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  • Review | American Crime Story: O Povo Contra O.J. Simpson – 1ª Temporada

    Review | American Crime Story: O Povo Contra O.J. Simpson – 1ª Temporada

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    Na esteira do sucesso em forma de antologia de American Horror Story – também produzida por Ryan Murphy – e levando em consideração fatos marcantes da recente historiografia dos Estados Unidos, a primeira temporada de American Crime Story: O Povo Contra O.J. Simpson remonta a história de O J Simpson, com atuação há muito não vista nas performances de Cuba Gooding Jr.. A fotografia emula bons momentos do cinema, com a escuridão predominando no piloto, prevendo os defeitos de caráter dos personagens, e argumento que se desenvolve vagarosamente, cauteloso como os best-sellers policiais noir.

    Os dois showrunners tem uma curiosa carreira, trabalhando como produtores e/ou roteiristas de  Ed Wood, Grandes Olhos, Goosebumps e do conto de Stephen King para o cinema em 1408. Scott Alexander e Larry Karaszewski, apesar de ecléticos nos temas que abordam, sempre tiveram em comum nos seus trabalhos uma predileção pelo mistério, e o modo como escolheram contar sua história não poderia ser mais acertado, ao menos em patamares televisivos.

    Há uma influência clara de True Detective no seriado, especialmente por exibir personagens de caráter plenamente discutível, e não julgá-los como vilões maniqueístas bobos. Mesmo a controversa figura de O.J. é registrada sob um prisma que garante uma enorme ambiguidade à questão. Os episódios iniciais tomam o cuidado de não fazer um juízo de valor barato, apresentando os argumentos a favor do atleta e também aqueles contra ele. O elenco é formado por artistas consagrados, como John Travolta fazendo Robert Shapiro, o advogado de litígio, e David Schwimmer como Robert Kardashian, com personificações bem semelhantes e reais.

    Mesmo com alguma semelhanças entre O Povo Contra O.J e a série de Pizzolato/Fukunaga, não há muito como comparar o clima de ambas, já que a iluminação e arte são bem diferentes, assim como Louisiana é o avesso da ensolarada Califórnia. O modo de contar o drama é mais comum e formulaico, ainda que seja quase tão inspirado quanto a série da HBO. Os detalhes históricos são belamente conduzidos, beirando a perfeição em sua força dramatúrgica e nos rumos tomados a partir da fuga de O.J., da amplificação da questão de sua cor e do argumento utilizado para desviar de si as acusações.

    Gooding Jr. trabalha muito bem as nuances éticas e sentimentais de seu personagem, apresentando as muitas facetas do mesmo homem, desde quando ele fingia nada ter feito, até a depressão que o tomou e o fez tentar se matar e depois fugir. Sua performance é muito boa, apesar de a trajetória de protagonismo não ser exclusivamente sua, uma vez que ele tem de dividir tela também com a equipe que tenta incriminá-lo, liderada por Marcia Clark (Sarah Paulson), e formada por Gil Garcetti (Bruce Greenwood), Bill Hodgman (Christian Clemenson) e Christopher Darden (Sterling K. Brown). É em Juice que os arroubos emocionais são mais frequentes e é de seu intérprete que é exigido mais, sem dúvida alguma. A questão ética e moral que envolve Simpson é delicada e mexe com os ânimos da comunidade até os dias de hoje, passadas mais de duas décadas.

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    A direção dos episódios normalmente é bastante tímida, ao menos após o piloto, comandado por Murphy. A maioria dos episódios é conduzida pelo experiente Anthony Hemingway. No entanto o capítulo que mais foge do escopo normalista é o quinto, Race Card, conduzido por John Singleton, o qual explora em essência o personagem de John Cochrane (Courtney B. Vance), advogado negro especializado em crimes de raça. Apesar de demonstrar uma realidade do apartheid nos Estados Unidos, as cenas em que seu personagem é enquadrado são muito didáticas. Neste segmento, todos os holofotes estão sobre o jurista, de modo justo obviamente. Bastante sensacionalista e simplista, o enfoque resulta em um covardia bastante caricata, mas, ainda assim, guardando grandes semelhanças com a apelação jurídica do caso.

    As partes vividas no tribunal usam de estilos diversos, desde edições modernas, com closes rápidos nos interrogados, até cenas bastante emotivas, dentro e fora do certame jurídico. Por ser este um caso público que envolve uma celebridade, a imprensa é cruel com os envolvidos, o que por si só já demonstra as facetas do circo midiático que se instalou, bem como o estado caótico da cidade.

    O programa sofre com problemas graves de ritmo ao se aproximar do último capítulo, mas ganha em emoção nas cenas do tribunal e na exploração dos graves acontecimentos que ocorrem com os envolvidos diretamente no caso. O desenrolar da relação de Darden e Clark reúne alguns momentos piegas e desnecessários, que, no entanto, ajudam a humanizar a trama, mostrando o que realmente importa dentro de toda a discussão, que é a humanidade e suas necessidades, torcendo até mesmo a realidade em prol dessas falhas de julgamento de valor, além de explorar o mal que alguns enfoques midiáticos podem fazer ao ser humano.

    O veredito é óbvio, e todos os dez episódios de O Povo Contra O.J. Simpson foram executados para tentar mostrar mais detalhes da história que primeiramente chocou um país, além de ter se valido de brechas no sistema para ludibriar a culpa factual que cabia a Juice. As nuances de comportamento registrados por Gooding Júnior são mais uma vez exigidas, tanto no alívio que ele tem ao sair da prisão e finalmente poder banhar-se em casa, no conforto de seu lar, quanto na rejeição que sente por seus antigos amigos, que sequer compareceram a sua festa, uma vez que não acreditavam nem nos rumos legais e nem em sua inocência contestada.

    Ao final desta primeira temporada de American Crime Story, são mostradas as pessoas envolvidas na história ao lado de seus intérpretes e a tradicional descrição do destino de cada uma delas, alertando ao público da necessidade de se denunciarem os abusos domésticos, independente do entorno, fazendo do programa a acusação maior contra a fragilidade dos conceitos que compõem a opinião pública do povo e do júri residente nos Estados Unidos da América, que conseguem favorecer até criminosos recorrentes. A qualidade desses últimos momentos faz o espectador se esquecer, inclusive, dos problemas de ritmo. Caso tivesse menos episódios, a série seria muito mais fluida, mas o resultado é um bom início para as antologias criminalistas de Ryan Murphy.

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  • Crítica | The Normal Heart

    Crítica | The Normal Heart

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    A AIDS como denúncia enquanto produto do meio inexplicável. Teorias da conspiração são o tipo de coisa que não falta nesse mundo, e até hoje seguem feito esporte efetivo aos incapazes de compreender a pandemia, alastrada nos anos 80, do vírus de tantos amores soropositivos, de segregação sexual. Você sente que The Normal Heart é dedicado a todas as vozes caladas no passado, esquecidas na época por seus representantes políticos (que hoje ganham ou perdem votos por apoiar o casamento homo, como se o direito fosse alienígena), e cientes de que nunca seriam lembradas. Um daqueles raros filmes gays que não tenta se heteronormatizar, não tenta se encaixar no contexto que a maioria do público gosta de ver. Se faz com total orgulho acerca de uma minoria, e realizado para ela mesma, ainda que possa ser totalmente adotado por qualquer pesquisador da raça humana e usuário do cinema para tanto.

    Se resgatar atos e fatos de um passado recente e incômodo indispõe muita gente, o telefilme do canal HBO tem a força de mil elefantes, carregada nas costas da visibilidade, da expressão, sendo tal expressão totalmente econômica e serena durante toda a projeção, além de utilizar-se como ponto central da polêmica enfermidade, já tratada antes mas não debatida ainda com tamanho realismo, seja em Clube de Compras Dallas ou em Meu Querido Companheiro, os dois melhores exemplos até então.

    A questão do direito foi mencionada acima. Direito de ser o que é? Quanto ao amor, esse é guerra. Quanto ao filme, Ryan Murphy, o cineasta, se apropria da história em mãos para tecer uma analogia própria e intrínseca ao enredo, ou seja, constrói uma obra democrática e bilateral, de pontos de interpretação diversos junto a um dínamo ligado a todos eles, ao fator ambíguo da proposta derivado de cada personagem apresentado; ora pelo representante do presidente dos Estados Unidos que se apavora na dúvida de que a AIDS poderia ser transmitida em contato hetero, ora pelos amigos, desesperados e a ponto de explodirem, do ativista da causa Ned Weeks – Mark Ruffalo, melhor atuação da carreira, com postura de Milk, de Sean Penn, e ecos do Lincoln de Daniel Day-Lewis. Weeks também não sabe direito quais procedências tomar em relação a uma doença que deixou de ser simples endemia ou caso isolado há muito, ou em quem acreditar, senão na responsável doutora Emma Brookner (Julia Roberts, a joia do filme). Em The Normal Heart, provocações só nascem de quem ainda não sabe o que lhe agrada.

    Murphy comanda o show e seu elenco com uma serenidade e um desejo de perícia, entre causa e efeito, inesperados, em especial para um cara que não detinha provas reais do seu talento, a despeito da fraca trilha sonora aqui, que perde a chance de embalar várias sequências, num incentivo voltado a uma maior profundidade sensorial. Todavia, num filme que contém a difícil cena de uma mãe, em prantos agonizantes que, junto do namorado de seu filho infectado, deve enterrar o próprio herdeiro rejeitado pelo nojo dos médicos que atestaram seu óbito, seria previsível um clima pesado, apelativo ou cético, certo? Nada mais contraditório a tal expectativa num filme acerca do amor, que aqui sofre a desconstrução a partir de quem o sente, jamais do sentimento.

    Trilhando caminho oposto aos taxativos de plantão, o explícito da obra gira em torno da necessidade de mostrar o que é preciso na tarefa de escancarar um mundo semi-proibido, sob uma economia de recursos eficiente para uma experiência serena, informativa e bem temperada, ao longo de elementos cuja intensidade vai além de um romance de Woody Allen.