. Além da investigação taxativa, conhecemos como a prevenção investigativa pode julgar equivocadamente grupos e etnias e de como, para a maioria de grupos mundiais, ilegais ou não, é necessário o investimento de capital, por isso a necessidade de grandes empresários ou banqueiros que trabalhem no fronte como financiadores. Elementos que equilibram a trama, que ainda consegue analisar a figura do investigador central.

    A interpretação de Hoffman é ponderada, sem extremos de tradicionais espiões cinematográficos. Estressado com políticas internas e a tensão de ser bem-sucedido em sua missão, a personagem vive à beira de um colapso. O roteiro de Andrew Bovell apresenta a competência do espião, como também mostra sua dedicação ao trabalho, sem uma vida social além dele. Um estilo depressivo que o ator sempre soube explorar muito bem em sua carreira em interpretações carregadas de vazios e silêncios. A capacidade de  Günther em alcançar seus objetivos e usar os recursos que possui entrelaça as personagens. Como parte de um jogo maior, todos tornam-se peças de um tabuleiro em que o jogador oponente é um ser invisível, um sistema de governo apoiado em interesses próprios.

    Duas linhas narrativas, com pontos de partidas contrários: o drama microscópio do espião e o processo geral de governos e nações para eclodirem em um excelente ponto de equilíbrio capaz de representar em uma história uma vertente do sistema político em que tudo pode ser considerado um ponto de observação e, possivelmente, descartado após uso.

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  • Crítica | Capote

    Crítica | Capote

    capote

    Benett Miller estréia na direção de longas-metragens lançando mão da história de uma das personalidades mais controversas e polêmicas do ambiente literário/jornalístico. Capote começa focando o caso investigado pelo cronista e registrado em seu último livro A Sangue Frio. O horrendo massacre do Clã Clutter e todas as relações provindas dele são se tornam crives graças a magistral interpretação de Phillip Seymour Hoffman – sua transformação é assustadora, a afetação, a voz, os trejeitos, tudo nele é distinto e diferente do que havia feito em filmes anteriores e extremamente parecido com a figura do individuo biografado.

    A eloqüência de Truman é louvada pelos seus chegados. Em uma mesa de jantar ele é mostrado discursando sobre o roteiro de Bonequinha de Luxo, contando de forma hilária os causos junto a Blake Edwards (diretor do filme) para logo depois, começar um relato emocionado a respeito da perda de sua mãe, e como auxiliaria seu desolado padrasto – cujo qual retirou o seu sobrenome. O registro de Miller é perfeito, não soa piegas, é real, tocante e consegue mudar a abordagem de forma rápida, ajudando a angariar ainda mais empatia das pessoas dentro e fora de tela, de uma forma absolutamente manipulativa sim, mas não pedante.

    A persona de Perry Smith (Clifton Collins Jr.) mobiliza a alma do escritor e o faz sentir algo além da misericórdia por sua alma desgostosa e amargurada. Os sentimentos que acometem o protagonista são confusos para o próprio e o interesse do dramaturgo aumenta notadamente, visto o tamanho que seu texto ganha, de um simples artigo para um livro inteiro: “Meu livro vai devolve-lo ao reino da humanidade, eu nasci para escrever isto” – mesmo sem ter rabiscado uma palavra sequer, mas o autor classifica o futuro escrito como o romance documental do século.

    O detetive responsável indaga Truman a respeito do título da futura publicação (A Sangue Frio) se este seria pela referencia óbvia a crueza dos assassinatos ou pela relação dele com os ditos criminosos. O processo de concepção das palavras é flagrada com uma câmera acima dos ombros e da cabeça do escritor, a lente mostra ele na máquina de escrever com pilhas de folhas empilhadas de forma organizada. Também é aventada a dificuldade dele em encontrar um final para a sua história, o desfecho teima em ficar em suas mãos.

    A diferenciação entre os momentos dele como centro das atenções, nas festas dentro das mansões e nos momentos dentro do cárcere junto ao seu objeto de análise é pontuada pelo comportamento completamente diverso. Há um abismo entre as duas formas de agir, o que demonstra a perfeição de Hoffman em viver e retratar as nuances do Capote homem.

    A questão proposta pelo realizador não é até onde a relação Perry/Truman  chegou, mas até onde ela poderia chegar e como esta evoluiu dentro da psique de cada um dos envolvidos. Esta passou por momentos de amizade, cumplicidade, amor platônico e por meros interesses profissionais – todos esses estágios explorados um a um e de forma verossímil em todos eles. Enquanto a sentença de Smith não é cumprida, Capote não consegue levantar o lápis, a melancolia em que mergulha nos últimos 30 minutos desmentem qualquer negação que fizera dantes negando seu envolvimento emocional com o encarcerado analisado, as feridas em si causadas foram profundas, e jamais um cineasta conseguira captar tal faceta da curiosa figura que Truman Capote era como nesta fita.