Tag: Sienna Miller

  • Crítica | Crime Sem Saída

    Crítica | Crime Sem Saída

    Chadwick Boseman foi um grande ator. Ainda que a sua carreira tenha sido breve, o eterno Pantera Negra sempre foi uma presença magnética nas telas. Um dos grandes exemplos disso é esse Crime Sem Saída. Dirigido por Bryan Kirk em sua estreia como diretor de cinema, o filme é um eficiente thriller policial que tira muito proveito do seu elenco, principalmente do seu protagonista.

    Na trama, Boseman interpreta Andre Davis, policial chamado para investigar o assassinato de oito policiais por uma dupla de ladrões em um restaurante que servia como fachada para o tráfico de cocaína. Filho de um oficial morto em serviço, Davis é visto como a pessoa perfeita para solucionar rápido o crime. Para isso, o detetive ordena que as 21 pontes que dão acesso à Manhattan sejam suspensas e inicia uma implacável perseguição aos criminosos.

    O longa tem influência dos filmes policiais da década de 80 e 90, em que os oficiais protagonistas eram reservas morais em meio a uma corporação afundada em burocracia e corrupção. Remete também aos faroestes e aos cowboys obstinados com seus códigos de conduta estritos. Desde o início, o roteiro de Matthew Michael Carnahan e Adam Mervis deixa o conceito moral bem estabelecido, porém, isso não faz com que o personagem seja unidimensional. O passado do detetive Davis é apresentado, mas não de forma melodramática. O artifício faz com que o espectador estabeleça uma relação de simpatia com o personagem, ao mesmo tempo em que apresenta suas motivações e a sua bagagem emocional. Em conjunto com o carisma e a boa atuação de Boseman, o personagem foge do arquétipo de policial que povoa a maioria dos filmes do gênero. Outro ponto forte é a relação que o detetive forma com um dos criminosos. São poucas as cenas entre os dois, mas a dinâmica é bem interessante.

    Ainda sobre o roteiro, há uma crítica sutil à corrupção policial. Não há como determinarmos se a intenção do script era abordar dessa maneira o assunto, mas isso se dá de forma orgânica dentro do filme. Entretanto, quando trata do racismo estrutural no departamento de polícia de Nova York, principalmente nos trejeitos do personagem de Boseman e na forma como ele é visto por seus pares, essa naturalidade escapa um pouco. Em certos momentos, parece que a crítica ocorre somente por acontecer. Não é exatamente de forma gratuita, porém não possui essa organicidade dentro do roteiro. Já um grave problema que ocorre está nos vilões do filme, cuja burrice e vacilos chegam a ser inacreditáveis.

    A direção de Kirk é segura, sem maiores invenções. Diretor de episódios de séries como Luther e Game of Thrones, o diretor imprime um ritmo ágil e vai escalando a tensão à medida que a trama se desenrola. Ainda que não existam grandes reviravoltas no roteiro, tudo é conduzido de forma à prender a atenção do espectador até chegar a uma conclusão que se não é épica, é ao menos condizente com o que aconteceu ali. Estabelecendo a mencionada boa relação entre o público e o herói, além de arrancar uma performance memorável de Stephan James, intérprete de um dos criminosos.

    Crime Sem Saída tinha tudo pra ser um daqueles filmes que são assistidos casualmente em uma madrugada insone, entretanto, amparado por um roteiro sem invenções absurdas, uma direção segura, além de uma ótima trilha sonora composta por Henry Jackman e Alex Belcher, o filme se mostra como uma boa diversão e mais uma prova do grande ator que Boseman foi.

  • Crítica | Z: A Cidade Perdida

    Crítica | Z: A Cidade Perdida

    z-cidade-perdida

    Baseado no livro homônimo do repórter da New Yorker, David Grann, com roteiro e direção de James Gray, Z: A Cidade Perdida conta a história de Percy Harrison Fawcett (Charlie Hunnam) – explorador britânico que, em 1925, prometendo fazer uma das mais importantes descobertas arqueológicas da história, desapareceu em uma expedição à Amazônia cujo objetivo era encontrar uma antiga civilização. Sabe-se hoje que a suposta localização dessa civilização, para onde se dirigiu Fawcett, é na Serra do Roncador, em Barra do Garças, no estado do Mato Grosso, Brasil.

    Considerado um dos maiores mistérios do período das grandes expedições do início do século XX, o destino de Fawcett tornou-se uma obsessão para centenas de viajantes que o seguiram pela selva impenetrável. Inclusive Grann que, durante sua pesquisa para o livro, embrenhou-se na mata para, entre outras coisas, tentar resolver esse mistério e entender a pulsão obsessiva do explorador em relação à existência dessa civilização perdida e sua cidade.

    Fawcett começou a explorar a Amazônia em 1906, numa missão de mapeamento do interior da mata e delimitação de fronteiras em Brasil e Bolívia, organizada pela Royal Geographical Society. Explorou a Amazônia quase pelas duas décadas seguintes, em mais sete expedições. Retornou a Inglaterra para servir ao exército britânico durante a Primeira Guerra Mundial, mas logo após o fim da guerra retornou ao Brasil para estudar a fauna e arqueologia local. Durante todo esse tempo, começou a juntar evidências que o levaram a acreditar que havia existido uma civilização muito antiga na selva. Depois de anos juntando evidências e obcecado por encontrar tal lugar, que ele batizou de Cidade de Z,  e embarcou no que seria sua última expedição, em 1925. Levou consigo apenas duas pessoas: seu filho mais velho, Jack (Tom Holland), então com 21 anos, e o melhor amigo de Jack, Raleigh Rimell.

    É compreensível que entre a história real e o filme existam algumas diferenças. Por exemplo, no filme, Fawcett fez apenas 3 expedições à Amazônia e apenas Jack o acompanhou na expedição de 1925. Não haveria tempo hábil para mostrar suas expedições todas, assim como ficaria forçada a introdução de um personagem de última hora, Rimell, apenas para manter a fidelidade histórica. Mas há algo em que o roteiro falha fragorosamente: transpor a obsessão de Fawcett para a tela. E não é falha na interpretação de Hunnam. Simplesmente não há indícios no roteiro de que sua vida girava em torno da busca obsessiva por Z. No máximo, ele parece um explorador insistente ou talvez apenas teimoso, mas não obsessivo. Algo que corrobora isso é o fato de que, no filme, quem o “convence” a organizar essa última expedição é Jack, enquanto que, na realidade o explorador continuava querendo confirmar sua tese e é ele quem convida Jack e Rimell para acompanhá-lo.

    Mesmo para quem não leu o livro, baseando-se na sinopse, espera-se que seja algo aventuresco. Não necessariamente repleto de ação, mas com dinamismo, intensidade (característica sempre citada em descrições de Fawcett). Também não precisaria ser um Indiana Jones – mesmo que o arqueólogo tenha servido de inspiração para o personagem famoso – mas era de se esperar que fosse menos morno e insosso. Afinal, embrenhar-se na selva com os parcos recursos e conhecimentos da época era, com certeza, uma aventura.

    Em certo ponto da primeira expedição, tem-se a impressão de que talvez o roteiro seguiria por um caminho semelhante a Apocalipse Now ou mesmo Fitzcarraldo. Mas foi apenas mais um palpite que não se concretizou. O ritmo da narrativo segue lento do início ao fim. E, mesmo momentos que poderiam prender o espectador se desenrolam de forma previsível e desinteressante.

    Em algumas cenas, parece que Nina Fawcett (Sienna Miller), esposa de Fawcett, e os filhos irão forçá-lo
    a escolher entre a família e sua obsessão, confrontando-o duramente, questionando-o sobre seu papel. Porém é apenas uma ameaça. Há todo esse pano de fundo em sua vida que poderia ser melhor explorado num filme de 140 minutos e que permanece apenas insinuado.

    A fotografia é boa, mesmo não conseguindo criar no público a sensação claustrofóbica de estar confinado na mata fechada. Figurino bastante competente e maquiagem OK, apesar de não envelhecer Hunnam o suficiente na última parte do filme.

    Z: A Cidade Perdida é um filme longo que, se não cativa pela aventura, é um bom retrato de um dos últimos exploradores solitários do século passado e certamente desperta nos que se interessam pelo assunto o desejo de ler o livro em que se baseia o filme.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | A Garota

    Crítica | A Garota

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    De proposta bem diferente de seu primo de época Hitchcock, o filme de Julian Jarrold retrata a relação de Tippi Hedren (Sienna Miller) e o diretor britânico Alfred Hitchcock (Toby Jones), durante a feitura de Os Pássaros. A produção A Garota é baseado no livro Fascinado pela Beleza, de Donald Spoto, e já em seu início mostra uma persona de Hitch bastante controversa e invasiva, sem tomar o cuidado de criar no espectador a fascinação direta que o filme de Sacha Gervisi fez questão de fazer.

    Os relatos da própria Tippi Hedren traçam uma figura bastante abusiva do diretor de Festim Diabólico e Intriga Internacional, diferente do personagem adocicado e atormentado que Anthony Hopkins interpretou no mesmo ano. Esta versão da HBO Films é um pouco mais explícita nessa questão, mostrando o cineasta abusando da paciência, da moral e dos sentimentos da estrela, pondo-a em situações limites a fim de tirar dela a melhor atuação.

    A contestação por parte da equipe de produção é tímida, e comedida, de certa forma emula o medo que há por grande parte dos admiradores de Alfred em tocar em assuntos pessoais espinhosos, uma vez que ele é visto pela maioria como um mito, como um objeto completamente inalcançável. Nesse ponto, a atuação de completo pavor que Siena Miller faz em relação a figura de medo é excelente, não resta dúvida tanto sobre as responsabilidades do diretor nos traumas da interprete, quanto também a parte biográfica do longa, se dedicando mais a Hedren o que a Hitchcock, residindo aí o maior protesto em relação a outra biografia.

    A gravidade dos fatos se exacerba quando se mostra as cenas de feitoria de Marnie – Confissões de Uma Ladra, onde a nudez de Tippi é usada como elemento de denúncia e de exposição dos tantos abusos que o homem fez a mulher. Todo montante de humilhações e provações antes mostradas encontram seu ápice aí, quando os olhos lascivos do já ancião realizador encontram o corpo desnudo da jovem e agora desesperançosa atriz.

    A Garota toca em pontos nevrálgicos da tempestuosa e polêmica carreira de Alfred Hitchcock, e dá voz finalmente ao relato de Hedren, ainda que suavize grande parte dos abusos que ela fez em sua versão já famosa. O modo que Jarrold conduz sua câmera condiz mais com a linguagem cinematográfica do que televisiva, abusando de tomadas aéreas e planos profundos, que reiteram a grandiosidade da filmografia analisada, mas ajudando também a grafar os dramas complicados, com super closes que mostram o terror que o cineasta causava em seus atores, os mesmos que o próprio considerava apenas como gado.

  • Crítica | Pegando Fogo

    Crítica | Pegando Fogo

    Pegando Fogo - poster

    No final da década de 90, o mundo foi infestado de reality shows de tudo quanto é espécie, mas foi ao final da primeira década dos anos 2000 e posteriormente em seus anos seguintes que um determinado tipo de reality ganhou bastante notoriedade: os de culinária. Pode-se dizer, com certeza, que programas como Hell’s Kitchen, Kitchen Nightmares (ambos estrelados pelo difícil Chef escocês Gordon Ramsey) e ultimamente Masterchef (com edições em centenas de países), foram, sem dúvida, inspirações para Pegando Fogo, que, com o perdão do trocadilho, é um prato cheio para quem gosta desse tipo de programa. Embora não haja informações a respeito, nota-se claramente a influência desses programas por toda a concepção da fita, e é justamente esse o maior demérito de Pegando Fogo. Tudo que você já viu, pelo menos uma vez, está lá, e pior, como se fosse um compêndio dos realities, porém com uma história de fundo, porque, vamos lá, se trata de um filme, certo?

    Bradley Cooper vive o renomado, mas esquecido, Chef Adam Jones. Jones fez muito sucesso sendo chef em Paris, o que lhe rendeu duas estrelas Michelin, o ponto mais alto da carreira de um chef. Acontece que as drogas, a bebida e uma vida desregrada acabaram por jogar Jones na sarjeta, fazendo com que ele retornasse à América com o intuito de começar de novo. Para tanto, aplicou uma penitência em si mesmo: trabalhar num restaurante onde ele pudesse abrir um milhão de ostras, para, depois, retornar à Europa, buscando sua terceira estrela.

    O primeiro ato é marcado por cenas interessantes e que rendem bons momentos, já que chegando à Europa, Jones percebe que angariou muitos desafetos e até as pessoas mais próximas o odeia, o que lhe força a fazer um tour por ambientes gastronômicos nem um pouco renomados e sem nenhuma pompa em busca de pessoas talentosas com a finalidade de montar uma equipe que lhe ajude a voltar a ser o que era. Mas primeiro, o protagonista precisa convencer o filho de seu antigo mentor, Tony, (Daniel Brühl) a lhe dar um restaurante. E mais, provar a todo custo que está livre da bebida e das drogas. A partir daqui, o filme se perde muito em sua qualidade e enredo.

    Pegando Fogo retrata de forma precisa situações vividas em reality shows de culinária. Desde o chef procurando falhas nos pratos de outros restaurantes, assim como em Kitchen Nightmares, passando pela maneira grosseira de tratar seus subordinados, as incontáveis explosões de raiva de Hell’s Kitchen, até a maneira didática de Masterchef. E isso cansa, uma vez que o público já está acostumado com esse tipo de coisa. Até as tomadas de câmera são idênticas, exceto por um único momento, onde a cozinha trabalha em um belo, mas rápido, plano sequência.

    O diretor do longa, John Wells, é produtor por ofício e trabalhou em diversas séries conhecidas do público, como E.R., West Wing e, mais recentemente, Shameless, mas na cadeira da direção atuou somente em alguns episódios das duas primeiras. Sua pouca experiência dirigindo programas voltados para a televisão não foi suficiente para se aventurar no cinema, e justo em um filme que aborda o tema mais comum e famoso no meio televisivo, o que é extremamente irônico. Ainda que a direção tente criar um ambiente confortável ao espectador, o roteiro de Steven Knight traz uma reviravolta no início do terceiro ato que ajuda a superar em parte tudo que o filme teve de ruim até então, uma vez que passa a prender a atenção do espectador. Porém, infelizmente, tal recurso apresenta um anticlímax e apenas tem o intuito de amenizar toda a situação ali vivida por Jones e trazer um final feliz para a história, o que é uma pena.

    E não podemos esquecer as atuações de Bradley Cooper, sempre competente, ainda que em filmes fracos, e de Daniel Brühl, que, infelizmente teve seu talento desperdiçado. E o filme ainda conta com Sienna Miller e com participações especiais de Alicia Vikander e Uma Thurman.

    De qualquer forma, Pegando Fogo claramente é um filme que não busca inovar um assunto tão bem retratado na televisão. É como se fosse aquela banda que sempre toca as músicas que os fãs querem ouvir. Olhando sob esse prisma, você não irá se revoltar. Vai até apreciar. Mas para o cinema, é apenas mais um filme. E só.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | Sniper Americano

    Crítica | Sniper Americano

    Sniper Americano - poster internacional

    O chamado sonoro, anunciando a ação antes mesmo de qualquer personagem aparecer na tela, guarda as intenções de seu diretor em reprisar um tema que para ele é caro. Sem filmar dramas relacionados a conflitos armamentistas desde O Destemido Senhor da Guerra, Clint Eastwood apresenta uma nova versão da guerra ao terror – fazendo às vezes de Kathryn Bigelow – em Sniper Americano, utilizando uma figura masculina como ponto central de sua trama, diferente do que ocorreu com o recente A Hora Mais Escura.

    Chris Kyle, vivido por Bradley Cooper, representa um soldado fiel aos preceitos de sua pátria e à bandeira das forças armadas. Atrás da compleição resoluta, esconde-se uma psiquê frágil de um homem que se tornou bruto pela rígida criação conservadora e religiosa de seus pais. Desde cedo, o personagem é doutrinado a pensar que o mundo é habitado por criaturas maldosas. Na infância, os avatares desta perversidade eram prioritariamente os bullyers, às vezes alcunhados de “lobos”, revelando uma concepção baseada em um engodo que escondia o prejuízo que a superproteção do pai tinha pelo garoto.

    A personalidade de Kyle é baseada na fragilidade de espírito, que causa nele dificuldades de expressar seus sentimentos. O modo econômico com que Clint filma tais factoides talvez faça o analista desatento não perceber que o recurso não é inferido por pobreza de narrativa, mas sim por apego ao material original,  o livro Sniper Americano: O Atirador Mais Letal da História dos EUA, autobiografia que baseia a obra. A narrativa acompanha o protagonista enfatizando a simplicidade de espírito de sua personagem, emulando a frugalidade de sua alma.

    Os cortes rápidos, variando entre os dias que Chris passa nos alojamentos e as lembranças que tem com sua amada, Taya (Sienna Miller), fazem lembrar os melhores momentos de Billy Wilder. No desértico campo de batalha, ou nas estalagens verdejantes onde o treinamento ocorre, Chris recorda-se das doces memórias, daquilo que poderia motivá-lo a voltar vivo, além do patriotismo exacerbado e o medo fomentado pelo modo de governo do Partido Republicano diante das tragédias de setembro de 2001, artimanha essa que justiçaria qualquer barbarismo em terras estrangeiras, validando o revide àqueles que impingiram o mal à nação, independentemente de serem alvos fracos na visão dos machistas e xenófobos que inspiram e delegam ordem aos alistados.

    O decorrer das operações revela uma confusão visual causada pela caça aos inimigos islâmicos, visualmente agravada pelo efeito do breu da noite, e emocionalmente piorada pela discussão moral a respeito dos vitimados pelas ações dos fuzileiros. Apesar de algumas (raras) exceções, a maior parte do modus operandi militar é registrado de modo contemplativo, como se direcionado a um espectador desconfiado.

    A situação emocional se complica para Chris, que muito antes do desfecho já é considerado um herói de guerra, idolatrado por alguns veteranos, cujas vidas foram radicalmente modificadas pelo tempo em que permaneceram em combate. Ser agraciado por estes se torna um incômodo visível, ampliado pela forçada ausência em seu recentemente formado núcleo familiar. Assistir de longe ao crescimento dos filhos faz com que ele discuta internamente a validade de seu modo de vida.

    É curioso que um filão antes muitíssimo utilizado pela dupla Menahem Golan e Yoram Globus e sua Cannon Films esteja atualmente recebendo tanta atenção por parte do cinema de alto orçamento americano, quase sempre com um caráter revisionista, de forte crítica ao expansionismo imperial imposto pelos Estados Unidos nos últimos anos. Talvez a questão a ser mais discutida é o alvo desse tipo de reprimenda, já que Comando Delta, Desejo de Matar e Invasão U.S.A são filmes feitos quase que exclusivamente para transferir o ódio, antes dados aos nazistas e comunistas, para os islâmicos e árabes, filhos de Ismael, portanto “usurpadores da promessa a Abraão”. Proveitoso seria se os filmes norte-americanos refletissem sobre isto, ao menos como mea culpa.

    A filmografia de Eastwood visa discutir lados diametralmente opostos do belicismo, a exemplo de A Conquista da Honra e Cartas de Iwo Jima. Em Sniper Americano, o diretor utiliza o símbolo da caveira do herói da Marvel, o Justiceiro (Punisher, no original), personagem cujo passado inclui um trauma na Guerra do Vietnã, com pecados morais bastante semelhantes aos de Chris, ainda que a abordagem que Cooper apresenta em seu papel possua mais nuances, mais detalhes e mais humanidade, muito bem mostrados no quarto final do filme.

    Apesar do exagerado ensejo presente no meio da fita, visando enfatizar os espectros familiares do biografado, é o minimalismo do realizador que predomina em meio à análise do material final. As cenas de ação são bem coreografadas, imitando um número de balé, ode dada ao deus da morte, uma divindade idealizada e distante do pragmatismo de quem analisa o panorama político de um ponto longínquo.

    Sniper Americano se propõe a ser um relato sobre os que se entregaram de corpo e alma a um ideal, a defesa da nação, mesmo que os motivos para tal sejam amplamente discutíveis, e ainda que tais situações espinhosas não sejam contestadas, como se esses assuntos complicados orbitassem um nível acima do pensamento rasteiro dos soldados.

    Passadas duas horas de filme, é revelado o destino do protagonista, cuja aura de conspiração envolve-o até a subida dos créditos do filme, não sem antes mostrar a bandeira norte-americana tremulando vorazmente, mais uma vez louvando a bravura dos soldados. Pesa contra o fato de o clímax ocorrer aproximadamente 30 minutos antes do filme se encerrar, fazendo com que todo o restante da película mostre o deslocamento social do soldado e um acontecimento fatídico cerceando sua vida sem qualquer possibilidade de ápice. O heroísmo do sniper até tenta ser resgatado nas cenas em que ocorrem as homenagens aos seus feitos pelas ruas dos EUA, o que por si só é muito pouco diante de toda a pompa anterior.