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  • Crítica | Inferno

    Crítica | Inferno

    inferno-dan-brownCertos autores são conhecidos pelo estilo e uma estrutura narrativa facilmente identificáveis em suas obras. Algo que podemos chamar de assinatura. Isso se reflete nos livros de autores como Nicholas Sparks, Stephen King, John Grisham, Nora Roberts, em maior ou menos grau. Em alguns casos, esses estilos são configurados pela crítica especializada como excessivamente formulísticos, e por vezes, repetitivos. É o que ocorre com Dan Brown.

    A cada lançamento de um novo livro, há grandes discussões acerca dos temas levantados pelo autor, gerando debates infindáveis sobre suas teses e teorias apresentadas em seus livros, geralmente discutidas por leitores que desejam refutar seus argumentos. No entanto, pouco se explica sobre seu sucesso e os milhares de exemplares vendidos a cada novo livro lançado. Roger Ebert dizia que não se deve analisar obras com objetivos distintos da mesma forma, assim deve-se estabelecer uma diferença ao analisar uma obra literária como Inferno, de Brown, e a Divina Comédia, de Dante Alighieri. Ou será que algum crítico escreveria sobre o poema épico de Dante alegando ser uma história menor, já que não conta com o dinamismo, divertimento e a tensão ininterrupta de um livro de Brown?

    A adaptação para os cinemas de Inferno, novamente dirigida por Ron Howard, traz às telas os pontos mais frágeis das obras do escritor. Inferno é excessivamente expositivo, irritantemente bobo e rapidamente esquecível. A trama intensa e rápida, típica dos livros do autor, serve apenas como um meio para que o público esqueça dos problemas narrativos de sua versão cinematográfica e que não se atenha aos absurdos e buracos que aparecem pelo caminho.

    Nesta nova aventura de Robert Langdom (Tom Hanks), o bilionário Bertrand Zobrist (Ben Foster) cria um agente patogênico capaz de dizimar metade da raça humana, já que esta estava em perigo devido a superpopulação mundial. A fórmula de Brown se mantém como de costume em pistas deixadas por um homem morto, arte renascentista, organizações secretas, investigações, diálogos expositivos e perseguição ao protagonista.

    Howard inicia a trama como um bom thriller hitchcockiano, ao captar uma cena de perseguição ao personagem de Zobrist encurralado ao topo de uma torre, remetendo ao clássico Um Corpo Que Cai.  Na cena seguinte, Langdom está no hospital, aparentemente ferido e sem memória, apresentando ao espectador a história que ele irá contar nos próximos minutos. Deixando de lado o fato de se tratar de uma muleta narrativa que utiliza a amnésia dos seus protagonistas para empurrar sua história, infelizmente o longa abusa da boa vontade e sempre introduz alguma lembrança convenientemente nos momentos em que o protagonista mais precisa daquela informação. Isso é realizado até mesmo em pontos-chave da trama onde esta atinge um clímax, para logo após ser interrompido por seções de flashback ou de diálogos explanativos, apesar da obviedade da informação fornecida.

    Se a trama gira em torno de um senso de urgência, o que motiva essa corrida contra o tempo não se reflete de maneira justificável, já que a desculpa utilizada soa risível. O mesmo pode ser dito sobre a participação de Langdom na série, já que suas intervenções aqui são bem menores, podendo ser substituído por qualquer outro personagem sem o menor problema, servindo até mesmo como mero fornecedor de dados históricos da obra de Dante Alighieri, diferente dos filmes anteriores. O que fundamenta o tom genérico do roteiro.

    O roteiro de David Koepp não consegue amarrar as pontas soltas ao longo de sua narrativa. O amigo de Langdom, Ignazio Busoni (Cesare Cremonini) é trazido à trama, mas é rapidamente ignorado, pouco importando o destino da personagem, bastando um e-mail dizendo que ele havia fugido de seus perseguidores. O mesmo vale para a personagem Sienna Brooks (Felicity Jones, realizando uma interpretação burocrática e ligada no piloto automático), apresentada como uma mulher metódica – curiosamente o diretor cria um plano-detalhe da personagem arrumando cuidadosamente os objetos deixados na mesa – no entanto, isso é prontamente esquecido na composição da personagem.

    Tom Hanks segue mais solto como Robert Langdom do que nos filmes anteriores, mas quem rouba cena é Irrfan Khan e Omar Sy, ambos confortáveis em seus papéis. A trilha sonora de Hans Zimmer não erra, e certamente é um dos pontos altos da trama, mesclando o clima renascentista existente na obra do autor florentino com o clima de ação e suspense de Brown.

    Ron Howard entrega um filme excessivamente didático, onde os maiores méritos de seu trabalho como cineasta se transmuta com sua retratação da obra máxima de Dante, idealizado pela obra Inferno de Dante, de Sandro Botticelli. Infelizmente o roteiro peca pela sua falta de personalidade, burocratismo e furos, não transmitindo o dinamismo e a urgência dos livros de Dan Brown. Um desfecho amargo para a trilogia.

  • Crítica | Pegando Fogo

    Crítica | Pegando Fogo

    Pegando Fogo - poster

    No final da década de 90, o mundo foi infestado de reality shows de tudo quanto é espécie, mas foi ao final da primeira década dos anos 2000 e posteriormente em seus anos seguintes que um determinado tipo de reality ganhou bastante notoriedade: os de culinária. Pode-se dizer, com certeza, que programas como Hell’s Kitchen, Kitchen Nightmares (ambos estrelados pelo difícil Chef escocês Gordon Ramsey) e ultimamente Masterchef (com edições em centenas de países), foram, sem dúvida, inspirações para Pegando Fogo, que, com o perdão do trocadilho, é um prato cheio para quem gosta desse tipo de programa. Embora não haja informações a respeito, nota-se claramente a influência desses programas por toda a concepção da fita, e é justamente esse o maior demérito de Pegando Fogo. Tudo que você já viu, pelo menos uma vez, está lá, e pior, como se fosse um compêndio dos realities, porém com uma história de fundo, porque, vamos lá, se trata de um filme, certo?

    Bradley Cooper vive o renomado, mas esquecido, Chef Adam Jones. Jones fez muito sucesso sendo chef em Paris, o que lhe rendeu duas estrelas Michelin, o ponto mais alto da carreira de um chef. Acontece que as drogas, a bebida e uma vida desregrada acabaram por jogar Jones na sarjeta, fazendo com que ele retornasse à América com o intuito de começar de novo. Para tanto, aplicou uma penitência em si mesmo: trabalhar num restaurante onde ele pudesse abrir um milhão de ostras, para, depois, retornar à Europa, buscando sua terceira estrela.

    O primeiro ato é marcado por cenas interessantes e que rendem bons momentos, já que chegando à Europa, Jones percebe que angariou muitos desafetos e até as pessoas mais próximas o odeia, o que lhe força a fazer um tour por ambientes gastronômicos nem um pouco renomados e sem nenhuma pompa em busca de pessoas talentosas com a finalidade de montar uma equipe que lhe ajude a voltar a ser o que era. Mas primeiro, o protagonista precisa convencer o filho de seu antigo mentor, Tony, (Daniel Brühl) a lhe dar um restaurante. E mais, provar a todo custo que está livre da bebida e das drogas. A partir daqui, o filme se perde muito em sua qualidade e enredo.

    Pegando Fogo retrata de forma precisa situações vividas em reality shows de culinária. Desde o chef procurando falhas nos pratos de outros restaurantes, assim como em Kitchen Nightmares, passando pela maneira grosseira de tratar seus subordinados, as incontáveis explosões de raiva de Hell’s Kitchen, até a maneira didática de Masterchef. E isso cansa, uma vez que o público já está acostumado com esse tipo de coisa. Até as tomadas de câmera são idênticas, exceto por um único momento, onde a cozinha trabalha em um belo, mas rápido, plano sequência.

    O diretor do longa, John Wells, é produtor por ofício e trabalhou em diversas séries conhecidas do público, como E.R., West Wing e, mais recentemente, Shameless, mas na cadeira da direção atuou somente em alguns episódios das duas primeiras. Sua pouca experiência dirigindo programas voltados para a televisão não foi suficiente para se aventurar no cinema, e justo em um filme que aborda o tema mais comum e famoso no meio televisivo, o que é extremamente irônico. Ainda que a direção tente criar um ambiente confortável ao espectador, o roteiro de Steven Knight traz uma reviravolta no início do terceiro ato que ajuda a superar em parte tudo que o filme teve de ruim até então, uma vez que passa a prender a atenção do espectador. Porém, infelizmente, tal recurso apresenta um anticlímax e apenas tem o intuito de amenizar toda a situação ali vivida por Jones e trazer um final feliz para a história, o que é uma pena.

    E não podemos esquecer as atuações de Bradley Cooper, sempre competente, ainda que em filmes fracos, e de Daniel Brühl, que, infelizmente teve seu talento desperdiçado. E o filme ainda conta com Sienna Miller e com participações especiais de Alicia Vikander e Uma Thurman.

    De qualquer forma, Pegando Fogo claramente é um filme que não busca inovar um assunto tão bem retratado na televisão. É como se fosse aquela banda que sempre toca as músicas que os fãs querem ouvir. Olhando sob esse prisma, você não irá se revoltar. Vai até apreciar. Mas para o cinema, é apenas mais um filme. E só.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | Samba

    Crítica | Samba

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    O segundo filme da parceria entre Omar Sy e os diretores Eric ToledanoOlivier Nakache, do drama Intocáveis, e que foi exibido durante o festival de Toronto de 2014, não poderia ter saído em melhor sincronia com a discussão de seu pano de fundo: imigração. Recentemente, autoridades europeias foram questionadas em relação ao tratamento dado a imigrantes, principalmente aos refugiados de guerra, sendo essas indagações envoltas em polêmicas que beiram o higienismo cultural por parte de autoridades.

    Dentre os países com histórico de lutas étnicas, a França se destaca por ser lar de diversos grupos africanos, em especial os argelinos, por depender destes grupos para execução de trabalhos de menor reconhecimento e, na medida dessa dependência, desprezar essas pessoas. País onde imigrantes são renegados a guetos, sem possibilidade de constituir cidadania, e sofrendo preconceitos diversos com índices de desemprego de jovens na faixa dos 40%, a terra do Iluminismo e lugar que outrora gritou “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” lança um olhar blasé sobre os conflitos que ocorrem nestes bairros argelinos — com uma última grande onda de revoltas ocorrida em 2007. Ainda hoje, movimentos da direita conservadora francesa, liderada pelo ex-presidente Nicolas Sarkozy, argumentam sobre a necessidade de regulação no livre trânsito pela União Europeia, e atribuem à imigração seus déficits e crises financeiras, atitudes as quais instigam a revolta daqueles que, apesar de franceses, carregam em sua ascendência o estigma do preconceito.

    O filme inicia-se com a câmera passeando em plano sequência pelas áreas de um bonito salão de festas, depois o restaurante, a cozinha, o lavatório, e mostrando como as oportunidades aos imigrantes cresce em proporção direta ao nível de afastamento do público. Nesta cena, somos apresentados ao lavador de pratos Samba (Omar Sy). Como a dança, um imigrante senegalês que se encontra já há 10 anos na França, e nestes 10 anos pôde ver suas oportunidades de crescimento sendo retiradas uma a uma. Pessoas invisíveis vão se criando, de modo a tornarem-se irrelevantes. Quando em situação ilegal, devem evitar trens e locais de grande circulação de pessoas para fugir de prováveis batidas policiais. Seus traços étnicos são vistos com maus olhos, inclusive entre seus pares, e o conselho básico é tentar renegar suas origens até perder-se em uma caricatura europeia.

    Neste contexto, devido um problema de documentação, Samba é detido e aguarda julgamento sobre sua situação no país, tendo como único auxílio a ajuda de voluntárias de uma ONG de atendimentos a imigrantes, entre elas Alice (Charlotte Gainsbourg, de Ninfomaníaca) em seu primeiro dia de atuação. Para ela, o conselho dado é não se envolver, porém a atração imediata entre Alice e Samba origina o romance que dá o tom a mudanças de perspectiva dos personagens. A relação entre o casal protagonista é delicada, pois Alice atua sob licença de seu antigo emprego, no qual sofreu uma espécie de burn out em uma crise nervosa, e desta forma tornou-se incapaz de sentir. Já Samba desde sempre percebeu que o envolvimento implica em perdas, com amigos e romances perdendo-se entre deportações e prisões.

    O romance é construído sutilmente, de modo a torná-lo consequência da quebra de expectativa que a vida provê a esses dois personagens, e de modo a considerar uma interdependência emocional entre ambos. Esta dependência é construída por meio de um carinho desajeitado, o que se espera de pessoas que em situações habituais de vida nunca se encontrariam. Charlotte é uma escolha excelente para o papel, pois é capaz de apresentar uma cotidiana meiguice a sua personagem, exaltada principalmente pela atenção que a câmera dá ao seu olhar. É possível perceber sua quebra interna a partir dos gestos, hoje desajustados, e da indicação de uma pressão interna insustentável em seu semblante de decepção diante de qualquer interação. Evoluindo ao longo da projeção, Alice torna-se uma pessoa leve e capaz de rir do mundo e de si mesma, em especial quando em contato com Samba, que em sua honestidade e simplicidade reluta em compreender os rumos desse romance.

    Com uma edição ágil, excelente elenco e bons toques de humor, a imigração e a solidão da vida são tratados de maneira leve, sem perder de vista a seriedade de seus temas centrais, usando o casal protagonista para traduzir a confusa e profunda relação entre seus representantes sociais. O Brasil encontra-se também representado, mesmo que de maneira indireta, no papel de Wilson (Tahar Rahim). Sedutor e alegre, torna-se amigo de Samba na busca por um emprego digno, incorporando o estereótipo do bom brasileiro em seu trato com as pessoas. É interessante este depoimento espontâneo sobre a nacionalidade brasileira na França, considerada como um lubrificante social em uma atmosfera tão segregadora. O país é também homenageado ao bom som de Palco de Gilberto Gil, e pela bem pontuada Take it Easy, My Brother Charles, de Jorge Ben.

    É inevitável pensar como a criação de fronteiras, estas linhas imaginárias visíveis apenas em papel, torna acidentes geográficos tão maiores do que relações humanas, e conduz pessoas a condições determinísticas de subclasse mantendo-se pela esperança. Esperança, cantada por Jorge na visão que o primeiro homem pisando na lua se sentiu com direitos, princípios e dignidade. Exatamente como deveria ser.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros

    Crítica | Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros

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    Os acordes de John Williams são lembrados em estilo diversificado, agora com a batuta de Michael Giacchino, seguido de uma cena de ovos eclodindo, dando prosseguimento ao processo chamado vida. O diretor e roteirista Colin Trevorrow faz em Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros uma homenagem ao trilogia original e ao filme Mundo Perdido de 1925, ao mesmo tempo em que situa o público no universo estabelecido que pressupõe a abertura do dantesco parque temático Mundo Jurássico, na mesma Costa Rica onde aconteceram os eventos de Jurassic Park e de  Jurassic Park: Mundo Perdido e Jurassic Park III da franquia. O encanto do menino Gray (Ty Simpkis) relembra o quão era bela a expectativa do público, em 1993, por ver os seres pré-históricos revividos e convivendo com a humanidade.

    Nos primeiros minutos da produção, há uma clara crítica ao excessivo gasto para produzir a estrutura artificial do Parque dos Dinossauros,  aludindo aos preços de naming rights (diretos reservado de nome) da nova criatura geneticamente criada, Indominus Rex. Como um magnata entediado, que faz as vezes de John Hammond, Masrani (Irrfan Khan) é o responsável por injetar dinheiro no Parque e também por financiar as atividaded de Claire (Bryce Dallas Howard), uma executiva de sucesso que graças a sua dedicação a carreira é uma parente relapsa.

    Na introdução da personagem de Chris Pratt, Owen Grady, descobrimos seu ofício como adestrador de velociraptores. Owen é o típico herói arquetípico, belo, audaz, corajoso, tendencioso e desbravador, seu modus operandi é intervencionista, como o de um exímio caçador, parecido demais com seu Starlord de Os Guardiões da Galáxia, um perfil que se torna irresistível para a quadrada Claire que tenta em vão esconder sua rendição amorosa.

    Ao menos na esfera de expectativas, o filme entrega bem seus préstimos, mantendo um suspense que encontra no público uma boa resposta. Mantém-se uma leve excitação sobre o visual de Indominus, com a sábia decisão de não escancarar sua aparência no primeiro ataque. A primeira intervenção entre o monstro e homens é breve, mas guarda uma dose de violência grande, cuidadosamente feita para não chocar as plateias conservadoras e famílias, parte do público alvo. Enquanto esse dinossauro impacta pela violência, os velociraptores estabelecem uma forte crítica a manipulação genética e a produção de híbridos com a possibilidade de se tornarem uma arma bélica, uma análise incomum para um filme para as massas.

    Os clichês seguem firmes e mais repetidos do que as histórias anteriores, curiosamente reprisando arquétipos dos filmes passados como a versão do CEO intervencionista, piloto de aeronaves como o presidente de Bill Pullman em Independence Day, (ainda que seu desfecho seja muito mais realista do que a vista no filme de Rolland Emerich).

    Os personagens centrais evoluem durante a história, principalmente Claire que deixa a pompa de lado, agindo de modo mais enérgico, provando que sua corrupção era fruto da falta de tempo e que a negligência não fazia parte de sua índole e caráter. Apesar de não apresentar nada que seja realmente inédito – ainda mais com trailers bastante reveladores – o roteiro mantém interessante viradas.

    A personagem de Pratt é superexposta e cada aparição o amplia como uma espécie de mito, ampliando as habilidades e capacidades sobre-humanas, seja no adestramento dos animais, como também nos atos heroicos, estilo sempre em voga em Hollywood, como também visto na persona de The Rock em Terremoto: A Falha de San Andreas, ainda que Owen Grady seja uma figura muito mais aceitável e carismática do que os heróis genéricos dos subprodutos de ação do cinema blockbuster.

    Os momentos finais aludem ao desfecho do primeiro filme, reprisando os mesmos heróis. Apesar de não apresentar uma obra prima, Trevorrow resgata parcialmente a aura do original, baseado nos livros de Michael Crichton, lembrando o espírito presente no reboot da franquia Planeta dos Macacos. Ainda assim peca ao repetir os mesmos erros de um sem número de filmes de aventura atuais, principalmente por não ousar em quase nada e reforçar a exaustão todo o conjunto de clichês de ação e aventura.

  • Crítica | Risco Imediato

    Crítica | Risco Imediato

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    O início do filme de Henrike Ruben Genz (Dias Melhores e Desculpe Incomodar) é silencioso, remetendo ao repertório típico dos thrillers europeus recentes que fogem da estética americana de pontuar cada sentimento com uma música. A perturbadora calmaria proveniente da ausência de som esconde as intenções sombrias dos personagens retratados, diferentes demais do termo do título original, Good People.

    Em um mundo onde predomina a extrema violência urbana, o casal Tom (James Franco) e Anna Reed (Kate Hudson) veem sua rotina oprimi-los. Cheios de dívidas, o par ainda tem de denunciar a estranha morte de um vizinho, que apodrecia na casa ao lado e acumulava moscas à sua volta. Após a retirada do cadáver, a dupla limpa o apartamento onde ocorreu o óbito e encontra uma mala com duzentas e vinte mil libras, acima do assoalho. A quantia seria o ideal para acertar os débitos da família, mas usufruir do dinheiro parecia além de um movimento antiético, mas  bastante perigoso.

    Enquanto Tom e Anna balanceiam as decisões sobre o que fazer com a quantia que encontraram, um grupo de malfeitores segue no encalço do dinheiro, exibindo uma violência gráfica típica dos filmes de Guy Ritchie e dos irmãos McDonagh, mas sem o exagero gráfico dionisíaco destas referências. Logo, os dois mundos distintos colidem, com a visita de contraventores violentos e torturadores, salvos por pouco pela ação do agente da lei John Halden (Tom Wilkinson), que tenta ajudá-los a fugir após o ato estúpido de Tom em gastar o dinheiro ilícito que achou.

    O suspense predomina sobre o texto de Kelly Masterson por apresentar uma intercessão de realidades onde a violência extrema e proximidade da morte dão a tônica. Após infrutíferas tentativas de redenção, o casal se vê com baixas possibilidades de sobrevivência, mostrando seus arquétipos de previsíveis e ordinários homens comuns que, diante da possibilidade de usufruir da fortuna alheia, acabam caindo em tentação. Essa atitude contraria o clichê da máxima popular que afirma que o povo é honesto e oprimido pelos poderosos, e apresenta uma faceta corrupta que levanta questões morais mas que não demoniza os que praticam atos (ditos) maus por necessidade: a motivação dos protagonistas está longe de passar pela ganância e volúpia por dinheiro. No entanto, a nobreza prévia é atrapalhada pelas direções opostas de Franco e Hudson, que não conseguem imprimir qualquer química enquanto par romântico.

    O filme, apesar de conter bons momentos, passa a não se levar a sério, especialmente após o começo da segunda metade. A curta duração de noventa minutos não permite que haja muito mais viradas do que já era esperado. Cenas em que sentenças são dadas a partir de armadilhas caseiras, ao melhor estilo de Charles Bronson em Desejo de Matar 3, sepultam toda a aura misteriosa dos primeiros minutos, passando a mostrar uma caça frenética com direito a dilacerações e corpos ensanguentados típicos de filmes B, nos quais qualquer verossimilhança é imediatamente afastada pela sobrevivência do mais fraco e mais inapto.

    A diferenciação internacional criada no começo da película é abandonada com o final repleto de bordões e clichês visuais, com “ressurreições” acontecendo a todo momento e exemplos de superação de cunho bastante vulgar e barato. Risco Imediato tenciona ser algo diferenciado por sua fórmula inicial, mas não demora a exibir uma trama genérica, com personagens cuja profundidade não ultrapassa a dos arquétipos comuns de filmes de ação, tendo nas cenas de violência gratuita o seu ponto mais forte, mostradas com um grafismo invejável.

  • Crítica | X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido

    Crítica | X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido

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    A carreira de Bryan Singer se aproximava perigosamente da de seu contemporâneo Peter Jackson. Ambos tiveram um começo bom, com primeiros filmes de sucesso relativo, e que depois encabeçaram franquias de milhares de fãs, ainda que em X-Men, Singer dispusesse-se de muito (mas MUITO) menos orçamento do que Jackson angariou na trilogia O Senhor dos Anéis. Após ambos saírem de sua zona de conforto, insucessos vieram, já que King Kong, Um Olhar no Paraíso, Operação Valquíria e Jack, o Caçador de Gigantes não foram produções ruins necessariamente, mas ficaram muito aquém das expectativas dos estúdios. Em comum entre os dois estaria o retorno às franquias que os projetaram ao estrelato, mas diferentemente de seu igual, Singer logrou êxito ao falar dos seus conhecidos personagens, até porque sua vida pessoal o credencia a falar de excluídos. A segregação que sofreu por ser judeu e homossexual certamente é semelhante ao sofrimento mostrado em tela com a raça de homo superior caçada em 2023.

    O núcleo dos personagens “veteranos” é secundário, ainda que seja esta realidade a que origina o plot principal, pois como visto na publicação de Claremont e Byrne, o futuro dos mutantes e de seus simpatizantes é sombrio, com muitas referências visuais a Exterminador do Futuro de James Cameron  que por sua vez jamais assumiu a influência da história em sua obra. Kitty Pryde, personagem de Ellen Page, lidera um dos poucos grupos de resistência, e, por meio de uma mutação secundária (estigma adotado nas revistas X nos idos dos anos 2000), consegue transportar para um passado recente a consciência dos outros mutantes ao seu corpo. A Ninfa (ou Lince Negra), Robert Drake, o Homem de Gelo (Shawn Ashmore), e outros mutantes, vivem a fugir dos Sentinelas, até que recebem uma visita do que sobrou dos X-Men, Xavier, Magneto, Tempestade (Halle Berry) e, claro, Wolverine, interpretado por Hugh Jackman. O plano em conjunto é retornar ao passado através de Xavier para que este impeça Mística (Jennifer Lawrence) de assassinar Bolívar Trask, criador dos robôs caçadores. A saída do roteiro foi deveras inteligente, uma vez que a trama de Robert Kelly já havia sido descartada pelo próprio diretor, em 2000.

    Uma grande fonte de reclamações dos fãs relaciona-se à cronologia da franquia nos cinemas. Para todos os efeitos, o trabalho feito por Mathew Vaughn é sim um reboot que obviamente leva em consideração alguns pontos da história dos filmes de Singer. A Casa das Ideias sempre menciona que os quadrinhos Dias de Um Futuro Esquecido faz parte de uma realidade alternativa. Tais elementos podem ser encarados como problemas, mas para quem está acostumado a consumir quadrinhos mensais e tem de engolir novos recomeços a cada cinco anos, e claro, com conteúdos muito mais incongruentes, as concepções dentro do filme são de fácil digestão, até porque o foco maior é a continuação da trama inciada nos anos 60. Os dois grupos de mutantes liderados por Charles Xavier (James McAvoy) e Erik Lensher (Michael Fassbender) foram dissolvidos, e as causas dos eventos, muito ligadas ao aparentemente contido Bolívar Trask, são aos poucos mostradas em tela. Protagonizado pelo ótimo Peter Dinklage, Trask é um cientista que aparentemente busca a sobrevivência dos humanos, mas que impinge a muitos mutantes experimentos semelhantes aos que os nazistas realizavam com judeus. Obviamente, as experiências genéticas feitas por Trask causam ódio em Mística, que via seus iguais serem exterminados, o que a faz se transformar em uma autêntica máquina de matar suas cenas de ação são de um primor visual ímpar.

    O foco emocional é todo voltado à crise existencial de Xavier nos anos 70. O Professor X volta a andar graças a uma droga criada por seu então lacaio Hank McCoy (Nicholas Hoult), substância essa que reprime os poderes do Doutor, assim como seu ideal de querer mudar o status quo por meio do pacifismo. Ele é mostrado como um homem deprimido, resignado e desesperançoso, uma nuance pouco explorada nos quadrinhos, mas plenamente condizente com a época, visto que os anos 70 foram de muita decepção para os americanos, basta lembrarmos do Vietnã. Xavier quer interromper seus poderes por não aguentar mais ouvir em sua mente as vozes e as lamúrias das pessoas, além, é claro, de viver da culpa por ter perdido seus alunos e companheiros em lutas anteriores.

    Já Magneto também estava de mãos atadas, encarcerado, metros abaixo do Pentágono, acusado de um crime terrorista que não havia cometido. Sua fúria aumentou mais, a despeito até de sua postura mais calma quando reintroduzido. A ideologia presente nos primeiros discursos de Malcolm X torna-se ainda mais flagrante quando são analisadas as ações de seu passado em comparação com as de sua contraparte do futuro. Mas ambas as encarnações de Erik demonstram um poder magnânimo, algo que Singer ainda não podia mostrar antes nos filmes anteriores, talvez pela falta de verbas.

    Mesmo com tudo isso, os melhores momentos de Magneto são as discussões que envolvem Raven, Charles e ele, formando um triângulo amoroso/ideológico de cunho emocional e tocante, visto que todos se sentem traídos, até havendo razão em se sentirem assim. Dos embates o mais emocionante certamente é o primeiro encontro dos dois antigos amigos, precedendo uma sequência de ação das mais engraçadas, que, mesmo com o alívio cômico de Mercúrio (Evan Peters) — uma participação ótima —, consegue manter o tom emotivo e simbólico do que seria aquela amizade milenar e do quão ambos valorizariam um ao outro pela causa mutante.

    Pela primeira vez, em todos os filmes dos mutantes, Wolverine não é o protagonista. Porém, sua importância é obviamente gigante, fazendo a ponte para o encontro dos protagonistas, uma escada na maior parte de sua inclusões como personagem. Tal escolha não impediu que Singer registrasse o Carcaju expondo suas nádegas, dando vazão a (mais) fantasias de leitores talvez a questão esteja no contrato de Jackman com a Fox. Iniciada em X-Men – Primeira Classe, a pecha de transformar os filmes da franquia X-Men em películas em que se divide o protagonismo é cada vez mais solidificada, assim como o enfoque da questão social, deixada de lado em X-3 e nos spin-offs. Os assuntos mais interessantes retratados nas grandes histórias de mutantes são estes, o paralelo com as ideologias, a discussão a respeito do preconceito e até aonde esta guerra pode ir.

  • Crítica | X-Men: Dias de um Futuro Esquecido

    Crítica | X-Men: Dias de um Futuro Esquecido

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    Cronologia é algo divertido, mas complicado. Acompanhar os mesmos personagens ao longo de várias histórias e ver acontecimentos com consequências futuras são muito legais, mas os problemas não demoram a surgir. Além da necessidade de tudo estar amarrado e fazer sentido, o vício dos autores em revisitar o passado, recontar origens, adicionar mais detalhes ao background, invariavelmente leva aos famigerados furos da história. Nesse sentido, os X-Men são a franquia cinematográfica que melhor representa a mídia original, os quadrinhos. O mais recente longa dos mutantes chegou com a ambiciosa proposta de conectar a trilogia original, os filmes solo de Wolverine e o reboot não assumido X-Men: Primeira Classe. Se teve sucesso ou não, depende de como se avalia.

    A história não pode ser chamada de adaptação, pois é apenas inspirada livremente na célebre hq oitentista Dias de um Futuro Esquecido, de Chris Claremont e John Byrne. Num futuro próximo, o mundo foi devastado pelos Sentinelas, robôs criados para caçar mutantes mas que acabaram se voltando contra toda a humanidade. Revemos algumas figuras da trilogia num grupo comandado por Xavier e Magneto que basicamente foge e se esconde para sobreviver. A última tentativa desesperada é um plano de enviar a consciência de  para o corpo dele em 1973, data em que Mística assassinou Bolívar Trask, o criador dos Sentinelas, e foi capturada. O DNA da mutante foi a chave para os robôs se tornarem invencíveis. Logan precisará reunir as versões mais jovens de Erik e Charles (X-Men – Primeira Classe) para ter alguma chance de mudar o passado e salvar o futuro.

    Havia a expectativa de que Dias de um Futuro Esquecido consertasse ou ao menos tentasse explicar as discrepâncias entre os capítulos anteriores. Nesse aspecto, não se pode negar que o filme falhou miseravelmente: não só deixou de explicar os furos, como ainda adicionou mais alguns. Kitty Pride (Ellen Page) surge com outro poder além de se tornar intangível: mandar a consciência dos outros de volta no tempo (como raios alguém descobre ter um poder desses?). Muito melhor seria apresentar isso como uma evolução dos poderes do próprio Xavier, ou usar o personagem Forge construindo uma máquina. Charles recuperou seu corpo explodido em X-Men – O Confronto Final, Logan recuperou as garras de adamantium perdidas em Wolverine – Imortal, e sem nenhuma menção a esse respeito. A impressão é de que o cenário apresentado era um futuro da linha temporal de Primeira Classe, que POR ACASO continha elementos que lembravam a trilogia original, confirmando assim duas realidades distintas – algo que os produtores nunca admitiram.

    Superada essa falha, o núcleo futurista funciona muito bem. O peso dramático de um mundo pós-apocalítico é sentido perfeitamente. Estes X-Men agem como uma experiente unidade paramilitar acostumada a táticas de guerrilha. As cenas de combate contra os Sentinelas são ótimas, violentas e fazem bom uso dos poderes de todos os mutantes envolvidos. Além dos velhos conhecidos Kitty, Tempestade, Homem de Gelo e Colossus (pra variar, mudo como uma estátua), vemos pela primeira vez no cinema Bishop, Apache, Blink e o brasileiro com cara de mexicano Mancha Solar. Além disso, é sempre ótimo ver atores do calibre de Ian McKellen e Patrick Stewart, ainda que rapidamente.

    Pois a maior parte do história se desenrola no passado, confirmando que o filme é, acima de tudo, uma continuação de Primeira Classe. E o salto de 10 anos se mostra brutal: Xavier caiu numa depressão extrema, fechou a escola e debandou os X-Men, dos quais vários morreram, vítimas das experiências de Trask (Peter Dinklage, discreto e eficiente). Apenas o Fera permanece ao seu lado. Magneto foi aprisionado após seu envolvimento na morte de JFK. Mística atua como uma terrorista solitária lutando pela causa mutante. Logan cai no meio disso, e, com toda a sua finesse, terá que reuni-los. Aqui entra o gancho para a divertida e pontual participação de Mercúrio, com Evan Peters carismático como o herói nunca conseguiu ser nas hqs. Nada de muito original e revolucionário ao retratar a supervelocidade, mas as duas percepções (a do próprio velocista e a dos outros) foram mostradas de forma muito interessante.

    Numa história com tantos personagens, era fundamental ter foco em alguns e (infelizmente) sacrificar outros. Uma pena que o Fera (Nicholas Hoult) seja apenas um assistente/guarda-costas/capanga do bem de Charles, mas o roteiro de Simon Kinberg, Jane Goldman e Matthew Vaughn alcança um louvável equilíbrio ao centralizar as atenções em quatro mutantes. Hugh Jackman naturalmente tem destaque como o fio condutor da trama, mas não é nem de longe um protagonista absoluto – o que não deixa de ser uma surpresa; Jennifer Lawrence tem a chance de aparecer bastante de cara limpa (o que não é surpresa nenhuma) numa sólida atuação, aproveitando a importância colocada em sua personagem; Michael Fassbender tem uma participação sensivelmente diminuída em relação ao filme anterior, que era quase um “Origens: Magneto”. Mas o cara é tão bom que não precisaria nem de cinco minutos para mostrar isso. Sempre na linha entre vilão e anti-herói, Erik é aquele que não faz concessões, segue firme em sua convicção e mantém alianças de acordo com a conveniência.

    Mas o coração da história é inegavelmente Charles Xavier. Pela primeira vez na franquia, os holofotes se concentram nele, e o resultado é sensacional. Quase sempre retratado como uma rocha inabalável, dessa vez ele atravessa uma crise de fé, e temos a noção do quanto isso afeta os mutantes e por consequência o mundo inteiro. Não é fácil ser bom, honesto, herói e líder, e acreditar na proposta otimista (e ingênua) da coexistência pacífica entre humanos e mutantes e ainda assim continuar lutando por ela, especialmente num mundo onde isso parece impossível. Outro ponto a ser aplaudido é a ausência de maniqueísmo no filme: as retaliações de lado a lado parecem inevitáveis e justificáveis; todos estão errados. E cabe a Charles manter o fardo de ser o certo, redimir Mística, perdoar Magneto e salvar os humanos que querem aniquilar sua raça. James McAvoy faz um trabalho espetacular.

    Os méritos desse acerto devem ser dados também a Bryan Singer. Ele mostra mais uma vez o quanto entende desse universo, e consegue enxergar aquilo que realmente importa nos X-Men. Não uma fidelidade total a uniformes ou a altura de personagens (inacreditável a essa altura do campeonato ainda existir quem questione o Wolverine de Jackman), mas conteúdo moral, social e filosófico que sempre foram o cerne das melhores histórias dos mutantes. Dias de um Futuro Esquecido é o tipo de filme imperfeito, mas com acertos tão gratificantes que os erros merecem ser perdoados. Como o próprio final indica, a postura do espectador deve ser curtir a homenagem à trilogia original, mas esquecê-la. Apreciar as próximas aventuras sem esquentar tanto a cabeça com a cronologia, algo que os leitores de quadrinhos já aprenderam (ou deveriam ter aprendido) há tempos.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | A Espuma dos Dias

    Crítica | A Espuma dos Dias

    L'écume des jours

    A estranheza revestida de “cool” é um dos traços característicos de Michel Gondry: o cineasta ficou famoso dirigindo clipes em que Björk passeia por uma floresta encantada, os Chemical Brothers visitam os pesadelos de uma menina, e um stop motion feito de lego para o The White Stripes. Com a ajuda de Charlie Kauffman (roteirista de A Natureza Quase Humana e Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças) o diretor fez uma boa transição para o cinema e sua tendência a estranhezas se traduziu em histórias incômodas, com pitadas de fantasia e ficção científica. Mas parece que ao ser seu próprio roteirista e perder as amarras que um baixo orçamento representavam, Gondry começou a patinar.

    A Espuma dos Dias e todo do diretor francês: ele participou da adaptação do romance de Boris Vian e é um dos produtores do longa; para a França, onde seu status de celebridade é muito maior que nos Estados Unidos, o filme é quase uma super-produção. Livre de constrangimentos, o cineasta pode se empenhar em criar o universo de imaginação que sempre habitou, mas ele o faz às custas da história.

    O filme conta a história de Colin, um jovem parisiense que tem a sorte de ter “nascido rico o suficiente para não precisar trabalhar para os outros” e alguns de seus amigos, o obcecado Chick, que recolhe tudo que se relacione ao filósofo Jean-Sol Partre, e o criativo cozinheiro/advogado Nicolas. Um dia, em uma festa, Colin se apaixona por Chloé e, após um breve passeio em um veículo-nuvem, os dois se casam. Já na lua-de-mel, Chloé começa a passar mal e descobre-se que a moça tem uma flor de lótus crescendo em seu pulmão direito e para curar-se precisa estar sempre rodeada de flores vivas. O tratamento drena as finanças de Colin e, após a operação que retira a primeira flor de lótus, os médicos encontram uma em seu pulmão esquerdo.

    Trata-se de uma tragédia, mas Gondry nunca a aborda como tal. Ele retrata muito bem a alegria infantil e fantasiosa dos personagens na primeira parte do filme, mas falta sensibilidade e envolvimento na dor que os consome na segunda parte. A direção de arte e a fotografia fazem um bom trabalho ao representar esse sofrimento: tudo decai, decompõe, os tons tornam-se cinza e a casa dos protagonistas literalmente apodrece, mas esse cuidado visual não se reflete em cuidado narrativo.

    O cuidado com a estética, em detrimento da história, é o principal problema de A Espuma dos Dias. Cada geringonça citada por Vian em seu livro aparece aqui, em detalhes e com alguma explicação de seu funcionamento, há uma longa sequência para o pianococktail, e outra para o bizarro método de casamento criado pelo autor. Por outro lado, falta tempo para que o espectador se envolva com os personagens. Tudo é corrido, apressado e os atores parecem incapazes de sair da “felicidade festejante” que criaram na primeira parte da história, talvez porque seus personagens não tenham personalidade, sejam apenas figuras que enunciam o que sentem, mas sem qualquer vida interior.

    Chick talvez seja o personagem mais bem construído de todos, sua obsessão é genuína e convincente, ainda que Gondry deixe de explorar o papel de “anúncio” que o personagem poderia ter. Deixar de explorar o potencial da história é o segundo grande problema do filme: a história é comovente, uma bela metáfora sobre o amor e sobre como organizamos nossas vidas em torno de sonhos que, ao se desfazerem, levam tudo com eles. Mas essas coisas aparecem apenas muito levemente.

    É uma pena que o responsável por Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças seja incapaz justamente de infundir humanidade em seu filme, mas é justamente essa a grande falha de A Espuma dos Dias. É tudo muito bonito, mas vazio, fruto de um diretor fascinado com a própria estética e que se esqueceu de contar uma história.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Intocáveis

    Crítica | Intocáveis

    Intocáveis

    A França tem uma tradição forte em cinema: filmes franceses frequentemente levam prêmios nos festivais importantes, Oscar de melhor filme estrangeiro e boa parte dos grandes diretores da história do cinema trabalhou no país. Mas de vez em quando um filme francês acaba se destacando por conquistar uma inesperada bilheteria mundial. Foi o caso de O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (provavelmente o filme francês mais visto fora do país), Albergue Espanhol e agora Intocáveis.

    Baseado em uma história real, Intocáveis apresenta Philipe, um milionário que ficou tetraplégico em um acidente de parapente e precisa de um assistente em tempo integral, para ajudá-lo com coisas como tomar banho, comer, ir ao banheiro e se vestir. Inusitadamente, Philipe contrata Driss, um jovem da periferia, pobre e sem qualquer experiência para o cargo.

    Em um diálogo com o irmão, Philipe afirma que contratou Driss porque pela primeira vez alguém não o olhou com pena, e é exatamente esse aspecto da relação entre os dois que torna o filme notável. Driss não tem pena de Philipe, ele reclama de boa parte de suas obrigações, responde ao chefe e faz piadas como “onde você encontra um tetraplégico? onde você o deixou pela última vez”. E é justamente essa falta de crença nas limitações de Philipe que o leva a ultrapassá-las.

    O filme lança um olhar divertido sobre a amizade entre Philipe e Driss e, assim como o jovem, evita o melodrama e uma delicadeza extrema, que poderia transformá-lo em algo piegas ou previsível. O maior mérito de Intocáveis é justamente olhar para seus protagonistas, ambos “condenados” de uma certa forma, com leveza e buscar o potencial cômico de uma história que parecia um drama. A própria narrativa do filme brinca com essa expectativa: a primeira cena deixa o espectador tenso, preparado para uma tragédia e ao final se mostra só uma piada.

    Há momentos delicados e mesmo emocionantes, mas eles se mantêm leves e o tom geral é de comédia. Intocáveis poderia ser um filme óbvio, mas essas escolhas, aliadas aos bons diálogos e o carisma dos atores, o tornam inesperado, divertido e um dos melhores exemplos do cinema francês recente.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.