Tag: Charlie Hunnam

  • Crítica | Operação Fronteira

    Crítica | Operação Fronteira

    O cinema de ação, ao contrário de vários gêneros e subgêneros compreendidos pelo cinema, não é um sobrevivente, e sim uma constante; se há variações de estilo e graus de comprometimento com certas estéticas e abordagens narrativas, há também a segurança de que sempre haverá espaço, tanto nas telonas quanto nos serviços de streaming e demanda, para tiroteios, explosões e dinâmicas agressivas para personagens igualmente agressivos (se não em essência, ao menos em método). Desta forma, os filmes de ação carregam um estandarte de entretenimento que só é rivalizado pela fantasia, e nos últimos anos, a cruza entre ambos promovida pelo boom de filmes de super-heróis e super-heroínas tem sido o padrão deste tipo popular (em todos os sentidos) de produção; de filmes da Marvel a Velozes & Furiosos e John Wick, personagens icônicas e sagas crescentes tomam os holofotes, mesmo que não existam super-poderes em cena. Às vezes, no entanto, há tentativas de valorizar maneiras diferentes e mais tranquilas de se realizar ação – e Operação Fronteira, novo filme de J. C. Chandor, responsável por Margin Call, Até o Fim e O Ano Mais Violento, é um bom exemplo da contramão a estes exemplares recentes em voga.

    Protagonizado por um elenco carismático e mais estrelado do que o normal para produções (em tese) mais modestas, puxado por Oscar Isaac e Ben Affleck, Operação Fronteira traz um grupo de ex-combatentes de elite das forças armadas estadunidenses, liderados por Redfly (Affleck) e reunidos por Santiago (Isaac), tentando empreender um roubo à mansão de um narcotraficante, situada em uma tripla fronteira sul-americana, com base nas informações obtidas por uma informante de Santiago (Adria Arjona) enquanto este atuava como consultor para as polícias colombianas (a frequente adesão de soldados dos Estados Unidos a PMCs, private military contractors, ou seja, mercenários de exércitos de aluguel, é brevemente citada pelo personagem de Charlie Hunnam, William Ironhead Miller). Redfly, um estrategista nato que tenta (e fracassa em) levar uma vida pacata, é convencido por Santiago, e logo se junta a Ironhead, Ben (vivido por Garrett Hedlund, irmão de Ironhead) e Francisco Catfish Morales (Pedro Pascal, continuando sua onipresença hollywoodiana) para o golpe no criminoso local, Lorea (Rey Gallegos).

    Obviamente nem tudo sai conforme o planejado e mesmo que a competência dos envolvidos seja à prova de balas, suas fibra moral e resiliência não são, e é neste aspecto que Operação Fronteira consegue se libertar um pouco das amarras de um roteiro medíocre e de uma trama francamente desinteressante. A casualidade do planejamento do roubo e a violência (muitíssimo bem orquestrada e demonstrada) contida porém impactante desencadeada pelas ações dos ex-militares tornados em ladrões lembra alguns dos melhores momentos de Michael Mann em filmes como Colateral e Miami Vice, mas as semelhanças são mais espirituais do que visuais ou técnicas; Chandor não parece interessado em compor cenas emblemáticas e grandes sequências de ação, e sim nas consequências imediatas das deturpações à ordem natural dos lugares por onde Santiago e sua equipe passam, e o fato de Operação Fronteira ser em grande parte um filme suspeitosamente mais silencioso e marásmico do que a imensa gama do cinema de ação dá suporte a esta impressão. O filme não entra em excessivos detalhes acerca de suas personagens e dos procedimentos que estas conduzem, nem mesmo no ato que motiva a reunião dos soldados desiludidos e dá nome (extraoficial) à produção.

    Se por um lado a superficialidade da construção das personagens, de suas motivações, e as próprias preparação e execução dos planos soa mais sossegada (ou até preguiçosa) do que se espera, a própria falta de estofo dos protagonistas e o empenho trivial em suas ações denota a estatura social e emocional lastimável na qual se encontram, especialistas em serviço de ideias efêmeras e improdutivas, de acordo com suas (expositivas) falas. Ainda assim, a história de Mark Boal (colaborador de Kathryn Bigelow em filmes igualmente dúbios mas bem mais aflitos), roteirizada em conjunto com o diretor, não investe muito na desilusão do grupo de militares ao léu — apenas o suficiente pra impulsionar a curta trama e contextualizar certas atitudes (e até alguns atalhos dramatúrgicos meio esquisitos). Além desta franqueza roteirística, existe uma curiosa e irônica honestidade para um filme a respeito de um roubo perpetrado por soldados norte americanos em solo latino. O espectador é poupado de visões redentoras e de discursos sociopolíticos sobre a intervenção de gringos em solo brasileiro, paraguaio, colombiano ou peruano, sobretudo de tentativas de explicar ou mesmo compreender os panoramas do crime organizado e do narcotráfico regional. Nem haveria tempo para palestras fora de propósito: o ritmo de Operação Fronteira também consente sua proposta; embora pautado por vários eventos de extrema urgência, todas as sequências tomam um tempo suficiente e compreensível, sem muitos apelos artificiais aos comuns momentos de frenesi e corrida contra o tempo que caracterizam o nicho que ocupa.

    É positivamente surpreendente, aliás, que esta obra seja tão despida de ambições e tentativas de fazê-la emplacar de qualquer maneira; Operação Fronteira vagou num limbo hollywoodiano por pelo menos oito anos, tendo diversos nomes e estúdios associados à sua produção, e só ganhando tração a partir da aquisição de seus direitos pelo Netflix. Nem sempre estes construtos cinematográficos ganham vida, e quando ganham, costumam exibir as marcas de tantas ideias diferentes acopladas ao longo do tempo (além de pressa nas suas realizações, o que raramente permite resultados acima da média).

    Evitando construir e concluir o filme ao redor de momentos de catarse, e emprestando uma dignidade quieta mesmo aos instantes mais impactantes e enérgicos, J. C. Chandor acabou concebendo Operação Fronteira como um filme de ação desprovido de solenidade e eficiente em encapsular heist movies e militaria sem glorificar, suavizar ou exagerar os cacoetes das obras de mesmo gênero e/ou subtipo. Seus filmes anteriores compartilham componentes similares de andamento e parcimônia, e seu mais que bem-vindo acerto foi comandá-lo da mesma forma, sem dar espaço a certas distrações e tendências. Sem dúvida um tempero mais forte nas personagens e na tensão poderia dar a quem assiste uma forma mais impressionante, mas é possível celebrá-lo tanto pelo que Operação Fronteira é quanto pelo que não é, e se a norma é fazer filmes pretensamente ribombantes e espetaculares, entupidos de *camadas* e elementos a descobrir (sequer sabendo se vale a pena fazê-lo), é bom o suficiente que este título a desafie.

    Texto de autoria de Henrique Rodrigues.

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  • Crítica | Papillon

    Crítica | Papillon

    Papillon de Franklin J. Shaffner é um clássico praticamente intocável. As atuações de Steve McQueen, Dustin Hoffman e o texto de Dalton Trumbo dão à obra um caráter diferenciado, resultando num filme que mostra grandes performances e uma mensagem nas entrelinhas muito forte. Quando anunciaram uma nova versão do livro de Henri Charrière, com Charlie Hunnam vivendo o personagem-título, muito se temeu. Bem, o temor não se deu à toa.

    Este novo Papillon é conduzido por Michael Noer, e mostra Hunnam como um saqueador de diamantes acusado de assassinato. Nesta versão, o ocorrido não é dito, mas mostrado em tela, o que poderia ser algo positivo, mas que aqui soa ofensivo de tão expositivo. Tal qual o material literário, conhecemos o flagelo dos presos que são levados até a Guiana Francesa como prisioneiros da França, e Papi (sim, as pessoas o chamam assim) conhece Dega (Rami Malek), um rico falsário rico bastante frágil fisicamente. Em prol de uma fuga, surge um acordo, onde o mais forte protegeria o mais fraco, enquanto caberia ao outro os custos da empreitada.

    Noer tenta fazer uma história diferente do clássico setentista, e a atmosfera é claramente diferente. A ideia do filme não é fazer um comentário político como foi o seu antecessor. Se prosseguisse somente nesse toada, o saldo poderia ser positivo, mas em alguns pontos tenta-se reformular cenas clássicas, e na maior parte delas o esforço soa fútil demais.

    Ao menos, Hunnam tem um bom desempenho. Nos primórdios de Sons of Anarchy o ator foi bastante criticado por parecer inexpressivo, mas ao poucos melhorou e por ser esse um produto de época, a associação com Rei Arthur: A Lenda da Espada é quase automática, em especial pelas primeira cenas, mas logo seu desempenho faz melhorar a sensação de vê-lo em tela. Malek também tem um desempenho razoável, o grande problema se dá no roteiro de Aaron Guzikowski, que produz poucos momentos de inteiração onde o espectador consiga realmente se importar com o que ocorre com os prisioneiros, mesmo com todo o sofrimento existente naqueles que tem sua liberdade privada. Incrivelmente, um filme de mais de quarenta anos consegue estabelecer um visual muito mais crível com  a realidade de prisioneiros em condições desumanas do que esta produção, onde tudo é limpo demais e sem identidade.

    Os últimos momentos tem uma brilho um pouco maior, visto que as partes que mostram o protagonista vivendo na solitária servem para Charlie Hunnam justificar o alto cachê que recebeu, mas o sentimentalismo barato e sensacionalista acaba jogando tudo para o alto. A direção de Noer tem seus momentos, mas o roteiro entregue não parece ter colaborado com o seu trabalho.

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  • Crítica | Z: A Cidade Perdida

    Crítica | Z: A Cidade Perdida

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    Baseado no livro homônimo do repórter da New Yorker, David Grann, com roteiro e direção de James Gray, Z: A Cidade Perdida conta a história de Percy Harrison Fawcett (Charlie Hunnam) – explorador britânico que, em 1925, prometendo fazer uma das mais importantes descobertas arqueológicas da história, desapareceu em uma expedição à Amazônia cujo objetivo era encontrar uma antiga civilização. Sabe-se hoje que a suposta localização dessa civilização, para onde se dirigiu Fawcett, é na Serra do Roncador, em Barra do Garças, no estado do Mato Grosso, Brasil.

    Considerado um dos maiores mistérios do período das grandes expedições do início do século XX, o destino de Fawcett tornou-se uma obsessão para centenas de viajantes que o seguiram pela selva impenetrável. Inclusive Grann que, durante sua pesquisa para o livro, embrenhou-se na mata para, entre outras coisas, tentar resolver esse mistério e entender a pulsão obsessiva do explorador em relação à existência dessa civilização perdida e sua cidade.

    Fawcett começou a explorar a Amazônia em 1906, numa missão de mapeamento do interior da mata e delimitação de fronteiras em Brasil e Bolívia, organizada pela Royal Geographical Society. Explorou a Amazônia quase pelas duas décadas seguintes, em mais sete expedições. Retornou a Inglaterra para servir ao exército britânico durante a Primeira Guerra Mundial, mas logo após o fim da guerra retornou ao Brasil para estudar a fauna e arqueologia local. Durante todo esse tempo, começou a juntar evidências que o levaram a acreditar que havia existido uma civilização muito antiga na selva. Depois de anos juntando evidências e obcecado por encontrar tal lugar, que ele batizou de Cidade de Z,  e embarcou no que seria sua última expedição, em 1925. Levou consigo apenas duas pessoas: seu filho mais velho, Jack (Tom Holland), então com 21 anos, e o melhor amigo de Jack, Raleigh Rimell.

    É compreensível que entre a história real e o filme existam algumas diferenças. Por exemplo, no filme, Fawcett fez apenas 3 expedições à Amazônia e apenas Jack o acompanhou na expedição de 1925. Não haveria tempo hábil para mostrar suas expedições todas, assim como ficaria forçada a introdução de um personagem de última hora, Rimell, apenas para manter a fidelidade histórica. Mas há algo em que o roteiro falha fragorosamente: transpor a obsessão de Fawcett para a tela. E não é falha na interpretação de Hunnam. Simplesmente não há indícios no roteiro de que sua vida girava em torno da busca obsessiva por Z. No máximo, ele parece um explorador insistente ou talvez apenas teimoso, mas não obsessivo. Algo que corrobora isso é o fato de que, no filme, quem o “convence” a organizar essa última expedição é Jack, enquanto que, na realidade o explorador continuava querendo confirmar sua tese e é ele quem convida Jack e Rimell para acompanhá-lo.

    Mesmo para quem não leu o livro, baseando-se na sinopse, espera-se que seja algo aventuresco. Não necessariamente repleto de ação, mas com dinamismo, intensidade (característica sempre citada em descrições de Fawcett). Também não precisaria ser um Indiana Jones – mesmo que o arqueólogo tenha servido de inspiração para o personagem famoso – mas era de se esperar que fosse menos morno e insosso. Afinal, embrenhar-se na selva com os parcos recursos e conhecimentos da época era, com certeza, uma aventura.

    Em certo ponto da primeira expedição, tem-se a impressão de que talvez o roteiro seguiria por um caminho semelhante a Apocalipse Now ou mesmo Fitzcarraldo. Mas foi apenas mais um palpite que não se concretizou. O ritmo da narrativo segue lento do início ao fim. E, mesmo momentos que poderiam prender o espectador se desenrolam de forma previsível e desinteressante.

    Em algumas cenas, parece que Nina Fawcett (Sienna Miller), esposa de Fawcett, e os filhos irão forçá-lo
    a escolher entre a família e sua obsessão, confrontando-o duramente, questionando-o sobre seu papel. Porém é apenas uma ameaça. Há todo esse pano de fundo em sua vida que poderia ser melhor explorado num filme de 140 minutos e que permanece apenas insinuado.

    A fotografia é boa, mesmo não conseguindo criar no público a sensação claustrofóbica de estar confinado na mata fechada. Figurino bastante competente e maquiagem OK, apesar de não envelhecer Hunnam o suficiente na última parte do filme.

    Z: A Cidade Perdida é um filme longo que, se não cativa pela aventura, é um bom retrato de um dos últimos exploradores solitários do século passado e certamente desperta nos que se interessam pelo assunto o desejo de ler o livro em que se baseia o filme.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Rei Arthur: A Lenda da Espada

    Crítica | Rei Arthur: A Lenda da Espada

    Ícones e mitos britânicos são sempre revisitados no cinema moderno. A expectativa quando ocorrem essas repaginações são de que as histórias serão bem exploradas, em especial quando é escolhido para conduzir o projeto algum expoente promissor da cinematografia inglesa. Guy Ritchie parecia ideal na escolha para este Rei Arthur: A Lenda da Espada, uma vez que realizou Sherlock Holmes (em duas oportunidades) e  O Agente da U.N.C.L.E.. De certa forma é uma surpresa que esta versão seja o fracasso que é.

    A escolha de Charlie Hunnam para o papel principal parecia acertada e de fato esta é uma das poucas características boas do filme. Quase todo o restante do casting é equivocado, em especial, Jude Law, que faz Vortigern, o caricato tio do personagem-título e consequentemente antagonista, personagem esse que se torna ainda mais digno de chacota graças a péssima semelhança que guarda com o personagem Scar, de O Rei Leão.

    Se em Revólver e Rocknrolla, Ritchie já dava mostras de desgaste em sua fórmula de contar histórias de marginais. Em Sherlock Holmes: O Jogo das Sombras, ele claramente parece ter esgotado as alternativas para sua versão do detetive de Baker Street. Para montar o ideal das lendas de Camelot, Ritchie se vale de uma caricatura do povo bretão que vive à margem da sociedade e utiliza os maneirismos e clichês já estabelecidos em sua filmografia, principalmente na série protagonizada por Robert Downey Junior – artifício esse usado sem qualquer pudor ou lamento.

    Apesar de um esforço monstruoso para imprimir uma identidade visual própria, o filme soa extremamente genérico, isso quando não apresenta cenas cuja fotografia se mostram confusas e nebulosas, deixando o espectador sem ter a exata certeza de como ocorrem as batalhas fantásticas planejadas pelo diretor. As comparações mais justas igualam esse esforço ao visto em bombas como Dungeons and Dragons: A Aventura Começa Agora, de Courtney SolomonRobin Hood, de Ridley Scott; e o mais recente, Warcraft: O Primeiro Encontro de Dois Mundos, de Duncan Jones. Mesmo a proximidade deste com o contestável Tróia, de Wolfgang Petersen, soa ofensivo para este último, uma vez que ele é melhor resolvido do que o mais novo longa lançado por Guy Ritchie, especialmente no que diz respeito à construção de uma figura lendária/mitológica, com ares realistas.

    O uso excessivo de slow motion soa incômodo, e coloca o diretor no patamar de outros cineastas menos gabaritados como Zack Snyder e Paul W.S. Anderson, com a diferença básica de que esses dois costumam usar a ferramenta de maneira mais funcional e com propósito, ainda que questionável, ao contrário de Ritchie que o faz de modo gratuito. Fora o personagem principal e algumas poucas participações menores – como as de Eric Bana, morto bem no início – a construção ética e moral dos personagens é rasa, não sobrando nem motivação boa ou carisma por parte dos futuros cavaleiros da Távola Redonda. Não há como se importar com nenhum deles, e a falta de substância aliada a cena de ação final faz com que este Rei Arthur pareça mais uma adaptação mambembe de filme baseado em games do que qualquer outra coisa.

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  • Crítica | Círculo de Fogo

    Crítica | Círculo de Fogo

    O mundo se tornou um lugar chato. Realismo e verossimilhança viraram palavras de ordem no cinema, e até os filmes de ação e aventura hoje estão acuados. Isso tanto por críticos que querem ver profundidade artística em tudo, quanto por grande parte dos fãs, que passaram a ter um alto grau de exigência com cada mínimo detalhe. A solução muitas vezes é cair na auto-paródia, como se o gênero tivesse vergonha de si mesmo e precisasse pedir desculpas por oferecer apenas entretenimento. Isto posto, OBRIGADO, GUILLERMO DEL TORO. Mais do que gratificante ver um diretor gabaritado entregar um produto tão sensacional quanto Círculo de Fogo. Um blockbuster no mais puro sentido da palavra, que diverte se levando a sério dentro de seu maluco universo particular – e não há absolutamente nada de errado com isso.

    O filme situa rapidamente o cenário: num futuro próximo, a humanidade está em guerra contra seres denominados kaiju (monstro gigante em japonês), que invadem nosso mundo através de uma fenda interdimensional localizada no fundo do Oceano Pacífico. De tempos em tempos, um dos bichos emerge e vai tocar o terror nas cidades costeiras. Quando armas convencionais se mostram ineficazes, uma nova solução se faz necessária. E já aqui, com poucos minutos de projeção, o longa rompe totalmente com conceitos tão mundanos e limitados como realismo ou lógica. Tentar desenvolver um novo tipo de bomba, ou até mesmo uma arma biológica (já que os inimigos são seres vivos)? Pra quê, se é infinitamente mais legal construir robôs gigantes pra dar porrada nos monstros?

    Só que nem tudo são flores. Após alguns anos de vitórias, os jaegers (caçadores, em alemão) e seus pilotos não estão mais dando conta do recado. Monstros maiores, mais fortes, inteligentes e adaptáveis passam a aparecer com mais frequência, e os governos mundiais decidem desativar a iniciativa e investir na construção de gigantescas muralhas litorâneas – ideia “genial” e pouco tranquilizadora. Porém, o comandante do projeto jaeger, marechal Stacker Pentcost (Idris Elba), decide tentar uma última ação desesperada pra salvar o mundo. Pra isso, ele vai depender de um talentoso ex-piloto, há anos afastado por conta de uma tragédia pessoal (Charlie Hunnam), e de uma novata promissora, mas com zero de experiência (Rinko Kikuchi).

    Tudo no filme é familiar, pra não dizer clichê, mas perfeitamente executado. O grande charme da produção é combinar a estrutura narrativa/dramática e de personagens tipicamente hollywoodiana com premissa e ambientação gritantemente japonesas. E ao contrário do que a galera mais leite com pera esperneou, não é uma simples cópia de Evangelion (como se este mangá/anime tivesse inventado robôs e monstros gigantes). As similaridades são grandes, mas Círculo de Fogo referencia toda uma tradição nipônica que remete a inúmeras animações, tokusatsus oitentistas e até os ancestrais filmes do Godzilla e afins. Desnecessário dizer o quanto isso dialoga com o coração de quem viveu a infância a partir dos anos 80 – e ainda não esqueceu dela.

    O roteiro, assinado por Del Toro em parceira com Travis Beacham, é muito preciso ao trabalhar tudo em função da própria trama. Como são necessários dois pilotos em perfeita sincronia mental para controlar um jaeger (um único cérebro humano não suporta a carga), o desenvolvimento dos personagens acontece na iminência de, e durante, os combates. Que por sinal, são vários e nem um pouco maçantes. O ritmo construído cria a tensão necessária, e a alivia sem exagerar, não perdendo assim o impacto das cenas de ação (exatamente, ao contrário de Transformers). As lutas são naturalmente o ponto alto do filme. O alto orçamento aliado ao apurado senso estético do diretor resultou em monstros e robôs com características distintas e marcantes. Os ambientes também variam, os quebra-paus acontecem em alto-mar, no meio das cidades, nas profundezas do oceano… e é um mais épico que o outro. Os kaijus impressionam por sua ferocidade, enquanto os jaegers, pesadões como seria de se esperar de centenas toneladas de metal, apresentam variadas armas que emocionam a criança interior de cada um. Como não amar um “soco foguete” ou um botão “ativar espada”?

    Dentre os atores, Charlie Hunnam (mais conhecido por estrelar a série Sons of Anarchy) faz um feijão com arroz como um protagonista padrão, que supera rapidamente suas inseguranças quando é chamado à ação. Kikuchi se sai até melhor, conseguindo retratar o turbilhão de emoções de sua personagem de maneira contida, também um padrão, só que oriental. Mas no caso dela, incomoda mais a superação relâmpago do trauma pessoal. Pra contra-balancear, a química entre os dois convence logo de cara, fazendo com ambos cresçam como dupla muito mais do que poderiam fazer individualmente. Dessa forma, nos importamos com os personagens, e as cenas de ação ganham em peso dramático.

    O bom ator Idris Elba mostra que Samuel L Jackson poderia se aposentar hoje, que o cargo de “boss negão mothafucka” estaria muito bem preenchido. Cabem a ele os inevitáveis discursos motivacionais com frases de efeito – “Hoje vamos cancelar o apocalipse”, impossível não seguir um cara desses. Charles Day e Burn Gorman servem como um bom alívio cômico com sua divertida dupla de cientistas que implicam um com o outro. Max Martini e Robert Kazinsky, como os pilotos australianos que são pai e filho, trazem uma dinâmica muito interessante no limitado espaço que têm. Por fim, Ron Perlman não consegue NÃO ser estiloso, mas seu personagem é um tanto quanto inútil. Hannibal Chau, o negociante de partes de kaiju mortos (um conceito curioso, mas nem um pouco explorado), na prática não serve pra nada. Provavelmente, o Hellboy estava lá só pra constar, na base da camaradagem com o diretor.

    Conforme o filme vai se aproximando do final, os problemas vão aparecendo. Não propriamente erros, mas situações um tanto forçadas e exageradas até mesmo dentro do contexto. Por exemplo, os robôs são arregaçados e rapidamente estão prontos pra outra. Isso, somado à já citada resolução muito repentina dos conflitos individuais dos protagonistas, até poderia tirar alguns pontos do filme. Só que o jogo, amigo, já está ganho há muito tempo. O espetáculo é tão magistralmente orquestrado e conduzido, que Círculo de Fogo se torna maior que suas próprias míseras falhas. A exemplo de Os Vingadores, é o ápice do massavéio bem executado. Mais uma vez, obrigado, Del Toro. O Gigante Guerreiro Daileon está orgulhoso.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | A Fuga

    Crítica | A Fuga

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    Após o assalto a um cassino, trio de ladrões dirige-se à fronteira EUA-Canadá, quando um acidente na estrada acaba causando a morte de um deles. Escapando ilesos, os irmãos Addison (Eric Bana) e Liza (Olivia Wilde) separam-se com o intuito de dificultar a perseguição policial, tomando rumos diferentes no meio da neve para chegar à fronteira. Enquanto isso, Jay (Charlie Hunnam), um ex-boxeador recém saído da prisão, viaja para passar o Dia de Ação de Graças na casa dos pais – o xerife aposentado Chet Mills (Kris Kristofferson) e sua esposa June (Sissy Spacek).

    A sequência inicial é suficientemente impactante para chamar a atenção do espectador e fazê-lo querer saber o desfecho da estória dos dois irmãos. A tranquilidade quase excessiva dentro do carro – de certo modo um reflexo da quietude da paisagem branca ao redor – é subitamente interrompida pelo acidente. É uma pena que a força dessa cena não se mantenha no restante do filme que avança numa sucessão de eventos bastante previsíveis, com coincidências que por vezes soam forçadas.

    É um thriller de perseguição. Ponto. Dito isto, pode-se afirmar que o filme é satisfatório enquanto thriller de perseguição. Não se deve esperar algo similar a Argo, em que a perseguição é pano de fundo para o estudo dos personagens – todos muito bons. Neste, ao contrário, a tentativa de mesclar ação e dramas pessoais apenas enfraquece a trama. O roteiro, aliás, se mostra bem indeciso, sem saber se explora os dramas pessoais, o isolamento causado pela nevasca, as pequenas tramas paralelas ou se se atém à fuga dos ladrões. Ao tentar focar nos conflitos interpessoais de alguns personagens – Jay e seu pai, Liza e Addison, Hanna e seu pai – ou ao tentar acrescentar um pouco de complexidade psicológica aos personagens – Addison na cabana, por exemplo – a trama perde ritmo e interesse.

    Percebe-se a boa intenção do roteirista, mas isso não é o bastante. A sucessão de clichês e estereótipos, principalmente na construção dos núcleos de personagens, poderia ter sido evitada. Citando apenas os mais óbvios: clichê machista – uma policial feminina, a única da delegacia, que é sempre preterida por ser mulher; clichê racial – um caçador com feições indígenas vestindo um casaco de peles com uma águia pintada nas costas.

    Mesmo a presença de bons atores – Spacek, Kristofferson e Kate Mara (que demonstra todo seu potencial na série House of Cards) – não ajuda na construção dos personagens, já que estes são unidimensionais. A performance do elenco é correta, mas nada além disso. Eric Bana quase convence como o ladrão meio anjo meio demônio. Olivia Wilde não tem como ir além do perfil apático de Liza. Hunnam talvez pudesse tornar seu personagem mais carismático, se ele fosse mais que apenas o link entre os ladrões e seu destino.

    Apesar do excesso de closes e de “establishment shots”, a fotografia não deixa a desejar. Principalmente nas externas em que é beneficiada pela paisagem. Ajudaria bastante se a montagem fosse um pouco mais ágil. Afinal, é uma perseguição a fugitivos, não um filme contemplativo. A sequência de perseguição com snowmobiles, mesmo com a obviedade de alguns cortes, é um bom exemplo do ritmo que deveria ser seguido no restante do filme.

    A sequência inicial e o final (quase) inesperado – depois que os personagens lavam a roupa suja durante o jantar de Ação de Graças – compensam o “miolo” meio morno da narrativa. Em suma, é um filme mediano. Longe de ser um blockbuster, mesmo com o roteiro convencional e pouco criativo, personagens estereotipados e pouco complexos, consegue cumprir a função de entreter e passar o tempo.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.