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  • O Caso dos Mais Vendidos

    O Caso dos Mais Vendidos

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    Há um grande mistério na prateleira dos romances policiais, e não se trata de uma nova onda de crimes ou de mais um serial killer. A questão está mais ligada a títulos, autores e editoras do que propriamente aos atos ilegais e aos corpos espalhados pelo caminho. Se o leitor se dispuser a olhar as listas dos mais vendidos dos gêneros Crime-Suspense-Mistério, vai certamente notar que a esmagadora maioria vem de autores estrangeiros.

    Se espiarmos a lista na Amazon, encontraremos Agatha Christie, Ian Fleming, James Paterson, Stieg Larsson, Patricia Cornwell, Nora Roberts, Harlan Coben, George Simenon e Arthur Conan-Doyle entre os primeiros. Bem depois, esbarraremos em alguns conhecidos locais. Tal observação permitiria constatar que esse tipo de literatura só sobrevive à custa de escritores norte-americanos, ingleses, escandinavos, franceses… Mas rezam as cartilhas do romance policial que as primeiras pistas não são suficientes para solucionarmos o caso.

    Deixemos de lado a hipótese derrotista (“autor policial brasileiro não vende”) e arrisquemos uma pergunta em forma de paradoxo: os estrangeiros aparecem mais na lista porque vendem mais, ou vendem mais porque aparecem mais na lista?

    A pergunta se justifica por um dado. Dos quase 61 mil títulos lançados no país em 2014, apenas 9,7% foram traduções. Quer dizer: nove em cada dez livros no mercado são assinados por autores brasileiros. Os dados são de uma pesquisa da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), encomendada pela Câmara Brasileira do Livro e pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros. O estudo não detalha se essa proporção se mantém em Crime-Suspense-Mistério, e se isso acontecesse, aí sim, teríamos um resultado alarmante para os escritores nacionais: venderiam muito pouco se comparados aos colegas gringos.

    Mas não se pode afirmar isso por causa de outro fator: nos catálogos das editoras, raros são os autores nacionais nos gêneros em questão. Claro que essas informações não estão reunidas e sistematizadas, mas podem ser facilmente acessadas nos sites das editoras. Não são muitas as casas que se dedicam a esses livros (Record, Cia das Letras, L&PM, Benvirá, etc.), e elas têm historicamente priorizado a compra de direitos de tradução em vez de apostar em talentos locais. Na Suma de Letras, por exemplo, estão nomes como Michael Connelly e Stephen King (mesmo que este esteja mais para o terror que o policial). A Editora Record investe em Jo Nesbo, Andrea Camilleri e James Ellroy, e até mesmo reedita os suecos ancestrais Maj Sjöwall e Per Wahlöö. Para julho deste ano sai o novo livro de Marcos Peres, ganhador do Prêmio Sesc de Literatura e finalista do Jabuti e do Prêmio São Paulo de Literatura, o romance policial Que fim levou Juliana Klein?. Para além de Peres, André Amado e Al Gomes, quais são seus principais nomes nacionais no gênero?

    A Cia das Letras dedica fatia um pouco mais generosa às apostas brasileiras com Luiz Alfredo Garcia-Roza, Jô Soares, Raphael Montes, Tony Bellotto. A Intrínseca tem a série com o jovem Sherlock Holmes, e a Arqueiro prefere os best-sellers: é assim com os carros-chefe Dan Brown, James Patterson e Harlan Coben. Ano passado, a Arqueiro também organizou encontros de literatura policial pelas livrarias do país para promover as obras de seu catálogo.

    Outras editoras criam selos e coleções que só publicam autores não-brasileiros e ignoram a produção local do gênero. Nova Fronteira, Zahar, Globo Livros, Alfaguara e L&PM se concentram em títulos clássicos (com séries belíssimas de Agatha Christie, Raymond Chandler e Conan Doyle), e a Vestígio, do grupo Autêntica, investe em nomes mais contemporâneos. Na Rocco, há nomes estrangeiros e poucos nacionais no catálogo: de Benjamin Black, passando por Sophie Hannah, JK Rowling e Ruth Rendell a Patricia Melo, Luís Dill e Flávio Carneiro. A editora Planeta publicou o primeiro policial de Mario Prata (que escreveu mais um pela Leya) e um livro do paulista Roger Franchini. E pela Belas-Letras saiu, neste ano, Pólvora, do cantor Tico Santa-Cruz. Finalmente, na Editora Draco encontramos uma seleção de autores nacionais com romances e contos policiais comercializados, como Carlos Orsi e Cirilo L. Lemos. A maioria está disponível apenas em formato digital, e quem não tem um e-reader acaba não descobrindo o catálogo.

    As editoras brasileiras não abrem tanto espaço para autores nacionais por questões estéticas? Isto é: o gênero policial não funciona por aqui? As obras de Rubem Fonseca, Patrícia Mello, Marçal Aquino, entre outros, já mostraram a que vieram. Foram reconhecidas pela crítica e pelo público, e encontraram um lugar na literatura urbana contemporânea.

    As editoras brasileiras não publicam autores nacionais por razões mercadológicas? Quer dizer: o gênero não vende? Besteira. Leitores brasileiros continuam a consumir casos e mistérios, tanto em versões impressas quanto eletrônicas, apesar de estarem soterrados sob toneladas de filmes, seriados, programas de TV e outros produtos que nos impelem a descobrir os culpados dos crimes. Dias Perfeitos, de Raphael Montes, por exemplo, já foi editado em diversos países e, em breve, deve sair em Taiwan e Hong-Kong. O Matador e Elogio da Mentira, de Patricia Melo, já têm edições romenas!

    Raphael Montes

    Raphael Montes, autor de Suicídas e Dias Perfeitos

    Voltemos ao paradoxo, o mistério que nos trouxe até aqui: os estrangeiros aparecem mais na lista de best-sellers porque vendem mais, ou vendem mais porque aparecem mais na lista?

    Arriscamos dizer que as editoras brasileiras têm investido menos do que poderiam na safra de autores nacionais do gênero. As razões para isso estão mais nos temores financeiros que estéticos. Os motivos estão mais no conservadorismo e no oportunismo de mercado do que propriamente na qualidade dos originais recebidos. Afinal, para qualquer empresa, é menos arriscado vender um produto que fez sucesso lá fora ou foi agraciado com algum prêmio do que lançar um novo nome, oferecer um título inédito e original. É mais fácil pegar carona no sucesso internacional do que fomentar uma cena criativa local, que também pode ser bem lucrativa.

    Estamos tratando aqui de uma categoria específica de livros, os de Crime-Suspense-Mistério, que não é tão marginalizado quanto o Terror, por exemplo. Produções do cinema e da TV enxergam no gênero um terreno fértil de novos produtos e experiências. Não se trata de um fenômeno como o dos livros para colorir, um ponto fora da curva do mercado que já vendeu neste ano quase um milhão de exemplares, se contarmos apenas dois títulos, Jardim Secreto e Floresta Encantada, ambos de Johanna Basford, conforme dados da PublishNews. É uma raridade, um evento isolado. Estamos tratando de um gênero que existe e persiste há décadas, que está estabelecido, e que não demonstra cansaço ou perda de fôlego.

    Acreditamos que títulos de autores nacionais poderiam ter performances de vendas melhores se houvesse mais recepção de originais; se existissem mais lançamentos do gênero; se fossem investidas mais verbas de marketing e promoção; se fossem estimuladas produções derivadas das obras na TV e no cinema. Enfim, se os escritores locais tivessem mais espaço e visibilidade. Acreditamos que uma cena literária policial possa ser fomentada, já que existem muitos criadores do gênero no país. Prova maior está na quantidade de títulos lançados nos últimos anos na internet ou em formato impresso, sob o signo da autopublicação.

    Se a fresta estivesse menos estreita, poderíamos sonhar com embriões de uma geração criativa e produtiva no gênero policial. Clássicos e cânones como Agatha Christie e Simenon continuariam a frequentar as listas dos mais vendidos nas livrarias, mas poderiam ter vizinhos com o nosso sotaque e que narram crimes nas nossas paisagens.

    Texto de autoria de Chris Lauxx, pseudônimo dos jornalistas Rogério  Christofoletti e Ana Paula Laux, autores da enciclopédia Os Maiores  Detetives do Mundo e editores do site literaturapolicial.com

  • Resenha | Bellini e o Labirinto – Tony Bellotto

    Resenha | Bellini e o Labirinto – Tony Bellotto

    O titânico Tony Bellotto iniciou sua carreira literária em 1995 com um romance policial que originou a personagem Remo Bellini, um improvável investigador particular residente na cidade de São Paulo, ouvinte voraz de blues e – como uma espécie de requisito exigido pelo gênero – um homem incompreendido e desejado por diversas mulheres.

    Três de seus oito romances apresentam o detetive Bellini. Uma dedicação comum aos escritores da narrativa policial que escolhem uma personagem-chave para suas histórias e, romance após romance, aprofundam suas dimensões, ampliam o universo que os envolve, não raro apresentando visões diferentes de pressupostos que o leitor imaginava imutáveis.

    Distante de seu personagem há mais de cinco anos, Bellotto foi convidado para escrever um roteiro de duas histórias em quadrinhos para o álbum Bellini e o Corvo, um projeto a ser lançado pela Quadrinhos da Cia, selo da Companhia das Letras, responsável pela edição de sua obra. Em textos publicados no blog da editora, foi este o estímulo que o impulsionou a retornar ao universo da personagem, como se reencontrasse  um velho amigo. Motivação suficiente para elaborar um novo romance.

    Neste hiato entre um Bellini e outro, o autor escreveu dois romances oscilantes fora do âmbito policial. Mesmo distante deste universo, a ironia da personagem e o estilo narrativo pareciam vazar para estes outros livros, como se não houvesse limitação aparente ou um apuro consciente que produzissem vozes diferenciadas a cada romance.

    Bellini e o Labirinto demonstra a evolução narrativa de Bellotto, que finalmente entrega um romance bem executado tanto em sua estrutura policial quanto na narrativa madura e equilibrada. Além de uma história investigativa, a trama utiliza-se de uma vertente comum nas sequências policiais, a de introduzir o próprio detetive como elemento da investigação, não sendo mais o policial um ser à parte que produz luz em acontecimentos de maneira imparcial. Ao dividir o foco entre a investigação padrão e o drama da personagem, a história duplica de intensidade.

    Na trama, Bellini viaja até Goiânia para investigar o desaparecimento de um famoso cantor sertanejo, mas, conforme adentra as investigações, descobre que nem tudo parece óbvio, algo que toda boa narrativa policial carrega em suas linhas.

    Bellini se tornou um personagem mais crível e coerente. Se antigamente sua erudição destoava de um estilo que se pretendia mais próximo da oralidade mas que se revelava sem muito arrojo, o amadurecimento notável da prosa do autor foi suficiente para equilibrar os elementos internos da personagem – divagações eruditas sobre mitologia, música e a vida em si – e o refinamento narrativo, que ainda mantém a intenção da linguagem coloquial mas que produz uma estabilidade que nenhuma de suas obras anteriores foi capaz.

    Aos quarenta anos de idade, a personagem de Bellini, também narrador em primeira pessoa da trama, permanece estagnada. Mora na mesma kitnet das histórias anteriores, ganha o suficiente para sobreviver e faz da música a paixão e objeto de fuga. Sem perder a ironia, sua devastação tem maior reflexo na maturidade natural da idade, que parece ter alinhado melhor as vozes narrativas citadas dentro do texto.

    Dividido em capítulos curtos que cercam os eventos de maneira pontual, o romance foi bem construído entre as filosofias da personagem e a ação da obra em si. O estilo irônico do autor está apurado, mantendo a erudição, sem que isso retire a característica de sua prosa rápida sustentada pela fluidez. Destaca-se também o gosto pela utilização de nomes estranhos que causam desconforto no leitor. Alcunhas vindas de palavras estrangeiras e traduzidas em incômodas grafias abrasileiradas demonstram a tonalidade canhestra de que esta história – e seus personagens – são autenticamente brasileiros (uma das personagem do enredo chama-se Riboquinha, nome originado a partir da marca de tênis Reebok).

    Como um bom romance policial que, até então, fora somente sugerido ou emulado nas obras anteriores, Bellotto insere camadas profundas na história, consciente de que imergirão mais à frente na narrativa com maior potência, conduzindo um ato final espetacular entre o desfecho da investigação, recursos narrativos externos e reflexões inerentes da personagem central.

    Dentro de um labirinto narrativo, esta obra parece o início de uma nova fase, claramente mais madura, do autor, ciente das tensões necessárias para compor um bom romance. Após diversas histórias entre altos e baixos, Bellini e o Labirinto situa-se em seu melhor, ainda que seja cedo demais para batizar esta obra de provável Cabeça Dinossauro – em referência aos álbuns dos Titãs – de sua carreira literária.

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  • Resenha | Machu Picchu – Tony Belloto

    Resenha | Machu Picchu – Tony Belloto

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    O guitarrista Tony Bellotto não achava-se cool o bastante sendo um dos fundadores de uma das maiores bandas do rock brasileiro, Os Titãs, e marido de Malu Mader, atriz, hoje quarentona, ainda com grande beleza e indefectíveis sobrancelhas expressivas. E em 1995, lançou seu primeiro romance, abrindo espaço para um novo terreno desconhecido.

    Após três romances policiais com o Detetive Bellini e uma inspiração rasgada em Dashiell Hammett, Bellotto apresentou novas narrativas fora do elemento policial: BR163: Duas Histórias na Estrada (2001), seguidos de Os Insones (2007) e No Buraco (2010), todos lançados pela Companhia das Letras que lança também Macchu Picchu, seu novo romance.

    A narrativa tem início no engarrafamento cotidiano da cidade de Rio de Janeiro. Um congestionamento considerado um dos maiores da história até então. Nesta cidade paralisada, avançando pouco a pouco, cada qual em seu espaço, encontram-se Zé Roberto e Chica. Um casal que tenta retornar à sua casa para comemorar mais um ano de casamento.

    As vias paradas, sem nenhum movimento, repletas de tensão de trabalhadores cansados e estressados injetam nas personagens uma reflexão interna dos momentos que os levaram até esse grande engarrafamento. Metáfora da  condição humana de paralisia perante a sociedade. Através de suas reflexões, as camadas superficiais de suas personalidades se destroem, destacando-se desejos e vontades escondidas que, se expostas, podem quebrar a harmonia conquistada.

    Devoto fã de Dashiell Hammett e Raymond Chandler, a prosa de Bellotto bebe diretamente da fonte da literatura policial americana do início do século, apoiada em personagens dúbios em uma trama que nem tudo é o que parece. A ironia com que analisa a sociedade em seu textos vem diretamente destes autores mas inserida em seu tempo contemporâneo. São diálogos rápidos, secos, sem medo ou vergonha de expressar até os pensamentos mais vulgares. Mantendo a linguagem em tom coloquial, como uma conversa ou confissão feita aos amigos mas que perde a força pela habilidade oscilante em narrar a história.

    Bellotto tem o entusiasmo de um escritor marginal, um pós-beatnik fascinado pela literatura de suspense. Sua narrativa é escrita na velocidade de um disparo. Rápida, cheia de referências. Projeta no leitor múltiplas ideias articuladas em pouco tempo. Porém, de tão rápida carece de melhor lapidação. Como se faltasse a percepção de que, mesmo em uma prosa coloquial, há um apuro e trabalho na escrita para que ela soe natural como, em um exemplo, as narrativas de Bukowski.

    A oscilação narrativa parece menos estilo do autor e maior falta de precisão ao compor. As personagens ganham pelo carisma, mantém em alta rotação a intenção da trama, sempre rápida. Mas quando caminha para o final, é  visível a ausência do apuro narrativo.

    Um elemento comum na maioria de seus romances: a insuficiência em fechar a própria narrativa, desembocando-a em um clichê que centra-se no absurdo em demasia.

    O romance breve é funcional na proposta de apresentar um momento na vida das personagens. Dialogando com a velocidade do contemporâneo. O engarrafamento é a crítica de um mundo veloz mas parado devido a própria evolução. Mas o impacto desejado ao fim se perde pela ausência de ritmo, anulando potenciais tramas em um desfecho sem graça.

    Talvez pelo apreço que ainda nutro pela banda hoje esfacelada de Bellotto, insista como leitor de suas narrativas, esperançoso de que um dia o escritor encontre melhor equilíbrio. Afinal, em textos curtos escritos para a Veja ou o blog da editora, Bellotto produz boas crônicas, sempre apoiadas em histórias musicais. Além de ser um excelente letrista de canções como Isso e Palavras.

    Falta ao autor maior sintonia de sua voz como narrador. A consciência de que para ser genuinamente simples é necessário mais apuro do que vem sendo produzido até então.