Tag: Geração Beat

  • Resenha | Big Sur – Jack Kerouac

    Resenha | Big Sur – Jack Kerouac

    “Todos nós já lemos Freud o suficiente para entender o que está acontecendo aqui.”

    Deve ser perturbador ser a voz de um movimento artístico. Assim, incumbido a você, reside o peso de todo um ápice artístico musical, cinemático, ou no caso, literário; algo que varia de tempos em tempos, cujo o frescor que uma geração traz depende e pode ser resumido de você, da sua nova visão, dos seus novos temperos, deliciosamente originais e até mesmo ousados, caso um seja confundido com o outro. Jack Kerouac foi a geração beat, sendo o representante mais justo e principal de uma prosa 100% espontânea e real feito a bebida que o(s) alucinava, respeitando somente o fluxo de consciência dos seus autores e autoras inevitavelmente controversos, na época.

    Kerouac foi um dos maiores, senão o grande estandarte americano de um tempo de liberdade a pavimentar, ainda, a vinda messiânica das canções de Bob Dylan e os filmes da Nova Hollywood, tal Sem Destino, M.A.S.H., Caminhos Perigosos e, é claro, O Poderoso Chefão. Foram os tempos de expansão cultural desenfreada e sem culpa cujos ‘diamantes telepáticos’ de Jack, assim como são definidos por Allen Ginsberg os seus livros e ensaios, ainda no começo da edição brasileira da L&PM POCKET, com tradução sublime de Guilherme da Silva Braga, os auxiliaram a ser uma realidade palpável e com um cheiro inebriante de “quero pertencer a ela, também”.

    Narrado com exclusividade por Jack Duluoz, alter-ego do autor, Big Sur é uma ode àquele fluxo de consciência livre, leve e solto que guiou a geração beat americana dos anos 50, orgulhosamente escrachada; expoente dos liberais das décadas a seguir. Aos desavisados, temos aqui a perfeita condição de reclusão social que leva um escritor a se aprofundar em sua existência, seus vícios, levando-o ao caos físico e psicológico em contato com a realidade de uma simples cabana à beira-mar, num lugar retirado e homônimo ao livro, onde logo no quarto dia Jack já está de saco cheio e mesmo assim algo lhe faz fincar raízes sob a missão de escrever o incrível poema ‘Mar’, um triunfo deixado no final do livro após toda a danação e a confusão emocional descrita como um caminho que Jack (o alter-ego) passa na elaboração do seu objetivo para, enfim, poder atingi-lo.

    E para o nosso deleite. Deixa-se claro, também, como os livros de Kerouac jamais foram ou sequer poderiam ser fadados as traças, ao confinamento de páginas fechadas, em estantes ocas,num fim de sessão bibliotecária – muito menos o nosso Big Sur, em absoluto. Na verdade, suas histórias e principalmente a abordagem a essas histórias, contos mundanos rompendo a barreira do tempo e do espaço através de uma narrativa impecável e entorpecida por muita bebida e reflexões da madrugada, constituem um tempo próprio e uma mitologia própria cadenciadas por personagens reais, tidos aqui por outros nomes, em outras praças e situações. Todos eles tiveram vez na eternidade. Nem Ernest Hemingway e Marcel Proust escapam de seus devaneios kerouacianos.

    Nostálgico, constante, grande e sozinho em si mesmo, o cara afirma que ‘não há tormenta tão quieta e tão terrível quanto a tormenta interior’, fato expresso no poema já mencionado, em certo momento, ao evidenciar não só a urgência óbvia na qual o livro foi gestado a duras penas, mas o controle de Jack (o autor) com as peças únicas que com um lápis e papel concebia ao ar livre; essa obra, no caso, sob o barulho das ondas e muita conversa jogada fora, noite adentro. Porque Kerouac era pássaro da noite, da estrada, do mundo, pertencia a ele, e o mundo assim faz o favor magnânimo de não esquecê-lo, jamais.

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  • VortCast 32 | Pergunte ao Pó

    VortCast 32 | Pergunte ao Pó

    Bem-vindos à bordo. Nesta edição, Flávio Vieira (@flaviopvieira), Filipe Pereira, Thiago “Coração Valente” Augusto (@tdmundomente) e Rafael Moreira (@_rmc) se reúnem para comentar o romance Pergunte ao Pó, do escritor ítalo-americano John Fante. O autor ficou conhecido pelo tom confessional entregue por suas experiências pessoais, além de ter como principal característica o estilo rápido, objetivo e pouco rebuscado de sua narrativa. A obra de Fante serviu como alicerce de toda uma revolução literária, influenciando diversos autores da geração beat e o movimento de contracultura.

    Duração: 86 mins.
    Edição: Thiago “Coração Valente” Augusto e Flávio Vieira
    Trilha Sonora: Flávio Vieira
    Arte do Banner: Bruno Gaspar

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    Comentados na edição

    Coluna sobre a geração beat, Jack Kerouac e ‘Na Estrada’
    Resenha de ‘A Mente Suja de Robert Crumb’ e um pouco sobre o movimento beat e contracultura nos quadrinhos
    Podcast sobre ‘O Apanhador no Campo de Centeio’
    Podcast sobre ‘Retalhos’
    Prefácio de Charles Bukowski

    Bibliografia do autor

    Espere a Primavera, Bandini (1938) – Compre aqui
    Resenha Pergunte ao Pó (1939)Compre aqui
    A Irmandade da Uva (1977) – Compre aqui
    Sonhos de Bunker Hill (1982) – Compre aqui
    Resenha 1933 foi um ano ruim (1985) – Compre aqui
    O Caminho de Los Angeles (1985) – Compre aqui
    O Vinho da Juventude (1985) – Compre aqui
    A Oeste de Roma (1986) – Compre aqui

    Dicas de Materiais Relacionados

    Filmes:

    Crítica Pergunte ao Pó, por Filipe Pereira
    Crítica Uivo, por Filipe Pereira
    Crítica Versos de um Crime, por Thiago Augusto
    Crítica Na Estrada, por Isadora Sinay
    Crítica Viagens Alucinantes, por Filipe Pereira

    Livros:

    Notas do Subsolo – Dostoiévski – Compre aqui
    Uma Temporada no Inferno – Arthur Rimbaud – Compre Aqui
    O Último Magnata – F. Scott Fitzgerald – Compre aqui
    Trópico de Câncer – Henry Miller – Compre aqui
    O Amor é um Cão dos Diabos  – Charles Bukowski – Compre aqui
    Big Sur – Jack Kerouac – Compre aqui
    Uivo – Allen Ginsberg – Compre aqui
    Amor nos Tempos de Fúria – Lawrence Ferlinghetti – Compre aqui
    Junky – William S. Burroughs – Compre aqui
    Geração Beat – Claudio Willer – Compre aqui
    Paranoia – Roberto Piva – Compre aqui
    Toda Poesia – Paulo Leminski – Compre aqui

  • Crítica | Versos de Um Crime

    Crítica | Versos de Um Crime

    Versos de Um Crime

    Presente desde eras anteriores à palavra, a angústia foi definida e analisada como conceito somente nos últimos séculos. Atribui-se à modernidade a culpa pela sensação de urgência em que o indivíduo, diante de um mundo plural, torna-se incapaz de identificar-se com o exterior e compreender seu valor em sociedade. Um mundo novo que negava as tradições anteriores e fazia da razão um dos papéis centrais. Neste espaço de avanços filosóficos, científicos e tecnológicos, além das grandes guerras que assolaram o começo do século, nasce o homem fragmentado.

    Em detrimento das tradicionais biografias cinematográficas que apresentam as personagens em sua totalidade, Versos de um Crime, de John Krokidas, traça a história de uma geração de jovens que viveu sob a incerteza e a angústia da guerra, reconhecendo-se na figura de homens fragmentados.

    Centrado no escritor Allen Ginsberg, a trama acompanha o autor em sua jornada pela faculdade, inicialmente vista como um local primordial de aprendizado mas que, aos poucos, torna-se um espaço formulaico onde o conhecimento não busca a iluminação. Negando seus estudos, Ginsberg encontra um grupo de escritores com o qual pode dividir sua angústia e a urgência em fazer arte numa época em que o conceito artístico parecia desgastado.

    Grande parte da jornada de um escritor divide-se na dúvida primordial de seguir a tradição que lhe é imposta ou rompê-la. Ginsberg e os não menos notáveis William Burroughs e Jack Kerouac, ao lado do amigo Lucien Carr, são jovens de família bem-sucedidas que, embora aceitem a condição em que vivem, sentem-se entediados pelo ambiente ao redor e buscam romper na literatura as amarras de seu tempo.

    Em companhia de seus pares, os escritores retomam grandes poetas transgressores do passado à procura de uma própria forma de romper as estruturas vigentes. Recorrem ao poeta W. B. Yeats, utilizando-o como fruto de inspiração para fundar a própria história, e criam um manifesto que ia contra o conceito literário da época. Um passo importante para demostrar que as regras seriam pervertidas e quebradas.

    A angústia sentida pelas personagens está atrelada à sua própria arte. É necessário entender o deslocamento que vivem para ter a experiência que dará densidade à escrita. Um senso que compreende o passado para também aceitá-lo ou quebrá-lo. Elementos primordiais que definem a própria modernidade, fazendo desta produção uma narrativa metaficcional sobre a própria literatura.

    Reforçando a sensação de ruptura, diversas cenas simbolizam esta metáfora de maneira poética. Vemos escritores bêbados ou afetados por alguma droga à procura de uma nova consciência, rasgando livros clássicos como uma fogueira que pulveriza as tradições. Nada mais justo do que uma história que apresenta grandes poetas da geração beatnik, movimento que fundariam.

    No interior dessas curvas, entre autoconhecimento e negação, um dos personagens assassina um homem mais velho tido como mentor. A morte real de David Kammerer causa naturais cisões no grupo, mas é também o caminho para que Kerouac, Ginsberg e Burroughs encontrem o melhor de seu estilo literário.

    Ainda que a morte tenha sido baseada em fatos reais, ela não deixa de ser funcional como uma metáfora da citada ruptura entre o novo e o velho. Na figura de Kammerer, Michael C. Hall interpreta um homem apaixonado pelo efebo Lucien Carr, e, diante de um amor não correspondido, a personagem se torna obcecada pelo jovem, um caso que ganha trágico desfecho.

    O desejo também é parte da questão de identidade que atravessa as personagens; Ginsberg também sente-se atraído pelo garoto, dando indícios de que este seria um dos primeiros traços de sua homossexualidade. Mais um elemento que seria definidor na carreira do poeta.

    A produção de Versos de um Crime – com péssima tradução do título Kill Your Darlings, parecendo um título de Terror B – demorou cerca de dois anos para ser finalizada. A princípio, por falta de verbas; depois, pela perda de seu ator principal, Daniel Radcliffe que, além de interpretar um dos bruxos mais famosos da nova literatura, sustenta bem o difícil papel do poeta. Demonstrando a dúbia maturidade da personagem, observamos o tédio em que as personagens viviam para, enfim, compreendermos a criação do movimento beat.

    Ao fazer um pequeno recorte histórico que se finda na morte de Kammerer, a produção foge da situação de perfeição de seus biografados e amplia a densidade da angústia que ainda reside no homem contemporâneo, que, após tantas margens e tabus aniquilados, encontra-se à margem de um vazio sem saber sua motivação. Assim como no poema de Yeats no qual os poetas se baseiam para fundar seu manifesto, muitas vezes o tempo é circular. Parte da compreensão do mundo atual deve ser feita retornando ao passado. A vida como meta ficção.

  • [Ideias no Vórtice] Uma carona com Kerouac: Analisando o Beat

    Na Estrada - capa filme - Keruac

    Jack Kerouac escreve um texto auto-biográfico em On The Road. Os personagens teriam sido inspirados em sua própria vida, utilizando-se da alcunha de Sal Paradise, e na de Neal Cassidy chamava no livro de Dean Moriarty, basicamente a história conta os apuros em que se enfiam a dupla e mais alguns outros amigos, ao fazer uma viagem que começaria na rota 66 e seria cortada por psicodelias, contra-culturas, muitas mulheres, trilhas de jazz aliadas ao asfalto e claro, uma busca espiritual. A história da publicação do manuscrito de On The Road é curiosíssima por si só, somente fora lançada ao público quase dez anos apos ser finalizada. Seu lançamento foi um divisor de águas, pois o mundo era introduzido ao que Jack chamava de Geração Beat, e por mais que contasse em si com uma narração inverídica e inventada, tornava-se uma bandeira para aqueles que compunham aquela geração.

    O Beat, de difícil definição – em virtude dos gracejos evasivos do autor – influenciou uma geração inteira. Hector Babenco fez Pixote, Jim Morrison fundou o The Doors, Bob Dylan fugiu de casa… Francis Coppolla tentou produzir um filme pelos idos de 1992, com Gus Van Sant na direção e estrelado pelo ainda não afetado Johhny Depp, mas o projeto não saíra do papel. O livro influenciou o contingente populacional que viria a se tornar o movimento hippie, e o estereótipo deixaria o autor exausto, e talvez (somente talvez) tenham colaborado para a forma reacionária com que encarava a vida na sua fase idosa. Kerouac morreu em 69, alcoólatra, barrigudo, ainda na casa de sua mãe, e refugava a obra que o tornara famoso. Odiava os “cabeludos drogados” que se inspiraram em Na Estrada, o catolicismo praticante exercido na fase anterior, a juventude psicodélica voltou a si, disfarçado do conservadorismo que cortou sua vida.

    Jack Kerouac in 1967, smiling

    Geração Beat

    Além da óbvia referência de On The Road (lançado em 1957), há dois itens que não devem ficar de fora de uma bibliografia básica, quando se fala do Beat, a saber Howl (1956) de Allen Ginsberg e Naked Lunch (1959) de William S. Burroughs. Os adeptos deste pensamento eram artistas na sua maioria ou simpatizantes da diabrura artesã e levavam um estilo de vida nômade. Junto ao beatnick (termo considerado pejorativo entre alguns subgrupos), aos hippies e a crença no existencialismo, formaram um dos primeiros movimentos contra-culturais da história, refugando o que era dito como correto e normativo, abraçando algumas das minorias secularmente marginalizadas. O compromisso com a política era comum dentro do “grupo”, contendo em si (alguns) comunistas e (esmagadora maioria) anarquistas. O engajamento visceral com ênfase no espiritual era uma das muitas justificativas para o excessivo uso de entorpecentes.

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    O Livro

    Parte Um: Narrado em primeira pessoa, as grandes partes são divididas em muitos capítulos e de curta extensão. Dean Moriarty, parceiro de jornada do narrador, é descrito por este como um fanático por sexo, prenunciando o que viria nas próximas páginas. Cassidy pretende conhecê-lo, mais não só por ter tantas diferenças (de caráter) entre ele e si, mas também por ver nele uma familiaridade fraternal inesperada – isso lhe dava coragem para enfim concretizar a aventura que o boêmio rapaz lhe propunha, rumo a um mundo até então desconhecido. A areia é como um personagem coadjuvante, acompanhado do fervor típico daquela “geração”, mas diversa do pensamento do narrador. A viagem é crua, o frio desértico, os animais do lugar árido, tudo isso é parte integrante e importante da aventura, Sal aos poucos percebe que deve se soltar, se entrosar, ou ficará sozinho, e para ter a inserção na história que procura precisara… precisaria de mais intervenção e menos observação. Com o decorrer da viagem, Sal vai deixando alguns de seus recalques de lado, se livrando da repressão que seu passado lhe impôs, suas experimentações mudam sua forma de enxergar o mundo, mesmo que ele não assuma tal troca de postura, ao menos não tao imediatamente. O contato com pessoas não semelhantes a ele e de formas diversas de encarar a vida o faz refletir sobre suas posturas e também sobre o modo de vida americano, mas no final do preâmbulo ele quase se arrepende, se considerando inconsequente.

    Parte Dois: Ao relembrar a quanto tempo não vê Dean, aproximadamente um ano, Sal deixa transparecer a falta que sente do companheiro. As pessoas de sua família parecem reféns da rotina, com suas vidas e decisões cada vez mais enfadonhas, em contrapartida, a imprevisibilidade de Moriarty é atraente, o leva a querer se aventurar de novo e mais uma vez se jogar ao acaso – e ele parte, mesmo com as novas responsabilidades que começara a tomar neste ínterim. A mudança do clima árido para o frio típico da viagem serve para exemplificar a distinção de momentos entre a primeira e segunda parte do livro.

    A leitura recomendada para a obra é de total atenção e foco voltado para a trama, mas é ainda mais importante estar inserido na atmosfera certa, de preferência em um momento da vida em que já aja uma mínima bagagem e repertório, não cultural, mas de vivências e experiências, de sonhos já frustrados e possivelmente de porres mal resolvidos. O que Kerouac propõe para si e consequentemente para o leitor é um “abrir mão” de certos valores, especialmente os de maior conservadorismo, a fim de experimentar uma parcela da vida onde a distância do ideal para o tosco (ou grotesco) não é tão óbvia ou evidente.

    Parte Três: Sal parece bem menos arredio com os “seres de classe inferior”, não reclamando nem mesmo da companhia de gigolôs e profissionais do sexo. Seu terceiro encontro com Moriarty, ele vê seu companheiro um tanto pessimista, ainda que ele permaneça com muitos dos seus hábitos boêmios e desvairados. A tristeza dele se deve muito a questão que envolve Maryllou, que parece piorar cada vez mais. Sal e Dean mergulham numa nova jornada, restabelecem seu pacto e partem para novas experiências, ainda mais viscerais e nonsense do que antes, pois se infiltram em círculos ainda mais undergrounds dos que costumavam frequentar. A carona que tomam com as “fags” é o início de uma relação intensa (bem mais do que os dois gostariam) com alguns homossexuais. É interessante identificar os preconceitos ainda mais flagrantes a época em comparação com a contemporaneidade.

    Parte Quatro: Sal Paradise começa a quarta parte vendendo o seu livro, o que lhe garantiu uma tranquilidade financeira um tanto inédita, enquanto Dean Moriarty vivia com Camille, sua nova/velha mulher. Os tempos mudaram, não era somente Dean que sentia o peso do matrimônio de Maryllou, que estaria até grávida de um vendedor de carros – a geração que cortou o país estava desfeita e descaracterizada quanto a rebeldia e ao comportamento de contra-cultura. O uso excessivo de entorpecentes não é freado, mesmo após a paternidade consumada de muitos personagens. Entretanto, os escrúpulos de Dean e Sal mudaram muito, parte em que meninas ainda infantes serviriam como objetos de saciamento dos prazeres carnais dos presentes é chocante aos olhos de ambos, e mexe com muitos dos conceitos dentro de suas mentes. A degradação de outrem os atinge, demonstrando evolução que estes sofreram.

    Parte Cinco: A ideia que Sal Paradise faz de Dean Moriarty na capítulo final é (pedestal), semi-divina, (idealizada sinônimo), como o símbolo daquela geração que deixaram para trás. Sal foi um observador, mas Dean viveu tudo aquilo intensamente, seu estilo de vida dependia disso e mesmo com o tempo passando, e o consequente amadurecimento vindo, ele ainda preservava um pouco da rebeldia daqueles dias dentro de si. O Moriarty verdadeiro era o do deserto árido, das viagens sem rumo pelo interior do país, de caráter experimentador, a figura paterna que ele se tornara era uma jaula para o seu verdadeiro espírito e essa era a sua principal diferença para Paradise, que permanecia o mesmo “moço correto” com alguns desvios na moralidade que foi a tônica em sua vida.

    Na Estrada de Walter Salles

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    A canção, antes dita na tela escura, imediatamente acompanha os passos do andarilho na árida estrada. A forma de Salles filmar emula muito mais uma típica estética estadunidense do que seus filmes do passado, exceto pela paleta de cores, semelhante e muito as tonalidades apresentadas em Central do Brasil. A lente de Walter registra uma beleza que não se notava em Kristen Stewart (exceto talvez por Corações Perdidos), sua Maryllou é completamente diversa da insossa Bella da Saga Crepúsculo. Há muitos easter eggs, como a demonstração do quanto a obra de Proust está no ideário de Dean.

    Após 40 minutos de exibição, o realizador grava imagens de Sal escrevendo, muito semelhantes as de Dora (Fernanda Montenegro) em seu filme mais popular, as sequências na areia repleta de barracas de pano também lembram muito as terras nordestinas que Josué e Dora percorriam, atrás de seus objetivos. Apesar de carecer muito de um bom ritmo, o filme de Walter Salles passa as emoções femininas de uma forma magistral, os ciúmes de Maryllou, a decepção e rompimento impingidos por Camille. Mesmo com o roteiro extremamente fiel ao livro, na película a força está maior nas atuações das mulheres, Kirsten Dunst e Kristen Stewart são mais competentes que a dupla de amigos Sam Riley (Sal) e Garrett Hedlund (Dean).

    Os excessos do diretor fazem de Na Estrada um filme desnecessariamente longo, o que não chega a ser um enorme problema, ainda que incomode em determinados momentos. A escolha de Jose Rivera ao apresentar no seu roteiro uma relação que beira a o homo-atratividade entre Paradise e Moriarty é exagerada e desnecessária, é óbvio que um tinha muitos ciúmes do outro, mas a atração entre eles não era sexual em si, e sim fraterna.

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    Pós-viagem

    A mensagem que Kerouac passou em sua mais ilustre (e famosa) obra é completamente diversa da sua ideia de mundo, visto a sua caretice e postura ultra-conservadora no fim de sua vida. A crença de que a leitura de uma obra torna-se maior do que a ideal que o autor pensa ganhou um capítulo especial em On The Road, onde a apropriação da interpretação do livro é muito mais de direito de seus leitores do que do criador. Por toda a sua importância, seria natural uma enorme expectativa a adaptação para a grande tela, e a consequente decepção geral pelo filme de Salles.  O poder das palavras fez o autor refugar, mas pavimentou o modo de agir não só da geração que viveu toda a efervescência dos primeiros anos do beat, mas quase toda a contra-cultura posterior a ele, vide o movimento punk, a música hardcore, e o grunge de Seattle por exemplo. Na Estrada é um retrato de como muitos da geração que viveu nos anos 1950 agiram em seu íntimo e representa também o sonho de muitos dos que não tiveram coragem de vivenciar tais experiências, além de ser um capítulo muito importante da história americana de contestação do status quo.

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  • Crítica | Uivo

    Crítica | Uivo

    Quad

    A produção de Rob Epstein e Jeffrey Friedman aborda de modo mais poético e lírico a Geração Beat que Na Estrada, tomando a figura e a obra de Allen Ginsberg como temas. Howl, a obra em que o filme se baseou, abusa do lúdico e do etilismo. O registro cinematográfico é composto de cenas equivalentemente alucinógenas, salientando a sábia escolha de usar uma animação das mais primitivas – remontando aos clássicos de Walt Disney – para ilustrar as delirantes memórias do protagonista/narrador.

    Muito mais modesto que seu primo dirigido por Walter Salles, Uivo é mais competente em demonstrar as desventuras dos beats, até por não ter a pretensão de ser algo grandioso. Sua simplicidade é algo louvável, mas não o torna medíocre, muito graças à boa encarnação do (ainda não estelar) James Franco. A produção é quase artesanal, dado o seu caráter, e confessional ao extremo, competente em reproduzir a aura do escrito original.

    A variação de estilos cinematográficos garante um novo fôlego à obra, que varia entre thriller jurídico, mockumentary, beatnik, épico etc. O estourar de palavras e letras, que formam os poemas, faz um contraponto curioso com os objetos de consumo que também teimam em aparecer na tela. A falta de apego material de Ginsberg é mostrada, evidenciando os poucos bens que importavam para ele – seus óculos, sua máquina datilográfica e objetos de uso “marginal”.

    A falta de traquejo de James Franco ao ler as poesias em público é incômoda e diferente de suas boas narrações – o defeito representa o deslocamento de Allen em relação ao mundo, suas preferências carnais e a forma com que é tratado como artista iniciante em uma época em que nenhuma dessas práticas era explorada e discutida de forma igualitária e justa. Ele era um astro fora de órbita, mesmo na galáxia em que orbitavam Jack Kerouac e Neal Cassaday. A negação da existência de uma “geração” demonstra com maestria o seu pensamento. Ainda que essa declaração tenha um forte apelo, há nela algo eufemístico, visto que (ao menos no roteiro), Ginsberg deixa claro que se sentia rejeitado até mesmo pelos dois amigos, e muito por isso se deve o fato de eles não formarem um movimento, sendo apenas escritores que buscavam vender mais.

    A empatia pelo personagem é automática e nem é tanto pela belíssima poesia – utilizada de forma inteligente, pontual e nada enfadonha – mas também pela fragilidade que ele transparece.

    Para a promotoria, Howl era uma literatura suja, imoral, que propagava obscenidades, não só para os letrados, mas também ao alcance dos incautos e dos adeptos da moral e bons costumes. A disputa no tribunal não filma Ginsberg como réu; como se a batalha fosse ideológica, de dois pólos: um conservador e outro amoral e pró-arte. O que se julga é a obra e não o autor, e o resultado é favorável a ela, garantindo-lhe o direito à livre expressão.

    O final contém os destinos dos próximos a Ginsberg e resulta numa confissão positiva do autor, que, depois de muito procurar, parecer ter finalmente achado o seu lugar ao lado de seu parceiro e, claro, com seu trabalho como escritor. Uivo é um bom retrato de época e acerta demais na ambientação e no espírito daquele período.