Tag: Taylor Kitsch

  • Crítica | Crime Sem Saída

    Crítica | Crime Sem Saída

    Chadwick Boseman foi um grande ator. Ainda que a sua carreira tenha sido breve, o eterno Pantera Negra sempre foi uma presença magnética nas telas. Um dos grandes exemplos disso é esse Crime Sem Saída. Dirigido por Bryan Kirk em sua estreia como diretor de cinema, o filme é um eficiente thriller policial que tira muito proveito do seu elenco, principalmente do seu protagonista.

    Na trama, Boseman interpreta Andre Davis, policial chamado para investigar o assassinato de oito policiais por uma dupla de ladrões em um restaurante que servia como fachada para o tráfico de cocaína. Filho de um oficial morto em serviço, Davis é visto como a pessoa perfeita para solucionar rápido o crime. Para isso, o detetive ordena que as 21 pontes que dão acesso à Manhattan sejam suspensas e inicia uma implacável perseguição aos criminosos.

    O longa tem influência dos filmes policiais da década de 80 e 90, em que os oficiais protagonistas eram reservas morais em meio a uma corporação afundada em burocracia e corrupção. Remete também aos faroestes e aos cowboys obstinados com seus códigos de conduta estritos. Desde o início, o roteiro de Matthew Michael Carnahan e Adam Mervis deixa o conceito moral bem estabelecido, porém, isso não faz com que o personagem seja unidimensional. O passado do detetive Davis é apresentado, mas não de forma melodramática. O artifício faz com que o espectador estabeleça uma relação de simpatia com o personagem, ao mesmo tempo em que apresenta suas motivações e a sua bagagem emocional. Em conjunto com o carisma e a boa atuação de Boseman, o personagem foge do arquétipo de policial que povoa a maioria dos filmes do gênero. Outro ponto forte é a relação que o detetive forma com um dos criminosos. São poucas as cenas entre os dois, mas a dinâmica é bem interessante.

    Ainda sobre o roteiro, há uma crítica sutil à corrupção policial. Não há como determinarmos se a intenção do script era abordar dessa maneira o assunto, mas isso se dá de forma orgânica dentro do filme. Entretanto, quando trata do racismo estrutural no departamento de polícia de Nova York, principalmente nos trejeitos do personagem de Boseman e na forma como ele é visto por seus pares, essa naturalidade escapa um pouco. Em certos momentos, parece que a crítica ocorre somente por acontecer. Não é exatamente de forma gratuita, porém não possui essa organicidade dentro do roteiro. Já um grave problema que ocorre está nos vilões do filme, cuja burrice e vacilos chegam a ser inacreditáveis.

    A direção de Kirk é segura, sem maiores invenções. Diretor de episódios de séries como Luther e Game of Thrones, o diretor imprime um ritmo ágil e vai escalando a tensão à medida que a trama se desenrola. Ainda que não existam grandes reviravoltas no roteiro, tudo é conduzido de forma à prender a atenção do espectador até chegar a uma conclusão que se não é épica, é ao menos condizente com o que aconteceu ali. Estabelecendo a mencionada boa relação entre o público e o herói, além de arrancar uma performance memorável de Stephan James, intérprete de um dos criminosos.

    Crime Sem Saída tinha tudo pra ser um daqueles filmes que são assistidos casualmente em uma madrugada insone, entretanto, amparado por um roteiro sem invenções absurdas, uma direção segura, além de uma ótima trilha sonora composta por Henry Jackman e Alex Belcher, o filme se mostra como uma boa diversão e mais uma prova do grande ator que Boseman foi.

  • Crítica | X-Men Origens: Wolverine

    Crítica | X-Men Origens: Wolverine

    Em 2009, surfando na onda de extrema popularidade da trilogia X-Men, iniciada pelo diretor Bryan Singer, começava a primeira tentativa de aventura solo do universo mutante, e coube a Gavin Hood, diretor de Infância Roubada e que ganhou três anos antes o Oscar de melhor filme em língua estrangeira, comandar essa iniciativa. O filme já começa mostrando a que veio, quando traz o jovem e frágil James Howlett (Troye Silvan) saindo do seu leito, onde claramente estava doente, para desferir um golpe no assassino de seu pai de criação. A cena, que deveria adaptar o clímax da revista clássica Origem consegue ser um evento dos mais mal construídos do cinema de ação recente, dada a artificialidade do movimento do jovem em direção a figura assassinada, só não aparecendo o cabo que o faz ter esse movimento por muito pouco.

    Logo após essa apresentação, os irmãos Victor Creed (Liev Schreiber) e James Howlett (Hugh Jackman) são mostrados em uma montagem parecida com a que abre Watchmen, onde aparecem juntos lutando em eventos importantes da história. Ainda que lembre muitos dos clichês de filmes da Segunda Guerra e Vietnã, esse é o melhor momento do filme até o seu  encerramento.

    X-Men Origens: Wolverine sofreu de um mal parecido com o de Tropa de Elite, ainda que os efeitos para si fossem totalmente avessos ao que ocorreu no filme de José Padilha. Um release inacabado caiu na internet, com efeitos especiais a serem finalizados, e isso causou uma má impressão tremenda, com campanhas da parte dos produtores para que as pessoas fossem ao cinema conferir o resultado final. A grande questão aí é que Tropa realmente justificava o ingresso por sua qualidade, enquanto esse é tão repleto de falhas de concepção que assisti-lo sem os efeitos especiais de computação gráfica por completo não tornaria o filme pior.

    O filme transita muito mal entre grandes espaços temporais. Depois da famigerada montagem videocliptica, o público é apresentado a um grupo de mutantes, liderados por William Stryker (Danny Huston), que funciona como uma força-tarefa que  deveria adentrar em uma republiqueta típica dos filmes genéricos de brucutus, onde acontece mais uma vez uma demonstração de ruptura entre James e Victor, com o primeiro impedindo o outro de matar alguém. Essa parte serve tão somente para introduzir Wade Wilson, de Ryan Reynolds, que faria anos depois o filme Deadpool, o personagem descolado Espectro do rapper Will I Am, e outros mutantes genéricos, como Blob (Kevin Durand) e outros, formadores da Equipe X.

    Seis anos depois, James está casado com Kayla (Lynn Collins), vive uma vida calma, no campo, sem maiores preocupações, enquanto isso, os outros coadjuvantes são abatidos um a um. O mutante de garras parece sentir a ausência desses, pois tem pesadelos quase premonitórios, acompanhados de um despertar no susto, onde põe suas garras para fora. Essa representação é de uma ignorância atroz e de uma tentativa de imprimir uma gravidade à situação, além da própria sensação de premonição que nunca existiu com o personagem. Wolverine não é Xavier ou  Jean Grey, tampouco é Sina (personagem secundária dos X-Men que tinha poderes sensitivos fortes), ele é tão somente o melhor no que ele faz, e aparentemente, não poderia ter uma vida tranquila e feliz exatamente por conta desses predicados e de seu passado.

    Poucas coisas irritam tanto no filme quanto o cabelo de galã do personagem principal. Não combina com ele, aliás toda a postura dele não faz sentido, ele é pacífico, menos impulsivo que seu irmão – a ideia do roteiro em mostrá-lo como uma fera anestesiada é até boa, mas não cabe aqui porque o único momento em que ele realmente age como um predador é no seu início, em uma das cenas mais constrangedoras de uma obra que é equivocada em quase tudo que se propõe. Quando os antigos patrões vão atrás do homem que assumiu a alcunha de Logan, o impacto pelas perdas pessoais que ele tem é completamente suavizado, pois esse claramente não é o sujeito sem escrúpulos e de natureza selvagem que o leitor ou fã dos filmes do universo dos mutantes se acostumou a ver.

    Reza a lenda que a iniciativa Origens contemplaria não só Wolverine, mas outros tantos personagens mutantes, como Magneto, e para muitos, X-Men: Primeira Classe é a evolução desse pensamento, e dada a total falta de complexidade desse filme de 2009, é natural que o projeto tenha mudado. Logan aceita a proposta de Stryker em inserir adamantium em si, graças a perseguição que Victor faz ao seu antigo esquadrão que, é bom lembrar, teve apenas uma missão com o personagem principal, e que aparentemente, causa alguma preocupação nele.

    A escolha por essa atitude é tardia, e não é mostrado em tela momento algum que o homem que perdeu tudo não conseguiria vencer seu irmão mais velho em uma luta sem a utilização do adamantium. A cena inicial do processo cirúrgico e traumático em que ele viria a sofrer a experiência é mostrada de maneira fria, sem um clímax, toda colorida e iluminada, sem a violência e sujeira com que era premeditada em X-Men de 1998 ou no quadrinho Arma X, aliás, a sequencia dela é ainda mais irreal, já que ao sair da mesa de cirurgia, Logan, já com a dogtag de Wolverine sai nu da pós-operatório, mas quando sofreu a interferência o sujeito estava de cueca boxe. Talvez a tentativa do filme fosse utilizar o corpo do galã para alcançar um novo público, ainda que a via seja mais gratuita que Michelle Pfeiffer em uma roupa de couro em Batman: O Retorno, pois até no filme de Tim Burton isso era mais justificado.

    Por mais que rejeite a ideia de ser encarado como herói, Logan age de maneira muito correta, sem parecer o anti-herói que o tornou conhecido nos quadrinhos. Ele se refugia em uma fazenda com dois velhinhos simpáticos, que fazem as vezes de Martha e Jonathan Kent, e que são postos ali só para serem mais uma perda irreparável (desimportante, na verdade) para o protagonista. É tudo tão tolo que faz perguntar se os roteiristas David Benioff e Skip Woods estavam realmente levando a sério a história que estavam propondo ao público.

    Há desfiles em slow motion (talvez mais de uma dezena, ao longo apenas 107 minutos), show off de garrinha de adamantium — Wolverine a usa pra ver o céu e até para acender uma linha de álcool que está no chão. Há também a pretensão do roteiro em dar uma origem até para outro rival de Logan que não Dentes-de-Sabre, em uma personificação de Scott Summers ainda mais caricata e sem profundidade do que a que fizeram com James Marsdem.

    Por mais que Ciclope seja mostrado de forma torta, nada se compara ao que fizeram com Blob. Ele é mostrado mais velho e obeso, mas a forma como isso ocorre retira qualquer peso (sem trocadilhos das escolhas e dos eventos que ocorreram até agora no filme), e a justificativa para acontecer uma briga entre eles é completamente ilógica e estúpida.

    Por outro lado, Creed é mostrado perseguindo mais mutantes, demonstrando de forma didática ao espectador e ao personagem o quanto ele estava sendo manipulado no final das contas. Ver X-Men Origens: Wolverine é basicamente um pretexto para assistir Jackman atravessando o universo dos X-Men (ou uma paródia bem mal feita deste) para ter mini crossovers com personagens que não se fizeram presentes nos filmes da equipe, e claro, tendo essas inserções da maneira mais gratuita possível. Remmy Lebeau, por exemplo, tinha tido seu nome prenunciado nos arquivos da Arma X em X-Men 2, mas aparece aqui, como o Gambit de Taylor Kitsch, que é basicamente um show off do carteado, e nada mais.

    Na época de seu lançamento, muitos elogiavam a performance de Liev Schreiber, até se comparando com Jackman, mas a realidade é que ambos tem papéis tão fracos e ilógicos que elogiá-los beira o ofensivo. Não há nada. Nem complexidade e nem gravidade em suas ações. Tudo que o roteiro dedica aos atores soa extremamente bobo, quando não risível.

    Uma nova ameaça surge, a Arma XI, e ela é tratada como o guerreiro superior, que reúne todos os poderes dos mutantes que passaram pelo projeto genético. Supostamente não seria Deadpool a identidade inicial do algoz, mas aparentemente Reynolds agradou muito nas exibições testes, e seus olhos foram inseridos em cima da péssima animação inserida em cima do ator e dublê Scott Adkins. Mesmo a cooperação entre irmãos é mostrada de forma burra, não há tática, não há justificativa para aquilo, mas ainda haveria de piorar muito nos momentos finais.

    Stryker para deter Logan usa uma bala de adamantium que seguindo os tecnobables, apagaria sua memória (?!). Raposa Prateada se vinga do vilão, usando seus poderes para convencer o mesmo a andar até seus pés sangrarem. Gambit ao cair do céu gira seu bastão, como se fosse um helicóptero (e como tem helicóptero esse filme…), e Xavier aparece no final, para salvar as crianças em uma tentativa horrorosa de rejuvenescer Patrick Stewart por computação gráfica. Toda a ideia por trás de X-Men Origens: Wolverine é extremamente bem intencionada, tanto Origem quanto Arma X são revistas incríveis e poderiam gerar ótimos filmes, e caso esse fosse um longa apenas sobre as ações de Wolverine nas guerras, poderia ter sido algo melhor, mas claramente não era essa a pretensão, o que resulta em um filme sem alma, sem história e equivocado até em suas cenas pós-créditos, tão asquerosas quanto todo o decorrer de suas tramas.

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Review | True Detective – 2ª Temporada

    Review | True Detective – 2ª Temporada

    true-detective-2a-temporadaEm julho do ano passado, após o término da primeira temporada de True Detective, o reconhecimento em torno da série de Nic Pizzolatto atingiu seu ápice. A obra foi avaliada com qualidade, e seu trabalho foi potencializado ao máximo. Conforme apareciam anúncios sobre o segundo ano da série, surgia o tradicional questionamento sobre a possibilidade da nova história superar a primeira, ainda que houvesse nesta equação um novo fator inexistente na história de Marty e Rust: a expectativa do público. Em meio a este questionamento sobre a qualidade da obra, a abordagem dos fãs se modificou naturalmente. A série não era mais um produto inédito.

    Composta como uma antologia policial, é natural que esta nova trama fosse diferente da primeira. A única constante é a vertente policial desenvolvida pelos roteiros de Pizzolatto; qualquer outra semelhança não é possível de ser definida a longo prazo. Antes do lançamento da segunda temporada, foi divulgada a sinopse baseada numa narrativa urbana, focada em quatro personagens que trabalham o conflito existencial em cena, dessa vez simbolizado pelo contraste entre conduta moral e o mundo merecido pelos homens (em contraposição à bestialidade dos seres da outra história).

    Como na trama anterior, a história é apresentada em oito episódios, mantendo a brevidade narrativa em contraste com as séries com vinte episódios, em média, da televisão aberta. O autor segue a tradição dramática, fundamentada desde a Grécia Antiga, ao dividir sua história em três atos distintos, sendo comumente definidos por: 1. Exposição das personagens e informações para o público situar-se; 2. Desfecho ou clímax, com parte do conflito sendo resolvido; e 3. Desenlace – o final do conflito, normalmente previsto pelo público devido à antecipação do desfecho ou clímax, sendo o primeiro ato apresentado nos quatro primeiros episódios, e o segundo e terceiro ato com dois episódios cada. Esta conceitualização é fundamental para compreender a base de sua história e os recursos narrativos desenvolvidos em cena – e também um fato primordial para o desfecho.

    Além da divisão em atos, a estrutura narrativa policial segue como cerne da história. Mesmo de maneira modificada, adequando-se à linguagem cinematográfica, cada temporada da série se desenvolve como um espécie de romance narrativo, contendo as estruturas de um romance policial. Motivo pelo qual uma análise pontual de um episódio pode evidenciar aspectos distintos de outro. Cada ato narrativo se apoia em um enfoque diferente.

    O primeiro e maior ato se estrutura, portanto, como uma apresentação, introduzindo personagens e suas histórias internas, além de marcar o primeiro acontecimento que será a base para o desfecho: um assassinato político. Neste início, o público compreende a essência de cada personagem para que no segundo ato – quando a investigação, de fato, transcorre – saibamos quem é cada um deles no falso jogo de confiança que o autor desenvolve, fazendo-nos ter simpatia maior ou menor por certas personagens. Não à toa, estamos à meia-luz, sem saber se as figuras retratadas são boas ou más. Como um romance, a obra cresce aos poucos, sendo natural a demora para atingir pontos máximos, um conceito coerente com a vertente da narrativa noir: o crime não é necessariamente o centro, mas sim o universo à sua volta e as personagens que o investigam.

    A veia política pulsa fortemente ao posicionar o crime como centro unificador de personagens com camadas diferentes. É a morte que explicita a intriga e constrói a investigação no segundo ato (após um primeiro ato finalizado de maneira brilhante, com um intenso tiroteio). A sociedade que cerca tais personagens reflete a ganância humana. Neste aspecto, a pequena cidade de Vinci é um literal reduto de podridão sustentada pelo desenvolvimento industrial e comercial. Ao ambientar a trama em um local inteiramente dominado pela paisagem metálica, Pizzolatto conduz o público a compartilhar sua visão. Eis uma cidade reunindo o pior de nós, parece nos dizer.

    O segundo ano situa-se após um salto temporal, com as consequências do bem filmado tiroteio, mas mantém qualquer esclarecimento no vazio. A urbanização substitui o misticismo rural. Nesta construção, o inimigo não é aparente, mas sim uma massa anômala formada por invisíveis homens corruptos. A visão niilista permanece, porém, em vez de um personagem, é desenvolvida dentro de uma ambientação desoladora. Um paradoxo delicado quando, para desvendar um crime, um grupo de policiais deve agir como uma equipe secreta, evitando vazamentos. Os supostos heróis permanecem ocultos, enquanto o império do crime segue ativo.

    Como o engano faz parte fundamental da história, observamos com mais clareza o caráter das quatro personagens centrais neste segundo momento: em maior ou menor grau, homens com leves desvios, mas que ainda se mantêm opostos ao faminto ambiente corrupto. Os vícios em drogas, sexo ou na violência moldada pela vida são a parcela humana destes heróis, um recurso que os aprofunda em camadas – gerando identificação do público –  ao mesmo tempo que revela a escolha de um caminho alternativo. O terceiro ato representa o desenlace dessas escolhas.

    Mesmo que cada personagem principal seja formado por uma trajetória específica, todos possuem o mesmo padrão comum: são vítimas de uma culpa anterior que desejam exterminar. Velcoro se modifica após o crime que não deveria ter cometido; Bezzerides vive à sombra de um trauma da infância, destacando o fato de não ter tido medo do acontecido; Woodrugh nega sua homossexualidade; enquanto Frank, o mais socialmente errático deles, com um passado miserável deixado para trás, com ambição e violência, pune-se por não ver a ruína de seu império. Momentos anteriores e decisivos na vida de cada um que moldaram o caráter. São homens tentando equilibrar a balança da vida, tentando o caminho do que consideram bem diante do que fizeram de mal anteriormente, mesmo que cada conflito interno seja dúbio.

    O desfecho condiz com a visão devastadora do mundo: ninguém se salva, exceto os corruptos e o crime. Novamente, representa uma tragédia contemporânea no sentido mais literal da palavra, próxima do conceito grego de tragédias clássicas. A morte é constante como destino final neste tipo de drama, porém sempre deixa um sobrevivente para contar a história, função denotada a Bezzerides, que simultaneamente carrega o símbolo de esperança, com o nascimento do filho, e de mensageira. No entanto, tais signos são apenas um alívio diante de um pesado desengano. Mesmo poupada da morte, a tragédia permanece em seu destino como representação deste mundo revirado. Bezzerides é condicionada a viver em fuga, fora de seu país natal.

    Os outros três personagens perecem diante de um mal maior do que eles. Em um mundo estruturado conforme nosso merecimento, a existência de três personagens parcialmente bons é errática e desigual. A morte os coloca de volta a inércia, anula sua trajetória heroica enterrando-os sobre a amorfa selva de concreto. A linearidade narrativa é coerente com seu estilo. Não há conspiração, nenhum homem responsável por todo o mal. A mensagem é amarga, com poucos sinais de esperança. Uma guerra perdida.

    A antologia narrativa chega ao seu segundo arco mais madura, transitando em um polo diferente do primeiro ano. Sem o chocante impacto de Carcosa, ainda mantém a densidade e a força de uma grande série contemporânea.  Ainda que não saibamos como será a próxima história de Pizzolatto, é certo que a visão de um universo desencantado estará presente.

  • Crítica | The Normal Heart

    Crítica | The Normal Heart

    The_Normal_Heart

    A AIDS como denúncia enquanto produto do meio inexplicável. Teorias da conspiração são o tipo de coisa que não falta nesse mundo, e até hoje seguem feito esporte efetivo aos incapazes de compreender a pandemia, alastrada nos anos 80, do vírus de tantos amores soropositivos, de segregação sexual. Você sente que The Normal Heart é dedicado a todas as vozes caladas no passado, esquecidas na época por seus representantes políticos (que hoje ganham ou perdem votos por apoiar o casamento homo, como se o direito fosse alienígena), e cientes de que nunca seriam lembradas. Um daqueles raros filmes gays que não tenta se heteronormatizar, não tenta se encaixar no contexto que a maioria do público gosta de ver. Se faz com total orgulho acerca de uma minoria, e realizado para ela mesma, ainda que possa ser totalmente adotado por qualquer pesquisador da raça humana e usuário do cinema para tanto.

    Se resgatar atos e fatos de um passado recente e incômodo indispõe muita gente, o telefilme do canal HBO tem a força de mil elefantes, carregada nas costas da visibilidade, da expressão, sendo tal expressão totalmente econômica e serena durante toda a projeção, além de utilizar-se como ponto central da polêmica enfermidade, já tratada antes mas não debatida ainda com tamanho realismo, seja em Clube de Compras Dallas ou em Meu Querido Companheiro, os dois melhores exemplos até então.

    A questão do direito foi mencionada acima. Direito de ser o que é? Quanto ao amor, esse é guerra. Quanto ao filme, Ryan Murphy, o cineasta, se apropria da história em mãos para tecer uma analogia própria e intrínseca ao enredo, ou seja, constrói uma obra democrática e bilateral, de pontos de interpretação diversos junto a um dínamo ligado a todos eles, ao fator ambíguo da proposta derivado de cada personagem apresentado; ora pelo representante do presidente dos Estados Unidos que se apavora na dúvida de que a AIDS poderia ser transmitida em contato hetero, ora pelos amigos, desesperados e a ponto de explodirem, do ativista da causa Ned Weeks – Mark Ruffalo, melhor atuação da carreira, com postura de Milk, de Sean Penn, e ecos do Lincoln de Daniel Day-Lewis. Weeks também não sabe direito quais procedências tomar em relação a uma doença que deixou de ser simples endemia ou caso isolado há muito, ou em quem acreditar, senão na responsável doutora Emma Brookner (Julia Roberts, a joia do filme). Em The Normal Heart, provocações só nascem de quem ainda não sabe o que lhe agrada.

    Murphy comanda o show e seu elenco com uma serenidade e um desejo de perícia, entre causa e efeito, inesperados, em especial para um cara que não detinha provas reais do seu talento, a despeito da fraca trilha sonora aqui, que perde a chance de embalar várias sequências, num incentivo voltado a uma maior profundidade sensorial. Todavia, num filme que contém a difícil cena de uma mãe, em prantos agonizantes que, junto do namorado de seu filho infectado, deve enterrar o próprio herdeiro rejeitado pelo nojo dos médicos que atestaram seu óbito, seria previsível um clima pesado, apelativo ou cético, certo? Nada mais contraditório a tal expectativa num filme acerca do amor, que aqui sofre a desconstrução a partir de quem o sente, jamais do sentimento.

    Trilhando caminho oposto aos taxativos de plantão, o explícito da obra gira em torno da necessidade de mostrar o que é preciso na tarefa de escancarar um mundo semi-proibido, sob uma economia de recursos eficiente para uma experiência serena, informativa e bem temperada, ao longo de elementos cuja intensidade vai além de um romance de Woody Allen.

  • Crítica | O Grande Herói

    Crítica | O Grande Herói

    lonesurvivor

    A intenção do filme de Peter Berg é notada logo em seu título, tanto na versão original – com Lone Survivor – mostrando um sobrevivente solitário, como em toda a pompa do nome brasileiro: O Grande Herói. A história real de um combatente que foi ao Afeganistão atrás de um dos principais asseclas de Osama Bin Laden, tenta pegar carona nos sucessos de bilheteria recentes, que focam a caça aos inimigos mundiais, realizados por Kathryn Bigelow, como Guerra Ao Terror e A Hora Mais Escura. A mesma superação do indivíduo está presente na fita que tem como protagonista o produtor executivo Mark Wahlberg, além de ser claramente uma tentativa de um suspiro por dias melhores por parte do diretor de “sucessos” como Hancock e Battleship: A Batalha dos Mares, tentando emular os melhores momentos do gênero, com uma clara influência de Três Reis, Falcão Negro em Perigo e um ânimo que remete a Platoon.

    Filmes militares edificantes são um sub-gênero clichê e com uma enorme propensão a repetir lugares-comum. O cotidiano dos combatentes residentes no Oriente Médio é muito parecido com o dos filmes que influenciaram Berg. Nas instalações militares prevalece a companhia exclusivamente masculina, o isolamento dos acontecimentos da terra natal dos alistados, armamento de primeira linha, e, obviamente, muitíssimo prolífico e claro, como se todos fossem fiéis ao deus islâmico, barbas bem cultivadas.

    A câmera de Peter Berg registra de forma assaz curiosa a rotina da caça ao terrorista subversivo, mostrando uma evolução visual muito grande por parte do realizador. As partes que mostram a espera pelo melhor momento para o grupo armado dar o bote são muito equilibradas em mostrar o tédio sonolento dos soldados enquanto aguardam a hora H, como também mostra o suspense amedrontador ao menor sinal de que algo pode ou não dar errado para eles, mostrando a tocaia tanto sob os olhos dos orientais possivelmente ligados ao Talibã como dos yankees camuflados na mata. A espera pela solução da questão referente a perseguição do alvo primário é muitíssimo sufocante e agorafóbica e piora quando surge a dúvida entre a libertação ou não dos reféns que aparentavam não ser hostis. O resultado final da discussão deixa em aberto outro debate, o da diferenciação de como identificar quais tipos de civis fazem parte do esforço de guerra inimigo.

    A atmosfera de caça toma conta do filme e a fotografia de Tobias A. Schliessler (que já havia trabalhado antes com Berg e também em Dreamgirls: Em Busca de um Sonho) é excelente pois consegue capturar a essência das trocas de tiros entre os lados distintos. Quase dá para sentir a areia voando após os projéteis acertarem o chão. A mixagem de som, por conta de Andy Koyama, Beau Borders e David Brownlow não foi indicada ao Oscar à toa. Também é um esforço descomunal de execução que beira a perfeição, aumentando a sensação de perigo do espectador junto aos aventureiros da jornada, aliada, é claro, a edição de som de Wylie Stateman.

    A edição de vídeo também é um primor. As escolhas de plano sequência são pontuais e constituem no melhor aspecto da película, sem dúvida, pois o apuro visual nas cenas próximas ao fim do conflito são de tirar o fôlego e qualquer traço de discordância entre o público e os personagens cai por terra, o observador mais atento pode até discutir os motivos dos militares de alta patente, mas não duvidam da motivação dos que sofrem no campo de batalha, pois a empatia é automática e impossível de ignorar.

    O pós-combate é ainda mais impressionante graficamente do que o entrave em si, graças a maquiagem e direção de arte. Os hematomas e feridas abertas desfiguram todos os atores fazendo-os irreconhecíveis até mesmo para as suas mães. A sucessão de infortúnios que invadem a vivência dos sobreviventes ganha proporções homéricas e os combatentes sofrem o diabo. No desespero da troca de chumbo, a técnica dos fuzileiros não faz tanto efeito quanto o esperado e os melhores resultados dos seus esforços são por meio das atitudes movidas pela bravura que pouco calcula riscos e que se vale muito mais de ações voluntariosas do que por escolhas mais sábias e mais pensadas. É até curioso que o socorro por parte dos militares fora de combate somente vem através de um protocolo e de um movimento absolutamente burocrático de informação de coordenadas, composta por um número de dez dígitos. Em que mundo perfeito haveria um desesperado oficial do exército sendo baleado e conseguindo falar de cor a sua localização entre latitude e longitude? Somente em um mundo utópico.

    Uma cena em particular mostra toda a excelência e grandiosidade visual de O Grande Herói, a vista interna do helicóptero atingido pelo míssil RPG sendo destroçado no ar e explodindo no impacto com a superfície é uma das cenas mais impressionantes do cinema de guerra mundial, e presa muito pelo realismo de todos os elementos que a envolvem.

    Quando o personagem principal Marcus Luthrell  se vê voando sozinho e é encarado pelos possíveis inimigos, o ator Mark Wahlberg  passa a apresentar uma atuação lúcida e verídica como há muito não fazia. Seu esforço talvez só iguale à sua participação em Infiltrados. Os sacrifícios físicos mostram um sofrimento sem igual e a dor que ele sente ao ter de se ferir para conseguir sobreviver é gráfica e calamitosa.

    A sua postura à la Rambo nos vinte minutos finais faz perguntar o quanto de toda esta história é de fato algo real, mas até os exageros narrativos são passíveis de perdão graças a todo o esforço em contar a história de Marcus Luthrell por meio de imagens e com pouquíssimo discurso político imperialista, mesmo com a fala final valorizando o esforço dos fuzileiros. Antes dos créditos finais, são mostrados fotos dos militares executados em serviço, algumas vezes acompanhando a sua vida civil. Involuntariamente o guião discute a necessidade belicista dos EUA mostrando grande parte do seu esforço militar perecer tão longe de casa, claro, com pouco pedantismo perto do que poderia ser e ainda contém referências ao Pashtunwali, prática corajosa do povo afegão em proteger um sujeito indefeso mesmo quando isto vai contra os interesses do regime Talibã.

  • Crítica | John Carter: Entre Dois Mundos

    Crítica | John Carter: Entre Dois Mundos

    Mostrando que o cinema de ficção científica está cada vez mais em alta, John Carter: Entre Dois Mundo, baseado no clássico romance A Princesa de Marte de Edgar Rice Burroughs, finalmente chega aos cinemas, porém infelizmente com a impressão de que chegou tarde demais.

    Somos apresentados a John Carter, um capitão veterano da Guerra de Secessão nos EUA, que tenta fugir a qualquer custo de continuar servindo em mais guerras e conflitos. Carter acaba sendo teletransportado inexplicavelmente para Marte e é a partir daí que a trama se desenvolve. Em um planeta em que sua estrutura óssea e gravidade o permitem pular mais alto do que o normal e ter força sobre-humana, acaba atiçando a curiosidade da raça dos Thark, uma das raças habitantes de Barsoon. Ainda que contra a sua vontade ao primeiro momento, Carter se vê envolvido em um conflito épico entre duas facções do planeta e acaba tendo que redescobrir a sua humanidade e os valores que quer defender para salvar a vida da Princesa Dejah Thoris e de toda uma população.

    Ao contrário do que muita gente desavisada pode achar, John Carter foi um personagem criado em 1912 e serviu de inspiração para uma série de histórias, dentre elas incluindo Star Wars e Avatar. Porém o fato de estar saindo nos cinemas pela primeira vez depois de tanto tempo dá uma impressão errada quanto a quem foi realmente o precursor no estilo.

    Trata-se de uma clássica história da jornada de um herói com todos os seus elementos clássicos presentes: a luta de um homem contra os fantasmas de seu passado, a princesa que foi prometida em casamento para o vilão com o intuito de terminar a guerra, um plano malévolo de dominação mundial e a superação do personagem lutando por uma causa, buscando sua redenção.

    O filme foi dirigido por Andrew Stanton – conhecido pelos seus trabalhos em grandes animações como Vida de Inseto, Procurando Nemo e WALL-E– que trabalhando juntamente dos roteiristas Mark Andrews e Michael Chabon não conseguiram convencer a história nas telas, tornando-o superficial e sem plots emocionantes.

    O destaque do filme fica por conta dos efeitos especiais, os quais foram abusados sem dó e nem piedade, e que são levados aos extremos. Em muitos momentos se tornam enfadonhos acabando por somar negativamente em uma história mal conduzida.

    Por outro lado, a concepção visual da raça dos Thark, por exemplo, teve um resultado excelente. Estes personagens são carismáticos e tornam o longa metragem no mínimo interessante, ao contrário dos atores de verdade, Taylor Kitsch e Lynn Collins, que esbanjam simplicidade em suas atuações, tornando os momentos em que contracenam juntos (mais de 60% do filme) extremamente desgastantes.

    O recurso 3D utilizado no filme não é excepcional, mas compõe bem os quadros utilizados. Serve apenas pra criar satisfatoriamente o efeito de profundidade nas cenas, principalmente naquelas que aparecem grandes cidades e paisagens.

    Uma obra que se torna fraca pelo mérito da forma como foi produzida, não da história original em si. De fato cumpre o seu papel em se tornar um grande blockbuster e diverte tanto quanto assistir filmes de aventura clássicos. Acho que é o suficiente para fazer alguém ir vê-lo nos cinemas.

    Texto de  autoria Pedro Lobato.