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  • Crítica | Um Reencontro

    Crítica | Um Reencontro

    Um Reencontro 1

    Em seu novo Um Reencontro, a diretora Lisa Azuelos reverencia o acaso como catalisador de eventos românticos ao focalizar a vida da escritora Elsa (Sophie Marceau) e do advogado Pierre (François Cluzet) em busca de uma relação amorosa sem prendimentos, uma vez que ambos estão com situações conjugais bastante complicadas. O improvável casal tem um encontro incomum, em meio a uma festa não programada, onde iniciam um flerte difícil de ignorar, dada a empatia entre o par, a despeito de todas as amarras morais que os impedem de ficar juntos.

    A configuração dos arquétipos de relação revelam um homem casado, com um fracassado matrimônio, que insiste em se arrastar; e uma mulher recém-divorciada, que já despeja suas necessidades sexuais em um amante mais novo, insaciável até para os seus padrões. Mesmo incomodada, Elsa aos poucos percebe no tabu algo insuficiente para não dar vazão ao desejo carnal que sente pelo jurista, faltando bem pouco para enfim ceder aos instintos humanos mais básicos.

    É curioso como a imaginação de fatos futuros realiza-se em uma edição videoclíptica, escolhida muito bem por Azuelos. Além de realizar a fita, ainda interpreta Anne, a esposa “incomodada” de Pierre, uma mulher que ao menos dentro do microuniverso do sonho, é perspicaz em juntar os indícios da óbvia e descuidada traição de seu marido. O peso de uma possível separação legal faz com que ele também tenha receios de tornar real a união que a câmera da diretora insiste em propagar nas belas montagens que faz dos dois em intimidade.

    O roteiro curiosamente remete às possíveis tentações e frustrações sexuais usando o campo das ideias como cenário, uma vez que os atos de interação erótica só ocorrem no desejo mental dos envolvidos ou na repulsa a possíveis traições. Apesar de apelar para tons de humor, e tratar de possibilidade de romances, Um Reencontro foge do arquétipo de comédia romântica por não conter em si praticamente nenhum dos clichês impertinentes dos produtos estadunidenses do gênero, apesar de possuir alguns bordões em comum com fitas francesas. O diferencial está no modo de orquestrar mesmo as situações ordinárias, cuidadosamente escolhidas em sua ordem de anúncio.

    A discrição de Elsa e Pierre é levada até as últimas consequências, quando o “grande dia” chega. As fantasias prosseguem cada vez mais intensas, como se preparassem o campo para a conclusão magnânima que o flerte anuncia desde o começo da trajetória, aumentando o nível da expectativa para algo que simplesmente não encontra êxito.

    Mesmo nas cenas próximas do final, a eternidade guarda enquadramentos separados, ou dos dois em lugares distintos, ou de figuras espelhadas que exatamente no meio têm sua cisão. A escolha fotográfica de Azuelos não poderia ser mais acertada em sua curta e direta fita, que provoca risos e emoções conflitantes nas personagens e também no espectador, que acompanha sua filmografia cada vez mais eloquente em simplicidade.

  • Crítica | Intocáveis

    Crítica | Intocáveis

    Intocáveis

    A França tem uma tradição forte em cinema: filmes franceses frequentemente levam prêmios nos festivais importantes, Oscar de melhor filme estrangeiro e boa parte dos grandes diretores da história do cinema trabalhou no país. Mas de vez em quando um filme francês acaba se destacando por conquistar uma inesperada bilheteria mundial. Foi o caso de O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (provavelmente o filme francês mais visto fora do país), Albergue Espanhol e agora Intocáveis.

    Baseado em uma história real, Intocáveis apresenta Philipe, um milionário que ficou tetraplégico em um acidente de parapente e precisa de um assistente em tempo integral, para ajudá-lo com coisas como tomar banho, comer, ir ao banheiro e se vestir. Inusitadamente, Philipe contrata Driss, um jovem da periferia, pobre e sem qualquer experiência para o cargo.

    Em um diálogo com o irmão, Philipe afirma que contratou Driss porque pela primeira vez alguém não o olhou com pena, e é exatamente esse aspecto da relação entre os dois que torna o filme notável. Driss não tem pena de Philipe, ele reclama de boa parte de suas obrigações, responde ao chefe e faz piadas como “onde você encontra um tetraplégico? onde você o deixou pela última vez”. E é justamente essa falta de crença nas limitações de Philipe que o leva a ultrapassá-las.

    O filme lança um olhar divertido sobre a amizade entre Philipe e Driss e, assim como o jovem, evita o melodrama e uma delicadeza extrema, que poderia transformá-lo em algo piegas ou previsível. O maior mérito de Intocáveis é justamente olhar para seus protagonistas, ambos “condenados” de uma certa forma, com leveza e buscar o potencial cômico de uma história que parecia um drama. A própria narrativa do filme brinca com essa expectativa: a primeira cena deixa o espectador tenso, preparado para uma tragédia e ao final se mostra só uma piada.

    Há momentos delicados e mesmo emocionantes, mas eles se mantêm leves e o tom geral é de comédia. Intocáveis poderia ser um filme óbvio, mas essas escolhas, aliadas aos bons diálogos e o carisma dos atores, o tornam inesperado, divertido e um dos melhores exemplos do cinema francês recente.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.