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  • Os Bastidores de Os Intocáveis

    Os Bastidores de Os Intocáveis

    A infeliz morte de Sir Sean Connery, já do alto de seus 90 anos reacendeu em seus fãs do ator a vontade de revisitar e entender sua filmografia. Certamente entre esses, um dos mais vistos e analisados foi Os Intocáveis, filme de 1987 dirigido por Brian De Palma, que se tratava de um refilmagem do seriado homônimo dos anos 1950 envolvendo um grupo de elite que desmantelaria o cartel de Al Capone. Para entender o filme e o fenômeno, é preciso mergulhar nos materiais adicionais, bastidores e o contexto da época.

    Em documentário de making off, De Palma aborda um pouco do insucesso financeiro de seus últimos dois filmes Quem Tudo Quer, Tudo Pode e Dublê de Corpo, então, quando o roteiro de David Mamet via Paramount caiu em suas mãos, ele resolveu tentar desenvolve-lo.  Mamet se baseou na série homônima, chamada aqui também de Os Intocáveis, iniciada em 1959. De Palma não gostava da série, e ele só aceitou participar após Art Linson garantir que ele poderia fazer o que quisesse, e basicamente, o filme aborda o primeiro capítulo do programa, que consiste na prisão de Al Capone.

    Mamet era um grande nome na época, um escritor promissor, responsável pelo roteiro de Jogo de Emoções e anos depois faria Mera Coincidência e Hannibal. Com o diretor escolhido, foi decidido reduzir o número do esquadrão de elite para quatro (eram oito, a contar com Eliot Ness). Alguns desses personagens foram até desmembrados, divididos em dois ou mais como o veterano ex-fora-da-lei Joe Fuselli, que reúne em si elementos tanto de Malone como de Stone/Pettri, seja pelo fato de ter origem italiana como o personagem de Andy Garcia, ou de ser uma espécie de mentor que rapidamente perece, como o personagem de Connery.

    Kevin Costner nem sempre foi a primeira opção para o papel de herói, um dos nomes pensados foi Mel Gibson, que não pôde por questões de agenda. O intuito do estúdio era encontrar um rosto conhecido, como era também o desejo de que Michael Corleone em O Poderoso Chefão fosse alguém mais experimentado que Al Pacino, e em ambos os casos, a escolha dos diretores foi correta, Costner consegue transparecer uma mistura de ingenuidade da luta pelo bem a qualquer custo, com uma crescente malícia de quem aprende a agir nas ruas.

    Charle Martin Smith foi escolhido por conta de seu papel em Loucuras de Verão, de George Lucas. Seu Oscar Wallace é baseado num sujeito real, Frank Wilson, que também era contador, mas ficava longe da ação, já Garcia conseguiu por conta de Morrer Mil Vezes de Hal Ashby, onde faz um vilão. Para De Palma e os outros produtores, Connery era a única pessoa que caberia na função de mentor e conhecedor das ruas de Chicago, e sua dedicação foi total, inclusive na sua cena de morte, que foi a primeira em que ele teve que lidar com sangue falso.

    Limitações orçamentarias fizeram a produção pensar em Bob Hoskins para o papel do vilão, até De Palma já havia se conformado, de certa forma. A insistência em Robert De Niro como alvo primário ocorreu mesmo com o alto custo de seu salário e com a problemática dele só ter duas semanas para gravar. Foi De Niro que viabilizou o visual de seu personagem, usando a mesma equipe que tratou do envelhecimento de seu personagem em Era Uma Vez na América de Sergio Leone. De Palma reclamava que ele não expressava muitas emoções em seu personagem, e De Niro afirmava que aquilo era o ideal e mais condizente com Capone. As sutilezas só foram percebidas na pós-produção, onde ficou claro que o ator tinha uma intimidade com a câmera, e nem mesmo um diretor experimentado como De Palma percebeu isso de imediato.

    Stephen H. Burum, responsável pela fotografia resolver filmar em Cinemascope. A decisão por esse artifício se deu após ele pesquisar muito sobre a época e como a cultura dos anos trinta e quarenta era traduzida ao público. Foi dele a ideia de repetir muito os carros nas ruas a fim de expressar em tela uma tendência de consumo da época. Outra grande ideia foi o uso da lente angular na cena da igreja, onde as mãos de Connery e Costner parecem maiores, aumentando o simbolismo de que são seus atos que tornam Chicago um lugar mais limpo e justo, e não havia lugar melhor para isso do que utilizar uma igreja como cenário.

    Sobre a cena da morte do contador Wallace, Martin Smith fala que De Palma optou por não colocar muito sangue, em respeito a figura frágil e correta do personagem, exageros não seriam bem-vindos. A composição visual em torno de Capone é precisa e quase divinal, a escolha por sua cena de abertura ser filmada de cima com pessoas o servindo, fazendo as unhas, barbeando ou meramente entrevistando-o já dá noção de sua imponência e onipotência, ele não era o grande “empresário” de Chicago, mas o Deus da cidade. Havia uma cena cortada, onde repetiram a cena do início, com Capone sendo barbeado, e quando saísse do Plano Detalhe, se perceberia ele preso, mas foi retirada do filme na última hora, pois a escolha foi a de valorizar os policiais, os reais intocáveis, os que tiveram coragem de enfrentar o chefão do crime organizado de Chicago.

    Com o desfecho de Os Intocáveis se abriu a possibilidade para mais aventuras depois da queda de Capone, mas o filme praticamente reduziu essa chance a zero no cinema, afinal sem o Malone de Connery tudo seria bem mais melancólico e depressivo, e é fato que o cinema hollywoodiano tem dificuldade em não transformar sucessos em franquias, e ainda bem que este não teve novas sequencias, pois este trabalho do diretor está entre os mais elogiados, ao lado de grandes atores e em uma sinergia poucas vezes vistas no cinema.

  • Crítica | O Fantasma do Paraíso

    Crítica | O Fantasma do Paraíso

    Em 1974, Brian de Palma, diretor que fez parte do libelo chamado Nova Hollywood, fez um experimento em longa metragem a partir das narrativas cinematográficas musicais. Utilizando como pano de fundo a peça musical O Fantasma da Ópera, novela original de Gaston Leroux,  O Fantasma do Paraíso brinca com estilos musicais – versões de Rockabilly, Folk, Blues – em uma vertente contemporânea que modifica o teatro tradicional francês pelas luzes de um programa de auditório.

    A trama mostra o Sr Philbin (George Memmoli) e Sr. Swan (Paul Williams), responsáveis pela gravadora Death Records. A procura de novos talentos, o misterioso chefe observa grupos vocais, semelhantes a boy bands, em audições quando conhecem Winslow Leach (William Finley), um sujeito de aparência frágil e feia mas com um talento musical forte. Ele apresenta uma canção de sua sonata, uma grande peça musical sobre a lenda popular alemã de Fausto. Interessados por sua música mas julgando sua aparência, os empresários decidem roubar suas composições e subjuga-lo.

    Aos poucos a história se transforma em uma jornada que varia entre o luxurioso mundo do showbusiness, em que vale absolutamente tudo para brilhar, e a importância de um talento autoral, representando pelo alto e magro Winslow que tenta provar a todos que suas propriedades artísticas foram roubadas por um mercenário. O humor ácido que o roteiro de De Palma impõe causa no espectador uma óbvia torcida pelo protagonista, unindo isso a câmera que acompanha sua jornada, tentando se inserir em um mundo de luxos onde não se encaixa, fugindo das jaulas que não deveriam lhe pertencer.

    É muito criativo como a peça é reimaginada com um sujeito igualmente amargurado por ter tido seu trabalho roubado. De Palma fala de desajustados, de pessoas que não são aceitas por conta de aparência e mal jeito. No filme, a personagem do fantasma, aos poucos, tenta retomar sua propriedade artística, em uma versão ainda mais amargurada do que a clássica de Lon Chaney no Fantasma da Ópera de 1925. Resultando em uma encarnação bem inventiva que utiliza a inauguração do Paradise, uma casa de show moderna, como um de seus ápices.

    O diretor consegue traduzir bem tanto a ideia de um musical como a metalinguagem em que faz do próprio filme uma espécie de espetáculo. Ás vezes colocando até mesmo essas duas propostas juntas em tela, com o mesmo nível de importância, com duas cenas acontecendo ou simultaneamente ou em ângulos diferentes em uma mesma tela dividida ao meio.

    Fato é que a montagem apresentada aqui é tão diferenciada que causa muita curiosidade até em quem está acostumado com os escritos originais de Leurox e suas muitas versões, sejam teatrais ou cinematográficas. O visual de Winslow pós ida para os confins do teatro mistura elementos de sci-fi dos quadrinhos europeus de Moebius e Phillipe Druillet, mas ainda guardam a carga dramática da rejeição que o mundo impõe. Aliás, toda a reescrita da obra, o amadurecimento da cantata e o apreço pela musa revelam uma miséria existencial que já existia antes do personagem central sofrer os infortúnios de seu inferno astral e isso por si só já é bastante rico.

    Mesmo que profana, repleta de crimes e violência explicita, a parceria de Swan e Winslow faz produzir um espetáculo bem maior do que o pensado inicialmente. Os elementos de Ópera Rock com elementos de filmes de terror trash combina demais com toda a sub cultura dos anos setenta. Os números musicais do filme beiram o sensacional, a performance dos interpretes de Undead são inspiradas vocalmente e possuem um visual ao estilo do que o Kiss e o Secos e Molhados faziam.

    A obsessão do fantasma com a Phoenix de Jessica Harper é bem exemplificada, resgata bem os elementos das duas peças, tanto de Fausto quanto de O Fantasma da Ópera, e ainda mescla isso com o conceito de sociedade do espetáculo culminando em um final onde De Palma se utiliza dos mesmo elementos de um filme da época,  O Despertar dos Mortos de George A. Romero. As musicas de Paul Williams e a coreografia de Harold Oblong casam bem com toda a proposta lisérgica de De Palma, acompanhadas claro da fotografia de Larry Pizer, que ajuda a remontar toda a atmosfera de viagem ácida pensada para esta versão. O Fantasma do Paraíso é uma obra claramente subestimada, até mesmo em meio aos fãs da filmografia do cineasta. Funciona bem como reimaginação do clássico e atualização para novas plateias, além de ser bastante respeitoso com o material de origem, mesmo em suas subversões.

  • Crítica | A Fúria

    Crítica | A Fúria

    Brian De Palma está, por incrível que pareça, mais contido aqui. Algo notável após os grandes excessos que foram os magníficos Carrie e Trágica Obsessão, dois anos antes. A Fúria é uma bomba-relógio mascarada de thriller paranormal – e você deveria dar graças a Deus por viver num mundo onde existe um suspense paranormal dirigido por Brian De Palma, amigo(a). Na aventura de um pai tentando recuperar seu filho dotado de habilidades parapsicológicas (quase um Jean Grey dos X-Men, ou melhor, a estranha sanguinolenta de Stephen King) é desculpa de mestre para usar e abusar, revirar e cavoucar quaisquer significações possíveis nas vicissitudes trilhadas pelo personagem de Kirk Douglas, atuando em modo automático entre disfarces detetivescos (a sequência inteira dentro de um pobre apartamento de idosos é hilária) e uma pinta de galã de filme de ação barato captado pela câmera nervosa de um cineasta inquieto como os gloriosos anos 70 (e 80) merecia, assim como merecemos no século XXI, talvez mais do que nunca, atulhado de abstrações temáticas e sutilezas enfadonhas, fartamente incomparáveis a tudo o que já nos foi feito, feito o filme que aqui temos o prazer de refletir, sobre.

    Vamos ao que interessa: A Fúria é o filho bastardo e mais sujo de Um Corpo que Cai, um dos diamantes de Alfred Hitchcock, como todo bom ou ótimo suspense dos anos 60 e 70 não conseguiram escapar de ser. É também De Palma indo, confiante e novamente, contra qualquer naturalismo a fim de criar sua própria difusão criativa e afetada de uma realidade artificial inadvertida, caótica, assombrosa e organizadamente manipulada dentro de um estúdio. Pra muitos, isso é sinônimo de loucura, para o cineasta, é cinema. O cineasta filma a loucura, sempre a manejou, e sendo uma espécie de Hitchcock mais pop, permite-se trilhar caminhos mais contemporâneos na exploração de seus temas, encarnando neles não apenas suspense e mistério, mas vários signos inconfundíveis do entretenimento hollywoodiano que muito raramente se via nos filmes do gênio inglês, como explosões, tiroteios, sanguinolência deliberada e até mesmo poderes psíquicos. Elementos mais apelativos às grandes audiências, ou num termo cultural também muito mais contemporâneo, às audiências de massa fomentadas pela indústria cultural.

    Hitchcock inclusive habitava o plano mais realista das coisas, excepcionalmente mais autoral sem espaço ao exagero ou a um improviso categórico, de certa forma. Enquanto que em A Fúria, o diretor seguia provando habitar o pessoal com um pé nas expectativas do grande público. Vide as compilações de cenas divertidíssimas que participam da trama de todas as suas conjecturas audiovisuais ao longo de sua carreira, em paralelo com momentos bem intimistas, típicos do cinema do cara também, principalmente no filme em questão; um filme que depende intensamente do poder da montagem para tornar-se imprevisível, fator que, em Fúria, é excepcional como todo o resto consegue ser, em harmonia. De Palma, um dos grandes inimigos dos puristas e ao mesmo tempo dos naturalistas do cinema, dificilmente nos decepciona, e mesmo quando o mestre usa suas ferramentas e subverte nossas expectativas para o bem, ou para o mal, é claro que isso também seria proposital a nós, pobre público que por fim somos.

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  • Crítica | De Palma

    Crítica | De Palma

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    De Palma, documentário de Noah Baumbach (Frances Ha e Enquanto Somos Jovens) e Jake Paltrow (Sonhando Acordado e Os Mais Jovens) começa mostrando o diretor biografado explicando seu fascínio pela obra Um Corpo Que Cai, clássico absoluto de Alfred Hitchcock, diretor que seria reverenciado em praticamente toda a filmografia do autor americano. O filme seria todo narrado pelo personagem título, driblando qualquer possibilidade de monotonia que a premissa supostamente teria.

    Brian de Palma é um diretor normalmente subestimado, em especial quando é comparado aos seus contemporâneos da Nova Hollywood, como Martin Scorsese, Francis Ford Coppola, Clint Eastwood, Steven Spielberg etc. O filme se dedica a mostrar as carreiras que o cineasta pensava para si antes de decidir se tonar diretor de cinema e o faz de maneira bastante íntima.

    A riqueza do longa mora nos relatos de Brian, que discorre por exemplo sobre a larga parceira que estabeleceu com Robert DeNiro, desde Quem Anda Cantando Nossas Mulheres e Olá Mamãe, até a parte da carreira do ator onde o mesmo já era um astro, em Os Intocáveis, detalhando até os rompantes de vaidades do interprete ítalo-americano, que era bem mais exigente tanto em relação a cachê quanto em agenda, agindo como um mimado mesmo com o amigo de longa data.

    De Palma usa boa parte da sua exposição para explicar o seu fascínio pelo Split Screen, dividindo a tela para demonstrar através da justaposição de imagens múltiplos ângulos do mesmo momento ou a dualidade de espírito dentro da mesma história. A desconstrução da figura artística mostra um personagem rico, apesar de ser caráter de operário de cinema, louvando a entrega que o diretor faz em sua filmografia, carreira de vida pessoal, reverenciado também a visão incomum que o sujeito tem sobre a sociedade em geral.

    O roteiro explora também os erros da filmografia, além das recorrentes acusações de machismo, já que utilizava as mulheres como vítimas de seus psicopatas, ao produto quando não eram as próprias as figuras que impingiam o mal. O aspecto herdado dos filmes de Hitchcock é explicado de uma maneira até pueril por parte do sujeito, que não consegue enxergar em suas atitudes qualquer misoginia.

    Os méritos do filme residem em dar liberdade a Brian para falar, tanto quando o sujeito relata o lidar com tantas estrelas, quanto nas reclamações sobre o uso excessivo do CGI no cinema atual. No entanto, a parte mais emocionante está reservada para o final, onde se discute Passion, ultimo produto do biografado, tendo então uma comparação desses com os decadentes Frenesi e Topázio, onde o diretor aceita a pecha sobre si e afirma que praticamente não há cineasta que mantenha o bom nível após completar um jubileu. De Palma é um registro emocional, que não precisa tentar soar hermético para garantir um bom conteúdo, ainda que carregue em si uma veracidade digna da poesia da obra do objeto de estudo.

  • Crítica | Carrie, a Estranha (1976)

    Crítica | Carrie, a Estranha (1976)

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    No clássico de Brian de Palma, o terror de Stephen King se inicia a partir da sexualidade efervescente típica da adolescência. A cena do banho que Sissy Spacek sofre mostram as curvas do corpo feminino movendo-se para uma direção de absoluta naturalidade, expondo-se a um evento comum como a menstruação, mas demonizado por sua personagem e pelo entorno familiar da mesma. Carrie A Estranha é um filme sobre violência, emocional e psicológica, movida contra uma garota que tem um comportamento inofensivo e vitimável, e que esconde em si um poder destrutivo escondido no recôndito de sua alma perturbada.

    A personificação de Carrie revela uma menina aterrorizada, oprimida por sua matriarca,  Margaret White (Piper Laurie), e maltratada pelas outras crianças, com alcunhas maldosas, apelando para a esquisitice de seus modos. Não demora a ser demonstrada a criação rígida que a menina recebe, através de uma religião extrema e recalcante de sua mãe, o que determina o motivo de seu backrground já se iniciar tão negativo.

    É curioso como em inúmeras cenas em que Carrie é enquadrada sozinha há uma aura avermelhada envolvendo a personagem, emulando a malignidade que lhe é conferida pelos olhares alheios. As cenas dela com sua mãe ocorrem quase sempre no escuro, nas trevas do desconhecimento e alienação, causando na adolescente um temor terrível, o receio de se relacionar com qualquer ser humano, já que toda e qualquer ação é encarada como pecaminosa e imunda, por sua mãe.

    A opressão que Carrie sofre encontra até paralelos atuais, já que grande parte dos fanáticos religiosos ainda buscam o completo isolamento ideológico e comportamental, especialmente quando seus dogmas e ideais são muito questionáveis. A razão dos poderes paranormais de Carrie ocorrerem não são explicitados em tela, até para manter o clima de mistério. Todas as manifestações destas “habilidades” são mostrados em momentos de extrema tensão da moça, pontuados pela música grave de Pino Donaggio, que aumenta e muito o suspense, medo e claro sensação de humilhação pelo qual passa a protagonista.

    A crueldade e intolerância típica do homem se manifesta de maneira ainda mais agressiva no período da puberdade, onde os padrões de politicamente correta ainda não se estabeleceram por completo. O tratamento hostil que a personagem recebe é retribuído ao modo que lhe cabe, impingindo os mesmos medos e horrores que couberam a antiga vítima. Carrie A Estranha só tem cenas de terror próximo do final, onde os que causaram mal a protagonista, sofrem a ira de uma inocente inviolada, que só buscava para si a aprovação de quem a rejeitava gratuitamente.

    O destino de Chris Hargensen (Nancy Allen) e seu namorado Billy (John Travolta) é ainda mais sombrio e particularmente violento, sofrendo o ataque direto da menina que não queria nada, além de ser considerada normal. Cada golpe psíquico que Carrie desfere, envolve um acorde agudo na música,mostrando que mesmo ao atacar seus “adversários”, há uma dor intrínseca terrível, causada pela repressão de sentimentos proveniente de sua mãe que do alto de sua hipocrisia, impede a si e aos outros de dar vazão aos prazeres mais básicos da humanidade. O epílogo mostra o quão temor do trauma após um choque, dessa vez enfocando em um dos agressores primários, invertendo a ordem de predação, além de aventar um final em nada otimista tão triste e trágico quanto a existência de Carrie em si.

  • Crítica | Passion

    Crítica | Passion

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    Brian De Palma é um diretor com carreira de sucesso indiscutível. Fruto de uma geração talentosíssima – formada por Scorsese, Coppolla etc –  não filmava desde Guerra sem Cortes. Este Passion é a sua versão para o suspense  Crime D’Amour, do francês Alain Corneau.

    Seu começo é lento, lotado de cenas contemplativas nos quartos das suas personagens principais, Christine (Rachel McAdams) e Isabelle (Noomi Rapace). Tais pedaços demonstram alguns dos conflitos que serão futuramente explorados, como a solidão, a luxúria etc.

    O roteiro brinca com alguns distúrbios psicológicos sérios, mas vai expondo tudo de forma gradual. Há uma mini-rede de influência entre as personagens principais e outros membros do grupo corporativo onde estas trabalham, em que imperam basicamente a sedução por meio do sexo, posse e poder, além da traição ética e carnal. Aparentemente há um enfoque no Narcisismo por parte de um dos personagens, mas com o desenrolar da história, nota-se que esse é um problema comum a quase todas as pessoas retratadas em cena.

    A trilha sonora, assinada por Pino Donaggi – que já trabalhara com o diretor em Carrie, Dublê de Corpo e Vestida para Matar – é sensacional e ajuda a compor o quadro de angústia vivenciado por Isabelle. A pressão psicológica e a agressão à sua auto-estima vão aumentando com o decorrer da película. Mais uma vez De Palma utiliza-se da sua filmagem competente, deixando sua câmera em ângulos tortos em meio a ambientes pouco iluminados, mostrando a instabilidade de seus personagens e o incômodo pelos quais eles passam, sem revelar de forma óbvia quais são as suas intenções, o realizador ainda se apropria de elementos tipicamente hitchcockianos, como Macguffins. O repertório narrativo e visual de Passion lembra em muitos momentos algumas das últimas obras de Alfred Hitchcock, como Topázio e Frenesi.

    A obsessão é retratada em alguns momentos com uma docilidade ímpar: a admiração torna-se paixão, evolui para fixação, quando se soma a rejeição causa traição, frustração e humilhação. O destino final é a vingança, logo acompanhada de uma reticente confissão. A priori, a história parece ser sobre paixões não correspondidas, mas é muito mais que isso. Há distúrbios de comportamento como stalkers se valendo da tecnologia para praticar chantagens morais e subornos sentimentais entre outras anomalias de comportamento. Não há personagem que não tenha algum interesse escuso.

    Com o decorrer do filme, a atuação de Noomi Rapace vai evoluindo, de caricata a bastante realista, o que empresta muito caráter ao lado dramático e misterioso do filme. O final e as reações de Isabelle deixam em aberto algumas questões. Os fatos mostrados na tela podem ter ou não ter ocorrido, total ou parcialmente, é posto em dúvida se alguns dos personagens são ou não reais – o que põe a prova o testemunho da personagem, assim como contesta sua sanidade mental. Um suspense num ritmo clássico, que apela bastante para a sexualidade, mas sem vulgarizar.

  • Crítica | Os Intocáveis

    Crítica | Os Intocáveis

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    Filmado em 1987, Os Intocáveis conta com um elenco fabuloso, trilha belíssima, ótima fotografia e uma direção primorosa. Um dos maiores filmes de máfia que retrata o período da lei seca em Chicago.

    Apesar de ser um diretor odiado por muitos, é inconteste a preciosidade de Brian De Palma nesse trabalho. A cidade de Chicago é reconstruída maravilhosamente, a fotografia é embasbacante. E o que falar sobre seu trabalho com as câmeras? De Palma transmite sensações de alegria e tensão em instantes, e conseguiu atuações fantásticas de todo o elenco.

    A história se passa em Chicago nos anos 30, epóca da lei seca. Eliot Ness (Kevin Costner) é um agente federal encarregado de capturar o gângster Al Capone (Robert De Niro), mas suas tentativas são sempre pífias, graças também a corrupção existente dentro da polícia. Após ser humilhado pelos jornais por suas frustradas apreensões, Ness reúne um pequeno grupo de homens confiáveis e incorruptíveis para realizar a tarefa.

    Jim Malone (Sean Connery) é o mentor de Ness, um experiente policial que se junta ao grupo disposto à ajudá-lo. George Stone (Andy Garcia) é um italiano que acaba de ingressar na Academia e por último, Oscar Wallace (Charles Smith), um contador responsável por analisar se Al Capone vinha omitindo informações financeiras em seu imposto de renda.

    As atuações são fantásticas. De Niro rouba a cena, interpretando Al Capone cheio de sarcasmo e crueldade, ele e Sean Connery dão um show todas as vezes que aparecem em cena. Kevin Costner fez um ótimo papel, demonstrando as fragilidades e humanidade do seu personagem, isso em um tempo onde ainda tinha uma grande carreira. Charles Smith serve como peça cômica na históra e finalizando com Andy Garcia ainda no início de carreira, mas mostrando a que veio.

    Ennio Morricone imortalizou o filme com sua belíssima trilha, conseguindo transpor o que cada imagem exigia de maneira impecável. De Palma abusa de seu trabalho com as câmeras, conseguindo enquadramentos e ângulos inovadores, como na sequência inicial, com uma tomada panorâmica da sala onde está Al Capone se barbeando, e a câmera vai se aproximando lentamento até focar no rosto de De Niro, ou mesmo, na clássica cena da escadaria da estação, onde um carrinho de bebê desce escada abaixo durante o tiroteio, tudo isso filmado em câmera lenta e fazendo homenagem ao “O Encouraçado Potenkim”.

    Até hoje não entendo como Brian De Palma não foi condecorado pela Academia por essa obra-prima, o que é uma pena, o filme é extremamente bem dirigido, o roteiro de David Mamet é muito bom, além de contar com um grande elenco, todos trabalhando muito bem. Para quem ainda não conhece, alugue, compre, roube, só não deixe de conferir.