Tag: Pier Paolo Pasolini

  • Crítica | Réquiem Para Matar

    Crítica | Réquiem Para Matar

    De Carlo LizzaniRéquiem Para Matar é mais um dos muitos filmes de vaqueiro feitos na Itália, como parte da subcultura do Western Spaghetti. Lou Castel vive Réquiem, o único sobrevivente de um massacre quando ele ainda era criança. Sua missão de vida é básica e muito comum ao gênero: buscar vingança pelos seus, em busca de George Bellow Ferguson (Mark Damon).

    O início do filme se dá com um confronto de forças bem ao estilo do jogo Forte Apache, com pistoleiros confederados esperando a chegada dos mexicanos, um dos assuntos mais abordados nos filmes de faroeste italiano. Os tempos selvagens no oeste passaram por muitos momentos e minirrevoluções, como o aprimoramento da polícia, o início do crime organizado e a construção das linhas férreas. O advento das grandes metralhadoras também se fez presente, e essa é mais um longa que utiliza a capacidade de atirar muitos projéteis para instalar o terror, mostrando o povo mais pobre sofrendo a perseguição dos mais poderosos — brancos.

    A música de Riz Ortolani é bem característica, utiliza sons agudos nos momentos de embate, com guitarras altas e estrondosas, e outras mais calmas e inofensivas, mostrando Réquiem tentando lidar com os homens comuns. O trabalho do compositor foi tão único que o fez ser escolhido por Quentin Tarantino para estar na trilha de Kill Bill – Volume 1.

    Não há quase gordura nenhuma na história, Lizzani leva seu filme de maneira muito direta ao alvo, Réquiem não demora a encontrar com um dos homens que comandou o ataque a sua família. De qualquer forma, o texto soa confuso pelo rumo que quer tomar com seu personagem central, que parece mas um rapaz guiado pelo destino e tem a fortuna de cruzar o caminho de seus malfeitores. Ao mesmo tempo, o diretor parece estar debochando o tempo inteiro do estilo, a começar por seu herói, um homem que não tem aparência respeitosa de maneira alguma, seu talento para o tiro parece surgir do absoluto acaso, e por fim, conta as piores mentiras possíveis e ainda assim faz seus inimigos confiarem nele. Além disso, alguns homens usam uma maquiagem muito forte, tão caricata que obviamente não se faria perdurar em um ambiente tão quente quanto este cenário.

    Um dos personagens é vivido pelo diretor  Pier Paolo Pasolini, sujeito que também é tido como um dos colaboradores do roteiro não creditados, talvez caiba a ele a função  dos exageros visuais que mais lembram peças teatrais shakesperianas do que uma cínica história do velho oeste americano.

    No desenvolvimento final, Castel justifica sua escalação. Seu desempenho como cavaleiro vingativo é ótimo, e os embates que ele tem com Dean Light (Carlo Palmucci) e os demais capangas de Ferguson são carregados de emoção, onde o senso de urgência é alardeado em uma sequência emocionante. Réquiem Para Matar é um filme cuja identidade não é muito bem definida, variando entre uma produção séria e o tom de paródia, melhorando muito próximo do final graças ao conflito final.

  • 10 Filmes com Temáticas Feministas (Pouco Lembrados)

    10 Filmes com Temáticas Feministas (Pouco Lembrados)

    Neste 8 de Março, confira nossa lista de longas com dramas políticos, cinema marginal, lutas contra o preconceito, histórias reais e comédias escapistas.

    Nesta quinta-feira é celebrado o Dia Internacional da Mulher. Três anos atrás, algumas participantes do Vortex Cultural relembraram a importância deste dia de luta e listaram 10 filmes cujas personagens femininas tinham um traço marcante e alguma discussão sobre o gênero. Em 2018, a seleção é um pouco de resgate de alguns filmes pouco lembrados, mas ainda assim que mostram a importância do feminismo. Fight like a girl!

    (confira também nossa lista de Filmes com Personagens Femininas Marcantes).

    Possuída (Clarence Brown, 1931)

    10 anos antes da histórica independência feminina da protagonista mulher de Rosalind Russell, em Jejum de Amor, Possuída já profetizava a igualdade entre os sexos em plena década de trinta, tão à frente do seu tempo, mesmo que numa concepção estética em partes ultrapassada.

    A Mulher do Dia (George Stevens, 1942)

    Uma guerra dos sexos banhada pela comédia, pelo olhar leve do entretenimento ainda que ácido e satírico de George Stevens, mas o certo aqui é uma coisa só: Depois da presença da jornalista Tess (Katharine Hepburn, fantástica) no cinema americano, o papel das protagonistas femininas nos grandes, pequenos e médios filmes dos estúdios de Hollywood nunca mais foi o mesmo, abandonando a partir de A Mulher do Dia e outros filmes tão importantes quanto inúmeros arquétipos e conveniências que as plateias tanto se acostumaram a tomar como verdade singular, em meio às temáticas das mídias que influenciam essa tal de opinião pública.

    Joana D’Arc (Victor Fleming, 1948)

    Aqui, Ingrid Bergman se faz como o símbolo da liberdade, Joana D’Arc, encapsulando com garra, em suas diversas e poderosas significações dentro do filme, o quanto o símbolo feminino pode ser versátil nas situações compelidas a ele, equilibrando toda a sensibilidade (a flor da pele) de uma pecadora submetida a sua crença, com a força (tão infalível quanto suas estratégias militares) de uma lutadora medieval para alcançar a custosa liberdade francesa contra os ingleses, numa época que ler ou escrever não eram de forma alguma exigências às mulheres – Joana era de fato analfabeta, encontrando na ultra expressiva Bergman uma intérprete ideal.

    Mônica e o Desejo (Ingmar Bergman, 1953)

    A feminilidade jovial e naturalista (e muito mais consequente que muitos críticos acreditam) mostrada por Ingmar Bergman numa das suas maiores polêmicas, sendo essa talvez digna do pódio. Isso porque, nos anos 50, essa liberdade com a figura feminina de uma Lolita foi um escândalo.

    Carmem Jones (Otto Preminger, 1954)

    Antes de Amor, Sublime Amor afirmar (e com toda razão, como a história vem provando) que não é possível ser feliz na América se você não for branco(a), o mestre Otto Preminger pegou uma ópera e transformou (guiado pela imagem de Dorothy Dandridge, a primeira mulher afrodescendente a ganhar o Oscar de Melhor Atriz, se a premiação fosse justa) em celebração simbólica parte da identidade e da realidade negra numa América racista e machista, tudo num cinemascope lindíssimo e contando com grandes músicas, atuações e uma glorificação própria.

    Mamma Roma (Pier Paolo Pasolini, 1962)

    Uma das mais impactantes e profundas odes a mulher na história dos filmes, refletindo na história de uma mãe, a força primordial do feminino, diante de um mundo duro e conflituoso. Acima de tudo, é arte pois é cinema, é de qualidade pois é Pier Paolo Pasolini, mas é vida, pois é materno.

    A Mulher de Todos (Rogério Sganzerla, 1969)

    Primeiro que Rogério Sganzerla não fazia filmes, era esteta de manifestos filmados com uma câmera em cima do ombro através de suas vertigens criadoras que tanto inspirou o cinema brasileiro, antes de ser gourmetizado pelo marketing internacionalista dos anos 2000 pós-Cidade de Deus. Em A Mulher de Todos, nota-se o quanto o cinema marginal era absolutamente incontrolável na sua concepção incômoda às diretrizes eurocêntricas da produção cultural brasileira considerada até hoje como de bom-gosto; um bicho arredio sem rédeas e encarnado aqui pela icônica atriz Helena Ignez, e depois de proferido seu nome, não há mais nada a dizer.

    A Princesa Mononoke (Hayao Miyazaki, 1997)

    Mais uma aula honesta e soberba de cinema por Hayao Miyazaki, indo muito além dos gêneros. É incrível como seus épicos propriamente ditos parecem todos saídos do mundo de “Sonhos”, de Akira Kurosawa. É de fantástica trilha sonora e personagens vivendo esse impiedoso mundo de ação.

    A Vida, Acima de Tudo (Oliver Schmitz, 2010)

    Como a África enxerga o elemento feminino, e como sobreviver ao longo de uma narrativa invariavelmente dramática numa zona que subestima e inviabiliza sua figura o tempo todo sob as égides de um machismo intrincado, culturalmente. A Vida, Acima de Tudo é sobre isso, sobre tudo isso. Sobre uma garota, um mini-mulherão (negro) tentando apenas salvar as suas raízes.

    She’s Beautiful When She’s Angry (Mary Dore, 2014)

    Documentário feminista que resgata, com cenas de arquivo de força impressionante, uma série de relatos de uma história quase apagada pelo passar das décadas, sobre as inúmeras mulheres que fundaram um movimento social formado, e organizado, em nome dos seus direitos gerais, de 1966 a 1971; sobretudo imparcial ao peso de uma voz política subversiva e coletiva, e às atenções conquistadas, mas também as contradições existentes em todo movimento, é um documento filmado fundamental e inspirador, mesmo nos dias de hoje, para aqueles que acham que feminismo e radicalismo podem ser, apesar de tudo, sempre considerados a mesma coisa.

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  • Crítica | Pasolini

    Crítica | Pasolini

    Pasolini 1

    Há uma conexão peculiar a ser observada entre os cinemas de Pier Paolo Pasolini e de Abel Ferrara. Pasolini, cria da segunda geração do neorrealismo italiano, inicialmente poeta, seguia o que chamava de cinema de poesia, onde filmava símbolos, ideias, referências e ideais com pouco compromisso com a realidade, preservando as regras do jogo de sua própria razão, alternando entre o lírico e o lúdico para questionar os elementos sociais italianos. Tal ideologia o levou a filmar disparidades, de Saló ou 120 Dias de Sodoma até Édipo Rei, e de alguma forma todos pareciam se completar e complementar naquele universo “pasolinesco” criado pela figura complexa que foi Pasolini, um dos grandes cineastas da Itália nos anos 70, que encontrou seu fim trágico em um assassinato bárbaro em 1975.

    Em contrapartida, Abel Ferrara surge no underground dos anos 70, profissionaliza o cinema policial nos 80 e se consolida como um dos grandes cineastas dos anos 90 através dos viscerais O Rei de Nova York e Vício Frenético, onde se preocupa em emergir naquelas que se tornariam a maior característica de seu cinema: o pecado e a redenção. Usando das duas pulsões inatas a qualquer ser humano, o cineasta meio americano, meio italiano sempre tenciona uma implicância em seus filmes. Por seus olhos, todos somos capazes de andar por dois caminhos estritamente opostos onde todos tentam sobreviver às tentações e se libertar de qualquer grilhão. Há uma fé componente no cinema de Ferrara, mas nenhum dogma. É uma linha tênue existencialista, com filmes muito mais focados nas escolhas do que na predestinação característica.

    Ser homem é vasto e perigoso. É um tratado em que Pasolini e Ferrara pensam de forma igual. Se o cineasta italiano naturalmente filmava a prazerosa entrega ao desejo com o horror perverso do autoritarismo e do moralismo e só por si já era um flutuante por entre movimentos políticos e círculos intelectualistas, nobrezas e periferias, um saudoso provocador que encontrava preciosidade em fazer com que moralistas fossem para suas camas com olhos estalados, cutucando o povo e os fazendo (se) questionar, sendo o 8 ou 80 do “ame ou odeie”, então não há nada estranho que o encontro entre os dois cineastas acontecesse sem qualquer estranhamento. Na quarta colaboração de Abel Ferrara com Willem Dafoe (que encarna Pasolini), todas as polaridades do italiano são expostas. De um lado, temos as últimas horas do cineasta em sua autodestruição. Do outro, vemos o que seria o futuro: um novo filme após Saló, com Eduardo de Fillipo e o ator fetiche Ninetto Davoli.

    Não por motivo qualquer, a cinebiografia carrega um tom que parece ensaiar o diretor italiano. Inicialmente, o projeto de Ferrara era tão afundo na obra de Pasolini que o cineasta era mera inspiração para um filme estrelado pela atriz e roteirista Zoë Tarmerlis Lund, que interpretaria uma diretora vivendo da mesma forma que Pasolini. Seria a segunda parceria com o diretor americano. Anteriormente, a atriz já havia trabalhado no roteiro de Vício Frenético. O projeto foi frustrado pela infeliz morte da atriz. Dados os fatos, o filme assume uma narrativa episódica, recheada de momentos que não se enveredam pela história principal, mas partem dela para criar momentos delirantemente visuais em algum tipo de homenagem ao cineasta italiano, usando de algumas das marcas registradas do diretor, como os atores-fetiche, narrativas simbólicas e histórias deslocadas dentro de histórias. Se estende uma série de parábolas “pasolinescas”.

    Ferrara vai atrás de um Pasolini caseiro, que acaba de chegar de sua viagem. Um Pasolini que reencontra família e amigos e que, em momento algum, veste a casaca do gênio ou do maldito. É um homem coloquial, seguindo sua história coloquial, com sua acalorada simplicidade de estar no mundo. Um homem como qualquer outro e, ao mesmo tempo, único. Após uma entrevista incompleta sobre Saló e uma advertência familiar para que pare com as polêmicas cinematográficas provocativas,, ganha sua queda pelo garoto de programa que, momentos depois, assassina o diretor com mais um grupo de homofóbicos. Pasolini em todo tempo se mostra sincero no que deseja e ácido no que questiona, tomando rumos próprios com coragem e com uma intolerante e variável rotina. Torna-se a dizer mais uma vez: Pasolini era um homem comum, mas, ao mesmo tempo, único.

    Pasolini, como o próprio dizia, vivia de impulsos. Dizia não para si mesmo e não para o povo. Há uma recusa de qualquer drama fácil, de qualquer transgressão didática em nome de uma necessidade de um filme realista, que choque o público ao mostrar o choque da expressão contra a repressão quando o artista expõe sua obra. Entretanto, o medo da repressão nunca impediu nem Pasolini nem Abel Ferrara. Não há, em momento algum, uma separação entre carne e espírito e fantasia e realidade. Há apenas Pasolini sendo quem é. E Pasolini, antes de ser qualquer obra de homenagem, é um discurso. Um discurso onde Ferrara fala sobre sua mais íntima criação em sua obra estritamente intimista.

    Texto de autoria de Matheus Mota.