Tag: Rodrigo Santoro

  • Crítica | Ben-Hur (2016)

    Crítica | Ben-Hur (2016)

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    O cinema é uma arte peculiar, que permite aos seus realizadores a possibilidade de sempre se reinventar, de expor ideias, técnicas e modos de registro novas. Na contramão desta condição, há a terrível exploração das refilmagens, que ganharam ainda mais popularidade nos últimos anos com a elevação do posto, uma vez que os antigos remakes eram normalmente relegados à condição de filme B e, hoje, são blockbuster. O filme de Timur Bekmambetov consegue ser um misto das duas classificações, com um orçamento astronômico e uma sofrível qualidade, semelhante aos filmes que imitam as produções mais caras.

    Ben-Hur traz Jack Huston como seu personagem-título, o mesmo ator que ficou marcado por ser um ex-soldado deformado e mascarado em Boardwalk Empire. A sorte do intérprete não parece muito grande, uma vez que sua chance de brilhar ocorreu finalmente em um filme tão complicado e mal construído. A primeira hora do épico soa interessante: é explícita e deixa claro para o seu espectador as relações familiares e íntimas de Judah (Huston) e seu irmão adotivo Messala Severus (Toby Kebell, outro artista que precisa urgentemente rever seus projetos, a exemplo do fracasso em Quarteto Fantástico), estabelecendo ali que estes são nobres em meio a uma Judeia muito humilde.

    Cada um dos fraternos tem sua própria versão de amor proibido, mas a atitude diante dessa condição é diferente, com Judah permanecendo em sua terra e o jovem romano tentando provar a si mesmo, e aos outros, que a péssima fama de sua família não corresponde à realidade. Esse pedaço em específico é inteligente em termos textuais, pois consegue deixar claro a relação entre a origem dos personagens – ambos perdidos entre mundo e ideologia – e o poder provindo do império romano, opressor, cruel e sedento por sangue. O grave problema começa nas viradas de roteiro.

    O advento da figura de Jesus, vivido pelo brasileiro Rodrigo Santoro, é bastante atrapalhado. O ator não compromete na figura do Divino, mas a falta de sutileza em todos os seus discursos e atitude revelam uma dramaturgia de extrema pobreza, que passa a declinar ainda mais quando finalmente ocorre um conflito entre os eternos amigos. Apesar de justificar de modo mais detalhado os fatores que fizeram Ben-Hur se rebelar contra Roma, a condução dos fatos é terrível, apelando não só para clichês comuns aos filmes épicos, mas também seguindo uma série de eventos que não fazem qualquer sentido em termos de roteiro.

    O exílio pelo qual o herói passa mostra-o como um homem predestinado, mas seus atos não condizem em momento nenhum com o de um homem que é escolhido por Deus para ser um herói. Hur, em vez de ser um homem honrado, é somente um vingador, um sujeito cego pela vontade de cometer uma revanche. Nem a adição do personagem de Ilderim (Morgan Freeman) consegue frear esse equívoco argumentativo.

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    A construção da figura de mentor presente em Iderim é digna de nota por sua extrema falta de qualidade. Freeman consegue reunir o clichê do mentor invencível sem causa ou motivo algum, de benevolência infinita, de negro místico e de artigo ex machina, uma vez que ele tem penetração em todos os bastidores do Império. Surpreende que o mesmo não consiga trazer o Cesar magicamente até Jerusalém para assistir aos jogos e, claro, para matar o tirano. O sujeito consegue transitar até em meio a corridas de bigas, em um lugar onde só os escravos da coroa conseguiam penetrar, tendo as manhas para desviar inclusive dos corredores, mesmo sendo um homem de idade avançada. Nada que o cerca faz sentido.

    Esta refilmagem de 2016 é reduzida, não só em relação ao tempo de duração quando comparada com o clássico de 1959, mas também em história e cinema. O argumento de Keith R. Clarke e John Ridley consegue piorar a cada passagem de tempo (e são muitas, ao longo dos 124 minutos de duração do filme) trazendo personagens que estariam supostamente mortos, para logo depois estas mesmas pessoas surgirem como amaldiçoadas, com um destino pior que a morte. Após todo o confronto entre os irmãos, o arrependimento de Judah é patético e gratuito, não há arco dramático que justifique a mudança de suas atitudes, e tampouco há justiça na reunião entre os entes no final.

    A conclusão é tão digna de pena que se faz perguntar qual era o objetivo dos produtores e realizadores ao darem à luz um produto tão mal pensado e piegas quanto esta versão. Nem mesmo uma versão cega e tola da fé extrema justifica o conjunto de tropeços otimistas e irreais que a trama segue. Ao ver o Jesus de Santoro se entregando, Judah chorou e, vendo o resultado dessa adaptação de Lew Wallace, é a reação mais acertada mesmo, de lamento por tal ocorrência ter chegado ao grande público.

  • Crítica | Os 33

    Crítica | Os 33

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    Aposta do estúdio Fox para uma história emocionante, Os 33, filme da mexicana Patricia Riggen, adapta a história verídica dos aterrados chilenos, com um elenco estrelado (em ordem de menção na película) por Antonio Banderas, Rodrigo Santoro Juliette Binoche. O que se nota é uma essencial falta de cuidado ao escolher atores não chilenos para realizar um drama recente e muito ligado a identidade conhecida do país.

    A história começa  em uma interação festiva, acompanhando a rotina de Mario Sepúlveda (Banderas) e sua bela família, que comemoram jogando futebol e confraternizando o aniversário de 45 anos de trabalho de um dos mineradores. Aos poucos, os personagens são apresentados, com Maria Segovia (Binoche) vendendo lanches para providenciar sustento para si e para seus parentes, seguida por um montante de personagens que não têm sequer uma fala, além das comemorações que ocorrem. O apelo a dramas comuns acaba se tornando o ponto de partida do filme, gratuito desde o primeiro momento.

    A trama segue pautada na cafonice, usando uma moralidade baixa para dar liga à tentativa de resgate dos mineradores sobreviventes. Além de fazer uso de atores estrangeiros para fazer os papéis importantes dentro do filme, ainda se cai no terrível erro de somente dar uma faceta talentosa para um dos trinta e três mineiros. À exceção de outras celebridades, desde Santoro, que vive Laurence Golborne, até Gabriel Byrne, que faz Andre Sougarret, não há qualquer outro ator que consiga dialogar com Banderas no lugar soterrado.

    Mesmo com os artistas renomados, há uma terrível personificação, primeiro por este drama não significar absolutamente nada para eles – mesmo com toda a comoção mundial e empatia das nações estrangeiras – além de seguir-se uma direção desimportante, que mais aparenta ter a abordagem de um telefilme do que um produto cinematográfico blockbuster.

    Nenhuma das intenções em relação à importância tanto com os soterrados quanto com os que visam libertá-los é bem construída. A proeza que foi a resistência dos chilenos é apresentada sob uma estética pueril e descaracterizada, como a visão de alguém de fora sobre uma situação bastante local, livre de qualquer emoção que poderia fazer do longa algo tocante, o que é uma lástima, considerando o potencial dramatúrgico do drama real dos sobreviventes.

  • Crítica | Golpe Duplo

    Crítica | Golpe Duplo

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    No início de 2000, roubos e assaltos com temática cinematográfica voltaram à tona e se tornaram uma vertente popular. Diversos filmes, sendo o remake Onze Homens e Um Segredo o mais significativos destes, pontuaram as telas com ladrões charmosos, grandes feitos glamourosos e reviravoltas como uma constante em suas histórias.

    Vindo de um fracasso de bilheteria dirigido por M. Night Shyamalan, Depois da Terra, o carismático Will Smith retorna às telas ao lado de Margot Robbie (O Lobo de Wall Street) formando uma dupla de golpistas nesta produção que segue a fórmula do roubo de maneira genérica. Tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, o filme estreou em primeiro lugar na bilheteria, demonstrando que, apesar do enredo simples, a popularidade de Smith é capaz de garantir uma base de público nos cinemas.

    A dinamicidade didática de Golpe Duplo se apresenta desde o título brasileiro. A trama é dividida em dois atos passados entre um período de três anos, justificando, portanto, os dois golpes citados, e nos dando a impressão de que a fraqueza da história inicial promove uma segunda de maior impacto.

    De maneira rápida, o golpista Nicky conhece Jess e descobre sua habilidade em roubar. As cenas partem do pressuposto de que o personagem é um especialista no que faz, e não só demonstra superioridade de furtos em relação à moça como faz um jogo cênico apresentando tudo que é capaz de roubar. Em seguida, faz uma rápida introdução à técnica do crime para Jess – arte que o próprio disse denotar tempo para aprender – com pseudo-conceitos teóricos sobre distração, teatralidade e outras maneiras de conquistar pessoas, logo aceitando-a no bando.

    Como ladrão charmoso, a personagem vive de pequenos roubos e esquemas locais que exploram uma cidade de grande rotação turística, dentro de um sistema de furtos generalizados entre cartões, dinheiro, joias, roupas e tudo o que pode ser furtado e revendido por uma grande equipe de especialistas. As apostas estão no sangue de Nicky, assim cenas frívolas, como a do apostador viciado que não resiste à tentação, surgem como um conflito para uma trama que não possui nenhum.

    O primeiro ato da trama encerra em uma hora e salta temporalmente para três anos depois. Surge um novo golpe que, coincidentemente, reúne o mesmo casal, separado após o último. Em cena, entra Rodrigo Santoro como Garriga, dono de uma equipe de carros de corrida na Argentina. O destaque da imprensa brasileira é feito em demasia: Santoro destaca os cartazes brasileiro, e, de fato, é louvável que o ator prossiga na carreira internacional. Porém, seu papel ainda se mantém próximo do estereótipo, o de um latino-americano representando um hermano argentino.

    A obra é voltada para o entretenimento rápido. Sem profundidade de nenhuma personagem, o enfoque está centrado nos roubos, no glamour que o cinema produziu dos furtos, e nas naturais reviravoltas que parecem surgir para subjugar o público, como se dissessem: sim, nosso roteiro é superficial mas será capaz de te surpreender.

    Durante a exibição, o público pode ser divertir. Mas desde já é possível observar que Golpe Duplo não será o grande redentor de Smith que, há dez anos, começava uma excelente fase com Eu, Robô, Hitch – Conselheiro Amoroso, À Procura da Felicidade e Eu Sou a Lenda, filmes que fundamentaram ainda mais sua credibilidade, o que justifica a boa bilheteria de sua mais recente aparição.

  • Crítica | Rio 2

    Crítica | Rio 2

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    Um deslumbre visual em 3D! Isso é o que se pode resumir da nova empreitada do diretor Carlos Saldanha e sua produtora Blue Sky, a continuação das aventuras de Blu, a ararinha azul criada em Minnesota. Com muita música e visual fantástico, Rio 2 prende a atenção do espectador por ser divertido e nada mais. O roteiro, assinado por Saldanha e Don Rhymer, não é uma obra-prima e peca pelo excesso de clichês, mas isso não é um impedimento para a plateia mais jovem da sala  decididamente, o público-alvo que vai comprar os bonequinhos e outras peças de merchandising.

    O filme começa no ano-novo do Rio de Janeiro com uma linda sequência musical, mostrando pessoas vestidas de branco na praia, fazendo oferendas a Iemanjá, tendo o Cristo Redentor ao fundo, além de muitos fogos de artifício. A música, parte em inglês, parte em português, é bastante chamativa, e as coreografias dos pássaros são belíssimas. Essa cena de abertura dá o tom do resto do filme. Para quem não gosta do gênero musical, isso incomoda bastante. Cada momento de drama, ação ou desenvolvimento de roteiro são intercalados por sequências musicais.

    Blu vive em um santuário para pássaros criado por Túlio e Linda no final do primeiro filme e localizado na Floresta da Tijuca. Leva uma vida confortável com sua esposa Jade e seus filhos Tiago, Bia e Carla, adaptando o american way of life ao “jeitinho brasileiro”. Blu não quer nada além da boa vida nos trópicos e das comodidades que a tecnologia moderna pode oferecer. Mas tudo muda quando Jade descobre através do noticiário que existem evidências de que uma família de ararinhas azuis vive na Amazônia. Como acreditavam ser os últimos representantes de sua espécie, essa informação vem como um golpe na vida das aves. Jade fica extremamente animada para conhecer outros membros de sua espécie, esperando talvez encontrar algum familiar perdido. Blu, por sua vez, não quer deixar a comodidade de seu lar para se arriscar numa viagem tão longa e perigosa.

    E então esse conflito se resolve de forma tão rápida que acabamos esquecendo dele. Blu concorda em viajar, mas tem que convencer seus filhos e… Opa, já conseguiu também! A viagem até a Amazônia se resolve com mais um número musical e, de repente, opa de novo! Nossos heróis encontram a família de Jade! Tudo muito rápido, muitas coincidências e, claro, com muita música! Falando em coincidência, adivinha quem avista o grupo de pássaros assim que eles chegam a Manaus? Nigel, vilão do filme anterior, que quer se vingar de Blu por não poder mais voar.

    A partir desse ponto, temos mais e mais clichês saltando da tela: madeireiros explorando a floresta ilegalmente, ecologistas que querem salvar a floresta, a capanga que se apaixona pelo vilão, e Blu entrando numa fria maior ainda com a família (trocadilho intencional). O pai da garota que é um ótimo avô mas não vai com a cara do genro. O amigo de infância bem-sucedido que desperta ciúme no marido. A gangue rival. O concurso de talentos. O conflito resolvido com um tipo de esporte. Rivais percebendo que têm algo em comum. A batalha campal para derrotar os vilões. Piadinhas infames. Está tudo lá, numa salada de clichês envolvida em muito samba e maracatu. Tem até um desfecho shakespeariano para o casal de vilões!

    Ao fim, parece que nos são apresentados personagens demais, tramas demais e resoluções fáceis demais para os conflitos. Mas o deslumbre visual  e por que não dizer, também, musical?  consegue prender nossa atenção sem tornar o filme enfadonho. Pode ser uma propaganda do Brasil para o ano da Copa, uma máquina caça-níquel de produtos relacionados ou uma opção para pais que querem algo leve para seus filhos pequenos assistirem. Mas Rio 2 parece conseguir se firmar como uma franquia de sucesso, e não nos surpreenderia se mais uma sequência for lançada nos próximos anos.

  • Crítica | 300: A Ascensão do Império

    Crítica | 300: A Ascensão do Império

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    Dirigido por Noam Murro, com roteiro escrito por Zack Snyder e Kurt Johnstad, o filme, assim como o anterior, é “baseado” numa graphic novel de Frank Miller, Xerxes. “Baseado” é modo de dizer, já que a HQ sequer tem previsão de lançamento. Miller finalizou apenas as duas primeiras edições, entregues para a Dark Horse Comics no início de 2011. Deve retomar o trabalho assim que terminar sua colaboração com Robert Rodriguez nas filmagens de Sin City 2.

    O filme não é uma sequência de 300, nem uma prequel. A história se passa concomitantemente à Batalha das Termópilas, onde está Leônidas (Gerard Butler) e seus espartanos. A trama se inicia 10 anos antes de 300, na Batalha de Maratona, que foi perdida pelos persas liderados por Dario (Igal Naor), pai de Xerxes (Rodrigo Santoro). Após a morte de Dario, Xerxes quer retaliar os gregos pela humilhação sofrida em Maratona. Auxiliado por Artemísia (Eva Green), rainha de Halicarnasso, investe pelo mar contra os gregos liderados por Temístocles (Sullivan Stapleton), general reconhecido por suas estratégias de guerra. O clímax ocorre na Batalha de Salamina, que ocorreu no estreito que separa Salamina da Ática.

    Está explícito na tela que praticamente toda a ambientação do filme foi feita em computação gráfica. Contudo, diferentemente de 300, a fotografia não é tão estilizada, não é tão semelhante à estética dos quadrinhos. Fica de lado a intenção de reproduzir fielmente os quadros da graphic novel – objetivo plenamente atingido em 300 – e apesar de tantos efeitos em CGI, ganha-se em realismo. Ambas são soluções satisfatórias.

    Não é um documentário, é uma obra de ficção, portanto deve-se relevar as imprecisões históricas e a liberdade criativa do roteiro. Em linhas gerais, o filme não distorce demais os fatos em prol da trama. A mistura entre História e ficção, realidade e fantasia, está bem equilibrada. Mas isso nem tem tanta importância, pois percebe-se que interessa mais a ação do que a trama em si. E, enquanto 300 foca a ação numa luta em terra firme, neste o ponto alto são os embates marítimos. Não apenas os confrontos entre naus persas e gregas, mas as lutas homem a homem nos conveses.

    Para os fãs do gênero, há espadas, escudos, lanças, flechas, sangue e membros decepados de sobra. E muito, muito slow motion. Tanto que chega a enjoar. As lutas são muito bem estruturadas e executadas, disso não há dúvida. Mas o uso excessivo da câmera lenta deixa-as enfadonhas em muitos momentos. O ritmo das cenas seria bastante beneficiado com uma montagem mais “uniforme”. Pois se todos os momentos são destacados com slow motion, nenhum deles efetivamente mereceria destaque.

    Supostamente, Temístocles é o protagonista, mas o personagem é tão insosso que fica difícil de se sustentar. Aliás, mesmo pouco desenvolvida como os demais personagens, é Artemísia quem consegue prender a atenção do espectador. Eva Green a interpreta com “sangue nos olhos”. Qualquer sequência – exceto as de batalha – que não a tenha em cena é extremamente tediosa.

    Se a história é simples, os personagens pouco elaborados, o mesmo não se pode dizer das batalhas marítimas. São todas grandiosas, com manobras navais literalmente de encher os olhos. E quando o confronto parece que será apenas mais do mesmo, algum estratagema incomum surge como elemento surpresa, mantendo a atenção e deixando a ação ainda mais interessante. Alguns expedientes utilizados nos embates parecem inverossímeis, beirando o exagero. Mas quem se importa? O espetáculo é tão bem coreografado que esses pequenos detalhes se perdem no quadro geral e não atrapalham em nada. É divertido, com cenas de ação bem feitas, o 3D não trapalha. Como entretenimento cumpre sua função satisfatoriamente.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Heleno

    Crítica | Heleno

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    Heleno de Freitas foi uma das figuras emblemáticas de um Brasil pré-campeão da Copa do mundo, onde o futebol era vivido, mas sentido de forma diferente, ainda saindo do amadorismo e dando seus primeiros passos em direção ao profissionalismo.

    Assim como muitas figuras do futebol, Heleno viveu glórias dentro de campo e dificuldades fora dele. Sua personalidade narcisista e egocêntrica lhe arrumou inimigos e só foi suportada enquanto rendia frutos dentro do campo. Depois disso, passou a entrar em uma espiral de autoconsumo que culmina com sua morte em um sanatório em MG.

    Está aí uma história que daria um excelente filme, caso bem conduzido. O que não acontece com o longa de José Henrique Fonseca. Apesar de ter uma fotografia de grande qualidade (a escolha de filmar em preto e branco foi acertada) e uma produção também eficiente, o filme peca naquilo em que filmes brasileiros costumam pecar: na narrativa novelística e que carrega exageradamente no drama, deixando de lado outras características dos personagens, tornando-os unidimensionais. Não conseguimos acompanhar muito bem o Heleno mito, não sabemos por que ele se expressa tão bem, ou como fala um inglês tão perfeito, ou de onde vem tamanha educação e refinamento que sustentam seu ego. O personagem nos é dado já pronto.

    O filme conta a história de Heleno de forma entrecortada, desde seu auge no Botafogo até sua decadência, mas falha em ambientar melhor o espectador, que, caso não tenha conhecimento de história do futebol, poderá se perder em meio às poucas dicas da época retratada. Sua passagem pela Colômbia é citada, por exemplo, em uma única cena de poucos segundos.

    As melhores sequências do filme são quando Heleno já é uma figura decadente, internado em um sanatório. A maquiagem e as atuações de Rodrigo Santoro são fenomenais e nos convencem da condição em que o ex-atleta se encontrava então. Mas, como jogador de futebol, faltam justamente momentos retratando sua genialidade e visão dentro de campo, com menos cenas estilizadas (como câmera lenta na chuva) e mais clássicas do esporte.

    Com um roteiro que se preocupa mais em retratar a decadência da pessoa, sobra pouco tempo para nos relacionarmos com o atleta, já que essa decadência ocupa muito tempo de tela. Quando Heleno termina, fica a sensação de que não chegamos a conhecer de verdade o jogador e o mito.

    Com vários outros jogadores fenomenais com histórias ricas do Brasil antes de Pelé, como Friedenreich e Leônidas, fica a dúvida se produções para tamanhos ícones não terão um tratamento melhor.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | 300

    Crítica | 300

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    Zack Snyder é um diretor tão criticado por suas últimas realizações, que torna-se fácil esquecer-se de suas qualidades. Uma delas é o talento que ele tem em retratar cenas introdutórias. A abordagem da criação do guerreiro espartano e o consequente endeusamento do seu protagonista aliado a trilha sonora retumbante, que eleva os ânimos e torna o clima de 300 em algo naturalmente épico.

    Tudo na película é estilizado: Fotografia, cores em tons sujos que fazem com que o sangue coagulado sobressaia, o excesso da câmera lenta – claramente inspirada por Sam Peckinpah – que já era presente em Madruga dos Mortos, aqui é ainda mais abundante.

    Aspectos comuns a história e um pouco deixados de lado na HQ são abordados por Snyder, como a maior autonomia que a mulher espartana teria em relação às outras helenas. Uma boa demonstração disso é a interrupção que a Rainha Gorgo (Lena Headey), faz a primeira conversa entre os espartanos e o mensageiro persa.

    A principal discussão do filme é a forma como o Rei Leônidas (Gerard Butler, no papel de sua vida) encara a questão religiosa. Para ele, o misticismo deveria dar lugar à razão. Os éforos são retratados como corruptos, que aceitam suborno persa – diferente da Graphic Novel de Frank Miller. Os vilões de Snyder têm um sério problema por serem retratados quase sempre com um estereótipo de homossexual afetado, Xerxes foi o primeiro deles, o tom imponente se torna motivo de piada. Na verdade, quase toda a parte do roteiro que foge da história baseada passa por erros crassos e é lotada de incongruências. O corcunda Ephialtes por exemplo teve grande parte da sua motivação reduzida, graças ao fato dele só trair seu povo por ter sido rejeitado por Leônidas, quando na trama de Miller ele tenta se suicidar sem sucesso – fato que o faria culpar seus pais, os deuses e é claro, o Rei. A sub-trama envolvendo a Rainha e Theron também é muito equivocada. A entrega e pouca resistência de Gorgo, e a cena em que ela desmascara o político na frente do plenário em meio a uma audiência, fazendo cair uma bolsa com um punhado de moedas persas é ridícula, fraca e trata o espectador como um imbecil.

    Mas o foco de 300 é a Ação, sem dúvida nenhuma. As cenas de batalha são magistralmente filmadas, começando pelas “formações em tartaruga”, as execuções e o combate corpo a corpo, até o despencar do despenhadeiro. O céu coberto pelas flechas fazia o dia parecer noite, e os brados de Leônidas eram inspiradores e encorajavam seu exército. O Slow Motion bem utilizado funciona muito bem, ainda mais nas cenas de decapitação, e a vantagem espartana das Termopilas é mostrada visualmente em uma execução muito competente.

    O sacrifício dos guerreiros gregos, aliado ao estilo videoclíptico e ao clima massa veio, garante a 300 ser um sucesso de público, retrata os espartanos como um grupo de sádicos sedentos por sangue e como assassinos profissionais que não temem a própria morte. É uma história de bravura e resistência, além de ser um ótimo trabalho de Zack Snyder.

    Ouça nosso podcast sobre Zack Snyder.

  • Crítica | Uma História de Amor e Fúria

    Crítica | Uma História de Amor e Fúria

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    O Brasil não é um país com um histórico forte em animação. Em 1996 foi produzido Cassiopeia, filme em 3D feito no mesmo ano do primeiro Toy Story, mas pouca coisa foi feita desde então, o que torna surpreendente a excelência técnica de Uma História de Amor e Fúria.

    O longa é a estreia na direção de Luiz Bolognesi, roteirista de Chega de Saudades e As Melhores Coisas do Mundo, e acompanha um homem (dublado por Selton Mello) ao longo de 600 anos de história, enquanto ele se encontra e desencontra de sua amada Janaína (Camila Pitanga). Anteriormente chamado Lutas, o filme salta através de momentos importantes da história do Brasil e termina com uma visão distópica do Rio de Janeiro em 2096.

    É um roteiro pretensioso e reside aí o maior problema do filme. A narrativa começa com o conflito entre os tupinambás e os colonizadores portugueses, em seguida salta para a Balaiada (revolta de escravos que ocorreu no Maranhão no século XIX), o movimento estudantil de resistência a ditadura e por último para o ficcional grupo terrorista que busca democratizar o acesso à água, tornada o bem mais caro do mundo no futuro. Ao condensar quatro pequenas histórias em um filme que tem menos de uma hora e meia, Bolognesi planifica seus personagens e os transforma em estereótipos.

    O protagonista e Janaína se tornam símbolos da luta contra a opressão e advogados da liberdade, mas não são nada além disso. Esse tipo de arquétipo, unido a história de amor imortal e as excelentes sequências de ação, funciona talvez com o público juvenil, mas Uma História de Amor e Fúria é também uma animação para adultos e assim, tanto os personagens como os diálogos acabam soando rasos e bastante ingênuos.

    Outro problema é que o filme parece uma aula de história da oitava série: não há ambiguidades, a divisão entre oprimidos-bons e opressores-maus é absoluta e a história é inevitavelmente contada pelos vencedores. Há certamente um mérito nessa posição e na vontade de Bolognesi de explorar o outro lado da história brasileira, mas de novo, tudo se torna raso e superficial quando não existem zonas de cinza ou quando a vida interior dos personagens se resume à sua vontade de lutar. Esse maniqueísmo diminuí um pouco na última história, passada no futuro, que é de longe a melhor parte do filme.

    Visualmente Uma História de Amor e Fúria é impressionante:  o traço estilizado dos personagens e o detalhamento dos ambientes funciona muito bem. A trilha sonora, original em sua maior parte, mas com participação de bandas como Nação Zumbi, também é extremamente bem usada e reforça a sensação de que as sequências de ação são o ponto alto do longa. No entanto, a sensação final é de um filme com pontos fortes e que poderia ter ganhado muito se tivesse menos ambições, mas acabou um tanto plano, ingênuo e inseguro de seu público alvo.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.