Ron Woodroof, personagem de Matthew McConaughey, é mostrado imediatamente como um sujeito desregrado cuja vida boêmia o empurrou para o estágio em que está. A câmera o registra a meia distância em suas atividades “marginais”, sua aparência é de decadência, seu corpo aparenta uma enorme fraqueza através da magreza excessiva e das tosses constantes. A notícia de que seria um soropositivo o pega de surpresa e o faz começar negando o problema. Dallas Buyers Club se passa nos anos 80, onde ainda não se tinha total clarividência sobre a doença, e onde ainda se acreditava que esta era algo passado somente em relações sexuais entre homossexuais.
A percepção que está mal faz com que Woodroof apele para o suborno, numa brincadeira do roteiro com o Modelo de Kluber Ross (e seus cinco estágios: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação), mas não tira de si o comportamento machista. Tal postura pode ser encarada como um mecanismo de defesa, uma dificuldade de conviver com sua condição, especialmente no ambiente em que está, e a coisa só piora quando os seus “iguais” o tratam como as “bichas”, que são basicamente o seu objeto de ódio até ali.
À sua maneira Ron tenta dar a volta por cima de seus problemas, a escolha do ramo de negócio o faz encarar sua condição com muito mais positividade, e aparentemente ele até melhora seu aspecto, tendo poucos ataques. Ele expande suas fronteiras, torna-se cosmopolita, na tentativa de retomar seu destino em suas mãos, mas as medidas não passam de paliativos.
Os ataques e recaídas, simbolizadas com um zumbido intermitente são uma ótima artimanha para demonstrar o descontrole de Ron, a escolha de Jean Marc Vallée demonstra o quão suscetível ele permanece ao vírus, mas não invalida seu meio de vida marginal, visto a propensão da Doutora Eve Saks (Jennifer Garner) aos resultados que seus pacientes têm ao comprar de Ron seus medicamentos. A filmografia de Vallée costuma se valer de um discurso que aborda temas ligados a minorias secularmente excluídas, mas sem tratá-las como pobres coitadas (como em Lista Negra e Café de Flore). O clube de compras é mais do que uma tola tentativa de lucrar em cima da desgraça alheia – coisa que nem mesmo Ron percebe de início.
As atuações estão impecáveis, Matthew McConaughey faz um sujeito bronco, preso numa situação calamitosa mas que tem criatividade o suficiente para se reinventar e reconsiderar seus conceitos. Os coadjuvantes também são competentes, Jennifer Garner e Denis O’Hare, mas é Jared Leto que obviamente rouba as atenções, com sua Rayon no começo como uma louca drag queen e ao final na decadência da doença, sem conseguir se livrar de seus vícios e definhando dia a dia. Sua vida afeta diretamente a de Ron e o faz perceber o quanto ele mesmo mudou.
A discussão ética presente no roteiro é obviamente válida, especialmente quando de pensa na burocracia do sistema médico americano e no intervencionismo do homem comum para corrigir a conformidade que lhe é imposta. A venda ilegal das drogas impingida por Ron Woodroof evolui de estágio, de um simples tratamento próprio passando pelo lucro e desembocando na defesa de um ideal que beneficia uma parcela da sociedade que antes era até perseguida pelo indivíduo em questão, mas que mesmo diante de todas as qualificações honrosas ainda é diminuto se comparado ao poderio dos conglomerados farmacêuticos. A resistência de Ronald tem seus louros ao final e ele se torna um símbolo da luta de muitos doentes por melhores condições ao conselho médico estadunidense, ainda que este reconhecimento só tenha vindo anos após seu falecimento em 1992.